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Delito de Opinião

Séries a ter no radar em 2018

Diogo Noivo, 02.01.18

Os finais de ano trazem sempre um enxoval de listas: melhores filmes, melhores livros, melhores álbuns. No DELITO fazemos ao contrário. O Pedro Correia já apresentou aqui a sua lista de livros para 2018 e eu, com votos de um bom ano novo para os nossos leitores e para os meus colegas ‘delituosos’, deixo uma lista de séries de televisão a ter debaixo de olho este ano.  

 

The Looming Tower (Hulu)

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Adaptação ao pequeno ecrã do livro homónimo, vencedor do Pulitzer para não ficção, escrito pelo jornalista Lawrence Wright. The Looming Tower (entre nós, A Torre do Desassossego, publicado pela Casa das Letras) é o mais completo e detalhado relato dos acontecimentos que levaram aos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001. O livro olha para os protagonistas e para a sucessão de decisões tomadas no seio da al-Qaeda e, em paralelo, para a forma como as forças e serviços de segurança norte-americanos encararam a ameaça. A série, que estreia a 28 de Fevereiro nos Estados Unidos da América, terá 10 episódios e conta com interpretações de Jeff Daniels (The Newsroom) e de Peter Sarsgaard (The Killing, Jarhead). O livro é imperdível. Se a série tiver metade da qualidade do livro já valerá a pena.

 

Castle Rock (Hulu)

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Stephen King criou obras de culto e tem leitores fiéis. Tudo o que envolva o seu nome gera enorme expectativa. Os produtores de televisão responsáveis pelas mais recentes adaptações não o perceberam (e, se perceberam, não o respeitaram): The Mist e The Dome são misérias soporíferas. Porém, 11.22.63 foi uma das melhores séries de 2016 – falámos dela no DELITO aqui. Castle Rock, cidade emblemática do imaginário criado por King, chegará à televisão através da Hulu e com a assinatura de J.J. Abrams, a dupla responsável por 11.22.63. Promete.

 

The Americans (FX)

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A 6ª e última temporada de The Americans chegará algures no primeiro semestre do ano. A série conta a história de Elizabeth (Keri Russel) e Philip Jennings (Matthew Rhys), dois espiões russos casados pelo KGB, que os infiltrou nos Estados Unidos da América em plena Guerra Fria. É ficção, mas como escrevi em 2016 a realidade não anda longe. É uma série tão discreta como notável. Quem a segue não quererá perder o final.

 

X Files (FOX)

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É uma das melhores e mais icónicas séries de televisão de sempre. As temporadas iniciais, emitidas entre 1993 e 2002, ficaram gravadas na memória de várias gerações. O assunto estava resolvido – e bem resolvido -, até que, 14 anos depois, alguém decidiu que estava na altura de fazer uma nova temporada. A 10ª temporada, emitida em 2016, foi um crime gravoso e de mau gosto. O ano de 2018 trará no dia 3 de Janeiro nos Estados Unidos da América (dia 5 em Portugal) a 11ª temporada. Como fã empedernido da série, espero que seja para redimir o disparate feito na temporada anterior.

 

The OA (Netflix)

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The OA é um prodígio narrativo, descrito pelo El País como uma “matrioshka enigmática”. Qualquer sinopse, mesmo que breve, incorrerá forçosamente em spoilers. Foi por isso que aquando da estreia da 1ª temporada, em 2016, a Netflix não percorreu o caminho habitual de comunicação e marketing, recusando libertar trailers e making-ofs à medida que a data de lançamento se aproximava. Foi tudo feito no maior segredo. Houve uma intenção deliberada de apanhar os espectadores de surpresa – e foi uma surpresa muitíssimo agradável. Este ano chega-nos a 2ª temporada. A 1ª é de tal forma extraordinária que é impossível resistir à 2ª. No entanto, uma vez que a história ficou bem resolvida na temporada anterior, teme-se o pior.

