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Delito de Opinião

Lido por aí

João Sousa, 18.06.21

"Quase no mesmo momento em que Fernando Medina trespassava todas as responsabilidades aos funcionários camarários, o cardeal Reinhard Marx demitia-se por causa do escândalo da pedofilia na igreja católica. O Cardeal não esteve envolvido em qualquer caso. Mas entendeu que a hierarquia da igreja tinha de “partilhar a responsabilidade” dos abusos e do encobrimento. Porquê? Porque não derivavam de um lapso ou de um erro ocasional, mas haviam sido “sistemáticos”. Tinham, portanto, uma dimensão institucional."

Rui Ramos no Observador

Um caso exemplar

Sérgio de Almeida Correia, 17.08.17

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Certamente que todos se recordam de alguns "apagões" ocorridos há alguns anos em Portugal e que a nossa querida EDP veio justificar com a insana actividade das cegonhas. O caso passou, como passaram muitos outros, sem consequências de maior. Alguns bem mais recentes. Por isso mesmo, antes que se perca a oportunidade, gostaria de aqui vos dar a conhecer o que aconteceu esta semana em Taiwan e que de tão bizarro não posso deixar de vos referir.

Por razões na altura ainda desconhecidas, na passada terça-feira, 15 de Agosto, Taiwan enfrentou um apagão, por estes lados designado por blackout, que afectou quase sete milhões de habitações, edifícios de escritórios e estabelecimentos comerciais, mergulhando a ilha Formosa no caos e na escuridão. Seis geradores da maior central de gás natural, a Data Power Station, em Taoyuan, colapsaram provocando uma quebra de 4 gigawatts. Eu que nada percebo de electricidade presumo que seja muito pelo destaque que a notícia mereceu na imprensa local e internacional.

Na cidade de Taipé, os semáforos deixaram de funcionar, bem como noutras áreas da região metropolitana, e houve vários departamentos públicos que também sofreram as consequências. Em resultado disso, os bombeiros receberam centenas de chamadas telefónicas, apesar do episódio não ter afectado os aeroportos, as ligações ferroviárias de alta velocidade, nem as autoestradas. Mais tarde, ficou a saber-se que tudo se ficou a dever a erros de operação, erros técnicos e humanos, portanto, no abastecimento de gás natural à central por parte da CPC Corporation, uma espécie de Galp lá da terra. O problema ficaria resolvido quatro horas depois com o restabelecimento do fornecimento de energia e o regresso à normalidade.  

Mas ficou mesmo? Então não é que logo no dia seguinte, imagine-se, o conselho de administração da Taiwan Power Corporation, uma empresa pública (também as há em estados capitalistas e de economia de mercado), deu uma conferência de imprensa para pedir desculpas pelo sucedido?

Também a Presidente de Taiwan e o primeiro-ministro Lin Chuan vieram penintenciar-se pelo que aconteceu, e fizeram-no já depois de, ainda mais incrível, o ministro da Economia, Lee Chih Kung, que como todos devem calcular deve ser o tipo que anda pelas centrais das empresas de energia que o seu ministério tutela a controlar os fornecimentos e a supervisionar o serviço dos técnicos, a carregar nos botões quando aqueles não o fazem, apresentou a demissão. A demissão. O tipo não fez a coisa por menos.

Por inacreditável que aí por terras lusas possa parecer, a Presidente de Taiwan ainda teve o desplante de dizer à opinião pública do seu país que o incidente pura e simplesmente não devia ter acontecido, e que a quebra do fornecimento de energia não é apenas um problema que afecta a vida das pessoas, mas matéria de segurança nacional. 

Como os leitores calculam, é óbvio que nada disto se aplica ao que se passa em Portugal, onde, com excepção do caso de Entre-os-Rios e das regulares "chicotadas psicológicas" nas equipas de futebol, nada de relevante acontece. Seja no país, nos ministérios, nos partidos políticos, nos tribunais, nas autarquias locais, no sistema bancário, nas empresas públicas ou nas entidades com participação do Estado.

