A Verdade do T
Seria épico, mas necessário. Seria fundamental.
[...]"Não quero ficar impune
E dizer-te cara a cara
Muito mais é o que nos une
Que aquilo que nos separa"
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Seria épico, mas necessário. Seria fundamental.
[...]"Não quero ficar impune
E dizer-te cara a cara
Muito mais é o que nos une
Que aquilo que nos separa"
«Fui peregrino e acolheste-me.»
Mateus, XXXV-35
Nesta quarta-feira em que o Papa chega a Portugal, Lisboa transborda de jovens e adolescentes oriundos de todo o mundo. São centenas de milhares, andam por aí desde a semana passada: com risos e cânticos, enchem de alegria a vetusta urbe, habitualmente tristonha e sorumbática. Circulam aliás pelo país inteiro em grupos felizes, coloridos, poliglotas. Irradiando um optimismo contagiante. Testemunhas vivas da fé que professam, tendo Cristo como inspiração suprema.
É a Jornada Mundial da Juventude - que concentra agora na capital a maior multidão de que há memória neste século em Portugal. Muito mais do que qualquer evento político, sindical, desportivo (Euro-2004) ou empresarial (Web Summit). Como ficou ontem evidente, nas impressionantes imagens da missa campal no Parque Eduardo VII presidida pelo cardeal-patriarca de Lisboa.
A próxima eucaristia, já com Francisco junto ao altar, será certamente ainda mais concorrida. Num sinal de inequívoca vitalidade da Igreja Católica que apenas surpreende os mais incautos. Nenhuma outra organização está tão incrustada no terreno social, em tempos de bonança ou tempestade.
Devem ser dias de angústia para os agoirentos Velhos do Restelo. Lastimo por eles: é a vida, como dizia o outro.
Devem também ser dies irae para aqueles que desejariam exterminar as religiões da face da terra, como se a crença não fosse inerente à espécie humana desde o alvorecer do mundo. «Só o Espírito, quando sopra sobre a argila, pode criar o Homem», escreveu Saint-Exupéry. Isto anda tudo ligado, mesmo quando não parece.
Na Alemanha, paga-se o "imposto da Igreja". Não é a única fonte de receitas para as duas Igrejas cristãs (Católica e Protestante), mas representa a maioria dos seus rendimentos. Este imposto não é, porém, obrigatório, qualquer pessoa é livre de requerer a suspensão do pagamento. Não sei bem quais as implicações de tal atitude (não penso, por exemplo, que seja recusado um funeral católico a quem deixou de pagar o imposto), mas fica-se sujeito a limitações. Enfim, será tema para um outro postal, pois hoje é outro o assunto que aqui me traz.
A suspensão do pagamento é um indicador de quanta gente “vira as costas à Igreja”, ou “sai da Igreja”. Os números respeitantes ao ano de 2022 foram publicados recentemente. E fizeram tremer a instituição, pois quebraram todos os recordes. No ano passado, 522.821 habitantes deste país (não só alemães, pois eu, por exemplo, também pago imposto) negaram-se a continuar a “sustentar” a Igreja Católica. Em 2021, considerado ano recorde, tinham sido 359.338. Actualmente, os católicos, na Alemanha, não chegam a ser um quarto da população total.
Responsabiliza-se o escândalo da pedofilia pelo descalabro. Mas também a falta de reformas que acabem com a obrigação do celibato, autorizem a ordenação de mulheres, ou aceitem a relação homossexual. Estas reformas estão, porém, longe de serem a única solução. Se assim fosse, a Igreja Protestante não se veria igualmente a braços com uma crise semelhante.
O padre alemão Jan Loffeld, Professor de Teologia Pastoral na Tilburg University (Holanda), tem-se vindo a ocupar deste assunto. E a dura realidade, é que, pelo menos, no meio europeu ocidental, as pessoas não consideram precisarem de Deus e da religião para serem felizes. Nas suas palestras e conferências, o Professor Jan Loffeld confronta os ouvintes com os números do World Happiness Report. Este ano, os países onde as pessoas consideram ser mais felizes são a Finlândia, a Dinamarca, a Islândia, a Holanda, a Suécia, a Noruega e a Suíça. Ou seja, países, onde os crentes se limitam a cerca de 20% da população!
© Tobias Schulte / Arquidiocese de Paderborn
O Professor avisa: as pessoas deixaram de depender da Bíblia para darem sentido à sua vida. Encontram esse sentido, por exemplo, na família, em bons amigos, na próxima viagem de férias, ou numa profissão que as faça felizes. E a verdade é que se sentem de facto preenchidas. Longe vão os tempos em que a Fé se transmitia de pais para filhos. A Fé passou a ser uma opção entre muitas. Hoje, ninguém convence pessoas a acreditarem em Deus com discursos pomposos ou pregações bonitas. A Fé desenvolve-se através de experiências subjectivas, cada pessoa encontra uma motivação diferente.
O Cristianismo está a sofrer uma transformação radical, os seus crentes tornam-se numa minoria. E o Professor Jan Loffeld é peremptório: as reformas são imprescindíveis. O objectivo principal não deve, porém, pôr a Igreja em primeiro lugar, mas as pessoas. A Igreja tem de modificar a sua relação com o poder, tem de aprender (ou reaprender) com Cristo: neste processo, não se trata dela própria, mas da salvação e da felicidade dos indivíduos. O desafio consiste em manter uma certa relevância e ser eficaz na resolução de problemas sociais, mesmo tornando-se uma minoria e dispondo de menos meios financeiros.
