O legado (28)
Diário de Notícias, 2 de Março
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Diário de Notícias, 2 de Março
A partir de um link da página SAPO, fui direccionada para um artigo de opinião de Carla Baltazar. É apresentada como "gestora e mentora" e eu nunca tinha ouvido falar dela. Achei, porém, o artigo interessante, até porque vinha de encontro a algo que o meu marido ouviu num documentário televisivo.
A propósito do COP28, Carla Baltazar pergunta-se: podemos pensar na saúde do planeta como pensamos na nossa? O facto é que, se o fizermos, entendemos melhor porque nos custa tanto adoptar certas medidas e comportamentos, tendo em vista a preservação da Natureza.
Quando estamos doentes, ou a dar cabo do nosso organismo com maus hábitos, temos de prescindir de certos comportamentos, ou confortos, por vezes, temos mesmo de nos sujeitar a tratamentos dolorosos. Claro, trata-se sempre de uma opção pessoal. A maior parte de nós sujeita-se ao que os médicos prescrevem, ou aconselham. Para os que não o fazem, as consequências podem ser catastróficas. E há quem só se deixe tratar, quando é tarde demais.
Sei que é difícil para muitas pessoas resistir aos prazeres do dia a dia porque é difícil imaginar o que será esse futuro distante. E é isto que vem de encontro ao que o meu marido me contou. O tal documentário ocupava-se da pergunta: porque é tão difícil a muitas pessoas adoptarem comportamentos benéficos para o planeta? Resposta: porque os resultados não são imediatos.
Assim como não adianta dizer a certos jovens que olhem pela sua saúde, caso contrário, sentirão as consequências, quando forem mais velhos, também muitas pessoas não vêem razão para mudar certos hábitos, tendo, como meta, benefícios a longo prazo.
Um dia será tarde demais. Nessa altura, porém, já não somos nós a sofrer. Apenas os nossos filhos, netos e bisnetos. Há quem se preocupe com isso. E há quem encolha os ombros e diga: "que se aviem!"
«Se nada se alterar, Novembro vai ser o pior mês de sempre nestes 44 anos de SNS.»
Fernando Araújo, director executivo do Serviço Nacional de Saúde
Um cidadão português chega ao Hospital de Loures com uma anca fracturada e morre estendido numa maca de bombeiros num corredor das urgências, onde aguardou durante seis horas transferência para o Hospital de Santa Maria por alegada falta de ambulâncias disponíveis.
Às portas de Lisboa, neste século XXI. Sob a maravilhosa "gestão pública" que agora promete, com a habitual língua de pau dos burocratas, a «abertura de um processo de inquérito com carácter de urgência para cabal apuramento dos factos».
Quando o diagnóstico está feito pelo próprio Ricardo Leão, autarca socialista do concelho de Loures: o hospital deve regressar sem demora à gestão privada.
Leitura complementar: «Nem deixaram tratar o meu pai, morreu no corredor.»
Soubemos há dias que o Hospital de Santa Maria (HSM) enviou uma grávida de risco para o Hospital da CUF. A decisão médica que levou a que esta medida fosse tomada resultará da consciência da incapacidade do HSM em prestar os devidos cuidados, assim como da inquestionável opção em colocar o utente, e o bebé neste caso, no centro da acção médica.
Ao contrário do que fariam os mais empedernidos defensores da lógica pervertida de que uma decisão médica se deve centrar na natureza económica do prestador, o corpo clínico do HSM decidiu bem.
Muitos dos problemas que sentimos na saúde em Portugal seriam ultrapassados, ou significativamente reduzidos, se as ideologias saíssem desta equação e fosse possível combinar a capacidade instalada entre o sistema público e os recursos existentes no privado.
Ecografias, electrocardiogramas, raio-X, análises ao sangue e muitos outros diagnósticos funcionam nesta combinação de recursos. Para cada um destes serviços existe um preçário definido pelo SNS e o utilizador dirige-se ao prestador que considera mais adequado às suas necessidades. O critério de escolha pode ser a proximidade geográfica, o horário de funcionamento, a qualidade de atendimento, a rapidez na entrega dos resultados ou qualquer outro à sua escolha. A concorrência entre os operadores privados estimula-os a melhorar, com vantagens óbvias para quem recorre aos seus serviços. Tal e qual como acontece com os supermercados, bombas de combustível, restaurantes ou outros negócios, com a variedade de escolha é sempre o cliente que sai beneficiado.
Com diferentes nuances, é dentro desta lógica que funcionam sistemas públicos da saúde que são muito mais eficientes que o nosso. Pelo que já li, podemos aqui referir o exemplo alemão e o inglês.
No nosso rectângulo, o debate entre estas duas formas de gerir os cuidados médicos é habitual que a prioridade do serviço prestado ao cidadão seja atropelada por interesses corporativos, sindicais e políticos.
