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Delito de Opinião

Ambiente de trabalho VIII

Teresa Ribeiro, 27.09.22

A glorificação do empreendedorismo abriu caminho à proletarização do trabalho intelectual. A partir do momento em que a iniciativa empresarial se transformou em valor supremo, os dependentes, aqueles que pela sua natureza ou pela natureza do seu trabalho exercem a sua profissão por conta de outrem, passaram à condição de subalternos, independentemente do seu nível de competências.

Esta simplificação, que dividiu o mundo do trabalho em dois, colocou do lado dos assalariados um conjunto indiferenciado de profissionais, de cientistas e arquitectos, a trolhas e empregadas de limpeza. Segundo esta nova ordem, passaram a equivaler-se, na medida em que uns e outros não detêm o único e verdadeiro poder, o do dinheiro.

A curva descendente que levou a que a maioria dos licenciados passasse a ganhar salários absolutamente desajustados do seu nível de preparação e conhecimentos começou com esta desvalorização social indiferenciada dos assalariados, algo que conduziu à desvalorização profissional e correspondente descida de salários.

O argumento de que os impostos são elevados para quem contrata, sempre usado pelos empregadores para justificar porque pagam tão mal, não explica a existência neste país de um fosso cada vez maior entre pobres e ricos. A falta de ética, sim.

Até porque não é só de salários baixos que se faz esta nova cultura empresarial. As ilegalidades são uma constante e praticam-se com crescente despudor. A avaliar pelos casos de abuso que me vão chegando aos ouvidos, através da geração que na minha família está a entrar no mercado de trabalho e da sua rede de amigos, e de amigos de amigos destes, percebo até que ponto a cultura do trabalho, no país, se tem degradado. Há já quem queira admitir jovens licenciados à experiência sem lhes revelar o salário que pretendem pagar e a partir de quando; há quem anuncie sem embaraço que “nas semanas em que há feriado, o feriado conta como folga”; o hábito de pagar um x por debaixo da mesa está instituído; o pagamento de horas extraordinárias está fora de questão; o aumento de salário, idem; o direito a “desligar” à noite e aos fins-de-semana não é sequer tema de conversa. Não admira que os jovens estejam a fugir deste país ao ritmo a que fugiam da guerra colonial nos anos 60.

É a economia? A inépcia de quem nos tem governado? Sim, mas também esta falta de civismo, tão tuga. O oportunismo sonso dos muitos que podiam contribuir para o aumento do salário médio em Portugal, mas que aproveitam os saldos para comprar “talento” ao preço da uva mijona. O talento de que precisam para manter os seus projectos de pé. Porque o espírito de iniciativa não é tudo. Mas isso, claro, quando reconhecem, é no tom paternalista que reservam ao elogio dos subalternos.

Salário mínimo, asneira máxima

José Meireles Graça, 24.04.21

Luís Aguiar-Conraria publicou há tempos um livrinho (326 pág.s) a que deu o título “A Culpa Vive Solteira”, cuja leitura, com a autoridade que não tenho, recomendo: nele não se encontram os pedantismos académicos que são típico da tribo dos economistas, antes um discurso simples sem ser simplista, acessível sem ser vulgar, e interessante por tratar de quanto tema anda no ar contemporâneo das tendências sociais e políticas, sempre oferecendo soluções fundamentadas – e assumidamente discutíveis.

Quase sempre as soluções repousam em “estudos”; e quase nunca se questionam as variáveis que são tidas em conta. Entendamo-nos: quem faz estudos na área das ciências sociais não pode incluir todas as relevantes porque a análise ficaria demasiado complexa; e, consciente ou inconscientemente, as escolhidas correspondem quase sempre a um parti-pris dos investigadores. Daí que um céptico militante como eu, ademais desconfiado daquela seita, e ciente de que boa parte dos académicos usa um fato-feito ideológico que veste a todas as situações com pétrea suficiência, discorde, neste caso em pelo menos um terço das situações, dos remédios propostos.

Este longo intróito só se justifica por apreciar o autor e o escrito; e porque me dá jeito para comentar a expectoração de hoje de uma comunista que defende com vigor uma tradicional ideia deletéria que nunca deveria ter visto a luz do dia, isto é, o salário mínimo.

A senhora diz que um aumento de 40 euros é insuficiente: ela quereria 90.

Tem razão e eu, que sou mais isento na amizade que dedico aos trabalhadores porque não faço disso profissão, diria que 180 seria muito mais indicado. E isto  para começo de conversa, porque o salário mínimo só não deveria ser para já igual ao da Holanda, que é de mais de 1.600 euros, porque possivelmente a nossa dieta deveria incluir outrossim um consumo anormal de batatas; nem ao da França, que é de mais de 1.500, porque nem de longe temos a mesma variedade de queijos; nem, ainda menos, o do Luxemburgo, que é de 2.200, porque o dr. Marcelo, se fosse nobre, nunca passaria por um grão-duque, além do que as empregadas domésticas que para aqui vêm prestar serviço costumam ser originárias de Cabo Verde e não de outros países europeus.