Segundo ele, a Igreja do futuro será uma Igreja daqueles que descobrem a Fé por eles próprios e se comunicam, sobretudo, através das plataformas digitais. A Igreja tem de ir ao encontro dessas pessoas, ajudando-as nas suas reflexões e dando-lhes orientação, a fim de não se tornarem manipuláveis, por exemplo, por sistemas totalitários.
Não há dúvida de que o nosso mundo está a mudar. Estaremos à altura do desafio?
Nota: Texto baseado num artigo do Jornal Católico da diocese de Hildesheim (nº 22, 4 de Junho de 2023).
Eu gosto de Moedas. Votei nele, pedi aos meus amigos lisboetas que nele votassem. Não só porque o seu antecessor é execrável (e é, o piorio do PS), não só porque delenda est PS, mas também porque o ouvira, solto, em Bruxelas e ali mostrando-se um tipo com cabedal intelectual - ainda mais excêntrico no patético estado das elites partidárias actuais... Exultei com a sua vitória, na derrota do amigo especial de Moscovo e Tel Aviv (para ele decerto que Jerusalém) e da sua tropa fandanga, essa daquela maluquinha de Arroios, do ex-vereador Salgado, da colunista do "Público" "de referência", do rapazola de Campo de Ourique e por aí afora, toda essa malta que agora sonha acoitar-se sob a dita "Super-Marta"...
Dito isto: alguém me pode explicar o que faz um presidente da câmara (ainda por cima a da capital) metido numa procissão católica?
Sei bem que os meus amigos e também os "amigos-FB" bem preferem quando aqui deixo nota das minhas elaborações gastronómicas, (des)ânimos futebolísticos, amores paternos ou até memórias austrais. E que se enfadam, no dedilhar do scroll down, quando me permito divagar sobre a realidade dos dias, aquilo que deles não é espuma mas sim o caroço. Ainda assim volto agora a atrever-me a incomodar os alheios: as notícias de hoje sobre o rescaldo das maldades, até satânicas, do clero luso são um verdadeiro descalabro, um horroroso escândalo. E sobre elas urge cercear a pesporrência da padralhada sobre as coisas do país. E cobrar muito caro aos políticos que diante dessa gente da batina se desdobram em mesuras.
(Postal para o meu mural de facebook e para o Nenhures)
Afonso Costa, reencarnado em Vital Moreira, mostra-se horrorizado com a cruz. Foge dela e grita: «Muito grave é a profunda "facada" na Constituição que consiste na edificação de um altar religioso, com cruz e tudo, por uma cole[c]tividade pública.»
É quanto basta, na perspectiva do antigo ministro da Justiça e Cultos(!), para configurar grave atentado à lei das leis desta nação valente, imortal. Uma blasfémia ao Estado laico. Daí, rasga com furor as vestes: «Tal como não não compete ao Estado ou outras coletividades públicas promover ou organizar cerimónias religiosas, muito menos participar nelas, também não lhes compete construir equipamentos de culto, seja com a cruz ou com o crescente.»
Nada surpreende esta posição de Afonso Costa, tratando-se do mesmo vulto que em 1911 profetizou que «em breve a religião católica entre nós se extinguiria» e bradava na Assembleia Nacional contra os «exploradores da Cruz» que se alimentavam da «superstição existente e da ignorância da massa popular».
Surpreende, sim, a tenacidade que continua a aparentar no seu perpétuo rancor contra a Igreja: mesmo reencarnado no preclaro doutor da Anadia, estamos perante alguém prestes a festejar 152 anos.
É tanto o furor que aguardo a qualquer momento uma proclamação igualmente vigorosa contra o escudo da bandeira nacional, onde se divisa a cruz.
Horror: um atentado ao Estado laico inscrito na própria bandeira da pátria! Há que derrubar estes vestígios da negredada e nefasta fé plasmados no supremo símbolo. Contra os canhões, marchar, marchar!
Sou ateu. Nem baptizado fui. E aqui confesso, envergonhado, mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, que nunca completei a leitura do Livro (o exemplar lá de casa é esta versão, em edição 20 ou 30 anos anterior). Em assim sendo não venho armado em exegeta. Venho quase nu, qual eremita vestido apenas de espanto.
Invadiu-me este devido à polémica que neste adro vai. Pois há quem critique os grandes gastos estatais, mesmo alguma pompa, com a visita do Santo Padre. Ao que respondem (bons?) católicos, ciosos, que essa presença papal promoverá a vinda de muitos romeiros e assim receitas gigantescas.
Este tipo de raciocínio vem aconselhado na Bíblia? Como argumentação própria dos (bons?) católicos? Não há dúvida, tenho de repegar no Livro, ser exaustivo, entendê-lo para afinal (v)os perceber. E desde "no princípio Deus criou os céus e a terra. Era a terra sem forma e vazia; trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Disse Deus: "haja luz", e houve luz...". Isto a ver se essa luz me iluminará sobre taxas de aeroporto, câmbios, flixbus, airbnb & hostels, pizzas, glovo, hamburguers, lojas chinesas de recuerdos, uber vs bolt, ali todos agregados em torno do macro-altar, novo templo. Enfim, a doutrina, segundo estes (bons?) católicos.
