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Delito de Opinião

Uma detenção sem carpideiras

Pedro Correia, 20.03.18

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Nicolas Sarkozy, ex-Presidente francês, acaba de ser detido por suspeitas de financiamento ilícito da sua campanha eleitoral de 2007 pelo deposto ditador líbio Muamar Kadafi. Nos países com instituições sólidas e democracia consolidada é assim: a justiça segue o seu curso, doa a quem doer. E os políticos - estejam no activo ou já retirados - respondem perante os investigadores como qualquer cidadão.

Sem  coros de carpideiras a anunciarem o fim do regime, como sucedeu em Novembro de 2014, quando por cá foi detido o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

O início da era Hollande (1)

Pedro Correia, 14.05.12

 

Vinte e quatro anos depois, a França - o país da Europa que pensa mais à esquerda e vota mais à direita - voltou a eleger um presidente socialista. François Hollande derrotou um desgastado Nicolas Sarkozy por escassos três pontos percentuais, inferiores ao que prediziam todas as sondagens.

Sarkozy, que pela sua natureza e pelas suas atitudes tem pouco a ver com os conservadores clássicos, repetiu até à exaustão durante a campanha que durante o seu mandato de cinco anos nunca a França esteve um trimestre em recessão, apesar da crise generalizada na Europa. É verdade. Mas também é certo que o país tem um nível de desemprego preocupante e as taxas oficiais de crescimento não revelam - longe disso - uma economia dinâmica, o que ajuda a dar asas ao discurso demagógico e populista de Marine Le Pen, a dirigente da Frente Nacional que ambiciona liderar a direita francesa.

 

No digno discurso em que reconheceu a derrota, na noite de 6 de Maio, Sarkozy destacou a força das instituições democráticas que permitem uma alternância tranquila no poder. A vitória de Hollande projecta-se para fora das fronteiras da Europa com a força de um símbolo numa região do mundo onde a esquerda tem sido duramente penalizada nas urnas desde que eclodiu a crise dos mercados financeiros.

Para um democrata, nunca é de mais sublinhar a importância destas rotações de poder ditadas pela soberania do voto popular. Num continente onde crescem de modo alarmante as forças extremistas "anti-sistémicas", indiferentes às lições da História bem evidenciadas nas décadas de 20 e 30 do século passado, um democrata convicto tem o dever cívico de proclamar esta sua condição. Que implica a aceitação dos resultados eleitorais, sejam eles quais forem. O exercício do direito de voto torna as sociedades mais fortes contra as investidas de todos quantos pretendem suprimi-lo invocando para esse efeito palavras tão apelativas e tão manipuláveis como povo, pátria, nação ou classe.

 

A economia francesa não está bem. Mas a política mantém-se de boa saúde e recomenda-se. Prova disso foi a grande afluência eleitoral: mais de 80% dos franceses inscritos nos cadernos de recenseamento acorreram às assembleias de voto na segunda volta das presidenciais.

Uma boa notícia para a União Europeia, que está tão carente delas. E uma responsabilidade acrescida para o novo inquilino do Eliseu, que amanhã toma posse. O seu primeiro passo como Presidente é significativo: voa de imediato para Berlim, onde será recebido por Angela Merkel.

A política vive muito de símbolos. Este é tão forte que fala por si. De forma mais expressiva do que todas as torrentes de retórica em que a França sempre foi fértil. Como costumava dizer o general De Gaulle, "nada grandioso será alguma vez conseguido sem grandes homens - e os homens só se engrandecem quando estão determinados nisso".

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França em tempo de viragem

Pedro Correia, 02.05.12

 

Logo à noite os franceses - e milhões de europeus - assistirão ao debate televisivo entre o socialista François Hollande, que na primeira volta das presidenciais venceu por escassa margem (28,6% contra 27,2%), e o conservador Nicolas Sarkozy, inquilino do Palácio do Eliseu desde 2007.

Marine Le Pen já anunciou que não recomenda o voto em nenhum dos candidatos. É uma má notícia sobretudo para Sarkozy, que pretende cativar a esmagadora maioria dos 6,4 milhões de eleitores da Frente Nacional - a grande surpresa da primeira volta, na qual a filha de Jean-Marie Le Pen atingiu os 18%.