Do ponto de vista dos sindicatos é preferível concentrar o máximo número de trabalhadores sob a mesma entidade laboral. Se estes estiverem dispersos por vários empregadores, o sindicato perde poder.
Reformas que levem a mudanças de rotinas e que interrompam interesses instalados geram sempre fricções contra quem as decida fazer e o actual poder político é avesso a essas coisas.
O número, sempre crescente, de portugueses sem médico de família, as listas de espera por cirurgias e por outros actos médicos, envergonham o país. A estatística confirma que a mortalidade está a aumentar. Em resultado da falta de vontade governativa em fazer as reformas necessárias, hoje vive-se menos, vive-se pior e morre-se por causas que um sistema público de saúde centrado no cidadão, e não nos prestadores, conseguiria evitar.
O governo prefere apostar nos arranjos cosméticos, como é o caso das maternidades de serviço rotativo que colocam enorme pressão nas grávidas. Os casos de partos em ambulâncias que circulam de maternidade em maternidade, à procura de uma porta aberta, são tão frequentes que até criam a ilusão de que a natalidade está a aumentar, o que infelizmente não é verdade. Em Abril passado, soubemos da perda de um bebé, cuja mãe "esteve mais de duas horas dentro da ambulância sem saber para que unidade hospitalar iria".
A situação que motiva este postal, um hospital que num caso complicado recorre a outro hospital, não deveria gerar qualquer espanto, mas infelizmente a notícia justifica-se.
Muitos palermas conservadores, enquistados pelo ódio ao lucro e pela inveja da não dependência do erário público, do alto do seu acesso ao ADSE, ou similar, tentam defender a situação insatisfatória em que um SNS disfuncional acaba por ser destinados apenas aos mais pobres.
Estão errados acima de tudo pela visão afunilada que têm e que os impede de tomar consciência de que quando alguém precisa de assistência médica não quer saber se quem o assiste é funcionário público ou não. Insistir numa receita que sabemos não trazer os resultados pretendidos é um sinal de burrice, de alienação da realidade e de imoralidade para com os compatriotas.
Na sexta-feira passada assisti a uma Assembleia Municipal que, de forma diferente do habitual, decorreu fora da sede de concelho. Há uns anos instituiu-se uma rotação esporádica destas sessões entre as diferentes freguesias do Município de Porto de Mós. Julgo que estas Assembleias Municipais Descentralizadas ocorram uma vez por ano e esta foi a primeira vez que visitaram a Freguesia do Juncal.
O público não aderiu em massa, longe disso. Pelo que já verifiquei noutros tempos, em que durante alguns anos me deslocava a Porto de Mós e não perdia uma, na generalidade o público não sente a vida autárquica como sendo coisa sua. Excepção feita nas campanhas eleitorais em que, ágil, se desloca às sessões de esclarecimento, vulgo porco no espeto com minis e vinho a gasto.
Antes de se deslocar a uma AM, para usar da palavra no designado “período antes da ordem do dia”, o público prefere cumprir a sequência natural das coisas e começa por apresentar as suas reclamações na respectiva Junta de Freguesia. Só depois de repetidos pedidos não terem resultado é que então, talvez, se desloque ao plenário municipal. Como resultado disso, ao se ouvirem os Presidentes de Junta, escutam-se as queixas mais representativas dos seus fregueses.
Pelo que me recordava doutros tempos, o padrão dos assuntos mais repetidos prende-se com buracos por tapar, equidistância na distribuição dos contentores do lixo e o estado de estradas e caminhos.
Desta vez, apercebi-me que o padrão se alterou. Em praticamente todas as intervenções dos Presidentes de Junta, repetiu-se a queixa pela falta de médicos e pelo deficiente estado do SNS.
O Presidente, Jorge Vala, explicou que existe no concelho uma Unidade de Saúde Familiar (USF), constituída por, julgo, três antigos Centros de Saúde, e também por diversas Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP). A maioria das queixas prende-se com este último modelo.
A regular abertura de concursos para colmatar a falta de médicos há muito que passou a ser apenas uma esfarrapada desculpa para a evidência de que este modelo não é capaz de atrair profissionais de saúde. Pelo contrário, há muito menos queixas do funcionamento das USF, onde o sistema de incentivo, assente em critérios objectivos de desempenho, leva a que quem ali trabalhe possa beneficiar de um significativo aumento salarial.
Fiz umas pesquisas e tropecei nesta avaliação custos-consequências comparativa das USF e UCSP. Respeita ao ano de 2015 e não sei se haverá alguma mais recente. Na generalidade comprova as vantagens do modelo USF relativamente ao das UCSP. Sobressai uma enorme diferença entre o custo por inscrito e o custo por utilizador. As UCSP têm mais utentes inscritos e assim, estatisticamente, podem diluir os seus custos por uma base mais alargada, o que explica o seu menor custo por inscrito.