 

Deep State (FOX)

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Thriller de espionagem protagonizado por Mark Strong (Syriana, Kingsman 1 e 2), uma grande produção rodada em diversos países que espelhará algumas das mais candentes tensões militares e diplomáticas da actualidade. Os produtores falam de uma série com ritmo acelerado e com uma trama intrincada que exigirá atenção total e permanente. Dizem ter-se inspirado nos filmes que compõem a saga Jason Bourne e na série Homeland. Mark Strong é um grande actor – nem sempre com papéis que o favoreçam, é verdade – e o tema promete agarrar o espectador logo no primeiro episódio. Não tem ainda data de estreia.

 

Mindhunter (Netflix)

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A primeira temporada, emitida no ano passado, criou uma legião de fãs. Produzida por Charlize Theron (protagonista em Monster) e por David Fincher (realizador de Seven e de Zodiac), Mindhunter centra-se em dois agentes do FBI que por carolice começam a dar os primeiros passos na utilização da psicologia como instrumento para identificar e deter assassinos em série. Enquanto policial parece-me inferior a Manhunt: Unabomber, da Discovery, mas é merecedor de entrada na lista das melhores séries de 2017. Este ano chega a 2ª temporada, que incidirá sobre os assassinatos ocorridos em Atlanta, Géorgia, entre os anos de 1979 e 1981. A qualidade das interpretações, o guião e o zelo na reprodução histórica vistos na 1ª temporada são um bom incentivo para ver a 2ª.

 

Handmaid's Tale (Hulu)

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Baseado na distopia criada pela escritora canadiana Margaret Atwood, Handmaid's Tale é mais uma prova de que a Hulu começa a fazer sombra à Netflix. Aclamada pela crítica e grande vencedora dos Emmy em 2017, a série foi das que mais atenção mereceu no ano passado – atenção inteiramente justificada. Protagonizada por Elisabeth Moss (The West Wing) e por Joseph Fiennes (Elizabeth, Enemy at the Gates), a 2ª Temporada de Handmaid’s Tale continuará a desvelar detalhes de um autoritarismo que Atwood defendeu ser “ficção especulativa”. Tem estreia prevista para Abril.

Séries do ano (7) - Bloodline

Diogo Noivo, 01.11.16

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O filho pródigo a casa torna. Esta parábola, bem conhecida, é um conto de redenção. O guião de Bloodline mais não é do que uma revisitação muito capaz da história do filho pródigo, embora o desejo de redenção nesta série seja apenas o gatilho de um thriller em tom de melodrama familiar.
Danny Rayburn (excelente interpretação de Ben Mendelsohn) regressa a casa por ocasião do 45º aniversário de casamento dos pais. Robert Rayburn (Sam Shepard) e Sally Rayburn (Sissy Spacek) são os patriarcas, donos de um hotel de charme plantado numa praia de areia fina, na zona de Florida Keys. O regresso de Danny suscita desconforto imediato nos pais e nos irmãos. Após anos em paradeiro incerto, dedicados a uma vida de consumo de álcool e de estupefacientes, a chegada do filho pródigo é um elemento desestabilizador do clima de felicidade e de unidade do clã Rayburn. Os episódios avançam e vamos percebendo que o incómodo provocado pelo regresso de Danny não se deve tanto às falhas do próprio, mas sim ao passado traumático que a sua chegada desenterra.

 

 

O cenário paradisíaco de Florida Keys serve dois propósitos em Bloodline. Por um lado, acentua o ambiente de união e de felicidade do clã Rayburn. Por outro lado, torna mais vis e dolorosas a mentira e a violência que a tela de estabilidade familiar esconde. O sol e a praia apoiam o lado bom e sadio dos personagens, mas o calor e a humidade abrasadora abrem o caminho para os segredos e os pecados que teimam em não descansar.
A cadência da série obedece a um ritmo de drama, de verdades por revelar, e de ansiedade mal contida, um tom que desenha um mapa do passado fundamental para explicar o presente e que é revelado com parcimónia e com muita atenção aos timings exigidos a um bom thriller.
A fotografia em Bloodline lembra a magnífica primeira temporada da série policial True Detective e cria uma imagem entre o noir e o híper realismo, quase ao estilo documental. O elenco foi escolhido com zelo cirúrgico, onde para além de Sissy Spacek, de Ben Mendelsohn e de Sam Shepard, encontramos outros bons actores como John Leguizamo, Chloë Sevigny, e ainda Kyle Chandler e Linda Cardellini em interpretações muito superiores ao que nos habituaram.
Produzida pelo Netflix, Bloodline vai na segunda temporada. A terceira e última estreará no próximo ano. Se não viu ainda, vale a pena meter os episódios em dia para acompanhar o desfecho desta boa história em 2017.