Mais de 5 milhões de euros gastará a câmara municipal de Lisboa na construção de um palco destinado a umas jornadas católicas. Mas o tal altar-palco foi pensado como obra perene. Sobre estas construções religiosas a cargo do Estado já botei o que teria a dizer - noto agora, com assombro, que há já sete anos (!), a propósito da mesma câmara se dedicar à construção de uma mesquita. Resmunguei primeiro aqui e depois aqui (irado com uma atoarda de um director da revista "Visão"). Presumo que muitos dos apoiantes da tal mesquita se indignem agora com o Santo Palco. E, ao invés, que muitos dos apoiantes do novo altar se tenham indignado com o projecto da tal mesquita do Martim Moniz. Qu'isto vai quase tudo por cardápio.
A matéria de agora nem sequer é muito relevante. É pacífico dizer que o Papa é bem-vindo a Portugal e que a organização das tais jornadas é algo relevante e que é normal que autarquia e Estado se associem a uma realização de tamanha monta. Os custos do palanque são enormes mas a infra-estrutura é extraordinária e poderá vir a ser um equipamento importante para a cidade (ou ficará um "elefante branco", tratar-se-á de o saber dinamizar). Nada escandaloso num país da nossa dimensão que há pouco construiu 10 (dez) estádios para acolher um torneio de futebol... (vários deles logo tornados os tais "elefantes brancos"). Ou seja, a ocasião pode servir para uma construção marcante. A condição da aceitabilidade seria óbvia: após estas jornadas o "santo palco" torna-se um "grande palco", retiram-se os símbolos religiosos e fica um espaço cívico.
Entretanto o presidente Rebelo de Sousa, auditor-mor da vox populi, já se veio demarcar da dimensão dos custos, ainda que a hierarquia católica o tenha previamente informado. Servirá isto para que o presidente da câmara, Carlos Moedas, que sempre tão gentil tem sido com o PR - um pouco para além das óbvias obrigações exigidas pelas suas funções autárquicas - se desiluda sobre a lealdade institucional que habita em Belém...
Entretanto esta polémica lembrou-me um já antigo livro, que sobre uma época agora recuada matizava as associações entre Estado e igreja católica: "Pode, pois, dizer-se que o salazarismo foi, do ponto de vista das relações entre o Estado e a Igreja, não um nacional-catolicismo, à semelhança do acontecido em Espanha, mas um "catolaicismo", em que à laicidade do Estado se associou uma orientação católica dominante, à separação jurídica se juntou uma estreita colaboração moral, com a independência dos poderes conviveu um entendimento na prossecução dos interesses que, em muitos aspectos, foram coincidentes. Entendimento porém que sofreu uma evolução ao longo da extensa duração do regime, passando de uma aceitação quase unânime e de uma colaboração forte em muitos domínios, por parte dos católicos para com o regime nascente, nos primórdios, para uma crescente tensão e insatisfação, e para uma desagregação dessa colaboração, com passagem aberta a uma oposição expressa, tanto em termos hierárquicos como em termos laicais, à medida que ia mudando a Igreja, com os tempos, e o regime persistia em não se adaptar a eles." (Manuel Braga da Cruz, O Estado Novo e a Igreja Católica. Bizâncio, 1998, p.15). E que cada um interprete como quiser o que a história - em particular a desse "catolaicismo" - nos pode ensinar. E avisar. Bem para além dos maniqueísmos.
O Presidente da República decidiu intervir, isentando a priori o cardeal de Lisboa (e o seu antecessor) de qualquer responsabilidade na ocultação de crimes de pedofilia e, por inerência, na preservação de pedófilo(s) em funções - e fê-lo numa conferência de imprensa decorrida a propósito da visita de um Chefe de Estado estrangeiro (!), assim sublinhando o desatino desta atitude de Rebelo de Sousa.
É consabida a incontinência verbal do presidente, o seu afã de sobre quase tudo pontificar - um desvio atitudinal que o leva a extremos tais que é possível vê-lo, até, a comentar jogos de futebol no cenário das entrevistas imediatas (flash) em pleno campo de jogos. Será legado psicológico das décadas de comentariado televisivo que o conduziram a Belém. Há quem aprecie, nisso veja uma salutar aproximação da instituição com o eleitorado, há quem veja nessa encenação de familiaridade uma depreciação da instituição.
Mas, independentemente do que se possa pensar desta pose presidencial, não é aceitável que o PR intervenha numa gravíssima situação destas, deixando a sua presunção (pois nada mais é do que isso) desresponsabilizadora. A igreja católica enfrenta um problema gravíssimo, de âmbito mundial. Os seus efeitos institucionais chegaram agora a Portugal. Vive, e desde há séculos, sob uma cultura institucional que (pelo menos) induz a sexualidade pedófila, hetero e homossexual. Algo que, é evidente, deriva do seu molde organizativo - o qual nem sequer assenta em dogmas fundamentais mas em opções estratégicas de cariz económico (para quem tenha interesse deixo este célebre The Development of the Family and Marriage in Europe do antropólogo Jack Goody, que explicita o desenvolvimento histórico do celibato eclesiástico).