Mas se observarmos ao número de pessoas que realmente as elas recorre a situação inverte-se, pois as USF, embora tendo menos utentes inscritos (também por serem poucas), compensam isso com o facto de serem úteis muito mais vezes. Assim conseguem um bem menor custo por utilizador.
Ao ver isto, recordei-me do que assisti há pouco tempo, uns dias antes de uma viagem sobre a qual aqui postei. Como ali conto, o meu companheiro caiu de bicicleta e ficou com um significativo golpe no nariz. Depois de uma lavagem com a água que transportávamos para hidratação, pedalámos ainda uns quinze quilómetros até chegar a uma destas UCSP. E é aqui que as duas histórias se juntam.
O senso comum de um leigo como eu dizia que a coisa se resolvia com uns pontos. Após demorado debate, os técnicos ali presentes acabaram por concluir que ele teria de ir para o hospital, pois podíamos estar perante uma situação grave. Não valia a pena argumentar que se fosse esse o caso ele não teria ali chegado a pedalar. Além disso, não sou entendido na matéria e, pior ainda, eu estava de calções, o que anula qualquer razão que se possa ter num debate.
Lá chamaram uma ambulância dos Bombeiros Voluntários e lá foi o João para o Hospital de Leiria. Valerá a pena lembrar que, entre a queda e a chegada ao Hospital, já tinham passado umas três horas. O médico que o assistiu nas urgências não se coibiu de reclamar pela falta de noção que fizera mobilizar uma ambulância e dois bombeiros, sobrecarregar as urgências, para simplesmente aplicar três pontos.
Atrevo-me a dizer que, a boa-vontade que terá faltado na avaliação que desencadeou toda aquela operação não se teria verificado se, em vez de se alimentar um aparentemente inócuo jogo do empurra (é verdade que se aproximava a regimental hora do “despegar”), houvesse ali aquele pequeno benefício material chamado incentivo pelo desempenho.
Ora, se o serviço prestado pelas USF é comprovadamente melhor, porque é que se insiste em manter as UCSP? A resposta mais provável é que isso obrigaria a fazer reformas e o governo maioritário de António Costa é incapaz de tal travessura.
Regressando à AM, perante tamanhas falhas de serviço, os Presidentes de Câmara não têm como acorrer à sua população nos pedidos desta natureza. Isso é especialmente difícil para um autarca do PS, porque se sentirá com menor margem para apontar para o verdadeiro culpado de não reformar, de não resolver, de não decidir.
Ora, tendo o meu Presidente da Câmara sido eleito por um partido da oposição, acaba por ter mais margem de manobra para se escudar em explicações à população. Apesar disso, imagino que por achar que não foi eleito para apontar culpados contratou no ano passado com uma seguradora o Plano de Saúde para Todos os munícipes que, não obrigando ninguém a nenhum pagamento, lhes permite aceder a um alargado leque de consultas de diversas especialidades no privado, com descontos significativos. Esta medida tem conseguido um elevado nível de satisfação.
Recordo um dos Presidentes de Junta que lembrou o que as estatísticas já comprovam: o facto de se estar a morrer mais cedo, por falta de assistência médica. Há gente a morrer antes da idade que a ciência dos nossos dias permitiria.
A redução da esperança média de vida já levou até a uma correcção da idade da reforma. A explicação oficiosa é que isso resulta da pandemia, mas os números mostram-nos que o aumento da mortalidade não-covid é uma realidade.
Constatar isto, que não deixa de ser uma forma de miséria, é triste.
António Costa insiste em desmentir a realidade, fazendo afirmações que não são mais do que tentativas de criar uma narrativa. Insiste e, sem temer o ridículo, volta a insistir. Quem é que ainda se lembra daquela segunda-feira, em que de entre o cerrado nevoeiro iria surgir não o Dom Sebastião, mas a solução de parte dos problemas do SNS? E os palermas aplaudem, em especial os beneficiários da ADSE (o SNS versão Premium). A ideologia que lhes sustenta a visão sectária do país, consome-lhes o humanismo, que se gabam de ter em abundância. São a manifestação de uma outra forma de miséria.
A miséria final vai para a oposição do PSD de Montenegro que, em vez de dar voz aos portugueses, em vez de tomar a iniciativa e de marcar conferências de imprensa ao lado das filas de espera, onde milhares de portugueses passam madrugadas para conseguirem uma consulta, continua apostada na velha regra de que para conseguir chegar ao poder lhe basta fingir-se de morto. Perante o que vejo, mais do que fingir-se de morto, o PSD de Montenegro, precisa antes de conseguir fingir que está vivo.
