O que diz Rentes de Carvalho
«Sou tão português que até dói»
Esta semana, um pouco ao acaso, dei ordem ao comando para ir saltitando de canal em canal. Por sorte, fixou-se na RTP 3, quando começava uma entrevista a José Rentes de Carvalho conduzida por Fátima Campos Ferreira, jornalista que consegue ser mais que entrevistadora: é uma verdadeira conversadora.
Foi talvez o melhor trabalho jornalístico que vi até hoje sobre o inspirado autor de obras que tanto me cativaram, como Montedor e Ernestina. Tendo em pano de fundo a aldeia ancestral do escritor - Estevais, no concelho de Mogadouro, emoldurada pelas milenares fragas transmontanas.
Com a sabedoria dos seus 92 anos, e sem necessidade de fazer vénia seja a quem for, Rentes de Carvalho fala livremente do que pensa sobre os mais diversos assuntos. E desenrola o fio da memória, recordando os dias remotos da infância, quando a viagem entre o Porto e a aldeia exigia doze penosas horas de comboio. Hoje não é possível: o edifício da estação ainda lá se encontra mas os carris desapareceram e o transporte ferroviário há muito abandonou aquelas paragens descuradas pelos sucessivos titulares do poder político. Na última década, Mogadouro perdeu cerca de 20% da sua população.
Anotei algumas frases deste homem que foi guitarrista de Hermínia Silva, exerceu jornalismo no Brasil, deu aulas e publicou livros na Holanda, conheceu celebridades como Luis Buñuel e Vittorio de Sica em Paris, e se tornou um verdadeiro cidadão do mundo. Sem esquecer a voz do sangue nem as raízes onde forjou a identidade.
Aqui as reproduzo, com o devido aplauso a este nosso prezado confrade da blogosfera, fundador e prolífico autor do Tempo Contado:
«No escritor, o talento está em ter muitas pepitas de ouro, que são as palavras da língua portuguesa, e aproveitar uma ou outra com jeitinho.»
«O jornalismo ensina a ser rápido e breve, a simplificar, a não fazer farfalhas.»
«Eu vivi da língua portuguesa, nasci com a língua portuguesa, alimentei-me da língua portuguesa, ensinei a língua portuguesa. A língua portuguesa deu-me tudo aquilo que tenho.»
«O que mais me prende ao meu país é a língua. As pessoas em segundo lugar, mas a língua em primeiro.»
«Sou português portuguesíssimo, até à medula. Sou tão português que até dói.»
Para quem não viu, fica a sugestão. Esta entrevista, inserida na rubrica Primeira Pessoa, pode ser revisitada na página digital da RTP. Bem merece.
ADENDA: Acabo de saber, visitando o seu blogue, que Rentes de Carvalho está hospitalizado com covid-19. Daqui lhe envio votos de boas e rápidas melhoras.