Chega
André Ventura "é o único que lhes diz as verdades", a "eles", e por isso tanto o censuram, temem-no. E isto de virem estrangeiros, a dizerem-se "refugiados", e aos quais até damos a nacionalidade, tem mesmo de acabar!
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André Ventura "é o único que lhes diz as verdades", a "eles", e por isso tanto o censuram, temem-no. E isto de virem estrangeiros, a dizerem-se "refugiados", e aos quais até damos a nacionalidade, tem mesmo de acabar!
Esta ideia de que os europeus são racistas até à medula pela maneira como recebem os refugiados ucranianos e como receberam os refugiados da Síria faz-me lembrar aquela piada,
Na segunda-feira bebi quatro bagaços e uma Coca-Cola e acordei com dores de cabeça. Quarta-feira bebi três Brandys e três Coca-Colas e fiquei cheio de dores de cabeça. Sexta-feira bebi seis uísques e duas Coca-Colas e mais uma vez fiquei com dores de cabeça. É evidente que tenho de deixar de beber Coca-Cola senão nunca mais me livro das dores de cabeça.
O que fica evidente nesta piada é a facilidade com que se raciocina pela superfície sem olhar a elementos não visíveis. E é exactamente o que se faz neste twitt: como os ucranianos são brancos e os sírios não, assume-se que esse foi o elemento diferenciador (a coca-cola) do tratamento dos refugiados desses países.
Acontece que há diferenças grandes entre os refugiados sírios e os ucranianos e não têm que ver com a cor da pele. Em primeiro lugar, os ucranianos que fogem da guerra são quase todos mulheres e crianças.
Não há, entre os ucranianos, uma percentagem de bombistas radicais que entram misturados para criar células de terroristas contra os europeus, homens que enchem as mesquitas de ódio e incitamento à violência contra os europeus. Os refugiados sírios -mas também afegãos e de outros países do Médio Oriente- são muçulmanos enquanto os ucranianos são cristãos. Esta é uma grande diferença, porque os muçulmanos trazem consigo um modelo cultural quase medieval que choca com o europeu: não valorizam sociedades laicas e por isso, não reconhecem a autoridade política como sendo superior à religiosa, logo, não respeitam os princípios organizadores das sociedades democráticas, da mesma maneira que não reconhecem as mulheres como cidadãs de pleno direito e como seres humanos dignos de respeito; não são capazes de revisão racional em questões sócio-culturais e por isso, também, proíbem ou restringem o contacto dos filhos, sobretudo as raparigas, com os europeus, por medo de revisão racional e afastamento da sua mundivisão. São culturas que não valorizam o conhecimento e a educação, não religiosa, dois grandes valores que definem os europeus.
Perturbam imenso as escolas com exigências de abandono do princípio do laicismo e de respeito pelos dogmas do islão: ora as raparigas têm que sentar-se atrás para não perturbar a educação dos rapazes, ora as professoras não podem vir de saias, ora não podem ralhar com os rapazes por serem mulheres ou exigem que as raparigas sejam separadas dos rapazes nas aulas de educação física ou da natação, ora querem proibir que os professores critiquem a religião do Profeta e os seus líderes religiosos... há um ano um aluno decapitou um professor, em França, por os pais acharem que o professor tinha criticado o islão. Em França, os professores têm medo dos alunos muçulmanos. Nós, europeus, valorizamos a discussão e a crítica, os muçulmanos valorizam a obediência e ainda praticam a justiça de Talião.
São pessoas que têm dificuldade em integrar-se na cultura ocidental e criam imensos problemas sociais e culturais como temos visto que o fazem, na Alemanha, na França, na Suíça, etc, sobretudo quando as comunidades são muito grandes, como em Marselha, por exemplo. Por conseguinte, se calhar não é a cor da pele o elemento diferenciador, mas outras considerações sociais e culturais.