Séries do ano (6) - Penny Dreadful

Diogo Noivo, 25.10.16

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Ambientada na Londres dos finais do século XIX, Penny Dreadful junta sob o mesmo tecto ficcional personagens lendárias, produzidas pela literatura da época, como Dorian Grey, o Doutor Jeckill e o Mr. Hyde, Victor Frankenstein e as suas criaturas, e ainda figuras míticas saídas da pena de Bram Stoker, como Mina Harker, Dr. Seward, e Renfield. Nesta série de televisão, o Reino Unido do século XIX fornece os personagens e o ambiente cénico, mas também o título: “penny dreadful” foi o nome pejorativo dado à literatura popular publicada em pequenos fascículos e com periodicidade semanal, pequenos livrinhos vendidos por um 'penny'.
Muito embora reúna todos estes personagens temíveis num só guião, Penny Dreadful não é uma sucessão de episódios de terror puro, cheios de efeitos especiais, mas sim uma história dramática que explora os limites e as contradições de personagens que não inventou, mas aos quais soube dar novas cores sem os descaracterizar. Este ponto é aliás um dos aspectos mais fortes da série. As personagens são feitas de conflitos internos, de antagonismos íntimos, narrativamente explorados com inteligência, sem cair no lugar-comum do personagem atormentado, e respeitando a estrutura original das criaturas saídas da literatura do século XIX.

 

Séries do ano (5) - 11.22.63

Diogo Noivo, 18.10.16

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Tudo começou em Lisboa. Porque foi a capital portuguesa a dar o nome a uma pequena localidade no Maine, nos Estados Unidos da América. Porque no liceu dessa localidade estudou Stephen King, célebre escritor de ficção científica e de histórias de terror, autor de grandes êxitos literários, alguns dos quais adaptados ao cinema com igual sucesso, como The Shining, Carrie, Stand By Me, The Shawshank Redemption e The Green Mile. E finalmente porque King escolheu Lisbon, no Maine, como palco de abertura de 11.22.63.

Esta minissérie, uma adaptação televisiva do livro homónimo, conta a história de Jake Epping (interpretado por James Franco), um professor no liceu Lisbon Falls – a escola onde Stephen King estudou – que viaja no tempo para evitar o assassinato de John Fitzgerald Kennedy. Daí o título: Kennedy é morto, em Dallas, no dia 22 de Novembro de 1963.

Mas comecemos pelo princípio. Al Templeton (Chris Cooper) é o proprietário de um diner onde, num canto esconso, existe um armário que nos leva a 1960, concretamente ao dia 21 de Outubro. Para Al, evitar a morte de Kennedy permitirá, graças ao efeito borboleta, resolver todos os males contemporâneos dos Estados Unidos da América, o que, consequentemente, será uma mais-valia para o mundo. É uma ideia muito discutível, mas, como estamos no domínio da ficção científica, aceita-se. Existem, contudo, dois problemas. Em primeiro lugar, o passado não gosta de ser perturbado e resiste. Em segundo lugar, sempre que se regressa do passado ao presente, o mundo faz reset, tudo volta ao mesmo. Logo, para que as mudanças produzidas no passado tenham um efeito duradouro, o agente de mudança tem que se sacrificar, permanecendo no passado para sempre. Templeton fez a viagem, permaneceu vários anos na década de 1960, mas como o passado penaliza quem o tenta modificar, desenvolve um cancro agressivo que o impede de completar a missão. Convence então o seu amigo de longa data Jake Epping para o substituir e salvar a História. Jake mostra-se reticente, mas Al tem um argumento de peso: independentemente do tempo transcorrido no passado, 3 semanas ou 3 anos, no momento presente passarão apenas 2 minutos – a dinâmica das viagens no tempo, ao bom estilo de Stephen King, fica envolta em mistério.

