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Delito de Opinião

Quase a bater no fundo

Pedro Correia, 30.04.18

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Ao saber-se - ou presumir-se, com base em forte indícios, aliás alimentados com o chocante silêncio do visado - que o antigo Dono Disto Tudo indicou, como figurante no Conselho de Ministros, alguém do seu redil que foi alimentando com choruda prebenda mensal, estamos a um passo de ver a III República bater no fundo. Não é preciso muito mais para fazer cair um regime, já desacreditado por ver um antigo primeiro-ministro, vários gestores de topo e o banqueiro mais influente da nação conduzidos em fila indiana ao banco dos réus.

Felizmente a justiça funciona em Portugal: ela é, neste momento, o principal dique contra o aparecimento de movimentos extremistas e populistas semelhantes aos que proliferam por essa Europa fora e acabarão por desembocar neste cantinho ocidental do continente.

Mais um motivo para que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reconduza Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República. Seria arrepiante imaginá-la neste momento a dar lugar a alguém com um perfil idêntico ao de quem a antecedeu neste cargo, que só é prestigiante para quem realmente o sabe prestigiar.

A golpada

Pedro Correia, 21.04.18

«As luvas alegadamente pagas a José Sócrates, Bava, Granadeiro, Bataglia e mesmo Ricardo Salgado foram financiadas por veículos financeiros que usaram dinheiro dos clientes que compraram papel comercial do BES ou do Banque Privée em esquemas semelhantes aos que destruíram as poupanças de tantos.»

 

Da série de grandes reportagens da SIC que nos tem conduzido aos meandros do maior escândalo político e financeiro da democracia portuguesa.

Liberalidades

Rui Rocha, 28.01.17

O Expresso revela hoje, em 1ª página, que o ex-líder do Montepio é suspeito de receber 1,5 milhões de euros do construtor José Guilherme. Não percebo o motivo para tal destaque. Ricardo Salgado recebeu do mesmo José Guilherme 14 milhões de euros e o ilustre causídico Calvão da Silva, que serviu depois a Pátria como Ministro do último governo de Passos Coelho durante uns dias e uma inundação em Albufeira, teve oportunidade de esclarecer em parecer fundamentado que:

"O espírito de entreajuda e solidariedade é um princípio geral de uma sociedade e é natural, pois, que um amigo possa e tenha gosto em dar sugestões, conselho ou informações a outro amigo, sendo que não é a circunstância de ser administrador ou presidente executivo de um banco que o priva dessa liberdade fundamental. E se alguém decide dar dinheiro de presente (liberalidade) em reconhecimento desse conselho, como José Guilherme deu a Ricardo Salgado, isso não põe em causa a idoneidade de quem recebe".

Cá está. Uma situação em tudo semelhante. A única diferença é o montante. Salgado e Guilherme eram mais chegados. Ou Salgado dava melhores conselhos.

Basta ser "tio"

Sérgio de Almeida Correia, 22.03.15

Não, não é preciso ter a noção de nada.

Paga-se umas bolsas aos potenciais candidatos a líderes partidários que vão fazer o "ensino básico" aos 40 anos numa universidade privada, paga-se a campanha de um qualquer cavaco, dá-se umas coroas aos outros para ficarem calados, e convida-se a "malta" fixe para umas férias.

Depois, bom, depois acaba-se numa Comissão Parlamentar a fazer figura de urso.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 13.12.14

«Ricardo Salgado demorou muito tempo até falar mas ainda não se calara e já estava a ser desmentido pelo Banco de Portugal. Depois, foi destruído por José Maria Ricciardi. Depois, foi gozado por Pedro Queiroz Pereira. Depois, foi responsabilizado por Amílcar Morais Pires. Agora, será desmentido pelo contabilista e responsabilizado por Álvaro Sobrinho. O caso BES tornou-se o caso Ricardo Salgado.

A sequência televisionada de audições desta semana mostrou que este caso se vai deslindar entre três pessoas: Salgado, Ricciardi e Carlos Costa. Os demais são mais ou menos importantes, mas secundários. O sangue frio de Salgado foi liquidado pelo sangue quente de Ricciardi, que tirando não gostar de jornalistas que não o bajulem tem razão em quase tudo o que contou. E descredibilizou completamente a tese angelical de que Ricardo Salgado não sabia, não mandava e não fincava pé.»