Em Portugal só temos ninharias. Haver bancos e empresas de referência que vão à falência, milhares de depositantes que ficam pendurados, governantes e parlamentares que mentem descaradamente para se protegerem e protegerem a sua pandilha, outros que vivem da caridade dos amigos e da que fazem aos amigos, alguns que lá sobrevivem facilitando e agilizando negócios, dando o dito por não dito, ora recebendo umas míseras ajudas de deslocação ou uns robalos, alguns desconhecendo os impostos que têm de pagar, dirigentes de bancos públicos que querem manter o estatuto que tinham nos bancos privados, um morto aqui, um morto ali, uns arbustos que ardem, umas granadas que desaparecem, uma árvore que cai, privatizações que passado pouco tempo se percebe que deviam dar prisão, enfim, nada disso justifica atitudes tão exageradas como as que tiveram lugar em Taiwan.

Também, com o Verão em grande, o mar tão azul e as autárquicas a caminho quem é que quer saber destas trapalhadas que acontecem numa democracia do outro lado do mundo? 

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O colapso do Estado.

Luís Menezes Leitão, 28.06.17

Quando Nixon percebeu que o Watergate o estava a atingir, resolveu pedir a um dos seus assessores que fizesse um relatório a explicar tudo o que sabia sobre o assunto, obviamente para lhe passar as culpas pelo caso. Ele respondeu-lhe imediatamente que não iria ser o bode expiatório das decisões do presidente e passou a colaborar directamente com as investigações a Nixon. António Costa também está a tentar desesperadamente salvar Constança Urbano de Sousa, apesar de ser neste momento evidente para todos que o sector que ela tutela colapsou em Pedrógão Grande. Para essa operação de salvamento obteve o apoio directo de Marcelo Rebelo de Sousa, que na própria noite do incêndio fez a maior declaração de absolvição política de que há memória em Portugal. Mas, apesar de popularidade de Marcelo, isso não chegou e a opinião pública começou a exigir responsabilidades. Por isso António Costa resolveu arranjar um bode expiatório que pudesse assumir as culpas pela tragédia, pedindo relatórios a diversos serviços para lhe permitir encontrar um culpado e salvar a sua Ministra.

 

O problema é que, como também seria de esperar, ninguém nos serviços está na disposição de ser imolado em holocausto e sucedem-se os relatórios a passar as culpas uns aos outros. Assim, a protecção civil diz que a culpa do SIRESP. O SIRESP, num relatório que publicou, nega que a culpa seja sua.  Os bombeiros respondem que a culpa é dele. Assiste-se assim a um jogo de pingue-pongue entre os serviços da administração interna, mostrando que neste ministério já não há rei nem roque. Já se percebeu, no entanto, que ninguém vai assumir responsabilidades.

 

A primcipal função do Estado é proteger os seus cidadãos. Um Estado que deixa morrer 64 pessoas é um Estado que colapsou. Quando deixam que tudo se passe sem consequências, Marcelo e Costa admitem que não se importam de estar à frente de um Estado nessas condições. E isto só demonstra que não deveriam estar nos cargos que ocupam.

Do óbvio

Rui Rocha, 24.06.17

É óbvio que o que aconteceu em Pedrógão Grande é uma tragédia de enormes dimensões e que dela têm de ser retiradas responsabilidades políticas. É óbvio que muitas coisas correram mal e é óbvio que, ao contrário do que afirmou extemporaneamente o Senhor Presidente da República, era possível ter feito mais. É óbvio que perante um acontecimento desta gravidade a existência de responsabilidades políticas é a única forma de assegurar que estes temas são geridos no futuro com seriedade. É óbvio que a inexistência de responsabilidade política seria um gravíssimo sinal de laxismo e cumplicidade colectiva com uma situação insustentável. É óbvio que a gestão da floresta e a prevenção e combate a incêndios acumulam décadas de más decisões e de decisões tomadas por motivos errados. É óbvio que nenhum dos sucessivos governos dessas décadas está isento de censura e que os partidos que os integraram (PS, PSD e CDS) são parte da situação a que se chegou. É óbvio quem tem de assumir a responsabilidade política pois de todos esses partidos é óbvio quem está agora no poder e é óbvio que essa responsabilidade política tem de incidir sobre a equipa do Ministério da Administração Interna.