Isto é uma maneira séria de tratar o problema? Não, não é, mas tenho desculpa: a maneira como os técnicos se referem a este assunto também não.

Aguiar-Conraria, a pág.s 122 e seg.s, diz que o nosso problema não é o salário mínimo, é o médio ou mediano, porque o primeiro se aproxima demasiado daqueles, e isto porque há muitas empresas que dispõem de poder de monopsónio (que, graças a Deus, explica o que é). Isso ajuda a explicar por que razão os aumentos do salário mínimo não tenham provocado aumento do desemprego. Fantástico: há um certo número de empresas, que não se sabe bem quais são, que podem pagar mais sem pôr em risco a sua sobrevivência mas não pagam. E, portanto, os aumentos de salário não só não criaram desemprego como ainda tiveram o efeito benéfico de aumentar o consumo, que induz mais produção (o texto não reza exactamente isto, é interpretação minha). Daí que a recomendação para corrigir o desequilíbrio entre salário mínimo e o médio ou mediano seja “encontrar uma maneira de dar mais poder negocial aos trabalhadores”, razão pela qual não devemos diabolizar “os novos sindicatos e as novas formas de luta que lhes dão maior poder reivindicativo”.

Onde está a procura de outros factores que, sem ser apenas o bendito monopsónio, expliquem a contradição entre um aumento de preço que refrearia teoricamente a contratação (mais salário=menos emprego), mas na prática não o faz? Não está. E todavia sabemos que a enorme expansão do turismo, para a qual as políticas públicas contribuíram zero, e as low-cost e a Al-Qaeda muito, é provavelmente a principal razão para a queda do desemprego.

E está onde, a análise do efeito que poderá realmente ter a interferência do imperium público na liberdade contratual do patrão/trabalhador, que é o que significa o reforço dos “poderes negociais” de uma clique de profissionais da reivindicação, ainda por cima depositários, como é quase sempre o caso entre nós, de uma “visão” de sociedades alternativas onde o capitalismo, para se aperfeiçoar, deve caminhar para o seu desaparecimento?

Que fique claro: não dou os meus dez cêntimos para uma discussão nestes termos. Se desse, haveria de perguntar onde está a comparação entre as contas de exploração das empresas portuguesas e as suas congéneres estrangeiras, a ver se o valor acrescentado comporta aumentos salariais; e, se muitas vezes não comportassem, tentar perceber por que razão é assim e não de outra maneira, sem recurso à dolorosa falta de formação dos empresários, alegação que quem nunca fez empresas costuma adiantar sobre quem as faz.

Em vez de reforço dos poderes sindicais, recomendaria a extinção do Conselho de Concertação Social, um organismo corporativo onde tem assento uma quantidade de gente que finge representar os trabalhadores, e outra tanta que finge representar os patrões, uns e outros servindo interesses que, no melhor dos casos, correspondem aos que já estão representados no Parlamento; e anularia os privilégios legais dos representantes sindicais que os fazem ter um estatuto laboral diferente dos seus representados e um sobre-custo para as empresas de onde são originários, assim como obrigaria à declaração de greve ter o apoio expresso, e não tácito, da maioria dos trabalhadores – um programa fascista, já se vê, na novilíngua cripto-comunista que a comunicação social adoptou como se fosse português de lei.

Claro que, em nome da liberdade de associação, reconheceria personalidade jurídica aos sindicatos e protegeria de represálias os delegados sindicais – o que não é a mesma coisa que lhes conferir um poder de casta.

E então, como se corrige o risco bem real de, pela via do desequilíbrio de poderes de facto, os patrões se esquecerem de actualizações salariais, podendo fazê-lo? E como se pode conviver com salários de miséria naquelas empresas cujos dirigentes se outorgam a si mesmos rendimentos principescos, na flagrante indiferença que os ricos naturalmente têm por quem, no lugar do pão com manteiga que tomam como natural, vive com uma côdea de pão bolorento?

É um problema social e que, como tal, deve ser resolvido socialmente, sem criar distorções que prejudiquem o chão nivelado onde todos se devem mover. Se uma empresa não pode pagar o salário mínimo nem por isso deve desaparecer (e que se lixe o paleio das empresas zombie, objecto de outra crónica, e uma tolice quase inteiramente pacífica entre bancários e economistas, que têm tendência a copiar as modas de pensamento uns dos outros). Desaparecer ou não é uma questão de mercado a resolver pelo mercado, não uma questão de diktats dirigistas.

Resolver de que forma? Ora aqui é que os estudiosos são necessários: deve haver maneira de, sem ferir a liberdade contratual nem a independência da gestão empresarial (recorde-se: as empresas pertencem aos seus sócios, não à comunidade) conseguir que os que estão na base da pirâmide social tenham aquele mínimo de subsistência digna que a riqueza do país permita.

