Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Juan Carlos com lugar garantido na História

Faz hoje dez anos que o Rei emérito renunciou ao trono

Pedro Correia, 02.06.24

aaa.jpeg

Juan Carlos de Borbón com Adolfo Suárez, os dois artífices da exemplar transição espanhola

 

«El balance del reinado de Juan Carlos es extraordinariamente positivo.»

Felipe González (El País, 2 de Junho de 2014)

«El reinado de Juan Carlos I se corresponde con el tiempo de mayor estabilidad democrática, disfrute y ampliación de las libertades y de progreso social de la historia de España.»

José Luis R. Zapatero (El Mundo, 2 de Junho de 2014)

 

Faz hoje dez anos, Juan Carlos I anunciou que abdicava do trono de Espanha. Após quase 39 anos de reinado.

Quando ascendeu ao posto cimeiro do poder em Madrid, Espanha era um país isolado politicamente, com uma das ditaduras mais retrógadas do mundo ocidental, níveis socio-económicos muito abaixo da média europeia e divisões que pareciam insanáveis entre os herdeiros dos dois grupos que combateram na guerra civil. Em todos estes parâmetros é hoje um país incomparavelmente melhor. Dotado com a Constituição de 1978, autêntico marco civilizacional que já garantiu o maior período de vida democrática desde sempre existente no país.

Tendo nascido em 1938 no exílio em Roma, sete anos após o seu avô Afonso XIII renunciar ao trono, Juan Carlos de Borbón soube impor-se como expoente da restaurada monarquia - conquistada a pulso. Contra a vontade do próprio pai, o Conde de Barcelona. E contra os primos, que lhe cobiçavam o trono (um deles casou até com a neta primogénita do generalíssimo Franco, para lá chegar mais depressa). E contra a clique do ditador, que preferia outros. E contra os "ventos da história". E contra a esmagadora maioria da "opinião pública", dama mais volúvel do que Madame Bovary.

Entre Novembro de 1975 e Junho de 2014, fez mais do que qualquer outra personalidade para unir os espanhóis. Trabalhou com governos de diversas cores políticas, irrepreensível no plano institucional. Por isso foi elogiado pela larga maioria da sociedade espanhola - e desde logo pelos principais partidos, PP e PSOE: nenhum deles põe em causa o sistema monárquico, referência de estabilidade e concórdia.

O Rei emérito tem lugar garantido na História de Espanha. E será recordado, sem qualquer dúvida, como um dos maiores estadistas que o país vizinho já conheceu.

Uma estátua para D. João II

Pedro Correia, 18.06.19

Retrato-de-Dom-João-II_pormenor (1).jpg

D. João II (retrato do século XVI)

 

Quase todas as grandes cidades portuguesas têm estátuas de figuras ilustres da nossa História. Incluindo, naturalmente, dos monarcas que contribuíram para fundar e robustecer este Estado-Nação, um dos mais antigos do mundo com as suas actuais fronteiras, definidas no rectângulo continental desde 1249, com a conquista do Algarve, e na sua globalidade desde o século XV, com a descoberta e povoamento das ilhas atlânticas.

São conhecidas da generalidade dos portugueses estátuas tão majestosas e emblemáticas como a de D. José implantada em 1775 no Terreiro do Paço, ou a de D. Pedro IV, descerrada em 1866 no coração da Baixa portuense. Sem esquecer a do nosso monarca fundador, D. Afonso Henriques, que se ergue junto ao castelo de Guimarães. Ou a moderna evocação de D. Sebastião, no centro de Lagos.

Várias outras cidades ou vilas têm estátuas de reis que de algum modo lhes estiveram ligados por acontecimentos diversos - ou por lá terem nascido, ou por lhes terem atribuído carta de foral ou ali feito uma inauguração de vulto, ou porque as tomaram aos mouros, alargando o perímetro das fronteiras portuguesas. Acontece, por exemplo, na Guarda (D. Sancho I), em Silves (D. Sancho II), Faro (D. Afonso III), Leiria (D. Dinis), Cascais (D. Pedro I), Lisboa (D. João I), Alcochete (D. Manuel I), Coimbra (D. João III), Vila Viçosa (D. João IV), Mafra (D. João V), Queluz (D. Maria I), Castelo de Vide (D. Pedro V) ou Cascais (D. Carlos). Com maior ou menor mérito, todos são ostensivamente recordados em mármore ou bronze.

Há, no entanto, uma evidente lacuna neste vasto conjunto de estátuas régias distribuídas de norte a sul do País. Refiro-me a D. João II, que passou à História com o cognome de Príncipe Perfeito. Reinou durante 14 anos, entre 1481 e 1495, embora tenha assumido a governação do Estado desde 1477, por abdicação efectiva de seu pai, Afonso V. Foi sob o seu comando que Portugal deu um impulso decisivo à epopeia das navegações, assumindo-se como precursor da globalização em vários marcos: chegada de Diogo Cão às costas de Angola e da Namíbia; início da colonização de São Tomé e Príncipe; envio de Pero da Covilhã por terra à Etiópia, Cairo, Adém, Ormuz e Goa; passagem do cabo da Boa Esperança, assim baptizado por Bartolomeu Dias; assinatura do Tratado de Tordesilhas com os reis de Espanha; preparação da armada de Vasco da Gama que inauguraria o caminho marítimo para a Índia.  