Enquanto a máquina de propaganda do PS já começou a tentar fazer do Prof. Marcelo o mau da fita, o desestabilizador, o país continua a funcionar de acordo com as suas rotinas governativas.
Por publicação em Diário da República, o Ministério das Finanças já autorizou o Centro Hospitalar do Oeste a adquirir papel higiénico.
Aqui a Sul do Tejo, na capital distrital mais próxima da capital, a população a sofrer os efeitos das políticas neoliberais de Passos Coelho. Urge arruar e entoar a "Grândola, Vila Morena", ergamo-nos contra a direita.
António Costa, confrontado com o irrevogável pedido de demissão da titular da pasta da Saúde na última madrugada das suas férias, revelou ao País que Marta Temido já antes tinha querido sair do governo - confirmando assim a sua vocação para fritar ministros na praça pública.
Espantosamente, acrescentou não sentir urgência em removê-la. Como se a caótica situação no Serviço Nacional de Saúde não exigisse decisões rápidas em vez de hesitações movidas por tacticismo político ou mera acrimónia pessoal.
Se o impasse perdurar, talvez o melhor seja chamar outra vez o almirante. Intervenção castrense no SNS, com médicos obedecendo a uma possante voz de comando e sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar. Sob o lema «Tu vais para a tropa, pá!»
Do céu ao inferno, na política, vai um curto passo. Marta Temido que o diga. Foi vedeta no congresso socialista de 2021, enaltecida pelas pitonisas ligadas ao Largo do Rato como possível futura candidata a secretária-geral do PS, mas tornou-se ministra descartável, cada vez mais ignorada por António Costa e abandonada pela mesma engrenagem mediática que lhe entoava hossanas.
Acaba de anunciar a demissão do cargo. Deixando o Ministério da Saúde muito pior do que estava quando assumiu funções, há quase quatro anos.
Confirma-se: este governo socialista absoluto - o segundo, desde o de José Sócrates - transmite sinais de iniludível esgotamento.
Alguns dos seus membros parecem competir num concurso de dislates - desde a ministra da Agricultura, que se atreveu a dar um ralhete à CAP por não ter recomendado o voto no PS, ao ministro das Infraestruturas, flagelado pelo primeiro-ministro na caótica gestão do sempre adiado aeroporto de Lisboa. Passando, claro, pelo inefável titular das Finanças, envolvido na trapalhada com o amigo que lhe havia dado palco durante anos na TVI, numa escandalosa teia de favorecimentos que nenhum código de boa conduta governamental devia permitir. Ou pela secretária de Estado da Protecção Civil, que vendo Portugal devastado por incêndios, com prejuízos patrimoniais incalculáveis, congratulou-se por «apenas» ter ardido 70% do que estava previsto num suposto algoritmo que lhe serve de guião.
Parece uma nave de loucos.
Exausta, a ministra que abria telediários sem já nada ter para dizer acaba de bater com a porta. Não tão exaurida, apesar de tudo, como o SNS que tutelou até agora.
Como aqui escrevi há dois meses, «o Serviço Nacional de Saúde, peça central da narrativa propagandística do Governo, está a precisar de cuidados intensivos. Não é de agora, mas a situação agrava-se a ritmo acelerado. E o rosto desta crise, com picos caóticos que levaram ao encerramento de diversas urgências hospitalares nos últimos dias, é o da ministra da tutela. Que por vezes fala como se fosse recém-chegada ao cargo».
Primeira deserção no Executivo absoluto volvidos apenas cinco meses desde a posse. Costa, como de costume, reagirá com indiferença olímpica. Caiu uma simples peça do dominó político que deixou de lhe ser útil. A prioridade do primeiro-ministo é Bruxelas, não Portugal.
Entrámos em Agosto, mês que a directora-geral da Saúde desaconselha em absoluto para ficarmos doentes em Portugal.
Mas a verdade é que não me sinto lá muito bem.
O que devo fazer?
Entramos em Julho e apetece dar graças (o trocadilho aqui funciona) por faltarem ainda 30 dias para que chegue o temível Agosto. Porque, acima de qualquer outro, esse é o mês menos recomendável para necessitar de cuidados médicos, segundo a advertência feita aos portugueses pela mais credenciada fonte: a directora-geral da Saúde.
No seu posto de incansável zeladora e cuidadora do sacrossanto Serviço Nacional de Saúde, Maria da Graça Gregório de Freitas, 64 anos, lançou o aviso: «A pior coisa que nos pode acontecer é adoecer em Agosto.»
Fala do que bem conhece, pois encontra-se desde 2018 à frente da autoridade sanitária nacional, onde aliás já antes pontificava como subdirectora. Poucos como ela podem pronunciar-se com tanta minudência sobre a manifesta incapacidade do SNS em prestar cuidados de saúde a quem cá vive. E também a quem nos visita, pois o mês que vem costuma atrair dezenas de milhares de turistas a este recanto soalheiro da Europa.