A porta da interferência de políticos praticamente inimputáveis está escancarada, tanto que as eleições são, em parte, leilões de bens roubados e outros prometidos, bem como para ideias peregrinas tais como a fixação de quotas por sexo (que aliás designam abusivamente por género) em lugares de direcção, que não têm sequer dignidade, as ideias, para serem consideradas na vida interna das empresas por outrem que não quem as dirige. Lembremos: as empresas não comem nem bebem, não jogam, nem têm amantes para as ou os quais comprem perfumes e apartamentos. Quem pode fazer essas coisas são as pessoas. E é sobre as pessoas, seja com impostos directos seja indirectos (há no livro uma interessante e provocatória tese sobre o IVA a 50%) que as redistribuições devem incidir, limitando ao mínimo as intervenções no jogo do mercado (que inclui o do trabalho) e garantindo o rendimento mínimo que o país possa pagar. O país, não patrões celerados assim considerados por uma súcia de enxeridos e as Camarinhas deste mundo.

Luís Aguiar-Conraria é, como outros socialistas (lembro-me de Sérgio Sousa Pinto, um bom exemplo), perigoso: são sérios, bem-intencionados, honestos, competentes e inteligentes. Substituiriam com vantagem a troupe infecta de demagogos que nos pastoreia; e garantiriam que, com contas certas, o país se mantivesse na cauda da Europa que vagas sucessivas de optimistas planificadores garantiram que iríamos abandonar.

É assim há 40 anos. Porque quem parte de pressupostos errados não pode chegar a conclusões certas.

O esbulho fiscal dos salários (2)

Paulo Sousa, 20.08.20

Na sequência deste post de há dias, importa referir os seguintes detalhes:

1 - Como foi bem lembrado pelo leitor JgMenos se nos quisermos aproximar do custo real do empregador temos ainda de considerar o facto de que os valores apresentados para salário base serem pagos 14 vezes para 11 meses de trabalho. Como os subsídios de férias e de Natal não incluem o subsídio de refeição não podemos fazer uma proporção directa que nos levaria ao seguinte quadro.

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Em qualquer dos casos os valores rondam os 50% com a excepção do caso 4 referente ao SMN. Mas mesmo nesse caso o empregado recebe apenas 60% do custo total do seu empregador.
Importa acrescentar que o factor que tem maior peso nestes cálculos respeita à Segurança Social.

2 – Claro que existem diversas formas que remunerar o trabalhador sem que o estado se aproprie de tamanha proporção de riqueza. O estado sabe disso, e isso acontece de baixo do nariz de todos os Ministros das Finanças. O pagamento de despesas de representação, de quilómetros feitos em viatura própria ao serviço da empresa, assim como o recurso a prémios de desempenho são algumas das formas de reduzir o valor da segurança social. Atalhos idênticos são utilizados para remunerar horas extraordinárias.
Há quase um ano o país quase parou com a greve dos camionistas das matérias perigosas. Algumas das suas reivindicações prendiam-se exactamente com o impacto negativo que essas formas de remuneração têm na sua reforma. O Estado sabe disto e finge que não vê porque teme asfixiar ainda mais a economia. O Estado finge também que não sabe, porque precisa de fingir que alinha nas exigências ideológicas dos seus parceiros. No fundo é um jogo de fingimentos vários e com diferentes direções. Esta não é A causa da estagnação da nossa economia, mas é apenas mais uma das causas.

3 – A remuneração líquida que cada trabalhador recebe será direcionada principalmente para o consumo. Por isso será novamente taxada em IVA, Imposto sobre produtos petrolíferos, Imposto sobre Veículos, Imposto Único de Circulação, Imposto de Selo, Imposto Verde (s/ sacos de plástico), Imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas e Imposto sobre o Tabaco. Se depois desta cascata de impostos sobrar algum valor e alguém conseguir adquirir a prestações um imóvel, será ainda devedor do Imposto Municipal sobre Transações e Imposto Municipal sobre Imóveis. Vou aqui saltar outras taxas e taxinhas.

4 - Se as taxas de IRS que explicam parte do fenómeno fiscal indicado no post anterior fossem menores, os trabalhadores veriam os seu rendimento disponível aumentado e assim poderiam consumir e poupar mais. Naturalmente que iriam pagar mais imposto sobre o consumo, o que de ponto de vista fiscal equilibraria a perda de receita de IRS.

Os impostos em geral, pela legitimação da apropriação dos bens dos outros, são a quinta essência da esquerda. Os indirectos, sobre o consumo, por serem muito castigadores de quem mais consome, que são os ricos. Mas mais adorados ainda são os impostos directos, como é o caso do IRS. Estes têm o fascínio irresistível de legitimarem a castração em absoluto das possibilidades de escolha do contribuinte .
A retenção na fonte do IRS baseia-se numa perversa lógica de anestesia fiscal. Depois de sacar dois ou três ou ainda mais milhares de euros por ano a um casal, o Estado “devolve-lhe” com uns meses de atraso três ou quatro centenas deixando-os assim satisfeitos com a safra fiscal desse ano.

5 – A minha proposta que sem a rede de cretinisse do Plano Estratégico do António Costa e Silva poderia parecer idiota:

Tudo isto se passa num “suponhamos”.