 

 

 

Séries do ano (4) - Game of Thrones

Diogo Noivo, 11.10.16

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Game of Thrones é o José Sócrates das séries de televisão. Não que seja uma série ensimesmada, irascível, de estrutura ética e comportamento duvidosos (embora isto caracterize boa parte dos personagens de Game of Thrones), mas porque apenas suscita amor e ódio. Não há meio-termo. Contudo, e ao contrário do que sucede no caso do antigo Primeiro-Ministro, quanto mais se vê Game of Thrones mais se gosta.

Fui dos que, após meses de resistência, se converteu – à série, porque a José Sócrates creio que nem sob o efeito de psicotrópicos. Numa primeira abordagem, a série reúne todos os ingredientes que detesto em ficção: ambiente medieval, dragões, armaduras, batalhas épicas, solípedes com fartura, e mais uns quantos artifícios que parecem ter saído da mente de um miúdo pré-adolescente. Vistos os primeiros episódios, desenganei-me e integrei as fileiras da legião de fãs. Game of Thrones é uma série muito bem pensada e escrita, bem produzida, extraordinariamente bem interpretada, e com uma capacidade de prender o espectador quase insuperável.

O universo de Game of Thrones faz-se de um conjunto de reinos e de famílias em competição pelo poder. São ameaçados por perigos externos cuja gravidade, bem vistas as coisas, depende quase em exclusivo da solidez interna de quem é ameaçado. Há guerras de sucessão, umas naturais, outras forçadas. As alianças são tão essenciais quanto voláteis, uma vez que tudo se resume às relações de poder entre as forças em jogo. Na arena política de Game of Thrones, todos sabem que quem pelo poder mata, pelo poder morrerá. É só uma questão de tempo. Abreviando, a série é uma alegoria perfeita da vida política. Sobretudo, da vida em política.

 

Os galardões talvez convençam os cépticos. Os prémios valem o que valem, é certo, mas uma série não se torna a mais premiada na história dos Emmy por mero acaso. Game of Thrones conta já com 38 estatuetas (destronou Frasier), das quais duas são de Melhor Drama Televisivo (conseguidas em 2015 e 2016). Nesta categoria, o recorde está nas quatro estatuetas, um feito alcançado pelas séries Hill Street Blues/Balada de Hill Street, Mad Men e West Wing/Os Homens do Presidente. Game of Thrones tem mais duas temporadas previstas, logo ainda tem possibilidade de entrar nesta galeria de luxo. Caso o palmarés não chegue para persuadir os resistentes, olhemos então para avaliação dada pelas principais plataformas de televisão e cinema: a IMDb atribui à série uma pontuação de 9.5 em 10; a Rotten Tomatos fixa a apreciação em 94%.

A sétima temporada, que estreará no Verão do próximo ano, e a oitava e última temporada serão mais curtas do que as anteriores, com, respectivamente, sete e seis episódios (as temporadas anteriores contaram com 10). Com o fim anunciado, a HBO, a produtora de Game of Thrones, já apresentou uma sucessora: Westworld. Apesar da nova aposta ter argumentos de peso, como Jonathan Nolan (criador de Person of Interest, co-autor dos filmes Memento, The Dark Knight, The Dark Knight Rises e de Interstellar), Anthony Hopkins, Ed Harris e Sidse Babett Knudsen (actriz protagonista na magnífica série dinamarquesa Borgen), não será fácil replicar o fenómeno de audiências e de lealdade dos espectadores a uma série conseguido por Game of Thrones.

Séries do ano (3) - The Night Of

Diogo Noivo, 04.10.16

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“Quando vamos ao cinema levantamos a cabeça; quando vemos televisão, baixamo-la”. Longe vão os tempos em que este aforismo de Jean-Luc Godard fazia algum sentido. A série The Night Of demonstra-o.

The Night Of é uma boa história, contada com calma. O ritmo da acção, que à primeira vista parecerá um convite à narcolepsia, é na verdade um dos aspectos mais fortes da série. O tempo que o formato televisivo oferece, e que falta ao cinema, pelo menos ao comercial, é aproveitado para construir personagens sólidas, para dar profundidade à história, para obrigar o espectador a pensar. 