 

No escrutínio do próximo domingo está muito mais em jogo do que o próximo titular da presidência francesa: está também em jogo o destino da União Europeia, alicerçada no cimento franco-alemão.

O risco da desagregação da Europa é real. Como nunca o foi desde 1957.
Mas a verdade é que também nunca como agora o discurso anti-europeu foi tão popular em França. De tal maneira que cativou cerca de um terço do eleitorado que foi às urnas no dia 22.

Há muitos anti-europeístas, na esquerda radical e na direita radical - aliás com posições simétricas em diversos domínios.

Uns exigem que Paris rasgue o Tratado de Lisboa, como Jean-Luc Mélenchon, o candidato da Frente de Esquerda (agrupando comunistas e esquerdistas radicais) que, abandonando anteriores teses federalistas, passou a dizer nesta campanha que a União Europeia"deixou de ser a solução para passar a ser o problema".

Outros, como Marine Le Pen, advogam já sem peias o regresso ao franco. Sabendo que uma Europa sem euro deixará de ser Europa.
Mélenchon, de algum modo, já pertence ao passado: no dia 22 obteve um resultado muito aquém do que previam todas as sondagens. O melhor que conseguiu (17%) foi em Saint-Denis - na antiga 'cintura vermelha' de Paris. Nem o enorme desgaste do mandato de Sarkozy nem o facto de neste primeiro escrutínio não estar sequer em jogo o chamado 'voto útil' à esquerda o levaram a ultrapassar uns decepcionantes 11,1% a nível nacional - basta recordar que o comunista Georges Marchais, na primeira volta das presidenciais de 1981, conseguiu 15,35%.
Mas a maior derrota de Mélenchon ocorreu no plano simbólico, ao quedar-se no quarto lugar, muito atrás de Marine Le Pen - ela sim, congregadora do essencial do voto de protesto. E - espantosamente - também a maior beneficiária do voto dos operários franceses: 29% votaram nela (mais um ponto percentual do que Hollande, o segundo candidato preferido pela classe operária). Algo que devia motivar a reflexão de toda a esquerda europeia no momento em que se regista uma inédita taxa de 10,9% de desemprego na zona euro.


O problema maior em França está na direita extremista, que sob a insígnia da Frente Nacional capitaliza também o essencial do discurso anti-europeu, mobilizando os cidadãos "invisíveis" e "esquecidos" dos arrabaldes citadinos e das pequenas comunidades do interior que se sentem excluídos desta construção europeia enquanto contemplam, nostálgicos, as ruínas das fábricas - símbolos da França de outrora. Orgulhosa potência industrial e cultural até há poucos décadas, a velha pátria do general De Gaulle atravessa um período de inegável decadência.

Qualquer dos candidatos, para vencer no domingo, precisa dos votos que agora recaíram na Frente Nacional, cujas propostas merecem a aprovação de 37% dos franceses. Como acentuava há dias o insuspeito Le Monde, «é Marine Le Pen quem conduz esta campanha. São os temas da extrema-direita que estão no centro do debate».
Assim é. Já influenciaram o errático discurso de Sarkozy, que agora defende a suspensão do acordo de Schengen no espaço francês. E até o prudente Hollande começa a lançar sérias prevenções contra a imigração descontrolada.
A contaminação do centro político por franjas radicais é a consequência mais preocupante da crise europeia. Não tenhamos dúvidas: apesar das dificuldades actuais, a União Europeia - parafraseando Churchill - é a pior das configurações políticas excluindo todas as restantes. Mil anos de guerras sangrentas provocadas pela confrontação dos nacionalismos na Europa confirmam esta evidência.

 

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ADENDA: Excertos de alguns dos principais debates presidenciais em França

Douce France

José Navarro de Andrade, 24.04.12

Se a psicanálise ainda estivesse viva as eleições francesas seriam o ponto de rebuçado da catarse política. O que nunca falha é elas conseguirem libertar dois tipos de recalcamentos psíquicos que poderiam ser identificados como o “síndrome Maria Antonieta” e o “complexo salazar”, assim denominados em honra dos seus promotores.