Se as duas parcelas de IRS e de Seg. Social (cerca de 50% dos custo suportados pelo empregador) pudessem ser redistribuídas em partes iguais pelo trabalhador e por quem lhe dá emprego, os ganhos sociais e de competitividade seriam imensos. Em primeiro lugar pelo aumento do rendimento disponível que seria especialmente mais significativo nos ordenados mais baixos. Em segundo pela folga de tesouraria que permitiria às empresas reduzir o seu endividamento, investir no crescimento do seu negócio ou então simplesmente sobreviver no cenário de pandemia que vivemos.

Mas, dirão: "Para isso seriam vários milhares de milhões de euros para equilibrar o OE". E é verdade.

Mas faria mais sentido oxigenar a tesouraria das famílias e das empresas, numa medida desta natureza, consumindo parte da ajuda europeia que nos é destinada, ou será melhor torrar esses fundos europeus no megalómano projecto do hidrógenio, exactamente no início da sua curva tecnológica, quando tudo é muito mais experimental, mais caro, menos produtivo e menos rentável?

O esbulho fiscal dos salários

Paulo Sousa, 13.08.20

É vulgar e fácil de concluir que os salários em Portugal são demasiado baixos.

Não me quero meter na lavra dos economistas e começar para aqui debitar tiradas sobre rendimento real ou nominal e sobre ganhos de produtividade. Propus-me apenas a observar, de forma muito simplista, alguns dados que sendo públicos quis o governo que fossem ocultados. Para isso recorri ao simulador de salários líquidos para o ano de 2020 do site doutorfinancas.pt.

Como é práctica corrente, e fazendo tábua rasa do significado da expressão “subsidio de refeição”, considerei que o valor creditado no cartão refeição é também um rendimento. Não considerei o subsídio de férias nem de natal.

Tendo em mente os jovens da geração mais bem preparada de sempre e a sua capacidade em se tornarem financeiramente independentes escolhi os dados que lhe fossem adequados e por isso os cenários que simulei referem-se a um sujeito não casado e sem dependentes.

O primeiro cenário respeita a um jovem recém-formado que tenha negociado com a sua entidade patronal um salário de 1.000€ líquidos.

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O valor do salário base indicado foi definido por tentativas de forma a encontrar o salário liquido pretendido. Neste caso 1, em que o empregado recebe 1.000€ líquidos, o seu patrão tem um custo de 1.531€ e por isso podemos afirmar que este jovem apenas recebe uma parcela de 65%  do custo suportado pela empresa.

Consideremos agora que o empregador está muito satisfeito com o desempenho deste jovem ao ponto de o querer aumentar. Nesse caso (cenário 2) para um aumento líquido de 100€ o empregador terá de gastar mais 208€. O valor final auferido é assim reduzido para 63% da totalidade do custo salarial da empresa.

Se imaginarmos que este jovem é um engenheiro informático que foi contratado por uma startup criativa de capitais irlandeses que por cá assentou arraiais na vaga do Web Summit, então as suas referências salariais são outras. Considerando que o SMN Irlandês é de 1.656€, a empresa oferece a este jovem engenheiro 2.000€ líquidos. Assim teremos:

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Neste caso o jovem engenheiro irá receber apenas 52% do custo suportado pela empresa que quis investir no nosso mercado. O Estado retém 48% do valor que a startup desembolsa.

Para quem possa pensar que esta dimensão do valor retido pelo estado respeita apenas a altos (?) ordenados veja então o casos do nosso SMN.

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Este caso 4 respeita ao SMN e o caso 5 a um salário líquido de SMN+100€. Mesmo nestes casos de salários baixos o estado retém no mínimo 23% para logo imediatamente a seguir, pela fartura de mais 100€ passar a reter 31%.

A segurança social paga pelo empregador, não consta no recibo de ordenado por opção política. O discurso anti-capitalista é uma marca cultural do regime fundado pela constituição socialista de 1976. Ora, se o empregado não tiver conhecimento de quanto efectivamente custa à empresa onde trabalha será mais fácil alinhar numa atitude anti-patronato, e isso agrada ao mainstreem socialista. A IL propôs em novembro do ano passado que esta informação passasse a ser dada ao empregado, mas essa proposta não passou no Parlamento.

Acrescento ainda que estes valores aqui apresentados não incluem a totalidade dos custos obrigatórios e igualmente suportados pela empresa empregadora, como sendo formação, seguros de acidentes de trabalho, segurança e higiene no trabalho e equipamento de segurança. E haverão outros, que me escaparam.

Perante estes dados, uma infinidade de diferentes interpretações podem ser feitas. Cada um de nós terá a sua que aqui pode partilhar. Eu, em breve aqui regressarei com a minha.

Socialismo de Curto Prazo

José António Abreu, 05.01.17

O caso da TSU do salário mínimo ilustra bem os tempos em que vivemos. Uma medida que se traduz no aumento de poder de compra a curto prazo transporta consigo incentivos perversos de contenção dos salários mais baixos a médio e longo prazo. O acordo do salário mínimo é, na prática, uma política que defende uma economia de salários baixos.

Helena Garrido, no Observador.