Diante do que se passa, da generalizada (auto)consciencialização dos contextos católicos - e da sua instituição religiosa matriz - da horrível chaga que vêm acoitando, não me parece que seja admirável recuperar um anticlericalismo "iluminista" setecentista nem o exaltado "mata-fradismo" tão vigente até à nossa I República. Poderemos, crentes e incréus, aceitar a religião que nos é estruturante (mas não mandante) e a sua instituição fundamental. E nisso exigir, mas com esta última ombreando, o seu expurgar das horríveis práticas que os seus oficiais vêm cometendo. Ou seja, deverá a sociedade portuguesa - tal como tantas outras - exigir a responsabilização e combater silêncios e os biombos que a pesada instituição clerical veio procurando manter nestas últimas décadas. Como têm sido noticiados em tantos outros países. Ora nenhuma destas posições, justas, "humanistas" (no sentido de humanitárias e também no de vivificadas pelo respeito aos saberes antigos), ecuménicas no respeito às religiões, se acolhem sob esta intempestiva intervenção do presidente. Apenas um apressado, destravado até, acto de conivência com as autoridades clericais - e é importante recordar que noutros países várias autoridades eclesiáticas, até cardinalícias, foram apontadas pelo acto de denegação sem que tivessem sido alvo de defesa apriorística por parte das autoridades políticas democráticas. Ou seja, Rebelo de Sousa, nas suas funções de presidente, opta por defender - aprioristicamente, repito - não só os cardeais. Pois nisso, também, procura socorrer a igreja católica, desvalorizando à partida a hipótese das suas responsabilidades, minimizando as teias de silêncio a que esta recorre(u).
Esta inaceitável atitude do presidente não advém do seu catolicismo. Mas da sua concepção política. Sobre esta insisto naquilo que já escrevi: Rebelo de Sousa tem o projecto mais conservador ("reaccionário", para utilizar o velho termo) que este regime já acolheu. Por um lado, e num verdadeiro mimetismo do Estado Novo tardio, encena uma pose política que intenta a efectiva despolitização da sociedade - um populismo "lite", que invoca já não um pater familias até autoritário mas sim um "magister familias", o Professor afável - num rumo que é, verdadeiramente, antidemocrático ainda que nada ditatorial.
E por outro lado - e sem que isso tenha convocado reacções na sociedade, seja no espectro partidário, atrapalhado com outras circunstâncias, nem na intelectualidade ou na vasta sub-intelectualidade estabelecida no comentariado nacional -, Rebelo de Sousa investiu contra a laicidade do Estado, que é característica do nosso regime. Fê-lo, sem qualquer rebuço, desde o início do seu mandato - recordo que no dia do seu primeiro empossamento se deslocou a um templo lisboeta para se reunir com uma série de autoridades clericais de várias congregações religiosas, assim assumindo-as explicitamente como interlocutoras políticas. O que é um traço do secularismo estatal mas não é, bem pelo contrário, uma característica dos regimes laicos. E nesse viés anunciado colheu total silêncio por parte das elites partidárias, dos intelectuais e dos sub-intelectuais radiotelevisivos.
Enfim, agora surge com estas declarações sob assunto tão gravoso. As quais não lhe eram requeridas, bem pelo contrário. Poderiam ser "inaceitáveis" se efectivamente o fossem, se não estivesse a sociedade obnubilada pelo "Marcelo", tudo lhe aceitando. E assim serão consideradas apenas como mais um episódio do afável e gentil "Marcelo", justificadas (apolitizadas, entenda-se) pelo seu "catolicismo" e pela "amizade" pessoal que vota aos cardeais.
E não haverá muito mais a dizer, tudo isto segue politicamente impune. E até moralmente impune. Sobre o assunto - de facto é mesmo (também) sobre esta matéria - recordo um postal que escrevi em 27.09.2018, encimado pela mesma fotografia. Porque disse tudo o que tinha a dizer...
Marcelo Rebelo de Sousa diz que não saudou o presidente americano por respeito à posição portuguesa sobre o multilateralismo ( 25.9.2028 ). Ou seja, explicita que as suas formas de saudação denotam a posição do país, dado que ele é Presidente da República. Muito bem. E a posição portuguesa, do Estado e da sociedade, sobre a laicidade, essa conquista da democracia? Pode o Presidente da República, nessa condição, saudar o Papa neste gesto de "islão", de submissão expressa no beijo ao anel? Não. A "direita" portuguesa, mais ou menos católica, (pelo menos disto) gosta. A "esquerda" portuguesa, entre os descendentes da capela do Rato e a igreja PCP, encolhe os ombros. Está-lhe grata, pela protecção ao governo na cena dos fogos, pela protecção ao regime na cena da substituição da Procuradora-Geral da República - e é estruturalmente avessa à laicidade [Nem a compreendem, ignorantes seguem confundindo-a com um secularismo de tempero multicultural] (...) E os "tudólogos"? Falam do resto ...
Por vezes, há coincidências interessantes. Tinha eu acabado de publicar (aqui e aqui) fotografias de Cuxhaven, quando o Jornal Católico da Diocese de Hildesheim (do qual sou assinante) publicou uma reportagem sobre os portugueses daquela cidade costeira, na sua edição nº 19, do passado dia 15 de Maio.
Em Cuxhaven, vivem cidadãos de 112 nações diferentes e a comunidade mais numerosa é, precisamente, a portuguesa, com cerca de 1300 pessoas. Estamos no Norte da Alemanha, de maioria Protestante, de maneira que os portugueses representam uma parte importante da paróquia católica de Santa Maria.
