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Delito de Opinião

O lamaçal

Paulo Sousa, 12.11.23

Há palavras que ficam associadas a quem as usou em determinado momento. A “choldra” a que Eça se referia não será muito diferente do “pântano” de Guterres. Já o “charco” de Sócrates não conseguiu o destaque merecido, dada a proeminência conseguida pelas suas amadas “fotocópias”. Na actual volta do carrossel é o “lamaçal” que já anda a rolar, embora ainda não tenha conseguido destaque comparável.

Por trás das palavras está, no entanto, a situação de cada momento. Os últimos dias têm sido ricos em acontecimentos. Alguns detalhes acabam por passar despercebidos, mas é fácil concluir que o regime não está em boas mãos. Não chegasse a sobranceria e o sentimento de impunidade dos governantes do PS, que nos trouxerem até aqui, temos um Presidente da República com quem a história não poderá ser meiga. Lamentavelmente, as nódoas do seu mandato não se resumem aos mais recentes acontecimentos, mas observemos a forma como lançou o país para um lamaçal político. António Costa pediu a demissão por achar que a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com as suspeitas sobre si levantadas. Marcelo Rebelo de Sousa aceitou o pedido e marcou eleições. Os cálculos apresentados por diversos constitucionalistas apontavam a data das próximas eleições para o início de Janeiro. Ele, por manhas e artifícios, preferiu empurrar essa data para 10 de Março, de forma a que o PS tenha tempo para se preparar para esse acto. Faria o mesmo para outro qualquer partido? Esta discricionariedade mostra como ele próprio se ajusta à sobranceria do PS. Se não o fizesse poderia ser criticado pelos DDT do regime e por isso opta por uma auto-censura higiénica. Se à luz da CRP os partidos, tal como as pessoas, são todos iguais perante a lei, na prática uns são mais iguais do que outros.

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Pela solução mal parida que inventou, permitiu que o primeiro-ministro demissionário “para salvaguarda da dignidade da função” continuasse a poder discursar a partir do Palácio de São Bento. A comunicação feita ontem, a partir dali, foi de uma ignomínia institucional sem igual. A partir do espaço que assumiu não merecer usar “para salvaguarda da dignidade da função”, António Costa, em nome próprio e ao lado da sua esposa, não se dirigiu ao país, mas ao Ministério Público. Deixou claro que o PS não irá aceitar ser tratado como um plebeu e, falando com voz grossa, reclamou o estatuto de patrício.

Importava saber quais as prerrogativas previstas para um PM demissionário “por salvaguarda da dignidade da função”.

Nos dias 14 e 15 de Dezembro, terá lugar uma reunião do Conselho Europeu. Aguardo com curiosidade para saber quem é que nos irá representar.

É assim que nós estamos

Paulo Sousa, 06.03.23

A Saúde:

Mesmo depois de recorrer à táctica socialista de regar os problemas com dinheiro, o SNS já entrou em SOS. Inicialmente foi a passagem para as 35 horas semanais, com a garantia que não iria custar mais dinheiro, nem que o serviço iria piorar. Pelo caminho foi a teima ideológica que levou a acabar com os contratos em PPP relativos a hospitais que funcionavam bem. As queixas de quem deles necessita são evidentes. Mesmo depois de pagar os seus impostos que sustentam os serviços públicos, os portugueses (que podem), mais do nunca, decidem pagar adicionalmente seguros privados de saúde. Os que não podem, sujeitam-se às intermináveis listas de espera. A única certeza que temos é que a actual situação levará a uma efectiva redução da esperança média de vida, que é outra forma de dizer que o país irá perder vidas, que poderiam ser poupadas.

 

A Educação:

O governo do eduquês, que acabou com as provas no final de cada ciclo escolar, de forma a impedir comparações internacionais, que apostou no ridículo que foi defender que o confinamento pela Covid levou um aumento das aprendizagens dos alunos (caso único no mundo), lida agora com as paragens provocadas pelas sucessivas greves de milhares de professores. Certamente que, há pouco mais do um ano, muitos destes professores terão votado PS, mas este é o tempo do desapontamento. Os sindicatos já sugeriram aos pais dos alunos que os devem deixar em casa, e tal como na saúde, os portugueses (que podem) tentam colocar os seus filhos no ensino privado.

 

A Justiça:

Mesmo depois de muitos alertas sobre os problemas que viriam a ocorrer se não se adequasse a legislação nacional sobre os metadados ao normativo europeu, o governo achou que nada era preciso ser feito. O resultado está à vista.

Enquanto isso, decorre o processo do caso Marquês. Os mais de trinta recursos apresentados por José Sócrates (tendo ganho apenas dois) mostram como o nosso sistema jurídico é diferente para ricos e para pobres. Como se esta impotência perante a litigância de má-fé não chegasse, estranhas alterações legislativas ajudam a que tudo se arraste para além do horizonte temporal das prescrições. É cada vez mais provável que José Sócrates não chegue sequer a ser julgado.

 

A Habitação:

Após três pacotes destinados a resolver o problema da habitação, apresentados com um intervalo de dois anos, que parece ser o tempo de médio de amadurecimento de uma asneira, o governo apresentou agora um powerpoint que ameaça os proprietários com arrendamentos compulsivos. Sem nada de concreto para mostar do que pretende fazer e sabendo que, o que agora acena, dificlmente passará no Tribunal Constitucional, o que António Costa pretende mesmo com este anuncio bombástico é desviar os holofotes do estado da Saúde, do Ensino e da Justiça. No início também caí na esparrela.

 

A Clique

Tal como sempre aconteceu em regimes que permitem que sejam sempre os mesmos a mandar, a sensação de impunidade corrói as (para alguns) frágeis barreiras da decência. O caso aqui trazido há dias pelo nosso colega JPT, é aberrante, gera revolta e não deixa de ser exemplificativo do estado de espírito de demasiada gente, que quando confrontada com o óbvio, desata a disparar acusações de fascista em todas as direcções.

 

Há coisas que, por mais avisadas que estejam, quando finalmente acontecem, deixam o mundo surpreendido. E é assim que nós estamos.