Dinheiro em Caixa

Rui Rocha, 21.10.16

Muito curiosa a argumentação sobre os vencimentos na Caixa. Ah e tal que para gerir o banco público é necessário escolher os melhores e, por isso, as remunerações têm de estar em linha com as praticadas nos bancos privados. Certo. Já para chefiar o governo do país serve um borra-botas qualquer, disponível para ganhar 5 ou 6 mil euros mensais, a que nenhuma empresa privada confiaria sequer um par de mangas de alpaca.

Os rendimentos e a revolução tecnológica

João André, 21.01.14

A Economist desta semana traz um trabalho sobre o impacto da tecnologia no trabalho e nos rendimentos. O impacto em questão é o do poder dos computadores e da forma como vão tomando conta de tarefas que sempre vimos como sendo do domínio humano. No artigo,e ste impacto é equiparado ao da Revolução Industrial, sendo que a comparação mais comum é com a do desaparecimento dos tecelões em favor dos teares mecânicos.

 

O artigo aborda, do ponto de vista dos trabalhadores, dois aspectos: o primeiro é o desaparecimento (ou pelo menos redução drástica) de alguns postos de trabalho tradicionais; o outro é o impacto desta nova revolução tecnológica nos rendimentos dos trabalhadores. Sobre o segundo ponto, o artigo faz referência à dinâmica da Revolução Industrial, a qual indica que os primeiros ganhos do impacto da tecnologia são favoráveis às pessoas com rendimentos mais elevados, mas que depois os trabalhadores de rendimentos mais baixos tendem a ser favorecidos. Isto faz perfeitamente sentido na lógica que o artigo apresenta: quem tem rendimentos mais elevados são pessoas habitualmente com educação superior e como tal mais capazes de responder de imediato ao novo paradigma. Mais tarde, com a educação das pessoas de rendimentos mais baixos, também estas ganham. Simples e claro.

 

Há, contudo, um aspecto que me parece desprezado e esquecido nesta história. Aquando da Revolução Industrial, os trabalhadores deixaram o campo e migraram em massa para as cidades para poder trabalhar na indústria. Ou seja, saíram de zonas pouco povoadas e mudaram-se para zonas de elevada densidade populacional (e acabaram por a aumentar ainda mais). Dadas as condições miseráveis que estes trabalhadores inicialmente conheceram (salários baixos, insalubridade, sobrelotação, etc), os trabalhadores uniram-se e começaram a criar sindicatos para lutar pelos seus direitos. Isto não será "conversa de comunista", mas um facto histórico. Com o tempo, essa luta (que incluíram naturalmente melhor educação para os trabalhadores) acabou por melhorar as condições dos trabalhadores, nomeadamente os seus salários (o artigo faz uma pequena referência acerca dos movimentos sociais e políticos).

 

E é este o ponto que me parece falhar no artigo da Economist: a melhoria dos rendimentos não adveio apenas e só porque a educação melhorou ou porque faça parte da dinâmica natural de novos paradigmas. Adveio como resultado de um conjunto de circunstâncias, entre as quais a emergência dos sindicatos não foi - de longe - a menor. Ora, no presente caso as coisas provavelmente não se passarão da mesma forma. A tecnologia que permite esta nova revolução também impõe a separação física entre as pessoas. Se a Revolução Industrial colocou os trabalhadores em contacto uns com os outros, esta nova revolução promove essa separação. Seja porque é possível fazer o trabalho a partir de outras localizações, seja porque as empresas promovem a mobilidade, a verdade é que os trabalhadores cada vez passam pouco tempo uns com os outros. O resultado disto é que os laços de amizade, camaradagem ou simples confiança não são estabelecidos.

 

E a verdade é que sem confiança nenhuma luta do tipo sindical terá sucesso. Um trabalhador vê-se essencialmente perante o Dilema do Prisioneiro: sem confiança que os seus colegas tomem parte, terá menos incentivos para lutar por direitos. Os sindicatos poderão beneficiar da tecnologia no que diz respeito ao número de adesões, mas a separação física não ajuda à organização de uma greve (por exemplo, uma vez que continua a ser a principal arma negocial de um sindicato). Sem esta forma de pressão, é improvável que os rendimentos dos trabalhadores beneficiem a prazo, pelo menos ao nível do que se passou após a Revolução Industrial. Certamente que a educação ajudará e não há dúvida que o talento será sempre bem remunerado, mas a esmagadora maioria dos trabalhadores não é talentosa: é simplesmente mediana.

 

O resultado, a meu ver, será um aprofundar do fosso entre ricos e pobres. Poderão existir mecanismos inovadores que os sindicatos (ou seus sucedâneos facebookianos) criem, mas do meu ponto de vista está tudo dependente das relações interpessoais de confiança. Estas, ao invés das tecnologias, dos métodos de trabalho ou das fábricas, não mudam facilmente: existem como resultado de evoluções biológicas e sociais ao longo de muitos séculos e possuem inércia a mais.

Mensagens de Natal.

Luís Menezes Leitão, 25.12.13

 

O dia de Natal trouxe-nos anúncios de prendinhas no sapatinho, só que mais uma vez não nos vão ser destinadas mas sim ao Estado, que continua a tratar os cidadãos como o Xerife de Nottingham, confiscando abruptamente os seus bens e rendimentos. E nem no dia de Natal as pessoas podem ficar sossegadas.