Pedro Santos Guerreiro, no Expresso

O leopardo, o gato e o gelo

Pedro Correia, 11.12.14

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Durante anos, que se prolongaram por décadas, Ricardo Salgado foi uma espécie de imperador absoluto da banca portuguesa, bafejado por uma poderosa lei não-escrita: a lei do silêncio. Chegou a ser o homem mais influente do País, mas sempre atrás do biombo, sem se expor ao desgaste das aparições quotidianas a que se sujeitam os decisores políticos.

Mandava, sem parecer que mandava.

 

Largos milhares de portugueses escutaram-no anteontem pela primeira vez na longa audição que protagonizou na comissão de inquérito ao caso BES na Assembleia da República. Conheciam-no de nome, de fotografia, de imagens fugazes dos ecrãs televisivos. Mas ignoravam quase tudo quanto à capacidade de expressão, ao domínio vocabular e às modulações de voz do homem que foi acumulando uma espiral de dívidas ocultas por detrás da aparente solidez do seu couraçado financeiro, afinal um gigante com pés de barro.

Pudemos escutá-lo durante dez horas graças aos canais televisivos de notícias, que desta vez desempenharam uma verdadeira missão de serviço público, pondo de lado as irrelevâncias do futebol. Mas o que escutámos, ao longo de todo esse tempo, não nos permitiu descortinar o rosto humano oculto sob a máscara que em momento algum Ricardo Salgado desafivelou.

 

Recebido com rara deferência no Parlamento, onde entrou por um acesso inusual, ao abrigo das indiscrições fotográficas, e poupado a perguntas verdadeiramente incómodas pela maioria dos deputados (destaco, como excepções, Mariana Mortágua, Miguel Tiago e Carlos Abreu Amorim), Salgado continuou a comportar-se como Dono Disto Tudo.

Sem nada esclarecer.

 

Terá ele dificuldade em «lidar maravilhosamente com a verdade", para utilizar a saborosa expressão ontem proferida pelo empresário Pedro Queiroz Pereira também na comissão de inquérito?

Alguns indícios apontam nessa direcção.

Afirmou, por exemplo, que o governador do Banco de Portugal nunca lhe terá dito que recusava a sua solução de continuidade para a comissão executiva do BES - e não tardou a ser desmentido pelos correios electrónicos entretanto divulgados por Carlos Costa. Sugeriu que o contabilista do GES estava desaparecido em parte incerta - e afinal Machado da Cruz já contactou o Parlamento, manifestando-se disponível para comparecer perante os deputados. Confessou ignorar que as reuniões do Conselho Superior do GES era gravadas e foi de imediato contraditado pelo primo: ouvido também na comissão de inquérito, José Maria Ricciardi não deixou lugar a dúvidas, afirmando que o gravador se encontrava bem visível na mesa das reuniões.

 

Sem nunca abandonar a pose esfíngica, aquele que - para usar outra metáfora de Queiroz Pereira - se encontrava há muito sentado sobre um "castelo de cartas" foi incapaz de desfazer por um instante a expressão de aço para emitir um pedido de desculpa aos pequenos e médios accionistas que nos últimos anos financiaram o grupo com as suas poupanças entretanto desencaminhadas para operações de alto risco cujo destino ainda hoje em parte se desconhece.

Salgado, com gelo ancestral no olhar e na voz, citou pausadamente um velho provérbio chinês: «O leopardo, quando morre, deixa a sua pele. O homem, quando morre, deixa a sua reputação.»

Mas talvez outro provérbio, também chinês, seja mais adequado às circunstâncias que agora enfrenta o antigo rei-sol da banca que viu o seu império ruir: «É difícil agarrar um gato preto num quarto às escuras. Especialmente quando o gato não está lá dentro.»

