Decorre quase exclusivamente na televisão, e não está mal assim: na rua faz frio, chove, ninguém converte senão convertidos, e os partidos com mais dinheiro brilham enquanto torram recursos com brindes e inutilidades, das quais uma parte vai acrescer ao trabalho dos varredores municipais no dia seguinte ao das arruadas ou comícios. De resto, os candidatos vão para essas horríveis maçadas não para “contactar os eleitores”, segundo a fórmula consagrada, mas para saírem nas notícias; e os jornalistas estão ali a ver se pescam o popular pitoresco, o incidente surpreendente ou desagradável e o deslize do putativo pai da pátria, e mesmo isto só nos casos em que não estão a fazer o frete.
Toda a gente se queixa, porém, dos 25 minutos dos debates na tv, que contrastam com o tempo alocado aos comentadores. Não dá para discutir seriamente coisa alguma e o formato favorece os repentistas, os ditos que ficam, as acusações sem substância, os raciocínios esquemáticos, o lixo argumentativo que se guarda para os últimos minutos, se o sorteio disser que se é o último a falar, o que tudo se espera fique no ouvido do eleitor arredio.
A conclusão das pessoas que se aliviam das suas opiniões publicamente, mormente se detiverem uma magistratura de influência, real ou imaginária, é que faria sentido aumentar ao tempo dos debates, se necessário cortando no paleio dos comentadores, que de todo o modo são uma legião de chatos.
Isto dizem elas. Já eu entendo que aumentando ao tempo dos debates se diminui a quantidade de espectadores porque a discussão racional é menos o que procuram, e mais a luta de galos. Se não fosse assim, aliás, o canal ARTV teria a audiência que nunca teve. Que no meio dessa luta num terreiro rasca passem algumas ideias já não é nada pouco.
Por mim, simpatizo com uns e antipatizo com outros, como toda a gente, mas acho improvável que das próximas eleições saia algo que preste: ou Rio ganha e jamais conseguirá apoio para fazer qualquer reforma válida (admitindo que no seu toutiço determinado morem ideias realmente disruptivas e úteis, do que duvido); ou ganha o PS e, com Costa, continuaremos a costizar, ou, com o famoso Pedro Nuno Santos, aprofundaremos a bloquização do país. A resposta, no futuro próximo, virá mais da evolução dos juros da dívida e das posições da UE, e menos do resultado das eleições. Portugal é hoje menos independente, provavelmente, do que no tempo dos Filipes, e não apenas porque os Orçamentos, antes de aprovados pela AR, precisam do accessit dos burocratas de Bruxelas para garantir as esmolas sem as quais não há investimento, seja ele o elefante branco do dinamismo empresarial do Estado seja o magérrimo privado.
Portanto, foquemo-nos nas pequenas histórias: o comentariado político sofre exactamente dos mesmos enviesamentos que o futebolístico, um grau abaixo porém na sinceridade: o comentador desportivo não se apresenta como politólogo (politotólogo na realidade) isento, e mesmo o espectador desinteressado topa em que clube joga o doutor da bola (que se distingue do básico que bolça uns morra! clubistas por os embrulhar num palavreado hermético). Mas mesmo assim a gente minimamente atenta (que, concedo, não é a maioria) sabe que a comentadora xis é do PS; o y do PSD; o z do Bloco; e o resto parente pobre.
Este tradicional viés de esquerda explica que Ventura perca invariavelmente todos os debates na opinião publicada enquanto quem quer que tenha visto o com Costa sabe, se não for um fanático geringôncico, que este levou uma grande coça.
(E antes que me venham por aí tachar de chegano esclareço que acho Ventura um demagogo – algumas das suas propostas, em particular no domínio penal, representam um retrocesso civilizacional, além de serem antiportuguesas porque a nossa tradição não é de violências americanas. E não me parece que a hierarquia das suas preocupações e bandeiras, casando embora com algumas indignações de gente sumária, tenha potencial para resolver os nossos principais problemas.)
Pois bem: esta desonestidade intelectual (ou talvez sinceridade, o que seria pior) na apreciação do desempenho de André Ventura atingiu o seu paroxismo no debate com Rui Tavares, uma nulidade política que goza dos favores da corte opinativa. Não vou explicar porquê, refugiando-me na economia de argumentos a que recorro quando não estou com excessiva paciência: quem precisar de que isto se lhe explique não está em condições de entender a explicação. Razão pela qual, a seguir ao debate, escrevi no Facebook o seguinte:
Este é genuinamente o meu país, até estou enternecido. Um país de velhos porque os novos emigram sem que nasçam outros; com a maior dívida em tempo de paz da sua história; a deslizar com segurança para os últimos lugares do desenvolvimento, num continente que não cessa de perder importância no mundo; obcecado com os ricos, que praticamente já não há, e insistindo na redistribuição até à venezuelização; com um SNS que toda a gente traz na lapela como um triunfo mas ninguém quer suspeitar que é insustentável; e com uma população feita de reformados, pensionistas e funcionários públicos, todos a caminho da cubanização, mas com frio e eleições democráticas. Este desastre tem um selo, o da esquerda. E Ventura, que defende tolices demagógicas na área social, mas não subscreve disparates na área económica, oferece a esta nuvem a possibilidade de se apresentar como depositária da superioridade que não tem, da lucidez que lhe falta, da responsabilidade que não assume e do cripto-comunismo que lhe vai na alma, mesmo que não o entenda e julgue não defender. Rui é um Polpotezinho das ideias, versão sala dos professores de universidades caducas.