Aqui na Europa levámos séculos a estabelecer sociedades laicas, democráticas, com valores de respeito universal pela dignidade humana e de direitos sociais. É um trabalho que custou muitas vidas humanas e que ainda não está acabado. Os refugiados muçulmanos, os homens, sobretudo, ao contrário dos ucranianos, são estressores culturais porque trazem consigo um modelo quase medieval de sociedade e cultura: teocrático, teocêntrico, violento na justiça, desigual nas oportunidades, sem respeito pela dignidade humana - não por causa de um líder despótico que, de vez em quando, sobe ao poder, mas pela própria estrutura organizacional teocrática e ditatorial das suas sociedades. Daí a resistência em receber refugiados sírios e de outros países muçulmanos. Não quero dizer com isto que não há racismo na Europa, que o há, mas a Europa não se reduz a racismo, não é o que a define. Temos muitos valores positivos de hospitalismo. Há muita auto-crítica, há vontade de melhorar, há uma constante revisão racional, valores que os refugiados ucranianos também partilham e respeitam e os muçulmanos em geral não, sejam sírios, afegãos, sauditas ou de outro país qualquer.
texto também publicado no blog azul
A Áutria vai receber doentes portugueses com covid em cuidados intensivos. Confirma-se É uma ajuda preciosa e um bom exemplo de como pode funcionar a cooperação europeia. Até porque não é a primeira vez nesta crise pandémica que doentes de um país são acolhidos noutro.
Não só não é inédito entre os dois países como até teve exemplos pré-UE. Deve haver quem se lembre de ouvir os pais ou os avós falar de crianças austríacas que vieram para Portugal no fim da II Guerra, para serem acolhidas por famílias quando o seu país estava num estado lastimável, e precisava de ser reconstruído. Houve-as em toda a parte, num trabalho organizado pela Cáritas portuguesa, e dinamizado por uma princesa do Liechtenstein. Conheço vários exemplos de acolhimento dos meus familiares de Vila Real. Alguns mantiveram contacto, outros não ou perderam-no - é o caso da menina que ficou em casa dos meus avós - e outros reapareceram ao fim de décadas, visitando inclusivamente as antigas famílias de acolhimento (em alguns casos nas mesmas casas). Muitas destas crianças vinham ainda com traumas, como o de fugir quando ouviam um simples foguete, pensando que era um bombardeamento, ou olhar pasmadas para as cascas de batatas a ser deitadas fora, como se servissem de alimento. Certamente que deveram muito do seu crescimento ao facto de terem vindo para cá nesse período de reconstrução da Áustria - e de outros, porque ao que me dizem também as houve de França e da Finlândia. Esperemos agora que bem menos portugueses tenham de ser acolhidos pelo chanceler Kurz.
(Fotograf: Beat Mumenthaler, Schweiz)
"Há uma nova geração de judeus húngaros, que ele [Viktor Órban] não os ataca directamente, porque tem agora inimigos diferentes, que são os refugiados. Os refugiados são os judeus de hoje (...)" – Eva Koralnik, 82 anos, sobrevivente do Holocausto, tradutora em 1961 no processo de Eichmann, ontem, na Universidade de Macau
Todos os números demonstram que de ano para ano chegam menos refugiados à Europa. De 2015 em diante, os números são claramente mais baixos. E no entanto ainda são pretexto para discursos inflamados de ódio e publicações em páginas manhosas de autores não identificados nas redes sociais (ou de oportunismos descarados pela barricada adversária, aquela que escreve "refugiados bem vindos, turistas vão-se embora").
Este ano o Prémio Nobel da Paz coube, e muito justamente, a Denis Mukwege, um médico congolês que ao longo dos anos tem tratado milhares de mulheres violadas nas terríveis e quase ignoradas guerras que assolam a região dos Grandes Lagos de África; e Nadia Murad, uma rapariga iraquiana yazidi que se viu escravizada e vítimas das maiores sevícias pelos membros da seita conhecida como "Estado Islâmico", depois de ver a sua família massacrada pelos mesmos, e que conseguiu fugir do seu cativeiro para a Alemanha. Um médico tratando de mulheres refugiadas no seu próprio país (ou dos vizinhos mais pequenos) e uma refugiada vítima de uma das maiores pragas dos últimos anos. A distinção que lhes coube relembra como os refugiados nem sempre são "invasores" nem migrantes económicos, mas sim, na maior parte dos casos - daí o estatuto que detêm - pessoas que fogem da guerra e da morte quase certa, sempre em condições dramáticas e difíceis de suportar para a maioria dos que vivem na Europa ocidental. Por vezes ficam e até se superam. Eles ou os descendentes.