Uma pequena frase

Sérgio de Almeida Correia, 11.12.14

carlos-costa-c180mch-c8a4.jpg(Hugo Correia, Reuters)

 

A Comissão de Inquérito ao caso BES ainda agora começou a funcionar, mas pela passadeira de inocuidades e vaidades que por estes dias desfila em S. Bento, há pequenas notas que vão sendo respigadas, aqui e ali, que revelam muito mais do que tudo aquilo que se possa imaginar para se compreender por que razão se chegou até hoje da forma como chegámos. Não me refiro à intrigalhada familiar exposta em praça pública, reveladora do baixo nível, e que não é por razões de extracção social, de alguns dos seus membros, nem aos desmentidos que já começaram a aparecer, como foi aquele que o Banco de Portugal sentiu necessidade de fazer face ao depoimento prestado por Ricardo Salgado. Tudo isso é do domínio do cómico, do novelesco, e está de acordo com a forma como o País foi gerido politica, económica e financeiramente pelas suas "elites" nas últimas décadas. Com o tempo que o espectáculo vai durar muita coisa haverá para acompanhar e ir comentando no virar dos dias. Por agora, registo que os senhores deputados parecem ter aprendido a lição de anteriores comissões, percebendo que é do interesse de todos esclarecer devidamente o que se passou, retirando as ilações necessárias para uma correcção de práticas e modelos, enfim, esforçando-se por cumprirem bem o seu papel. Aqui será justo realçar o conhecimento e a preparação que a jovem deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, tem revelado.

Mas aquele que para mim foi o momento mais marcante até agora de tudo o que se passou, tem muito pouco de técnico. É mais do domínio do conhecimento da natureza humana, sendo importante para se perceber quem depõe, a forma como pensa e como age. E sobre isto recorde-se o momento em que Ricardo Salgado esclarece que tendo sido sugerido ao Banco de Portugal o nome "do Amílcar" [Morais Pires] para dirigir o BES, Carlos Costa lhe pede dois dias para pensar. De acordo com o relato de Ricardo Salgado, dois dias depois o senhor governador do Banco de Portugal telefona-lhe e diz-lhe: "Será quem o Sr. Presidente quiser".

Que um banqueiro afectado se refira a quem fora proposto lhe suceder em termos que não são aqueles em que se refere a outros membros da sua própria família que integravam a administração do BES, e a quem provavelmente conhece há mais tempo, ao fim e ao cabo vincando a diferença social e o modo de ascensão "do Amílcar", não é de estranhar. Amílcar Morais Pires fizera um percurso diferente, não era do meio, não exibia os mesmo pergaminhos. Era um homem da casa que trabalhava há muito na instituição, subira a pulso, conhecia os cantos e, digo eu, era suficientemente grato para fazer o que lhe mandassem.

Mas o que para mim é mais penoso é ver que da mesma forma altiva e sobranceira com que Ricardo Salgado se refere a Amílcar Morais Pires, verificamos que o governador do Banco Portugal exibe o respeitinho parolo e subserviente que é a marca de toda uma geração, de que com razão se queixava O'Neill e que quarenta anos depois do 25 de Abril continua a marcar os dias. Repare-se que, nas palavras de Ricardo Salgado, Carlos Costa não o trata pelo nome próprio, nem por "dr.", como é típico nos meios nacionais. Para Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, Ricardo Salgado era (é?) o "Sr. Presidente"! E, quer se queira quer não, foi desta forma que o regulador Banco de Portugal sempre se comportou em relação a quem manda nos bancos.

Fosse agora no caso do BES, ou tivesse sido no caso do BPN, do BPP ou do BCP, esta forma acanhada e subserviente de lidar com quem tem o poder do dinheiro, que neste pequena frase se revela, é afinal a mesma que se encontra no modo como, por exemplo, jornalistas falam com presidentes de clubes de futebol ou com políticos. Bem sei que alguns, de presidentes de juntas de freguesia a presidentes de filiais de empresas, tal como antes acontecia com alguns governadores civis, ficam de "trombas" (a culpa é de Mário Soares) quando os tratam pelo nome ou pelo convencional "dr.", em vez de a eles se dirigirem pelo título do cargo que ocupam. Porém, esse será um problema deles decorrente da sua errada percepção das coisas, da sua própria falta de noção do ridículo.