 

Em primeiro lugar, e como se esperaria, Cavaco Silva esteve-se mais uma vez nas tintas para os novos cortes de salários e a escandalosa tributação das pensões via contribuição especial de solidariedade e não vai suscitar o Orçamento a fiscalização preventiva. Nada que não se esperasse em face do seu comportamento nos anos anteriores. O que já espanta é a singeleza da explicação aqui dada: "A Presidência não comenta, uma vez que não há nenhuma decisão presidencial". Deixar passar o prazo para recorrer ao Tribunal Constitucional não resultou assim de nenhuma decisão presidencial. Será porventura fruto de esquecimento ou distracção?

 

Quanto ao Primeiro-Ministro, acaba de declarar que vai usar "todos os instrumentos" à sua disposição para cumprir o programa de resgate. O que isto significa é que agora vale tudo até Junho de 2014. Não se sabe o que aí vem, mas as perspectivas são muito sombrias, até porque, como tive ocasião de sustentar aqui, não é nada tranquilizadora a decisão do Tribunal Constitucional sobre os cortes de pensões.

 

É gravíssimo termos um regime constitucional em que um Governo pode fazer tábua rasa dos direitos adquiridos das pessoas, sem que surja qualquer controlo, seja do Presidente da República, seja dos tribunais a impedir esses desmandos. Nem o Estado Novo alguma vez foi tão longe. No seu exílio no Brasil, confrontado com as medidas do PREC, Marcello Caetano proclamava que no seu regime "nunca houve confisco de bens fosse a quem fosse — e a Constituição, aliás, proibia-o". Acrescentava ainda que "sempre se respeitaram os direitos adquiridos à reforma pelos funcionários civis ou militares punidos por motivos políticos" (Minhas Memórias de Salazar, p. 418). Vivia-se então em ditadura. Mas o actual regime constitucional, que proclama ser um Estado de Direito, não apenas tem admitido o confisco de salários e pensões, com o beneplácito do Tribunal Constitucional, como nem sequer precisa de perseguir politicamente e punir os funcionários públicos para lhes retirar os seus direitos adquiridos às pensões.

 

Na sua célebre Quinta Emenda, a Constituição Americana estabelece que "no person shall be (…) deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation". Entre nós, também o art. 62º da Constituição garante a todos o direito à propriedade privada, e só admite a requisição e a expropriação por utilidade pública com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização. Até quando continuaremos a desrespeitar desta forma os direitos fundamentais dos cidadãos?

Ainda a propósito do aumento do salário mínimo

José Maria Gui Pimentel, 09.03.13

É, curiosamente, um assunto que está também a ser discutido do outro lado do Atlântico. A propósito disso, vale a pena ler este artigo. Apenas uma advertência, a análise é boa, mas importa ter algo em conta: o caso português é de uma economia em profunda recessão, não de uma economia americana em recuperação (lenta, mas real), e muito menos de uma economia saudável (que compõe grande parte da amostra dos estudos efectuados).

Parem a montanha-russa

Rui Rocha, 21.11.11

A redução dos salários ocupou o espaço mediático e os fóruns de discussão nos últimos dias. Recordo, a este propósito:

  • a questão das folgas orçamentais suscitada pelo PS para defender a possibilidade de salvar um dos subsídios da função pública e dos pensionistas;
  • a resposta errática do Governo, ora admitindo a discussão, ora fechando a porta à viabilidade de alteração do orçamento nessa matéria;
  • a sugestão, de sentido dúbio, dos elementos da Troika relativamente à necessidade de estender ao sector privado os cortes previstos para os funcionários públicos;
  • a revisão das tabelas da função pública lançada para o debate por algum membro do Governo e já arrefecida por outros.

Ora, o que todos os políticos e técnicos responsáveis deviam perceber, representem eles instituições nacionais ou internacionais, é que estamos a falar de assuntos extremamente melindrosos e que provocam consequências graves e profundas na vida das pessoas. Por isso, exige-se a todos (isto é, em primeira linha ao Governo e também à oposição que quer ser credível e aos representantes da Troika) sensatez, contenção e sentido de responsabilidade. Corte-se no que tiver de ser cortado, na estrita medida do necessário. Discutam-se as opções com rigor e seriedade. Todavia, tenha-se também presente que é inadmissível que o debate seja intoxicado, numa matéria tão sensível, com demagogia, oportunismo ou inépcia técnica e comunicacional. Não há modos agradáveis de abordar más notícias. Mas, para que não se prolongue a tortura emocional dos reais ou presumíveis afectados,  é obrigatório encontrar formas correctas, claras e concisas de o fazer.

Pregar aos peixes

Ana Margarida Craveiro, 21.11.11

Já tinhamos um presidente pro bono, agora temos uma presidente da Assembleia da República pro bono. Independentemente do valor inqualificável das reformas, o que importa aqui é o desprezo pelo cargo. Os salários dos políticos são pagos ao valor a que são por vários motivos. Um deles é a independência. Estes presidentes reformados representam o quê? A Caixa de Aposentações? Isto estraga a qualidade da democracia. E é errado, do ponto de vista institucional. Mas sinto-me sempre a pregar aos peixes, quando realço estas coisas.