Duas portuguesas mereceram destaque, nesta reportagem. Maria Santos é, há vários anos, a coordenadora da comunidade portuguesa da paróquia. No dia da visita do jornal, Maria Santos não tinha mãos a medir, pois as crianças da primeira comunhão treinavam para o grande dia e, a 14 de Maio, como todos os anos, far-se-ia a procissão de Nossa Senhora de Fátima.
A outra senhora destacada é Áuria da Cunha, em Cuxhaven desde 1969. Tinha 22 anos, quando lá chegou, a fim de trabalhar na indústria pesqueira, como muitas outros portugueses e portuguesas. A missa na língua de Camões realiza-se todos os sábados, às 16h 15m. Áuria da Cunha chega sempre à igreja meia hora mais cedo, a fim de ter tempo de rezar primeiro o terço, na companhia de algumas outras pessoas.
Na verdade, trata-se de uma missa só em parte portuguesa, já que, à falta de um padre da nossa terra, é rezada em alemão, enquanto a comunidade responde em português. Dois padres alternam-se na celebração: um alemão e um polaco. Este último, de nome Dabrowski, começou a aprender português há cerca de dois anos e reza já parte da cerimónia na nossa língua. «Vejo grande alegria e agradecimento nos olhos da comunidade, quando o faço», assegura o clérigo polaco.
As Associações portuguesas, que nasceram como cogumelos neste país nos anos 1960 e 70, há muito que agonizam, por falta de interesse das novas gerações. Já as paróquias católicas continuam a ser um grande amparo para os portugueses emigrados. Porque, como diz Maria Santos, «sem Igreja, nada funciona» (ohne Kirche geht es nicht).
«Readquirimos a nossa credibilidade, quando examinamos a nossa consciência, mostramos sinais de arrependimento sincero, admitimos os nossos erros e tentamos compensar o mal por nós causado. Estes são os quatro elementos que validam uma confissão. Há anos que me ocupa a questão, porque exigimos tudo isto dos outros, mas não o aplicamos a nós próprios enquanto Igreja»*.
Hans Zollner, padre jesuita alemão, teólogo e psicólogo, professor na Universidade Gregoriana, presidente do Centro de Protecção de Menores, em entrevista ao Jornal Católico da diocese de Hildesheim, depois da reacção do papa emérito Bento XVI ao relatório sobre abusos sexuais na diocese de Munique/Freising (edição nr. 5, 6 de fevereiro de 2022).
*Tradução livre, de minha autoria
Ouço com alguma frequência opiniões negativas sobre o ensino das religiões – e da religião cristã em particular. São opiniões que fazem tábua rasa de dois mil anos de história da Humanidade e que, se fossem levadas à letra, conduziriam ao desconhecimento generalizado de uma das nossas bases civilizacionais. A história da pintura, da escultura, da arquitectura e de parte significativa da música ocidental torna-se incompreensível a quem ignora os fundamentos do cristianismo e as inúmeras personagens dos livros da Bíblia. Isto nada tem a ver com crença – tem a ver com cultura, no sentido mais lato, profundo e nobre do termo.
A ignorância das religiões – em nome do princípio da laicidade levado ao extremo – conduz até à incompreensão e à irrelevância de boa parte dos maiores autores ateus, agnósticos e anticristãos, de Voltaire a Nietzsche. Leio, de momento, uma das obras mais emblemáticas de Karl Marx: está cheia de alusões bíblicas, provavelmente ininteligíveis para todos os apóstolos da "indiferença", que fogem da religião como o diabo da cruz em vez de procurarem entender a importância da religiosidade e da espiritualidade como parte integrante da condição humana, da criação artística e do pensamento filosófico através de todas as épocas – incluindo a nossa.
O Moisés, de Miguel Ângelo, a Última Ceia, de Leonardo, a Paixão Segundo São Mateus, de Bach, a catedral de Chartres ou a de Brasília (criada pelo ateu Óscar Niemeyer), para serem devidamente apreciadas enquanto veículos de fruição artística e emanações do melhor da nossa cultura, necessitam de referências que só o conhecimento das religiões (neste caso a religião cristã) nos proporciona. Isto vale também para a Mesquita Azul de Istambul, o Buda Reclinado de Banguecoque, Machu Picchu ou Angkor Wat.
Ao criticarem o estudo das religiões, os arautos desta tese estão no fundo a fazer a apologia da ignorância. Assumi-la em nome da "laicidade" é ainda mais grave. Por constituir uma perversão da genuína laicidade – a que vem expressa, pela voz de Cristo, nos Evangelhos: «Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.»
É uma frase muito antiga – e tão "moderna" como se tivesse sido impressa no jornal desta manhã. Conhecê-la – e saber por que foi proferida e os efeitos devastadores que causou numa concepção teocrática do poder político – ultrapassa em muito o reduto da fé: é um acto de cultura. Da mesma forma que alguém sem o menor conhecimento bíblico é incapaz de interpretar esta extraordinária frase, contida num dos romances de Graham Greene: «Prefiro ter sangue nas mãos do que água como Pilatos.»
Religião também é isto: uma chave para decifrar o mundo, uma pista para descobrirmos novos mundos. Às vezes longínquos, outras vezes situados bem próximo de nós.
