Especialmente nas últimas décadas, o desempenho dos poderes públicos e dos seus agentes tem estado sujeito a críticas demolidoras dos cidadãos, que atacam o sector administrativo do Estado como uma espécie de exemplo acabado de todos os horrores: ineficácia, despesismo, burocracia e clientelismo.
O caso não é só português: é assim em todo o mundo democrático e desenvolvido. E a ideia feita tem decerto fundamentos de peso, respeitáveis e justos, porque o Estado é de nós todos. E o Estado somos também todos nós.
Leio, nos últimos dias, os inúmeros artigos sobre as novas regras de selecção para os altos cargos dirigentes da administração pública, e raramente encontro uma referência correcta aos antecedentes deste regime e ao seu estado da arte na lei portuguesa. Talvez não interesse muito, dirão. Mas devia interessar. Para que não se aplauda ou critique por puro preconceito, e se entenda o verdadeiro sentido e alcance destas medidas. Mas passemos adiante.
Pedro Passos Coelho prometera criar mais transparência no acesso a estes cargos directivos de nível superior e cumpriu, apresentando esta semana a sua proposta de novo 'Estatuto do Pessoal Dirigente' aos partidos políticos. A nova medida, ao contrário de outras que em matéria idêntica a antecederam noutros governos e que primaram pela precipitação, sendo sujeitas a sucessivos reajustamentos, parece equilibrada. É criada a regra do acesso universal a esses cargos, mas faz-se depender o seu preenchimento, na fase final, de uma escolha pessoal do Ministro da tutela. Consagrou-se, portanto, um regime misto, perfeitamente adequado ao papel de um alto dirigente, cuja missão vai ser a de acreditar num programa de governo e cumpri-lo, em estreita conexão com o as linhas de actuação gizadas pelo PM.
Não poderia exigir-se mais.
Espera-se agora que os referidos concursos sejam céleres e não se emaranhem em burocracia gratuita, esquecendo a sua verdadeira finalidade.
Medida revolucionária?
De certa forma sim, porque é a primeira vez que se avança com este regime, muito audaz, ao atingir o topo da pirâmide dos decisores do corpo administrativo.
E de certa forma não, porque esta reforma era um caminho anunciado, se atendermos a que de entre todos os cargos dirigentes da administração pública, eram estes os únicos a escapar à regra do concurso obrigatório.
Nessa perspectiva, portanto, completou-se a lógica do sistema.
Um sistema começado a construir em 2004, durante a governação Durão Barroso que, pela primeira vez, dotou o EPD de uma regulação consistente e passou a exigir a formação complementar específica dos dirigentes em NPM, ou nova gestão pública. Esta, também, uma medida estruturante e importantíssima, para além de estrategicamente muito reveladora.
Entretanto, o que se tem passado nesta matéria nos restantes países democráticos e evoluídos?
- Despolitizou-se, verdadeiramente? Ou 'privatizou-se' o Estado, numa espécie de processo anti-natura?
(segue)