A terrível redução dos salários no sector privado

Rui Rocha, 17.11.11

O dia amanheceu com um novo foco de intensidade dramática. Diz-se que a Troika quer impor a redução dos salários do sector privado. Por esta hora, os jornais, as rádios e as televisões já entrevistaram milhões de especialistas. O dono do café onde tomei um galão e meia torrada apresentou-se hoje aos clientes de barba feita e roupa lavada. Confidenciou-me que existem boas razões para acreditar que também ele será ouvido ainda hoje sobre este tema. Afinal de contas, já não falta ouvir mais ninguém. Todavia, convém reflectir um pouco antes de arrancarmos os poucos cabelos que nos restam. Desde logo, quem ler o relatório de acompanhamento publicado e ouvir as intervenções dos elementos da Troika com atenção, poderá chegar à conclusão de que não se trata de uma imposição, mas de uma previsão. Face à retracção do consumo e à redução dos salários da função pública, nada mais natural do que um reajustamento mecânico dos salários no sector privado, sobretudo nos sectores que dependem do mercado interno. A estrutura remuneratória da generalidade das empresas privadas já integra hoje uma parte variável indexada aos resultados. Se a empresa ganhar menos, os trabalhadores levam menos para casa. Se a empresa perder, os trabalhadores vão para casa. Depois, mesmo que se venha a concluir que a imposição virá, com a indispensável alteração legislativa, convém não esquecer alguns pontos. A essa redução nominal seguir-se-ão ajustamentos de diversa natureza. As empresas saudáveis não deixarão de compensar os seus trabalhadores (os que merecerem) com outras remunerações complementares. As que enfrentarem dificuldades verão na medida um balão de oxigénio. Se ficarem por aí e não se reinventarem, acabarão por fechar apenas um pouco mais tarde. Ou seja, no sector privado, a vida continuará como antes. Com sucessos, fracassos, injustiças, entradas, saídas, prémios, promoções, mais ou menos remuneração em função dos resultados individuais e das vitórias ou derrotas das empresas, despedimentos colectivos, falências, salários em atraso ou desemprego. Trata-se de ganhar, perder e voltar a tentar. Por isso, que não doa a cabeça a todos quantos estão muito preocupados com as possíveis dentadas da Troika na carne dos trabalhadores do sector privado. Estes já vivem há muito tempo no espaço e no tempo da realidade. Como diria o outro, é a vidinha.

Cortar salários, despedir ou aumentar impostos?

Rui Rocha, 17.10.11

O editorial de Pedro Santos Guerreiro publicado hoje no Jornal de Negócios é bem o exemplo da desorientação em que estamos. Mesmo os mais lúcidos de entre nós tendem a acordar cada vez mais baralhados. Antes de mais, convém salientar que PSG não questiona a necessidade de assegurar o resultado das medidas: Não havia alternativa a medidas com este alcance.

 

Para além disso, PSG reconhece a necessidade de diminuir o número de funcionários públicos: Seria estrategicamente melhor para o Estado ter feito um despedimento do que este corte cego. Os custos sociais, no entanto, seriam impraticáveis, tendo em conta o desemprego.

 

Todavia, aqui chegado, PSG discorda do caminho adoptado no Orçamento de Estado para 2012. Melhor seria, diz, que em lugar de cortar a remuneração dos funcionários públicos, se tivesse optado por um imposto extraordinário sobre o rendimento e o património. Isto porque os cortes na função pública terão uma consequência nefasta: os melhores tenderão a trocar o sector público pelo sector privado ficando no Estado apenas a "má administração", integrada pelos funcionários improdutivos. Esses que, apesar de poderem até ter remunerações mais baixas, são comparativamente mais caros precisamente por serem improdutivos. 

 

Há, porém, alguns pressupostos da tese de PSG que carecem de demonstração:

a) o facto de se aumentarem taxas de imposto não implica aumento da receita por muitas e variadas razões. Uma delas chama-se evasão. Uma imoralidade, é certo. Mas, tão real quanto o facto de à vida se seguir, mais tarde, ou mais cedo, a morte. Por isso, uma actuação por via fiscal nunca poderia assegurar o mesmo grau de certeza na concretização do défice que está implícito na redução da despesa. Poderíamos correr esse risco? Não me parece.

b) PSG dá por provado que se assistirá à fuga da "administração boa". Ora, salvo melhor opinião, isso acontecerá apenas em casos pontuais. O sector privado (a parte dele que conseguir sobreviver) reagirá ao contexto com reduções de quadro e das remunerações médias. É preciso não esquecer que no privado uma parte substancial da remuneração tem natureza variável. Está indexada a objectivos. Não é preciso ser muito clarividente para perceber o que irá acontecer-lhe num contexto de crise e de recessão. Isto é, também no privado se assistirá a um ajustamento em baixa das remunerações. Se não me engano, a "administração boa" terá pouco para onde fugir.

c) o argumento clássico da segurança no emprego que PSG desvaloriza: sim, o emprego público inclui ainda, na maior parte das situações, uma promessa de trabalho para a vida. Na actual situação, será necessária alguma ousadia para trocar isso por uma qualquer miragem privada. A "administração boa" terá, apesar de tudo, pouca vontade de fugir.

