Algumas nuvens no horizonte não seriam suficientes para me fazer temer pelas condições do mar. Um rápido pequeno-almoço e de novo os preparativos. A verificação do material e as inevitáveis perguntas. O matraquear do velho compressor podia deixar a condescendente vizinhança em polvorosa, mas isso não seria nada que o espírito “nô stress” das gentes da terra não ajudasse a ultrapassar.
Pouco passava das 10:00, quando, depois de uma luta intensa, conseguimos entrar com o material no pequeno bote do Mike. Uma odisseia digna dos fuzileiros a antever continuação para os dias seguintes face à ausência de um cais ou pontão onde a embarcação pudesse acostar para ser carregada e descarregada.
Ali, no azul intenso e profundo do Atlântico, desfilavam milhares de olhos curiosos, polvilhados de tons de amarelo, azul, laranja, verde, vermelho, branco… Bodiões, garoupas, agulhas, trombetas, badejos, barbeiros de pinta amarela, pequenos besugos de cauda amarela, passarinhos, papagaios velhos e grandes, moreias brancas com pintas pretas e manchas amarelo vivo no peito, outras sem pintas, safios, lucianos, garoupas de pintas roxas, um ou outro esmoregal, sargos bicudos e, de repente, junto a uma reentrância, ali estavam eles, majestosos, postos em realce pela beleza do coral, “duas gatas”. Um com 4m e o outro, mais pequeno, com 3,5m. À distância de dois braços, silenciosos, expectantes. Instintivamente recuei enquanto o Tommy e o Ginha se aproximavam deles.
Senti-me estranhamente tranquilo e abençoado. Eram os primeiros “gatas” (ou as primeiras, a confusão estava definitivamente instalada no meu espírito) que via em mais de vinte e cinco anos de mergulho. Nem em Palau, nem em Molokini, nem em Soma Bay, nem em Moorea ou no Norman Reef, tivera a sorte ver “gatas” tão perto. Vi muitos cinzentos do recife, tigres, de ponta branca, de ponta negra, limões, frades e algumas variantes nos mares da Tailândia e das Filipinas, mas nunca vira “uma gata” tão perto.
Os encontros voltaram a repetir-se durante o resto da tarde. Quando no final do dia dobrámos a ponta do farol de S. Pedro, e uma corrente mais forte nos fez antecipar o final do segundo mergulho, eu era já um homem satisfeito.