O primeiro episódio dá-nos um homicídio com um suspeito mais do que provável. A partir daí, The Night Of centra-se na investigação do crime e sobretudo na defesa em tribunal do alegado criminoso, um jovem universitário de ascendência paquistanesa (interpretado por Riz Ahmed). O advogado de defesa, John Stone (uma interpretação brilhante de John Turturro), é uma figura burlesca, ainda que surpreendentemente verosímil, pouco habituada a casos desta envergadura. O papel foi inicialmente pensado para James Gandolfini, o actor principal em The Sopranos, de quem aliás partiu a ideia de fazer esta adaptação da série britânica Criminal Justice. Gandolfini chegou a filmar o episódio piloto, mas o destino interveio e este gigante morreu, vítima de um ataque cardíaco. A HBO pegou então no projecto e decidiu homenagear James Gandolfini atribuindo-lhe os créditos de produtor executivo a título póstumo.

 

Ao não ter pressa em desenrolar a acção, The Night Of permite-se criar e explorar um conjunto de pormenores simbólicos que, como todos os pormenores, são essenciais. Um deles, e para dar um exemplo, remeteu-me para “Burmese Days”, o primeiro livro escrito por George Orwell. O protagonista, John Flory, tem um sinal de nascimento na cara, uma mancha semelhante a uma equimose, que lhe cobre quase todo o lado esquerdo do rosto. É causa de timidez, de auto-repulsa. Quando Flory morre, a mancha desaparece, um fenómeno que Orwell usou para afirmar que a solidão, a dor e os pecados morrem com o corpo. O advogado de defesa em The Night Of não morre (perdoem-me o spoiler, prometo que não há mais), mas o eczema do qual padece serve um propósito narrativo semelhante ao usado por George Orwell.

A crítica recebeu The Night Of com louvores desmedidos e, desta vez, teve razão. A história é boa e bem contada, a fotografia é magistral (muito superior ao que se tem visto no cinema) e as interpretações são na sua maioria irrepreensíveis. Uma série a não perder.

Séries do ano (2) - Stranger Things

Diogo Noivo, 27.09.16

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Stranger Things é um regalo para quem viveu os anos oitenta, até para aqueles que, como eu, começaram a década de fraldas e a cheirar a pó de talco. Está lá tudo o que de bom foi produzido pelo cinema de mistério, de aventura e de terror nessa época gloriosa (um adjectivo que evidentemente não se aplica à moda capilar).

Esta série, produzida pelo Netflix, tem muito de E.T., muito de Os Goonies, bastante de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, algo de Explorers e de Stand By Me, um pouco de Alien – O Oitavo Passageiro (que é de 1979, mas não é por um ano que nos vamos aborrecer e excluí-lo da década de 1980), um travo a Firestarter, um cheirinho a Pesadelo em Elm Street e, claro, uns apontamentos de Poltergeist e de The Shining. Julgo ter encontrado também referências a Carrie, mas não farei disso um ponto de honra. Na banda sonora há mais anos 80: muitos sintetizadores e miúdos a descobrir The Clash com as cassetes dos irmãos mais velhos.

O enredo, e sem revelar muito, centra-se em quatro miúdos irrequietos (jovens actores fantásticos), personagens que podiam perfeitamente ter saído de versões alternativas de E.T. ou de Os Goonies. Há também uma menina com capacidades psíquicas invulgares (actriz igualmente notável), muito mistério e acontecimentos paranormais. O monstro, no respeito estrito pela pauta dos filmes de terror dos anos 80, só é visto com nitidez lá para o final. Numa última menção aos personagens da série, Winona Ryder, actriz que nas décadas de 1980 e 1990 interpretava miúdas irreverentes, desempenha agora o papel de mãe de um dos rapazes.

 

O entusiasmo juvenil que Stranger Things suscita nos maduros que viveram os 80 é suficiente para nos distrair do quão batido é o guião da série. De facto, o argumento não é inovador. A série aproveita-se do mercado da nostalgia que capturou muitos trintões e quarentões, cuja proximidade à meia-idade porventura os (nos) torne totalmente complacentes com histórias requentadas, desde que ofereçam um passeio à infância e à adolescência. E aqui encontramos, a meu ver, a chave do sucesso de audiências: Stranger Things é muito competente na recuperação das imagens, dos sons, dos temas e dos golpes de asa do cinema dos anos 80, evitando com distinção o enorme risco de resvalar para o kitsch de uma feira de salvados. Em suma, ver Stranger Things foi um vício irrefreável.