Ainda hoje está por esclarecer se a boutade da princesa austríaca foi jocosa ou mero reflexo da estupidez aristocrática. Ao sugerir brioches a quem reclamava pão, é bem possível que a surpresa dela fosse legítima, vinda de alguém que nunca pisara além dos muros palacianos e simplesmente ignorava qualquer espécie de condição humana que não fosse a dela, a das suas damas de companhia, a dos cavalheiros que as acompanhavam e a dos seus caniches. Viver entre quatro paredes a ler livros pode dar nisto.

Temos então em 2012 Sarkozy o bobo, o populista, o consumado relapso, o patente crápula, o desqualificado aos olhos das mentes mais ilustradas entre a Finisterra e os Urais, o prematuro derrotado, e ei-lo muito pimpão a meio caminho de regressar ao Eliseu. Como pôde o povo escolher tal côdea dura, quando dispunha do tenro brioche Hollande? Como sucedeu tamanho ultraje à inteligência? Só pode ter sido por obra do demo ou do direito universal de voto, o qual como se sabe, equipara a escolha dos parvos à dos ensinados.

Entra em cena Salazar pela direita baixa: será que os franceses não estarão preparados para a democracia? Porque se estivessem outro coq cantaria.

Vá lá que desta vez não houve indícios de hecatombe como em 2002 (Jospin dehors, 2ª volta entre a direita-direita de Chirac e a extrema-direita de Le Pen, pai). Mas ainda assim não faltarão vestais para rasgar as vestes, dado que a loura burra não desmobiliza a votação do zarolho. A imoralidade tomou conta da França, dirão em último recurso, porque é sempre nessa instância que o discurso político resvala para a moralidade. Mas a pergunta que os patrícios da política se resguardam de enfrentar é bem simples: porque razão votam assim os franceses? Ou outra ainda mais comichosa: que cegueira ataca quem faz vida a discorrer sobre política, que não lhe permite compreender resultados historicamente tão consistentes?

Ou será que excepto a realidade está tudo mal? (Mas esta agora é mais complicada).

 

A nostalgia da grandeza perdida

Pedro Correia, 23.04.12

 

Outros dirão provavelmente que o resultado da primeira volta das presidenciais de ontem em França foi bom para a Europa. Não é o meu caso. Quase um terço dos eleitores, que acorreram em grande número às urnas, exprimiram com clareza um voto anti-europeu.

É certo que o peculiar sistema eleitoral francês potencia o voto de protesto na primeira volta. Mas se somarmos os 6,4 milhões de eleitores de Marine Le Pen (que conduziu a Frente Nacional ao seu melhor resultado de sempre) aos quatro milhões de Jean-Luc Mélenchon, representante da Frente das Esquerdas (o equivalente gaulês do Bloco de Esquerda), verificamos que cerca de um em cada três franceses renega o essencial do projecto europeu tal como foi desenhado no último meio século. No todo ou em grande parte, estes eleitores querem que o país abandone o euro, renegue Schengen, rasgue o Tratado de Lisboa. Defendem o "patriotismo" monetário, o proteccionismo económico, o controlo estatal do aparelho produtivo. Renegam a disciplina financeira. Exigem a reforma aos 60 anos e a subida do salário mínimo para os 1700 euros como se vivessem numa ilha, separada do continente, numa irreprimível nostalgia daquelas três gloriosas décadas - entre 1945 e 1975 - em que a França, grande potência industrial e agrícola, era um dos motores da economia mundial, com índices anuais de crescimento do produto interno bruto que ultrapassavam os 5% (mantendo-se nos 5,8% entre 1959 e 1973).

Esses tempos passaram, provavelmente para sempre. Vista de outras parcelas do globo, observada por chineses ou brasileiros, a Europa é hoje um continente em irreprimível declínio. A França deixou de desempenhar o relevante papel cultural que durante séculos assumiu no mundo e não o retomará com bravatas retóricas. Nem François Hollande (28,3%), com o seu socialismo descafeinado, nem Nicolas Sarkozy (27,2%), o mais errático dos conservadores europeus, conseguirão alterar nada de essencial - suceda o que suceder na segunda volta, com os eleitores de Marine a servirem de fiéis da balança.