É indispensável que estes forasteiros desembarquem prevenidos com um manual de instruções para enfrentarem a precária rede sanitária pública. A menos que tenham a intenção expressa de experimentarem uma modalidade de turismo radical enquanto “utentes” (palavra agora muito na moda) da urgência de um hospital – incluindo naquelas unidades que há poucos anos eram consideradas modelos de excelência, quando estavam sob gestão privada. Como o de Braga, um dos estabelecimentos que há dias encerraram durante 24 horas o serviço de urgência de ginecologia e obstetrícia por falta de clínicos disponíveis. Cenário de terceiro mundo naquela que se orgulha de ser a cidade mais jovem do rectângulo lusitano.
Já conhecíamos a posição da ministra da tutela face ao colapso da rede hospitalar e ao contínuo êxodo de médicos para o sector privado: confrontada com críticas de todas as latitudes ao ponto de se ver forçada a interromper as férias, Marta Temido nomeou uma comissão para analisar o caso antes de voltar a banhos. Faltava ouvir Graça Freitas, também dotada de notáveis atributos oratórios. Valeu a pena esperar. A directora-geral rompeu o silêncio para nos recomendar máxima precaução contra o consumo do popular bacalhau à Brás. Porque este prato é confeccionado com ovos, que em período estival têm o risco acrescido de conterem salmonelas, fonte de intoxicações alimentares.
A salmonela – tal como os privados, que “só visam o lucro”, na perspectiva da coordenadora do Bloco de Esquerda, e os velhos “barões da medicina” diabolizados em lapidares versos do poeta Ary dos Santos – é inimiga declarada do SNS, do estado social, das “conquistas de Abril”.
Há que dar luta à salmonela, evitando adoecer. Sobretudo em Agosto, mês de todos os perigos. E há que evitar dar à luz, genericamente, durante todo o Verão na segunda nação mais envelhecida da Europa. A menos que se queira aguardar nove horas numa “urgência hospitalar” – se por acaso estiver aberta.
Este país não é para grávidas. Bem-haja, doutora Graça Freitas, pelo clarividente alerta que nos deixou.
Texto publicado no semanário Novo
Ao médico disse que determinado exame não havia feito – contei a história há tempos – porque na clínica não havia quarto-de-banho com bidé ou chuveiro.
Não há, realmente, disse o facultativo. Não sei bem porquê, acrescentou.
Não sabe?, disse eu. Mas a razão é simples, decorre do facto de certas formações, nomeadamente em Medicina e Economia, serem tributárias dos ensinamentos e dos progressos nos EUA e, um pouco, no Reino Unido. Ou seja, num país feito com o lúmpen social de outros, e cujos habitantes, portanto, não têm maneiras à mesa nem hábitos de higiene; e noutro, o dos Filhos da Ilha, que vivem enregelados e perpetuamente com chuva e brumas, donde muito pouco inclinados a tomar banho. A França poderia compensar se tivesse a influência que perdeu há muito e não se desse o caso de, no tempo em que se julgava que os banhos prejudicavam a saúde, ter inventado os perfumes. Estes vieram a revelar-se um excelente artigo de exportação, juntamente com as revoluções, de modo que os locais ganharam um horror definitivo à limpeza – as vedetas do cinema francesas só vieram a atingir o estrelato porque a tela não veicula odores.
A Alemanha não tem, graças a Deus, qualquer influência na Medicina e pouca na Economia, nem é absolutamente seguro que exista localmente a primeira destas ciências com um mínimo de créditos. Quanto à segunda, resolveu o problema do desemprego com o regime nazi, que ninguém quer copiar, e foi berço do economista Marx, cujas doutrinas, infelizmente, muita gente copia. De modo que na realidade a circunstância de o país se exprimir numa língua incompreensível se traduz numa bênção.
Portugal poderia salvar-se neste naufrágio mas tem respeito a menos por si mesmo, e a mais pelo estrangeiro.
O médico sugeriu um expediente que resolveria o meu problema, e separamo-nos nos melhores termos. Por mero proforma, inquiri na recepção o preço da consulta, confiante em que os honorários devidos seriam compensados pelos da que havia ministrado. Mas não: 75 Euros.
Na passada sexta-feira, António Costa inquirido sobre o caos que se vive no SNS, quis sossegar os portugueses e garantiu que “parte dos problemas do SNS estará resolvida na segunda-feira”.
Mesmo perante as afirmações de Adalberto Campos Ferreira, o seu anterior ministro da Saúde, segundo o qual “o problema das urgências é estrutural”, António Costa, Primeiro-Ministro há sete anos, não vacila nas garantias e afirma que num fim-de-semana consegue ultrapassar a situação.