No país de Boliqueime, "Será quem o Sr. Presidente quiser" é uma frase que é também um espelho do modo como alguns exercem o poder. Mesmo que o "Sr. Presidente" seja um qualquer pantomineiro de boas famílias, que foge ao fisco e bate na mulher, ele será sempre o "Sr. Presidente". E é também um reflexo da susceptibilidade de alguns que exercem o poder numa sociedade democrática se deixarem influenciar por atavismos pouco consentâneos com as regras de uma república democrática em que os cidadãos são todos iguais perante a lei. É esta maneira de estar na vida, de uns serem "o Amílcar" ou a Irene do leite-creme e outros o "Sr. Presidente", é este estado de espírito, esta mentalidade, que nos separa e faz a diferença entre uma nação civilizada e uma sociedade moldada no preconceito e no paroquialismo, incapaz de sair de si para se elevar. Das coisas mais corriqueiras às que têm que ver com o nosso destino colectivo, como é a supervisão bancária e a forma como o Banco de Portugal exerce as funções que lhe foram legamente cometidas. "Será o que o Sr. Presidente quiser" é hoje a nossa imagem. No BES, na Presidência da República, em S. Bento, nos Tribunais, no Estádio do SLB ou do Dragão, na Junta de Freguesia da Mexilhoeira ou até no caso dos "vistos gold". Por aqui se vê o espelho da nossa desgraça. Da nossa miséria. E de como estão errados os modelos sociais e educacionais que se têm vindo a cultivar. Até nisto conseguimos falhar.

 

Os inocentes

José António Abreu, 09.12.14

Ricardo Salgado usou a táctica do costume: nada aconteceu em resultado das suas acções e tudo se teria resolvido se outras entidades (Banco de Portugal e governo) não lhe tivessem tirado o tapete (o primeiro exigindo a constituição de provisões para as «imparidades» e a saída da família das posições de controlo; o segundo recusando emprestar-lhe uns milhares de milhões de euros). Lembrou-me outros casos. O BPN. O BPP. O BCP. A PT. O PEC IV (ou o processo que a ele conduziu). E, na verdade, também o comportamento de muita gente anónima após acidentes de automóvel mas não vale a pena misturar universos; fiquemos pela «elite» do país. Caso após caso, nunca ninguém assume responsabilidades pela trampa produzida porque, obviamente, não aceita tê-la produzido. Caso após caso, tudo sucedeu em resultado de uma alteração abrupta de circunstâncias («o mundo mudou muito nos últimos quinze dias») e/ou de actos ilícitos de uma personagem menor (no caso do GES, o contabilista da parte não financeira). Mais importante: a solução existia, estava mesmo ali, preparadinha, reluzente, como um presente de Natal cuja abertura despoleta a exclamação sincera: «Uau, era mesmo isto!», e só não foi implementada porque alguém, por incompetência ou interesse, não deixou.

Enfim. Ricardo Salgado tem pelo menos uma vantagem sobre a maioria dos outros banqueiros envolvidos em casos de gestão ruinosa e em particular sobre Sócrates: parece menos arrogante e é incomensuravelmente menos histriónico. Para quem dispensa exibições alarves de testosterona (há um número significativo de criaturas a quem elas causam afogueamento e pernas bambas), sempre vale alguma coisa. De resto, a trampa é a mesma.