"A extrema-direita, com quase 20% na França do século XXI, é o resultado da crise económica, política e moral", alertou o candidato centrista François Bayrou, que obteve uns decepcionantes 9,1%. É a voz da razão. Mas cada vez menos querem ouvi-la nos dias que vão correndo, em que tudo serve de pretexto - à esquerda e à direita, com a cumplicidade activa das candidaturas do "sistema" - para enterrar o projecto europeu. Todos teremos a perder com isso. E, como é de prever, só perceberemos tarde de mais.

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ADENDA de 26/4:

Jorge Almeida Fernandes, no Público: «A “questão da Europa”, sempre latente em França, volta a ser central. Note-se que, entre extrema-direita e extrema-esquerda, mais de um terço do eleitorado pôs directamente em causa a Europa.»

Le fond de l'air est frais

José Navarro de Andrade, 23.04.12

 

É só para dar uma noticiazinha de rodapé que parece ter ficado esquecida: voltem a pôr a rolha no champagne, Carla Bruna deverá morar mais 5 anos no Eliseu (e Sarkozy também). Para Portugal isto nem é bom nem é mau, ou alguém ainda se iludirá com a hipótese de Hollande defender uma política europeia para a França (esta frase é assim mesmo) diferente da actual?

Eleições francesas: Lalallande ou Ohlalallande?

Rui Rocha, 22.04.12

Numa eleição, a insuficiência de argumentos pode ser suprida pelo carisma dos candidatos. Mas nesta eleição defrontam-se Sarkozy e Hollande. Não têm ponta de carisma por onde um eleitor lhes possa pegar. Sarkozy tem defeitos. Hollande não tem qualidades. Sarkozy não agrada. Hollande não convence. Sarkozy não cumpriu as promessas que fez. Hollande faz promessas que não pode cumprir. Perante isto, Hollande vai vencer. As eleições ganham-se ao centro. Para sobreviver na 1ª volta, Sarkozy andou em ziguezague, mas encostado à direita. Em nome dos fins, perdeu o meio. Não o vai recuperar. Criou anticorpos onde Hollande recolhe indiferença. Os anticorpos são insuperáveis. A indiferença admite um voto de olhos fechados. A avaliação que o eleitor comum pode fazer sobre Hollande não é positiva. A que faz sobre Sarkozy é negativa. O voto do mal menor vai prevalecer. O melhor virá no dia seguinte. No momento em que Hollande for confrontado com as suas promessas. Ou tenta cumpri-las e desgraça a França, transformando-a na Lalallande, ou não as cumpre e desgraça-se, transformando-se a si próprio em Ohlalallande. De uma maneira ou de outra, o estado de graça do futuro Presidente de França dura exactamente até à noite de 6 de Maio. Sarkozy não merece tanto.

A recandidatura de Sarkozy.

Luís Menezes Leitão, 16.02.12

 

A recandidatura de Sarkozy ameaça ser um fracasso total para a direita francesa, que há muito vê Hollande tomar a dianteira nas sondagens. O mandato de Sarkozy foi um desastre absoluto para a França, praticamente a transformando num joguete da Alemanha na esfera internacional. E em termos nacionais a situação não está melhor, com a crise económica a agravar-se e a França em risco permanente de perder o triplo A nos ratings da dívida, sendo posta no mesmo saco que os países do Sul. Tudo isto tem deixado os franceses extraordinariamente insatisfeitos com o seu Governo. O facto de Merkel ir fazer campanha a França só pode prejudicar ainda mais a candidatura do elo mais fraco do duo Merkozy. É por isso evidente que Sarkozy tem tantas hipóteses de ser reeleito como a Torre Eiffel tem de dançar o samba. Ameaça repetir-se agora do lado da direita o que se passou nas últimas eleições em que Chirac concorreu: a divisão do eleitorado de esquerda permitiu a passagem de Le Pen à segunda volta. Marine Le Pen é muito mais perigosa do que o seu pai e pode perfeitamente fazer a surpresa, sabendo-se que os votos na Frente Nacional são sempre muito superiores ao que as sondagens revelam. É por isso possível a existência de uma segunda volta entre Hollande e Marine Le Pen. E isso seria um cenário absolutamente catastrófico para a direita francesa.