No mesmo dia do anúncio dos prémios, a 6 de Outubro, decorriam as cerimónias fúnebres de Charles Aznavour, na catedral arménia em Paris, com honras de estado na presença das mais altas figuras de França e da Arménia. Aznavour era uma das grandes figuras da música francesa, um resistente e uma voz que parecia eterna, e também uma das grandes figuras da francofonia. Mas era igualmente filho de refugiados, que como milhares de outros arménios, se refugiaram em França fugidos do genocídio do povo arménio perpetrado pelos turcos durante e depois da I Guerra, designação ainda hoje negada no país. O cantor apoiava a diáspora dos arménios e as suas causas e entrou mesmo em filmes que recordavam a desdita de que foram alvo (em Ararat, por exemplo).
Assim, no mesmo dia em que o Nobel da Paz era atribuído a refugiados e seus protectores, assistiu-se à despedida de um filho de refugiados que se tornou num dos mais queridos artistas do país que acolheu os seus pais. Uma coincidência feliz e simbólica, que podia e devia ter sido mais realçada.
Um bom ano de 2019 para todos.
Tirando uma pequena grande gafe, esteve muito bem neste aspecto. E foi bom que tivesse dito o que disse sobre os refugiados por ocasião de mais um Dez de Junho. Há valores que não são nem da direita nem da esquerda, são de todos nós. E é nisso que enquanto Portugueses devemos estar unidos.
O ditador sírio, agarrado com unhas e dentes ao poder que permanece nas mãos do clã Assad desde 1971, protagoniza uma guerra contra o seu próprio povo que já terá provocado 470 mil mortos e quase sete milhões de desalojados - metade dos quais crianças.
Os do costume, do lado de cá, apontam a "culpa" à Europa.
Redes de traficantes de seres humanos, sem o menor escrúpulo, enriquecem à custa das economias de muita gente que foge daquela guerra, embarcando homens, mulheres e crianças em barcos da morte.
Os do costume, do lado de cá, apontam a "culpa" à Europa.
O chamado 'estado islâmico', composto por extremistas que querem impor a sua ideologia à lei da bala, transforma várias porções de países do Médio Oriente em terra queimada.
Os do costume, do lado de cá, apontam a "culpa" à Europa.
Podemos, naturalmente, pensar o que quisermos de Trump. Eu penso mal. Ponto. Mas há um grupo alargado de oportunistas a quem Trump dá muito jeito. E essa é, aliás, mais uma razão para o efeito Trump ser nocivo. Para os tais oportunistas, é útil que Trump encarne o Mal para que eles possam aparecer como manifestação do Bem. Tomemos o exemplo do Dr. Costa. Ainda ontem proclamou em Malta a sua satisfação por a Europa não se esconder atrás de muros. Ora, para não irmos mais longe, o Dr. Costa sabe perfeitamente que existe uma vedação em Melilla que divide Marrocos de território da União Europeia. E se essa barreira não seria capaz de deter as vacas voadoras em que só o Dr. Costa acredita, sabemos que foi construída para evitar que seres humanos a transponham, prevenindo a imigração ilegal e o contrabando comercial. Estas são questões densas e complexas em que a única coisa evidente é a hipocrisia de artistas de segunda categoria como o Dr. Costa que se aproveitam de circunstâncias humanas desesperadas para se apresentarem como sacerdotes da pureza. Quando das profundezas da sua fanfarronice congénita utiliza o muro de Trump, o Dr. Costa cuidando estar a subir mais um degrau na escada da sua própria santidade, define-se como anão moral que realmente é. O Dr. Costa, fiquemos todos cientes, fará tudo o que puder para preservar a democracia por palavras que pessoalmente o engrandeçam. Mas, tal como dizia Gene Hackman em Crimson Tide, não está cá para dar-se ao trabalho de excercê-la.
O Líbano é dos países que mais sofrem com a crise dos refugiados sírios. Acolhe cerca de 1,1 milhões de refugiados, o que significa que 1 em cada 5 habitantes é um migrante em fuga da guerra. É o Estado que, per capita, mais refugiados alberga. Em termos absolutos, e com base em dados do Alto Comissariado da ONU para os refugiados, só o Paquistão e a Turquia o ultrapassam. Assumindo que Portugal tem 11 milhões de habitantes, teríamos que receber 2.2 milhões de refugiados para enfrentar um desafio (político, económico, humanitário, de segurança) semelhante. Semelhante, não igual. Importa ter presente que o território libanês é aproximadamente um terço da área total do nosso Alentejo.