Breve tratado do cabrão lusitano

Rui Rocha, 14.08.14

Vivemos, portanto, num tempo em que todas as atenções se viram para as minorias. Só isso pode justificar que se dedique tanto tempo ao lince da Malcata e se descure o estudo do cabrão lusitano, espécie que prima pela sua abundância. Não admira, pois, que reconheçamos de imediato um lince quando o vemos e que tenhamos, em contrapartida, tanta dificuldade em identificar um cabrão à primeira vista.  A integral compreensão da problemática do cabrão obriga-nos a distinguir entre o aspirante a cabrão e o cabrão de pleno direito: o aspirante tem todas as competências necessárias para afirmar-se como cabrão, mas a vida ainda não lhe proporcionou o momento adequado para as colocar em prática. Não se trata, como se vê, de uma questão de idade ou de falta de experiência, mas de oportunidade. Daí que não seja inteiramente correcto afirmar que a oportunidade faz o cabrão. A oportunidade apenas permite transformar a potência em acto, dar a conhecer ao mundo o efeito do cabrão que já estava feito. Os actos praticados são assim a única forma de o cabrão se dar a conhecer ao mundo cabrão como é. Entendamo-nos neste ponto fundamental. Ao contrário do que defendem certas correntes que se debruçam sobre estas matérias, é impossível reconhecer um cabrão pelo seu aspecto, pelo olhar, pelo sorriso ou pela forma como fala. Os actos e só os actos definem o cabrão. Não há ninguém que tenha cara de cabrão. Ou nariz e orelhas de cabrão. Se quisermos identificar um cabrão, temos que avaliar actos praticados de forma objectiva e imparcial. Da mesma forma, o cabrão lusitano, como espécie autóctone, encontra-se distribuído de forma regular por todas as regiões, níveis de formação, estratos sociais, raças, credos,  religiões ou profissões. Em vão procuraremos isolar características sociais ou outras que permitam confinar os cabrões a uma população com características determinadas. Aliás, esta natureza adaptativa do cabrão é, em boa medida, a razão principal do seu sucesso. Mas, se é verdade que há cabrões em todo o lado, também é certo que o cabrão é condicionado pelo contexto em que se insere. Existindo um substrato comum nos actos praticados pelos cabrões, é óbvio que o cabrão que exerce no Bairro do Lagarteiro tem um repertório de acções diferenciado daquele outro que tem a sua base operacional numa mansão do Restelo. Não admira por isso que se fale, em alguns estudos, do cabrão e da sua circunstância. Por último, importa sublinhar um aspecto fundamental que resulta inequívocamente de milhares de horas de observação. Os verdadeiros cabrões nunca deixam de o ser. O fim da vida activa de cabrão só seria possível por via do arrependimento sincero. E um cabrão, por definição, não se arrepende, jamais se reforma. Pelo contrário. O cabrão, mesmo depois de descoberto, depois de ver avaliados os seus actos e o seu percurso, invocará invariavelmente como desígnio último da sua vida a reposição da honra e da dignidade perdidas. Se for verdadeiramente cabrão, daqueles de papel passado pelo notário,  falará ainda da sua famíla para puxar a lágrima. É isso, em última instância que, apesar de todo o esforço que fazem para não serem reconhecidos, nos permitirá identificá-los. Na dúvida, em todo o caso, recorra-se a um método infalível: coloque-se um pouco de honra e diginidade no seu caminho. Apesar de todo o discurso e parangonas, o verdadeiro cabrão, porque nunca as viu, será incapaz de reconhecê-las.

Contra os cínicos, declaro-me optimista: existe agora uma possibilidade real de Ricardo Salgado ser condenado

Rui Rocha, 26.07.14

Depois do estupor provocado pela detenção de Ricardo Salgado, engrossa a fileira dos cínicos. Agoiram que o homem só será realmente julgado daqui a uma década, que a teia de interesses, subterfúgios, expedientes e recursos processuais impedirá qualquer condenação efectiva, que tudo acabará em águas de bacalhau (bacalhau, salgado, perceberam?), que o monte branco acabará por parir um rato (esta então foi de uma oportunidade...). Pois eu, vendo o verdadeiro terramoto ocorrido recentemente no sistema jurídico português, tendo a estar extremamente optimista. Creio que existe agora uma possibilidade consistente de Salgado ser julgado e condenado em tempo mais que aceitável. Isto, claro, se entretanto abandonar à sua sorte um bichano, um rafeiro ou, de acordo com algumas interpretações, uma ratazana.

Dois jogos de sociedade para os tempos que correm: crime e castigo, verdade e consciência

Rui Rocha, 14.10.11

 

Houve um tempo em que o murro no estômago era uma pergunta: quantos pobres são necessários para produzir um rico? O caminho que está traçado obriga a reformular a questão. As perguntas essenciais são agora:

 

- quantos contribuintes são necessários para manter um Ricardo Salgado?

- quantas famílias da classe média é necessário sacrificar para proteger um Jorge Coelho?

 

A responsabilização, criminal se for possível, dos irresponsáveis que nos trouxeram até aqui (Sócrates, Jardins, Paulos Campos, Constâncios e por aí fora) é essencial para que possamos olhar-nos ao espelho sem nos envergonharmos. Para o passado, o jogo de sociedade só pode chamar-se crime e castigo. Mas, o jogo do futuro chama-se verdade e consciência. Está nas mãos de Passos Coelho e joga-se no tabuleiro das Parcerias Público-Privadas. Enquanto o governo actual não atacar de frente esse monstro, reequilibrando os riscos e os benefícios contratuais, qualquer sacrifício imposto aos cidadãos terá sempre uma marca de injustiça e de imoralidade. E isso é muito grave numa altura em que já nem todos podem comer.