Imagens: Voltaire e Nietzsche
Por muito que os livros nos revelem a situação de um país, a melhor forma de o conhecer é visitando-o. As minhas impressões sobre a Turquia resultavam do livro de Samuel Huntington, O choque das civilizações, que curiosamente a qualificava como um Estado dilacerado em termos civilizacionais, uma vez que tinha destruído todo o conhecimento que possuía, quando Ataturk determinou o uso do alfabeto latino em vez do árabe, impedindo as novas gerações de ter acesso à cultura turca antiga. O autor referia que o grande movimento histórico do final do séc. XX era o ressurgimento islâmico, mas deixava a Turquia de fora, devido à sua laicidade.
Visitei a Turquia em 2014 e o meu conhecimento sobre o país alterou-se completamente. Explicam-me que a alteração do alfabeto era irrelevante, uma vez que no início do séc. XX quase toda a população era analfabeta e o alfabeto latino adequa-se muito melhor à língua turca, pelo que facilitou a alfabetização. E explicam-me também que Ataturk sabia perfeitamente que a população turca era maioritariamente islâmica, pelo que deixou três instituições para salvar a laicidade do Estado: as Universidades, os Tribunais e o Exército. Seriam essas instituições que, após a sua morte, manteriam a Turquia laica.
Quando se entra em Santa Sofia em Istambul, fica-se maravilhado com a cúpula e com a recuperação dos frescos bizantinos, escondidos durante tanto tempo. Aprendemos, aliás, que o Império Bizantino, sobre o qual nos falavam no liceu, nunca tinha existido, pois foi sempre designado por Império Romano até ao seu derrube por Mehmet II em 1453, um drama tão grande para o Ocidente que a data ficou a marcar o fim da Idade Média. Mas Santa Sofia sobreviveu, tendo sido convertida em Mesquita, até que Ataturk a laicizou, convertendo-a num museu.
Ataturk fez o mesmo a outras Santas Sofias na Turquia, designadamente em Trabzon, que tentei visitar. Totalmente impossível, uma vez que tinha voltado a ser convertida em Mesquita. Apenas podemos espreitar à porta, estando as paredes interiores completamente cobertas por panos brancos que não nos deixam ver as pinturas. Apenas de uma porta lateral é possível ter um vislumbre dos magníficos frescos que os panos brancos tapam. O guia compreende a nossa desilusão, mas diz-nos para nos prepararmos pois, cedo ou tarde, o mesmo iria acontecer à Santa Sofia de Istambul: "A população islâmica não permite que um edifício consagrado como mesquita deixe de ser uma mesquita. Foi assim em Trabzon e vai ser assim em Istambul. Vai ser muito mau para o nosso turismo, mas é um movimento imparável". Na altura pensei que não fazia sentido essa previsão, até porque em Istambul existe ao lado de Santa Sofia a magnífica Mesquita Azul, mas pelos vistos enganei-me.
Em qualquer caso, isto significa que Erdogan acabou por destruir a herança de Ataturk. Depois de dominar todas as instituições que este tinha deixado para conservar a laicidade do Estado, destrói agora o principal símbolo internacional dessa laicidade. Santa Sofia pode continuar a ter o aspecto imponente de fora, mas o deslumbre que tínhamos ao entrar nela está definitivamente perdido.
O Jornal Católico do bispado alemão de Hildesheim tem, na sua última página, uma pequena secção reservada aos leitores intitulada “Isto é-me sagrado” (em alemão: Das ist mir heilig). O leitor envia uma fotografia de um objecto, ou de uma imagem, que lhe seja sagrado/a e explica a razão. Em muitos casos, trata-se de idosos que, em crianças ou jovens, se viram envolvidos no êxodo dos refugiados alemães. Antes da 2ª Guerra Mundial, a Alemanha possuía territórios no Leste: a Prússia Ocidental e Oriental, hoje pertencentes à Polónia e à Rússia. Nos últimos meses do conflito, com o avanço do exército soviético, os alemães que aí viviam, pelo menos, os que sobreviveram aos soldados russos, tiveram de fugir, deixando todos os seus bens para trás. Tratava-se quase exclusivamente de mulheres, velhos e menores de dezasseis anos, já que praticamente todos os homens em idade militar tinham sido alistados. Assim se juntaram milhares de refugiados, obrigados a marchas desgastantes de milhares de quilómetros, no Inverno rigoroso de 1945. Escusado será dizer que muitos não sobreviveram e havia menores a viajar sozinhos, não só órfãos, também alguns se viam separados das mães e avós, na confusão que se gerou. Sobreviventes dessa época aproveitam esta oportunidade que o jornal lhes dá para falarem de pequenos crucifixos, ou figuras de santos, que acreditam tê-los ajudado nesses tempos difíceis.