O quadro desenhado por estes números é avassalador e explica bem a atenção dada ao Líbano quando se fala de refugiados sírios. Essa atenção fez soar os alarmes quando, em Setembro de 2015, o Ministro da Educação libanês afirmou que cerca de 2% dos refugiados sírios são terroristas do auto-denominado Estado Islâmico. Não foi o ministro do Interior, o ministro da Defesa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, nem tão-pouco o Primeiro-Ministro. Foi o ministro da Educação. Felizmente, este governante libanês tinha pela frente um jornalista – e não um jornaleiro – que o inquiriu sobre a fonte da qual provinha essa percentagem. O ministro foi honesto. Poderia ter respondido “não posso revelar”, ou então “fontes seguras”, ou ainda “é uma estimativa preliminar das nossas Forças e Serviços de Segurança”. Mas não. O ministro disse abertamente que os 2% eram um “gut feeling”. Como nunca devemos permitir que os detalhes estraguem uma boa história, estes 2% continuam a circular pela imprensa e pelos blogues com o valor de dado científico. Claro, sempre que há um problema de segurança provocado por um refugiado, os 2% são inflacionados para 100%, mas isso já é tema para outro post. Por agora, importa perguntar se estes 2%, imaginando que são reais, justificam que se lance um anátema sobre os restantes 98%.
Não abundam estudos recentes que analisem a relação entre terrorismo e refugiados. Porém, os trabalhos existentes descartam qualquer relação entre estes dois fenómenos. Mais, as estatísticas disponíveis reforçam essa conclusão: os Estados Unidos da América acolheram 784.000 refugiados desde o dia 11 de Setembro de 2011; destes, apenas 3 foram detidos por envolvimento em actividades terroristas. Se formos mais abrangentes e incluirmos todo o tipo de criminalidade, os resultados não diferem muito: na Alemanha, entre 2014 e 2015, os crimes cometidos por refugiados aumentaram 79%, sendo certo que nesse mesmo período o número de refugiados aumentou 440%.
Estes números não explicam a associação, que se vai lendo e ouvindo, entre terrorismo e refugiados. Mas há outros que talvez sim. Um estudo de opinião, realizado pelo Pew Research Center, sugere que a relação entre violência terrorista e vagas de refugiados é produto de preconceitos e de apofenia (percepção de padrões e relações com base em informação aleatória ou inconclusiva).
Enfim, nada disto interessa. Como escreveu Peter Pomerantsev na revista Granta, vivemos num mundo pós-facto, onde imperam as “tecno-fantasias” ao alcance de um click, suficientemente diversificadas para validar toda e qualquer convicção pessoal. A realidade, mais do que acessória, é um incómodo. Testemunhos como o de Matilde, sobrinha da nossa Francisca Prieto, serão caridade inocente. Testemunhos como o de Helena Araújo, no Destreza das Dúvidas, serão propaganda. Como será propaganda o caso notável de Mohamed Al Uattar, um médico sírio a exercer no centro de saúde de Estremoz. Trabalhou na Cruz Vermelha, colabora com o INEM e presta assistência na CERCI, o que, segundo os detractores do Islão, será certamente uma estratégia rebuscada do autoproclamado Estado Islâmico para meter Portugal de burqa.
Hoje a minha sobrinha Matilde foi ao programa do Medina Carreira prestar o seu testemunho enquanto voluntária num campo de refugiados na Grécia. Desde que chegou que tem tido vários convites e eu sigo sempre tudo, muito atenta, de olhos colados ao ecrã. Porque tenho um imenso orgulho na forma como estabeleceu prioridades na sua vida, mas também porque tenho um raio de um defeito de profissão que me faz analisar a pertinência das perguntas e o peso de cada palavra no resultado da comunicação.
Gosto da forma como ela resiste em cair em histórias sensacionalistas, mesmo quando há insistência da parte do entrevistador. E gosto da forma como se ri e oferece uma resposta curta quando quer escapar a um tema sobre o qual prefere não falar.