D. João II é o único dos nossos grandes reis ainda sem estátua numa cidade portuguesa. Em 1998, numa rotunda do que hoje se chama Parque das Nações, foi inaugurada uma peça em bronze supostamente em sua homenagem: é um bloco abstracto, que em nada alude ao Príncipe Perfeito. Fica o desafio aos decisores políticos, a nível nacional, regional ou autárquico: pôr fim a esta chocante omissão erguendo um monumento a D. João II realmente digno desse nome. Em 2020 assinala-se o 525.º aniversário da morte do monarca: é um ano apropriado para tal fim.

 

Publicado originalmente no jornal Dia 15.

Conhecer D. Afonso Henriques.

Luís Menezes Leitão, 30.11.16

 

Leio aqui que "os reis de Espanha, Felipe VI e Letizia, estão em Portugal e foram recebidos com pompa e circunstância pelas altas entidades e pelo povo, em Guimarães, no Porto e em Lisboa. Na Cidade Invicta disputaram selfies com o Presidente da República, e Marcelo Rebelo de Sousa levou-os a conhecer D. Afonso Henriques". Calculo que D. Afonso Henriques, ainda jovial, apesar dos seus 907 anos de idade, actualmente a residir num Lar da Terceira Idade do Porto, se terá manifestado encantado em conhecer tão ilustres personagens. A pensar em retribuir a iniciativa, D. Felipe VI deve ter referido a Marcelo Rebelo de Sousa não ter a certeza se o primeiro Rei de Espanha, D. Pelayo, ainda era vivo, uma vez que já deveria andar pelos 1300 anos de idade, mas prometeu tudo fazer para o encontrar.

Tristes tempos!

Luís Menezes Leitão, 29.11.16

Ainda sou do tempo em que na escola primária se ensinava a verdadeira tragédia nacional que foi o desastre de Alcácer-Quibir, que implicou que a Coroa de Portugal viesse a ser herdada dois anos mais tarde por Filipe II de Espanha. Seguiram-se 60 anos de decadência nacional, com Filipe III e Filipe IV, em que o país quase se converteu numa província espanhola. Só escapámos a esse destino graças ao heroísmo dos conjurados do 1º de Dezembro de 1640, que voltaram a colocar no trono um Rei português, D. João IV. Na altura ensinavam-nos na escola que por esse motivo é que celebrávamos o 1º de Dezembro, data da restauração da nossa independência.

 

Passados mais de 370 anos sobre essa data, tive ocasião de assistir à vergonha de ver um primeiro-ministro português decretar a abolição desse feriado. Este ano voltou a ser reinstituído mas, na véspera do mesmo, assiste-se à visita de outro Filipe, desta vez o VI, que pelos vistos a população do Porto entende que deve ser recebido com gritos de "Viva o Rei!", enchendo-se a cidade com bandeiras espanholas, como se estivéssemos em Madrid. Estou convencido de que nem em Barcelona ou em Vigo o Rei de Espanha seria recebido assim. Pelos vistos, há muita gente em Portugal que perdeu de vez, não só o orgulho nacional, como também a própria noção do ridículo. Tristes tempos, na verdade!

A tal história de reis

Marta Spínola, 19.03.13

A propósito deste post do Pedro, lembrei-me de um episódio a que assisti numa aula na universidade. 

O meu curso, ainda que por acabar, é História. Tenho para mim que se há coisa simples em História é perceber que se um Afonso é II ou III é porque antes dele houve um ou dois. E sempre achei que não era preciso explicar isto a uma criança. Mal sabia eu...

 

Estava no quarto ano, numa aula do terceiro porque tinha de fazer ainda História Moderna Geral desse ano. Era a aula das 8 da manhã, aquela não era a minha turma, tudo me aborrecia, e eu sentava-me logo na primeira fila para tirar apontamentos e nem me distrair. 

O professor falava nessa manhã sobre a sucessão de Carlos VIII, "que não tendo descendência masculina directa, foi então sucedido pelo primo Luis XII". Apontamento tiradinho, pronta para continuar.

Alice não, a Alice quis saber, quis indagar, estranhou e avançou: "Pode repetir?" e o professor, paciente, simpático, repetiu: "como Carlos VIII não tinha descendência masculina directa, quem lhe sucedeu foi primo, Luis XII, o parente mais próximo". Mas a estranheza da Alice estava noutra questão, e não  hesitou, juro que ainda a vejo encostar a caneta ao lábio antes de atirar: "Mas isso não faz muito sentido, pois não? Devia ser Luis IX." (a numeração romana é minha, ela pensou em "9º", tenho essa convicção).