E hoje já temos mais notícias.
O Serviço Nacional de Saúde, peça central da narrativa propagandística do Governo, está a precisar de cuidados intensivos. Não é de agora, mas a situação agrava-se a ritmo acelerado. E o rosto desta crise, com picos caóticos que levaram ao encerramento de diversas urgências hospitalares nos últimos dias, é o da ministra da tutela. Que por vezes fala como se fosse recém-chegada ao cargo. Mas não é: Marta Alexandra Fartura Braga Temido de Almeida Simões, 48 anos, conduz o Ministério da Saúde desde Outubro de 2018. Recebeu elogios pelo combate à pandemia, a mesma lógica leva-a ser criticada neste momento de notório desgaste do SNS, incapaz de dar resposta aos problemas que se acumulam sem solução à vista.
Nenhuma máquina de propaganda oculta as evidências. «Existe um problema estrutural sério no SNS, que se está a agravar muito, de incapacidade de planeamento e gestão de recursos», declarou há dias Adalberto Campos Fernandes, antecessor de Marta Temido, pondo o dedo na ferida em entrevista à CNN portuguesa. É médico, foi ministro, sabe bem do que fala.
A profissão está envelhecida, o sector público há muito deixou de ser aliciante. Cerca de 40% dos clínicos de medicina geral e familiar têm mais de 65 anos. Os serviços de atendimento permanente revelam incapacidade de organizar escalas face aos recursos disponíveis. Os médicos somam mais de oito milhões de horas extraordinárias no SNS, tendo atingido em Maio o limite máximo previsto para o ano inteiro.
Metade dos obstetras já transitou para o privado. E a situação agrava-se neste período em que todos os dias recebemos milhares de turistas. O caso de uma grávida que perdeu o bebé por aparente falta de especialistas no hospital das Caldas da Rainha introduziu uma componente de tragédia num quadro que se tornou dramático. Desmentindo a imagem de inefável modernidade que o Governo tenta exibir ao mundo para atrair visitantes.
A ministra, que parecia desaparecida, falou enfim esta semana. Mas quase nada disse, refugiando-se numa oratória sem conteúdo, truque retórico que aprendeu com António Costa quando nada há de concreto para anunciar.
Não adianta iludir a questão, ocultando-a com torrentes de palavras. Os extenuados profissionais do SNS exigem de Marta Temido a revisão das carreiras, a garantia de melhores remunerações e a existência de condições de trabalho que lhes permitam exercer com eficácia a relevante missão que desempenham. Caso contrário, a sangria para os hospitais privados prosseguirá. Ou até o recurso à emigração.
Há em Portugal 1,3 milhões de cidadãos sem médico de família, contrariando todas as promessas feitas pelo primeiro-ministro em campanha eleitoral. Isto ajuda a perceber por que motivo 4,5 milhões de portugueses já optaram por seguros de saúde ou subsistemas como a ADSE.
Todos fazem um diagnóstico preciso da situação. E sabem que nenhum problema sério nesta área se cura com ideologia ou hossanas incessantes a um serviço público que necessita de atendimento urgente. Para não sucumbir de vez.
Texto publicado no semanário Novo.
Foto roubada desta publicação do Facebook
"O João é um militante da direita.
O João é a favor da privatização do Serviço Nacional de Saúde.
O João tem um seguro de saúde para o qual paga 80€/mês (960€/ano).
O João acordou com uma dor no peito, mas como o João é contra o Serviço Nacional de Saúde e o privado é o melhor, pegou no seu BMW e foi às urgências do Hospital Privado.
Nas urgências do hospital privado o João foi avaliado pelo médico que o colocou num cadeirão, deu-lhe um comprimido para o acalmar e fez-lhe um ECG (Eletrocardiograma).
O médico disse ao João que ele estava a ter um enfarte e que tinha de ser operado com urgência.
O João tem um seguro de saúde para o qual paga 80€/mês.
O João acionou seguro de saúde o Hospital Privado informou o João que para ser operado tinha que pagar 10.000€ e quando o seguro de saúde pagasse operação ao hospital o hospital devolvia o dinheiro ao João.
O João não tem 10.000€, então o hospital não o operou.
O João teve que ir numa ambulância do INEM, com VMER (meios públicos tutelados pelo ministério da Saúde), que foi buscar o João às urgências do hospital privado para o transportarem para o hospital público.
O João chegou ao hospital público e foi operado de imediato.
A vida do João foi salva pelo Serviço Nacional de Saúde.
No final, o João teve de pagar 125€ ao hospital privado pelo conforto do cadeirão, comprimido e ECG.