Gosto desta ética. Da forma como não assume que os episódios hediondos que lhe passarem pela frente são sua propriedade. Que o sofrimento extremo de terceiros, mais do que uma boa história para contar, é matéria para respeitar.
No outro dia perguntavam-lhe em tom afirmativo se após esta experiência se tinha tornado uma pessoa diferente. É preciso não conhecer a Matilde para não perceber que ter estado num campo de refugiados, em situações limite, é apenas mais um degrau no caminho de vida que tem construído na ajuda ao próximo.
Não acontece a uma miúda qualquer acordar um dia e debandar para um campo de refugiados. Há um percurso que já se fez, há uma cabeça que já estabeleceu prioridades, há um coração que cresceu até ficar maduro.
Só está preparado para uma missão destas quem já lidou de perto com a morte, com cenários de pobreza extrema e com pessoas em registo de sobrevivência. Só sabe fazer isto quem desenvolveu o instinto de agir antes de olhar a juízos de valor. Quem aprendeu a ler o sofrimento alheio e a perceber que ferramentas tem para o poder minimizar.
E quem conhece a Matilde sabe que ela já tinha aprendido tudo isto antes de embarcar para a Grécia. É por isso que a experiência, ainda que brutal, não representa mais do que um dos muitos degraus que tem vindo a escalar.
É por isso que ouvi-la falar é comoventemente inspirador.
Em Portugal tem-se uma tendência irreprimível para brincar com coisas sérias, o que tem como efeito a sua banalização. Nesse âmbito não consigo conceber exercício mais disparatado do que o da Plataforma de Apoio aos Refugiados que lançou um programa para as crianças nas escolas dizerem se fossem refugiadas o que levariam nas mochilas. Para as crianças o exercício deve ser muito engraçado, já que, da mesma forma que brincam aos polícias e aos ladrões, também podem brincar aos refugiados. Duvido é que se aparecesse alguma criança no grupo que tivesse sido mesmo refugiada, ela achasse alguma graça a recordar essa sua experiência, ainda que a pretexto de uma brincadeira dos colegas.
Mas o assunto salta rapidamente das crianças para os adultos e então começam as figuras públicas também a brincar com a situação de refugiado. Mas o politicamente correcto impõe que se dê uma resposta correcta, sob pena de ser decretada uma espécie de morte civil nas redes sociais. Foi o que se passou a Joana Vasconcelos que respondeu que se fosse refugiada levava o iphone, o ipad e todas as suas jóias. Curiosamente não terá sido essa a sua intenção, mas até agora foi a personalidade que deu a resposta mais correcta. É que o que um refugiado deve levar consigo são bens de valor, dos quais naturalmente terá que se desfazer para chegar ao seu destino. Quem não se lembra do filme Casablanca, onde o Capitão Reynaud exigia aos refugiados dinheiro para lhes fornecer um visto, e se eles não o possuíam propunha-se dormir com as suas mulheres a troco daquela simples oportunidade de fugir, mas que para os refugiados era tudo?
Mas se toda a gente verberou Joana Vasconcelos, ninguém estranhou a resposta do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que do assento etéreo onde subiu pode dizer os disparates que quiser, que ninguém liga absolutamente nenhuma. O que disse Marcelo? Que levaria alguns objectos de valor estimativo pessoal como fotografias, recordações de família. Levaria ainda uma Bíblia e um livro, possivelmente o Guerra e Paz, embora o Presidente também considere A Condição Humana, de Hannah Arendt, ou Ulisses, de James Joyce. Por último, o Presidente levaria ainda um telemóvel e carregador, já que o resto é supérfluo. Pelos vistos, o que deve ser essencial é transportar os quatro volumes da Guerra e Paz de Tolstoi pela zona de guerra, uma vez que a viagem é aborrecida, e nada melhor que uma obra sobre a guerra napoleónica na Rússia para estarmos entretidos na viagem. Esses livros também devem ser muito úteis para atravessar fronteiras, pois consta que os militares da zona andam ansiosos por ler e rapidamente deixariam passar um intelectual que trouxesse consigo obras clássicas tão interessantes.
