Pois então que venha o Rui
(créditos: Bruno Colaço/Sábado)
A Iniciativa Liberal terminou a sua Convenção Nacional e consagrou Rui Rocha como o seu novo líder. Vitória indiscutível.
Não é que a mudança de líder de um partido seja um acontecimento fora do normal, ou a que não estejamos todos habituados nos anos de democracia que levamos. De boa e de má democracia. Se a democracia é sempre boa em si, acredito, verdade que a nossa nem sempre foi boa nos frutos, e ultimamente até tem sido má em muito do que germina, mas nem por isso deverá deixar de ser sublinhada a mudança de direcção nesse partido ainda jovem que é a IL.
Há aspectos para os quais importa chamar aqui a atenção, até porque o Rui Rocha por aqui andou delituando durante alguns anos, o que a todos permitiu conhecê-lo melhor e às ideias que hoje transporta para a liderança da IL. Independentemente da simpatia pessoal que possa ter por ele, não obstante o mar ideológico que nos separa, enquanto estudioso interessado do sistema político, do regime e dos seus actores quero aqui dar-lhe os parabéns e deixar umas breves notas.
Importa realçar que pela primeira vez temos um partido perfeitamente integrado no sistema, ao contrário do Chega que sempre se assumiu como anti-sistema, que toma a posição de querer mudá-lo por dentro.
Bem ao invés de PS, PSD, PCP e do defunto CDS-PP, para já não falar no BE que se tornou numa muleta do status quo, a IL há muita que manifestou o seu descontentamento com o rumo tomado pelo regime, embora comungue dos valores e dos princípios básicos que enformam a nossa democracia. Uma coisa é querer reformar o sistema político-constitucional; outra bem diferente é querer destrui-lo na corrida para o poder, minando a democracia e os seus alicerces enquanto se cavalga a onda populista e se promove a ignorância.
Um segundo ponto que merece nota é que o novo líder, tal como o anterior, tem um passado, um percurso académico e profissional antes de chegar a S. Bento e à liderança do partido, reconhecidamente íntegro e discreto. Basta olharmos para alguns figurões que fizeram carreira na política e nos negócios pós-vida política para se perceber a diferença entre este e outros que por aí circulam.
Depois, o novo líder da IL tem uma história de vida que não será muito diferente da de inúmeros cidadãos deste país. O que faz dele uma pessoa normal. Passou por África, sentiu na pele o drama dos refugiados, integrou-se, cresceu, tornou-se um cidadão de corpo e alma, ciente dos seus direitos e das suas obrigações, saído de uma cidade periférica num país dominado pela macrocefalia de Lisboa, do Porto e das suas regiões metropolitanas, que chega à política numa idade em que ainda pode fazer alguma coisa e sem o permanente cheirinho a cueiros daquela rapaziada que passou pelas jotas e chegou aos partidos, ao parlamento e ao governo sem nunca ter aprendido nada e feito na vida algo que se visse e os pudesse recomendar para alguma coisa.
Posto isto, talvez seja de os outros partidos do sistema começarem a arrumar a casa, se não quiserem saltar borda-fora.
Do atavismo do PCP e do BE já ninguém espera nada, a não ser os seus crentes. Tal como do PAN ou do Livre que pese embora algumas boas ideias jamais adquirirão dimensão para as poderem concretizar, salvo casos pontuais e marginais de intervenção política. Reformar os outros partidos duvido que seja possível enquanto estiverem enxameados pela tropa de Montenegro e de Coelho, de Santos e de Costa, por essa gente moluscular cujo único ideal é fazer carreira na política e resolver vitaliciamente, se possível com pouco ou nenhum esforço, os seus problemas de emprego e da família, tornando-se rentistas ou lobbyistas de qualquer coisa, seja do partido, de uma autarquia, de uma empresa pública, de uma construtora ou de um canal de televisão.
Se a meta de alcançar os 15% pode nesta altura parecer distante, o que acontecer nos próximos meses nos partidos e no Governo poderá torná-la facilmente alcançável, provocando a reestruturação e reconfiguração do actual sistema de partidos. Com o seu posicionamento e o discurso actual, a IL pode beber à direita e à esquerda, provocando problemas acrescidos a PSD e PS, seja por via de uma radicalização do discurso ou de serem empurrados mais para a direita e mais para a esquerda em virtude do espaço que a IL for capitalizando no eleitorado do centro para atingir o objectivo agora definido de romper com o bipartidarismo, o que não será seguramente fácil com o actual sistema eleitoral.
Finalmente, não obstante a pressa com que vem, convém que o novo líder tenha em atenção as pessoas de quem se vai rodear, posto que este tem sido um dos cancros das actuais lideranças. Será muito importante saber de onde chegam, para onde querem ir e como querem lá chegar aqueles que vão ajudar o líder a concretizar os objectivos definidos para o partido. Seria certamente muito mau que o partido se visse inundado de arrivistas e de pessoas sem convicções que num dia apoiam líderes autocráticos, o regime chinês, o russo ou o que estiver mais a jeito, e no outro se apresentam como "liberais" empenhados na mudança do país. O país e os seus potenciais eleitores não lhe perdoariam isso, nem o deslize para a ineficiência.
Que a IL e Rui Rocha, com o seu humor cáustico, preparação e inteligência contribuam para uma renovação do sistema partidário, das mentalidades e da democracia, tornando o país menos cinzento e menos carreirista, trazendo gente mais interessada, mais bem preparada, mais adulta e de convicções para a política são os meus votos.
As últimas sondagens são enganadoras, e podem não representar nada neste momento.
Eu cá estarei para dizer de minha justiça, tendo sempre presente a minha declaração de interesses. Que, aliás, é pública há muitos anos, conhecida dos leitores desta casa, e não muda ao sabor de ventos e marés.