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Delito de Opinião

Marxista, tendência Google

Pedro Correia, 15.01.15

Ah, como é cómodo ver a realidade a preto e branco.

Ah, como é útil definir tudo como um confronto entre imperialismo capitalista e socialismo revolucionário, à boleia do que escreveu um senhor de longas barbas no século XIX.

Ah, como é intelectualmente estimulante solucionar cada dilema vergastando verbalmente os Estados Unidos da América com as palavras de ordem que constam do manual.

Ah, como faz bem ao espírito bradar contra o actual inquilino da Casa Branca, Richard Nixon.

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Ah, como é revigorante contemplar o Muro erguido para a eternidade como sentinela de cimento do bloco soviético nestes tempos de Guerra Fria.

Ah, como é doce lançar anátemas contra a Europa democrática sentado no conforto de um sofá da Europa democrática.

Ah, como é revolucionário escrever incansavelmente as palavras burguês e burguesia, à semelhança do que faz qualquer genuíno marxista, tendência Google.

A palavra pervertida

Pedro Correia, 29.11.12

 

O progresso. Se há palavra malbaratada, desvirtuada, pervertida, vilipendiada é a palavra progresso - sempre pronta a ser usada e abusada por todos os vendedores de ilusões. Alguns dos maiores torcionários de que há memória usaram-na em discursos e até em livros. Em nome do progresso, matou-se e torturou-se. Sob a bandeira do progresso, o homem é constantemente empurrado com excessiva frequência de regresso às cavernas. Invoca-se o progresso como se fosse um dogma, pratica-se o retrocesso como se fosse inevitável.

Nada há de tão perverso na política como esta novilíngua destinada a iludir as mais legítimas aspirações dos povos. Danton, um dos próceres da Revolução Francesa, chegou a enaltecer a guilhotina como conquista civilizacional e símbolo de um futuro radioso. «O verbo 'guilhotinar', notai, não se pode conjugar no passado. Não se diz: 'Fui guilhotinado'.»

Palavras proferidas na véspera da sua morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da guilhotina, na sequência de uma conspiração liderada por Saint-Just, que costumava proclamar: «Ninguém pode governar inocentemente.» Provavelmente tinha razão: o próprio Saint-Just - apelidado de Anjo da Morte - viria a ser executado a 28 de Julho (10 do Thermidor do ano II, segundo o calendário revolucionário), com apenas 26 anos, acusado de "inimigo do povo". Com ele morria Robespierre - outro protagonista dos alvores da Revolução Francesa, outra vítima crepuscular da guilhotina.

De nada valera a Saint-Just o brilhantismo das suas intervenções enquanto mais jovem deputado eleito para a Convenção Nacional, em 1792, com a ardente apologia da revolução permanente. "Àqueles que o povo (não o voto, porque o voto é um acto de Estado, de subserviência) derruba, não devem ser conferidos quaisquer direitos", proclamou, entre apelos à execução sumária do monarca derrubado três anos antes, Luís XVI. Sem imaginar que viria ele próprio a ser vítima da sua própria oratória, tão implacável, tão intransigente, tão inflamada.

Foi a primeira revolução de grande envergadura a devorar vários dos seus filhos - e esteve muito longe de ser a última. Nenhum discurso inflamado por cartilhas partidárias é capaz de atingir os abismos que moldam e condicionam a natureza humana.

 

Imagem. Execução de Saint-Just e Robespierre, em 28 de Julho de 1794 (10 do Thermidor): a Revolução Francesa devorando os seus filhos

Mais uma revolução silenciosa.

Luís Menezes Leitão, 21.09.11

Já perdi a conta à quantidade de vezes que oiço falar de "revolução silenciosa" para procurar desculpar o facto de não se estar a fazer nada de relevante ou o que se está a fazer não estar a produzir o efeito desejado. Mariano Gago dizia que estava a fazer uma revolução silenciosa na Ciência e nas Universidades. O programa Novas Oportunidades foi também qualificado como uma revolução silenciosa. O programa de distribuição de frutas e legumes nas escolas também foi considerado uma revolução silenciosa. A ida de Paulo Bento para treinador da selecção nacional foi igualmente vista como uma revolução silenciosa. Também a antiga Ministra do Ambiente Dulce Pássaro dizia que tinha havido uma revolução silenciosa na distribuição de águas. A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados foi também vista como uma revolução silenciosa ao serviço dos idosos. Alguém deu por todas estas gigantescas revoluções?

 

Não querendo desmerecer a tradição das revoluções silenciosas em Portugal, vem agora Carlos Moedas dizer que o Governo está a fazer também a sua revolução silenciosa de que os portugueses infelizmente não se conseguem aperceber. Imagine-se onde é que está a revolução silenciosa: numa futura revisão da Lei da Concorrência, que ainda ninguém viu, e numa reforma muito limitada do Código da Insolvência, já justamente apelidada como uma via verde para a insolvência. Neste último caso, duvido que a revolução seja silenciosa, pois, se alguma coisa que dificlmente será vista em silêncio será o multiplicar das insolvências em Portugal.

 

Era bom que acabasse este hábito de chamar "revolução silenciosa" a tudo e mais alguma coisa. A única revolução de que me lembro  de ter assistido neste país ocorreu há 37 anos. E garanto que na altura toda a gente deu por ela.