O João pagou 0€ ao hospital público pela sua operação porque os descontos do João servem para estas situações, entre muitas outras.
Conclusão:
Se o João tivesse esperado pelo seu seguro de saúde, teria morrido no hospital privado.
Não sejam como o João!"
-/-
Este texto foi publicado e re-publicado em cadeia no Facebook e mereceu muitos likes e partilhas. É um texto interessante por ser como que uma confissão do maniqueísmo com que se opina, não só sobre o SNS, mas também sobre o país.
A história do João teria acontecido num mundo a preto-e-branco, em que os bons estão de um lado da barricada e os maus no lado oposto. Acontece que o mundo não é a preto-e-branco e as pessoas não deixam de ser boas nem passam a ser más, apenas porque são de direita ou de esquerda.
O João chegou às urgências com sintomas de um enfarte e, por ser fim-de-semana grande, as urgências estavam muito sobrecarregadas. Os médicos e enfermeiros não eram suficientes para dar assistência a tanta procura. Naquele dia, apenas 20 por cento do pessoal médico das urgências eram profissionais de saúde. Os restantes 80 por cento eram tarefeiros contratados "à peça" para suprir a falta de pessoal. Os tarefeiros estão igualmente habilitados a prestar os cuidados necessários, pois já pertenceram aos quadros do SNS, mas como precisam de governar sua vida, preferiram ter mais tempo livre, trabalhar menos horas, não estarem sujeitos à carga burocrática, às escalas irregulares, às horas extra-ordinárias consumidas pelos impostos, ao ponto de terem preferido desvincular-se do SNS.
Os profissionais de saúde do SNS sentem-se injustiçados, pois trabalham mais horas, têm mais responsabilidades e ganham menos. É difícil trabalhar em equipa nestas condições e a fricção entre profissionais e tarefeiros acaba por ser inevitável, com consequências negativas para o serviço prestado.
Se o nosso país tivesse uma noção mais evoluída de cidadania, todo o enfoque do SNS, como também da educação, não estaria como está, centrado no prestador do serviço. O cidadão, o contribuinte, a pessoa idosa, o doente, o bebé, têm de se sujeitar à lotaria que acaba por ocorrer sempre que algum deles precisa de recorrer aos serviços de saúde. Quando se tem "sorte", o problema de saúde surge numa hora pouco concorrida e talvez até se seja atendido razoavelmente. Mas como a "sorte" nem sempre acode quem tem um azar, às vezes chega-se às urgências numa hora difícil. No fundo é sempre um azar precisar de assistência médica, mas esse azar pode ir desde o azar assim-assim até ao azar em condições.
A preocupação de quem escreveu o texto do João ficou explícita logo na primeira frase. No seu entendimento o que se passa na saúde em Portugal é um problema de combate político. Pelo desenrolar da estória, entendemos que o João se armou em esperto e descobriu que estava errado. Também ninguém o manda ser militante da direita, coitado. Se o João for apoiante de um partido político em particular, o melhor mesmo é que passe mal e não se safe, será menos um voto nesse mesmo partido. Para compor o retrato de pessoa odiável e desprezível, o BMW não podia faltar. É pena sermos assim, mas a palavra que Camões escolheu para terminar Os Lusíadas não foi casual.
O problema da Saúde em Portugal resulta exclusivamente da incapacidade do país se reformar, de se adaptar à realidade e se preparar para o futuro. Um quinto dos portugueses vive na pobreza e uma parte significativa dos pobres tem trabalho regular. Temos os impostos mais altos de sempre, e ao mesmo tempo os serviços públicos estão a colapsar. A maior crise que o país atravessa é a falta de ambição. Andamos para aqui encolhidos e conformados. Não aplaudir a quarta falência dos tempos de democracia, que aí vem, é ser fascista e fazer um seguro de saúde (quando alguns seguros até são obrigatórios por lei) não é abdicar de outros consumos para zelar por si e pela respectiva família, mas apenas atacar os “valores de Abril” ou lá o que é.
Entretanto o texto sobre o João já foi partilhado muitas vezes e teve muitos likes. Palpite meu, o texto do João causou um especial contentamento e alegria entre beneficiários de algum dos sistemas complementares de saúde que os dispensa de esperar anos por uma consulta ou cirurgia. Porque SNS a falhar nas doenças dos outros, para quem tem ADSE é refresco.
A situação dos serviços públicos de Saúde é complicada. E tendendo para o deficitário face às expectativas sociais. Nos últimos dias, para além dos consabidos problemas estruturais e das reclamações dos sectores profissionais, aconteceram mortes em instalações públicas que convocaram a atenção. Há uma década alguns lamentáveis incidentes similares convocaram uma chuva de reclamações na imprensa - na redução de maternidades proposta sob Correia de Campos e, depois, durante o governo de Passos Coelho. Mas agora a reacção da imprensa (jornalistas e colunistas) é muito mais pacífica. O poder de Costa é-lhes mais atractivo, mais sexy.
