Devemos pedir contas, sim. Se a lei deixou de nos garantir a palavra dada, se os contratos de trabalho contêm cláusulas que de nada servem, se o imperativo nacional nos coloca numa situação de suspensão de direitos de estatuto, então é lícito trepar à nossa árvore podada e olhar a floresta.
Já não gozamos de uma copa frondosa, já não estamos felizes com os nossos frutos e o horizonte está ali, repentinamente muito mais visível.
Identificamos, gritantes, as torres de marfim. E queremos que o Estado, que deixou de ter condições para pagar as suas 'despesas de manutenção', actue com equidade, dividindo proporcionalmente os sacrifícios.
Mas o cimo da árvore é um observatório perigoso, porque também podemos perder a perspectiva. Pedir cabeças a eito não é solução. E entrar numa lógica compulsiva de comparação leva-nos inexoravelmente a querer tratar de igual maneira aquilo que não é igual.
Infelizmente, somos uma sociedade civil imatura e desorganizada, sem hábitos de democracia vigilante, e por isso atiramo-nos agora sem critério a tudo o que mexe, desde que suspeitemos que alguém leva um euro a mais dos bolsos do Estado que somos e que sustentamos.
Pegando num exemplo: - Um representante do povo eleitor que passa a exercer um cargo governamental tem legitimidade para esperar receber um subsídio de alojamento, quando vive a mais de 100 kms da sede do poder? Terá direito a ser ressarcido das despesas efectivas e imprescindíveis em que incorre por causa desse mandato? Claro que sim. Não se trata de um privilégio, trata-se de uma neutralização de prejuízos. É o preço da representatividade democrática. E ai de nós se não distingumos estas diferenças, porque amanhã estaremos a exigir a folha de proventos e encargos pessoais do nosso vizinho, exercendo uma espécie de julgamento popular sobre a sua vida financeira. E então, a prazo, morreremos todos com as mesmas armas.
Precisamos de não perder tudo: e para isso, é fundamental manter o distanciamento crítico.
Agora temos na agenda as subvenções vitalícias dos políticos.
- É legítimo exigir a sua revogação? Claro que sim.
- Os constitucionalistas bradam?
Não me lembro de os ouvir rugir quando, inconstitucionalmente, me foi retirado o direito aos subsídios de férias e de Natal, complementos remuneratórios históricos, inalienáveis e impenhoráveis.
- O que eu espero de Pedro Passos Coelho?
É que veja a floresta. Que a veja acima da sua árvore (o PSD). E, se preciso for, acima da nossa própria árvore de horizonte limitado.
É para isso que ele lá está e foi mandatado.
Além disso, nesta matéria, o primeiro-ministro goza de um atributo que nenhum constitucionalista me pode garantir: a autoridade moral.
A soberana isenção de quem prescindiu, a seu tempo, de uma subvenção do Estado. Quando poucos se importavam com isso e ninguém aplaudia.