Para um refugiado de guerra a sério, não interessa nada o que leva na sua mochila. Aliás normalmente nem tem tempo para a fazer, debaixo das bombas. O que lhe interessa mesmo é chegar a um lugar seguro, e ter-se colocado a si e aos seus a salvo da guerra. E quem tem que andar dias e dias em fuga só pode trazer consigo o essencial para sobreviver: água, comida, e eventualmente algum bem de valor com que possa pagar a viagem, uma vez que até a moeda do país deixa de valer nessas alturas. Alguém sabe que os traficantes cobram mil euros para fornecer a um refugiado um simples lugar num barco pneumático, que se pode virar à primeira onda, e onde naturalmente não entra qualquer mochila, pois nesse espaço entra outro refugiado? Há coisas dramáticas demais para que se queira brincar com elas.
A crise dos refugiados está a demonstrar a mentira da solidariedade europeia. Os austríacos acolheram enquanto foi politicamente vantajoso e A Fotografia circulava. Agora fecham as portas. Os alemães foram arrefecendo o entusiasmo e agora andam a tornar-se algo gélidos em relação ao tema, especialmente depois do Ano Novo, quando vários ilegais e requerentes de asilo roubaram e assediaram sexualmente diversas mulheres em Colónia. O pior é mesmo a atitude dos países de Visegrád, que numa tentativa de mostrar músculo (em alguns casos devido a eleições próximas), querem fechar fronteiras para impedir a entrada de pessoas que lá não querem ficar.
Sejamos honestos: fechar as fronteiras não resolverá o problema. Há centenas de milhar (senão milhões) de pessoas em trânsito pela chamada "rota dos Balcãs" que não deixarão de avançar mesmo que lhes fechem as portas. Se os muros forem construídos irão usar traficantes, destruir o muro onde puderem, saltá-lo, contorná-lo ou simplesmente subornar quem possam. Se necessário voltarão ao Mediterrâneo e procurarão um porto de entrada mais a leste. Ou irão simplesmente ficar por onde estão, indesejados, escorraçados e sem quaisquer perspectivas.
Só que, e é aqui que está o problema, eles arriscarão tudo, até mesmo viver nas ruas de Atenas, Skopje, Belgrado ou outras, porque a situação será sempre melhor que aquela que deixaram para trás. Viver nas ruas mas em paz é melhor que viver nas ruas de um país em guerra. Arriscar fome e maus tratos é melhor que arriscar a vida ou tortura. Estas são pessoas que deixaram tudo o que tinham para trás e arriscaram um percurso extremamente arriscado para procurar outra vida, qualquer que fosse. Por vezes fizeram-no sabendo que arriscavam também filhos pequenos.
Fechar as portas não ajuda e só destruirá a UE. Os refugiados acumular-se-ão por uns tempos na Grécia antes de começar a tentar outros pontos de entrada. A Grécia colapsará sob o peso da hipocrisia europeia e deixará a UE - no que será o primeiro passo para a sua desintegração. Os refugiados procurarão outros pontos - talvez entrem na Bulgária através da Turquia; talvez procurem caminhos pela Albânia (onde há imensas máfias prontas a lucrar) mesmo sendo muito mais arriscado; outros irão em barcos até à Itália, Croácia ou França. Barcos afundarão (ou serão afundados), pessoas morrerão em passagens traiçoeiras por montanhas e vales, outras serão assassinadas por criminosos ou simples gangues racistas.
À medida que este processo continua, os refugiados reduzir-se-ão. A Grécia terá deixado a UE - porquê ficar se só recebe ordens de todo o tipo e é deixada para se afogar sem ajuda? - e outros países (talvez a Croácia, talvez a Bulgária) começarão a ser questionados. Se a solidariedade quebra por um membro porque não quebrará por outro? O processo continuará e a UE começará a criar as famosas duas (ou mais velocidades) que deixarão inclusivamente os países de Visegrád para trás. Com o tempo voltaremos a uma CECA com mais um ou outro membro e o projecto europeu morrerá a sua morte lenta.
Este cenário não é inevitável nem que os muros sejam construídos, mas não consigo deixar de pensar que será muito provável. Os europeus têm sido sempre muito criativos com as suas fugas para a frente, mas têm-no feito esquecendo a pura natureza humana, aquela que não cabe numa folha de Excel ou slide de Powerpoint. Pessoas em sofrimento arriscarão tudo quanto podem para melhorar a sua condição, nem que seja um poucochinho que seja. Fechar-lhes a porta e não os integrar (o que faria até sentido economicamente) não é só desumano (sabendo que morrerão em largos números): é estúpido por arriscar o próprio futuro.