Na semana passada, porém, surgiu algo diferente. Gostei de um leitor de Berlim que mostrou uma relíquia oferecida por um monge budista. E gostei mais ainda de verificar que o jornal católico não teve problema nenhum em publicar o pequeno texto. A história vale bem a pena e mostra que, salvaguardando as diferenças, todos ganhamos ao aceitarmos lições de outras confissões religiosas. Em vez de nos concentrarmos no que nos separa, é bem melhor aproveitar o que nos une. Aqui vai o que Holger Doetsch, de Berlim, escreveu (tradução minha):
«Em 2013, fundei, com amigos, uma instituição de apoio a crianças, no Camboja. Numa das minhas visitas, descobri um mosteiro no meio de um bosque, a oito quilómetros de Siem Reap. Apenas quatro monges budistas lá viviam. Um deles levou-me a um salão, cujo interior tinha sido destruído pelo fogo. Explicou-me, então, que, em 1977, mais de quarenta monges tinham sido ali queimados vivos pelo Khmer Vermelho. Em seguida, abaixou-se, apanhou este caco do chão e deu-mo, dizendo: “Sempre que se apanhe a queixar-se disto ou daquilo, olhe para este caco. Verá como os seus problemas se relativizam”».
(Reprodução [parcial] de um antigo postal, aqui colocado)
Sobre esta questão de Fátima aqui deixo citação de um historiador (não é Rui Tavares nem Fernando Rosas)
"Perante a óbvia fraqueza do Partido Democrático e, ao mesmo tempo, a sua intolerável violência a Igreja tomava, sem vacilar, a cabeça da oposição política. Os republicanos moderados estavam desfeitos e, aparentemente resignados. O movimento monárquico oficial tinha recebido ordem de Londres para se abster enquanto a guerra durasse. A Igreja católica ocupou o vazio.
Cem anos antes, em 1822, a causa realista fora reanimada por um milagre. A Virgem aparecera a duas pastorinhas em Carnide, para lhes dizer que Portugal sobreviveria à impiedade maçónica. Sob o patrocínio de D. Carlota Joaquina, grandes peregrinações se fizeram aos locais sagrados, em que Deus garantira a dízima, os bens dos conventos e a perenidade das classes dominantes. Povo e nobreza associaram-se nessa devoção, destinada a exorcizar a "pestilenta cáfila dos pedreiros" e a promover o ódio às Cortes, onde eles "campeavam". Quanto a insurreição armada começou uns meses depois, trazia já consigo uma sobrenatural legitimidade.
Em 1915 e 1916 os pastorinhos Lúcia ... Jacinta e Francisco ..., viram oito vezes, em vários sítios da freguesia de Fátima, um anjo, que declarou ser o anjo de Portugal. Ao princípio, o anjo não era muito nítido e não dizia nada. Pouco a pouco, porém, foi-se definindo e explicando. De acordo com a ortodoxia, estas visitas preparavam os acontecimentos de mais consequências que se seguiram. (...) Entre Maio e Outubro de 1917 a Virgem apareceu quatro vezes (...) Alegadamente, a Virgem comunicou que a Segunda Guerra Mundial seria "horrível", uma ideia muito compreensível quando a primeira mostrava diariamente o seu horror, e preveniu também que a Rússia revolucionária se preparava para subverter o mundo, coisa que os jornais de Lisboa publicavam na primeira página, dia sim, dia não, desde Fevereiro. As profecias (...) resumiam as preocupações e a angústia do conservadorismo português da época. (...) reflectiam perfeitamente as opiniões e os sentimentos do padre médio, esmagado pelo triunfo terreno do mal, tremendo com a perspectiva de novas catástrofes e sonhando com a eventual conversão dos pecadores. Que Deus partilhasse as aflições dos inimigos da República era uma coisa insusceptível de espantar o clero português de 1917." (pp. 115-117)
Em mais um dos meus passeios solitários, dei com uma inscrição a giz, no passeio. Uma passagem da Bíblia, mais propriamente, do Evangelho segundo São Mateus.
Traduzido à letra: “Vinde a Mim, quando tudo se torna pesado (ou difícil) demais”.
Fui procurar a versão portuguesa, pois todos sabemos como são problemáticas as traduções da Bíblia. Tive inesperada dificuldade em encontrar a passagem, só com a ajuda da internet lá fui, devido a um pequeno erro na inscrição. Não se trata de Mt 11,18, mas de Mt 11,28. E, como tenho duas Bíblias portuguesas, deparei com duas versões diferentes (uma da Difusora Bíblica, na sua 15ª edição, de 1991; outra intitulada “a Bíblia para todos”, tradução interconfessional, publicada entre nós pela Sociedade Bíblica de Portugal, numa edição de 2009):
“Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei”.
“Venham ter comigo todos os que andam cansados e oprimidos e eu vos darei descanso”.
No fundo, estas diferenças não são relevantes. O importante é aquelas palavras me terem feito parar, olhar para elas durante momentos, fotografá-las. Quando me resolvi a continuar, não imaginava que depararia com mais duas citações bíblicas (a qualidade das fotografias não é boa, as condições sol/sombra não facilitaram). Desta vez, vou usar apenas a tradução da publicação mais recente. Da primeira Epístola de São Pedro:
“Confiem-Lhe todos os vossos problemas, porque Ele se preocupa convosco.”
1 Pe 5,7
E a passagem bem conhecida do Salmo 23 (que até estava ilustrada):
“O Senhor é meu pastor, nada me falta”.
Deus é o nosso último reduto. Perante situações que nos ultrapassam, é a Ele que apelamos. E a verdade é que regressei a casa mais calma, com menos receio de que não ultrapassássemos esta crise. Como se tivesse encontrado pelo caminho alguém que me garantisse que Deus está connosco.