Tal como boa parte dos filmes aos quais presta homenagem, Stranger Things é uma história sobre o fim da inocência, sobre a passagem à idade adulta e sobre os medos que nos acompanham nesse processo. A série acaba como deve ser, com um desenlace que se ocupa dos principais nós da história, e as pontas soltas que ficam são parte imprescindível de um bom guião de mistério. Por essa razão, temo o pior desde que soube que Stranger Things terá uma segunda temporada. Bem sei que a vida custa a ganhar e que a tentação para a explorar uma fórmula com sucesso comprovado é mais do que muita. Mas pode ser a receita para matar uma série com todas as condições para se assumir como referência de culto. Enfim, por ora, é ver a primeira e única temporada disponível e entregar-se nos braços da boa nostalgia.

Séries do ano (1) - The Americans

Diogo Noivo, 20.09.16

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Graham Greene e John le Carré ensinaram-nos que o bom espião é aquele que passa desapercebido numa rua vazia. Às séries de televisão coloca-se o desafio inverso, o de sobressair num mercado sobrelotado e ruidoso. Infelizmente, The Americans não foi bem sucedida na missão pois recebeu uma atenção do público muito inferior à merecida, de tal forma que o blogue ‘Quinta Temporada’, do El País, a considera digna do rótulo “a melhor série que não estás a ver”.

The Americans relata a vida de Elizabeth (Keri Russel) e Philip Jennings (Matthew Rhys), dois espiões russos casados pelo KGB, que os infiltrou nos Estados Unidos da América em plena Guerra Fria. São membros do Directório S, um programa da espionagem soviética formado por agentes sem cobertura oficial, pessoas que à superfície têm vidas normais e aborrecidas, simples cidadãos americanos na aparência. Passando do pequeno ecrã para o mundo real, a existência deste tipo de espiões foi motivo de alerta nas Forças e Serviços de Segurança norte-americanos durante a Guerra Fria, embora o caso recente da rede de “ilegais” russos detidos em solo americano prove que este tipo de espionagem não é um anacronismo.

 

Regressando a The Americans, se a espionagem e o conflito entre mentalidades soviéticas e o capitalismo geram tensão suficiente para agarrar o espectador, o outro lado da história não lhe fica atrás. A gestão da vida quotidiana, sobretudo no que concerne à relação com os dois filhos, alheios à vida dupla dos pais (algo que não é um delírio criativo), confere uma densidade à série que muito a valoriza. O guião está bem estruturado, com tramas quase sempre bem urdidas, e é exímio ao agregar a ficção ao momento histórico da Guerra Fria, coordenando o desenrolar da acção com factos políticos relevantes da época, mas também com episódios marcantes da cultura popular americana, como por exemplo a exibição do telefilme The Day After (emitido a 20 de Novembro de 1983, pela ABC). É verdade que algumas das ramificações do estribo narrativo se relevam inconsequentes, mas nem por isso são rasas ou menos interessantes.

Criada por Joe Weisberg (um antigo funcionário da CIA) e por Joel Fields,The Americans começa com um ritmo ligeiro, que vai acelerando ao longo das temporadas, sem nunca perder a sobriedade que nos faz esquecer que se trata apenas de ficção. É uma série tão discreta quanto notável, e aqui sim faz jus aos espiões de Greene e Le Carré. Os dilemas morais que as séries contemporâneas exploram à saciedade são tratados sem exageros ou frivolidades dramáticas. A instabilidade moral é, em The Americans, uma parte grave mas normal na vida de um espião.

Com a chancela da FX, The Americans vai na quarta temporada e terminará com a sexta entrega, a emitir em 2018. Portanto, os interessados vão mais do que a tempo para meter os episódios em dia. Vale a pena.

 

NOTA: O ano ainda não terminou, mas em matéria de séries televisivas já é possível fazer um balanço. Durante as próximas semanas, à terça-feira, trarei ao DELITO as séries que, para mim, foram as melhores de 2016.