Nos últimos 27 anos o PS esteve no poder, a solo, durante 21. É assim absolutamente inaceitável a continuidade do discurso que responsabiliza a "direita" e os seus "interesses privados" (os "barões da medicina", como alguns ainda adornam) pelo estado actual dos serviços de saúde públicos. É um aldrabismo, puro e simples.
A governação da ministra Temido exerce-se há sete anos, ela tem o posto há quatro e é o seu terceiro governo consecutivo. E sobre o seu desempenho é relevante percebermos a influência de uma imprensa - a institucional e a dita de "cidadania", a dos apparatchiki, avulsos nas redes sociais - que cria "boa imagem", ao governo e a alguns dos seus membros. E a esta ministra, muito em particular.
Recordo que durante o longo período sob a Covid-19, muito se falou, bem e mal, fundamentado e infundamentado. Mas nada vi tão baixo como este episódio: no início de 2021 Portugal tornou-se, por algum tempo, um dos piores países do mundo, talvez mesmo o pior, no controlo da pandemia. É evidente que o rumo desta era algo inesperado e que os seus efeitos seriam sempre duríssimos. Mas tal descontrolo nacional muito se deveu à atrapalhação governativa (executiva e comunicacional) durante o Outono-Inverno de 2020. Nesse nosso pico pandémico - com o sistema de saúde em sobreesforço - vingou o "negacionismo" informativo: passados alguns meses foi notícia constante a "catástrofe indiana", pois naquele país de infraestruturas sanitárias bem mais escassas do que as nossas, morriam diariamente cerca de 11 vezes mais pessoas do que naquele nosso Janeiro. Mas os indianos são 140 vezes mais do que nós!... E aqui o que se afirmara não fora a "catástrofe lusa" mas sim, ao invés, a excelência de Temido. Esse trabalho propagandístico foi eficiente, por mais baixo que o possamos considerar: lembro que no rescaldo de uma entrevista de Temido à RTP, onde ela se escapou às críticas respondendo de modo abrasivo, tornou-se "viral" (como se deixou de dizer...) um apoio partidário que a tratava como "Super Marta". Quando éramos, repito, um dos piores ou mesmo o pior país do mundo nos efeitos da Covid-19.
De facto, Temido era má ministra antes da Covid-19. Não foi uma boa ministra durante a Covid-19. E não é a ministra necessária para o pós-Covid-19. Tem uma "boa imagem", pois não é um decano façanhudo e porque teve a imprensa (a institucional e os tais avençados) a cuidar de si. Entretanto, o SNS está numa crise estrutural profunda. E anunciada. E ela nada tem para responder.
Mas nada ganharemos se apenas a tornarem numa "cabra expiatória", enviando-a para um qualquer posto internacional. Pois, de facto, o problema ultrapassa-a. E o cerne é este, repito-me: nos últimos 27 anos o PS esteve no poder, a solo, durante 21. Com vários governos, primeiros-ministros e ministros da Saúde. E o SNS está como está. É esse o busílis. Necessário para reflectir antes da próxima e necessária demissão de Temido. Que não é "Super" nem nunca o foi. A não ser nas palavras avençadas. E nos aplausos inconscientes. Até suicidários.
Nos últimos dias foram vários os casos em que as consequências do estado degradante do SNS chegaram às notícias. Desde a grávida que perante a falta de obstetras perdeu o seu bebé, ao passeio de grávidas de hospital em hospital até poderem serem assistidas, ao aumento dos números da mortalidade materna, até ao “ultrapassar os limites do imaginável” assumido pela Administração do Hospital de Almada. Mesmo com todas as notícias dos exemplos do estado a que o SNS chegou, a realidade é infelizmente pior do que aquela que chega às notícias.
Apesar disso, apesar da frustração, da insegurança e da perda de vidas causadas pela lenta agonia do SNS, o governo e a ministra da saúde não têm sido alvos de uma fracção dos protestos que casos de bem menor gravidade causaram noutros tempos.
Muitos dos apoiantes do governo, parte significativa dos quais beneficiários da ADSE, acharão que mesmo com todos estes “contratempos”, mesmo com os “constrangimentos impossíveis de suprir”, podemos respirar de alívio pois pelo menos não somos governados por liberais, nem o acesso aos serviços de saúde serve para engordar os lucros do operadores privados da saúde. Para quem tem ADSE, se o resto dos portugueses tivesse acesso a um sistema de saúde sistema idêntico ao alemão ou ao inglês, seria como regressarmos aos tempos do Estado Novo. Isso é que não. SNS para as doenças outros, para quem tem ADSE é refresco.