Deus não é uma máquina de resolver problemas, nem é o génio saído da garrafa que nos satisfaz desejos. Ele apenas nos ampara, nos dá força. Em vez de pedirmos a Deus que nos tire os obstáculos da frente, devemos pedir-lhe força para lidar com eles. E, quando as adversidades nos ultrapassam, ajuda pensar que a solução talvez não esteja nas nossas mãos. "Eu dou o meu melhor, o resto é com Deus" - por vezes, basta este pensamento para nos sentirmos mais aliviados e corajosos.
O ataque em curso a Mocimboa da Praia é o maior cometimento do movimento fascista islâmico em Moçambique, e é prenúncio de um verdadeiro descalabro. Ao que se noticia os terroristas (convém explicitar que a imprensa simpática a este movimento terrorista, moçambicana e estrangeira, continua a denominá-lo pelo afável termo de "insurgentes", uma simpatia que advém tanto por deriva multiculturalista como por ser financiada por grupos económicos simpáticos à causa do integrismo islâmico) ocuparam hoje a vila, chegando a içar a bandeira. A fragilidade da soberania - apesar dos apoios militares mercenários russos - face à expansão das movimentações desta guerrilha fascista é notória. Pois se já Mocimboa pode cair que nos trará o futuro breve? ....
Continua a haver várias interpretações, incompetentes e desonestas, sobre o conteúdo deste movimento armado. Desde as teorias conspiratórias, que apontam como causas os interesses "multinacionais americanos" - como é tradicional nos imbecis - ou a "Frelimo", como é típico da paranóia, rebuscando teses sobre as estratégias esconsas das tais "multinacionais americanas" dedicadas à exploração dos recursos energéticos no norte do país. Até às interpretações vazias, que doutoralmente apontam a "pobreza" e a "exclusão" como causas deste processo.
Deixemo-nos de coisas. Este é um movimento fascista (o "ur-fascismo") de cariz teocrático. Tem dinâmicas internacionais, de recrutamento e organização. Foi induzido e dinamizado por várias elites económico-religiosas islâmicas do Índico ocidental. E tem profundas cumplicidades, até por temor, com sectores islâmicos muito mais moderados, tanto no país como no estrangeiro. Ou seja, o fascismo islâmico, tanto naquele recanto nortenho de Moçambique, como em largos contextos em África e alhures, tem a cumplicidade, estratégica ou meramente defensiva, de vários sectores político-económico-religiosos islâmicos. Uma "direita" e um "centro-direita" islâmicas, se se quiser manter a analogia.
Estas são também as inimigas. Talvez as principais. Por mais carregadas de capital que surjam, e disponíveis para o "investirem" sem os limites impostos por ditames de "condicionalidade política", como foi sendo prática dos países e até sociedades da União Europeia. E por mais difusoras da retórica do Islão "religião da paz". O que, de facto, desde a sua origem, não é - e por mais que a docência marxista multiculturalista, corrompida, o negue, a história do islão recente e antigo é uma sucessão de crescentadas. Escravistas, já agora.
Agora venham os supersticiosos, obscurantistas, ignorantes, crentes nas patetices religiosas, em mezinhas e deuses patéticos, dizer-me que estou a falar contra a religião muçulmana. Não estou. Estou a falar de política. E de décadas de cumplicidade das elites muçulmanas, dos núcleos enriquecidos muçulmanos, com estes movimentos fascistas. São eles os inimigos, não apenas estes infectos terroristas a fugirem-se de campónios miseráveis.
Já me tinha saltado à vista em 2018, por ocasião da mesma discussão, e na altura fiquei calado. Mas voltei a reparar agora. Parece que há muita irritação da parte de alguns defensores da despenalização da eutanásia por haver pessoas que são contra por razões religiosas. Vai daí, lançam-se numa diatribe a favor da "laicidade do estado" (os mais suaves) ou contra "a intromissão das religiões", "os ratos de sacristia" ou a "igreja do cardeal Cerejeira" que "parece querer voltar aos tempos da Inquisição".
Convém relembrar o óbvio: a laicidade do estado significa a separação entre este e as instituições religiosas, não a supressão destas ou a sua hostilização por parte dos poderes públicos. Quanto à inquisição contemporânea e outros delírios, que eu saiba numa sociedade pluralista as religiões têm o seu lugar e as pessoas podem perfeitamente defender os seus princípios baseados na sua fé, políticos incluídos. Por isso sim, há pessoas contra por razões religiosas e isso é perfeitamente legítimo. Assim como a maioria é influenciada por razões políticas ou de outra ordem, e têm igual legitimidade. Aliás é curioso verificar como por vezes a defesa da "liberdade religiosa" para alguns parece ser ou a defesa de apenas determinados cultos ou uma atitude de "sim, tenham lá a fé que quiserem mas exprimi-la em público ou expressar ideias baseadas nela é que não pode ser". Sobretudo numa altura em que tantas opiniões são exprimidas com base em variados conceitos novos e não poucas vezes intrigantes quanto ao contexto - no outro dia lia algo sobre "uma abordagem ao colonialismo do ponto de vista LGBT(?)". Por isso, protestar contra a influência da religião no pensamento dos seus seguidores não é laicidade nenhuma, é apenas desagrado com algo que o emissor não aprecia, mas que numa sociedade aberta (ou diversa, como se diz agora), terá de aceitar, assim como as confissões tiveram de aceitar a legalidade da blasfémia. Caso contrário, não contem comigo para regressar às políticas da 1ª República de má memória.