 

Em resumo, a proposta de PSG teria como consequência pôr a cargo da sociedade no seu conjunto aquilo que o Estado não pode pagar, distorcendo, uma vez mais, os mecanismos do mercado de trabalho e pondo em causa objectivos essenciais das finanças públicas. Em consequência, digo que mais impostos para isso, não obrigado. De útil do artigo de PSG ficam então um diagnóstico correcto, uma ou outra frase que, retirada do contexto, servirá de slogan à indignação dos funcionários públicos e o respectivo link no Câmara Corporativa.

 

Há, todavia, um ponto em que PSG tem razão. A redução da despesa por via do corte dos salários dos funcionários públicos será completamente imoral se fizer retardar um segundo que seja outras reformas estruturais do Estado. E acrescento que essa imoralidade será ainda mais grave se certos monopólios, mordomias e gastos supérfluos construídos à sombra do Estado se mantiverem.

Linha do Mondego tem quase tudo

João Carvalho, 27.01.11

O metro do Mondego já tem quase tudo. Incluindo projectos congelados e administradores encostados. Até tem rotundas — vejam bem — que é uma técnica seguramente inovadora em caminhos-de-ferro.

Assim de repente que me ocorra, a única coisa que o metropolitano de Coimbra não tem é metropolitano. Mas não há-de ser por isso que tem administradores. Deve ser mais para tomarem conta das rotundas.

Os gestores públicos do nada

João Carvalho, 26.01.11

Em tempos, existiu uma linha férrea que ligava Coimbra à Lousã. Era gerida como qualquer outra linha férrea: pela CP (mais tarde, pelas estruturas que lhe sucederam, a empresa pública que passou a gerir os comboios e a empresa pública que passou a gerir os carris e restante material, a favor do sistema complicadex).

Um dia, a linha férrea evaporou-se com a promessa de nascer o metropolitano de Coimbra. Logo surgiu mais uma empresa pública com uma capacidade de gestão extraordinária: meia dúzia de administradores e uma dúzia de funcionários, mais-coisa-menos-coisa.

Recentemente, os trabalhos mal iniciados para o metropolitano Coimbra-Lousã foram congelados e a população, que só queria o velho comboio que sempre teve, sentiu-se traída. Sem razão, porque aquilo que não tem, ao que me dizem, continua sob alçada de uma gestão invulgar: meia dúzia de administradores e uma dúzia de funcionários, mais-coisa-menos-coisa.

Todos sabemos que estamos num país surpreendente, em que o factor sorte é essencial para se estar bem na vida. Neste momento, por exemplo, palpita-me que a estrutura do metro de Coimbra possui a equipa mais sortuda do país: meia dúzia de administradores e uma dúzia de funcionários, mais-coisa-menos-coisa, pagos para gerir coisa nenhuma.

Espera-se que não tenham sofrido grande corte nos salários da crise, por causa da concorrência com os imensos nadas nacionais.

Imagem — O ministro Mendonça manda ensaiar

uma linha alternativa para circular em Coimbra

Salário mínimo - actualização gota a gota

Rui Rocha, 23.12.10

A decisão que saiu da concertação social em matéria de salário mínimo concretiza um abuso e uma falta de respeito. A única questão pendente era saber se o Governo cumpria (mais) uma promessa que foi objecto de um acordo celebrado com os parceiros sociais. Não estava em causa a utilidade da existência de um salário mínimo, independentemente do seu valor. É certo que não falta por aí quem se entretenha a terçar armas defendendo uma das posições possíveis em matéria de enquadramento teórico. A discussão é interessante. Na prática, todavia, é ponto assente que, em Portugal, existe um salário mínimo fixado anualmente. E que estava previsto que ele fosse de 500€ em 2011. Em conclusão, esta é mais uma estação de um longo e penoso via crucis de incumprimento de promessas e de retrocesso em medidas já aprovadas. Igual a si próprio, todavia, o Primeiro-Ministro, acompanhado pela sua trupe de malabaristas, não teve coragem para reconhecer isto com frontalidade. Por isso, à sombra de parceiros mais ou menos previsíveis, encontrou uma nova forma de aumento: a actualização gota a gota. Como bem se percebe, chegar a 500€ em Outubro (veremos se vai ser assim) é dizer que o salário mínimo em 2011 andará próximo, em média, de 490€. Tentando evitar o reconhecimento óbvio de mais um falhanço, Sócrates brinca com os portugueses que o recebem. Para poder dizer que em 2011 o seu valor chegará aos 500€, vai-lhes atirando ao longo do ano uns amendoins. Utiliza-os como joguetes, procurando fazer deles a peneira que tapa a sombra do seu insucesso. Este é, importa não esquecer, o Primeiro-Ministro que afirma, do alto da cátedra da superioridade moral, que não utiliza os pobres como arma de arremesso político.