No fundo, é uma questão de construir casas em vez de muros. Os custos seriam semelhantes e os lucros muito superiores. Talvez isso venha a ser percebido.
Quando o pai da Matilde, que era amigo cá de casa, foi para o céu, a Matilde tinha catorze anos. Quis o destino, ou a sua própria vontade, que a ela se fosse gradualmente aproximando da nossa família, ao ponto de hoje ter um lugar no nosso coração tão grande como qualquer um dos nossos sobrinhos, e uma intimidade muitas vezes superior.
A Matilde tem um percurso francamente diferente do da maior parte das raparigas da sua idade porque contrabalança na perfeição o seu tom cor de rosa betinho, com uma desarmante capacidade de compaixão para com o próximo.
A Matilde realiza-se no exercício do consolo e, por isso, nos últimos anos tem procurado, por iniciativa própria, diferentes formas de dar colo a quem desespera por um gesto de ternura.
Durante uns anos, integrou-se numa organização de distribuição de alimentos aos sem-abrigo. O que quer dizer que, quando calhava ir com ela jantar para as bandas da avenida da Liberdade, tínhamos sempre de abrandar o passo enquanto ela cumprimentava uma data de gente enfiada em sacos-cama pelas ombreiras das portas, avenida acima. Se íamos para fora e a levávamos connosco, já sabíamos que tínhamos de guardar as embalagens de champô dos hotéis porque ela era perita em convencer os sem-abrigo a irem tomar duche aos banhos públicos. Para confirmar que a operação se realizava, e que não havia margem para desculpas, apresentava-se à hora combinada, em cima da sua Vespa cor de rosa, frente ao edifício dos duches, com o frasco do champô e a imprescindível moeda de cinquenta cêntimos.
Depois, por alturas das férias da Páscoa, começou a ir em missões para o interior do país, oferecer os seus préstimos a lares de terceira idade. Vieram também as procissões e os campos de férias onde, no seu papel de monitora, conseguia enturmar na perfeição miúdos de famílias estruturadas com crianças problemáticas de instituições.
No meio disto tudo, chegou a altura da faculdade. Optou por enfermagem e está algures a meio do curso.
Um dia destes disse-me que queria ir para um campo de refugiados, que não podia olhar para o que se estava a passar e ficar de braços cruzados. Mas que tinha estado a investigar e que os voluntários tinham de pagar a viagem e a estadia do seu próprio bolso. Pediu-me ajuda para arranjar dinheiro, de maneira que coloquei a minha velha expertise pedinchona de angariação de fundos em acção e após uns posts no facebook e uns emails a amigos mais próximos, conseguiu-se em 24 horas ultrapassar a quantia necessária.
Lá embarcou a Matilde para a ilha de Lesbos, na Grécia, onde ficou durante os cerca de vinte dias que as suas férias da faculdade permitiam.
Voltou com as histórias com que tinha de voltar. Com o olhar de quem assistiu ao sofrimento humano na sua forma mais crua.
Perguntámos-lhe o que fazia no campo. Respondeu prontamente que tratava das “pontas soltas”. Isto, para quem a conhece, sabe que quer dizer que andou à procura dos aflitos mais aflitos para consolar. Que fez inúmeras visitas às lojas do chinês da cidade para, com o dinheiro que lhe sobrava, comprar gorros e sapatos para as crianças que se apresentavam de chinelos num lugar onde as temperaturas chegavam abaixo de zero. Que deslindou, das cinco mil pessoas que a rodeavam, quem precisava das luvas que ela própria tinha calçadas, ou quem tinha de seguir imediatamente para o hospital.
E que, apesar de se ocupar prioritariamente das crianças, eram os homens quem lhe fazia mais pena. “Porque para os homens nunca chegava nada. Era quem dormia ao relento quando já não havia espaço, era quem ficava sem comer quando não chegava para todos, era quem ficava sem cobertor quando a pilha acabava”.
E eu ouvi isto calada, primeiro porque não consigo imaginar o que é gerir uma enormidade destas, mas sobretudo porque de alguma maneira tudo parece menos cruel na doce voz da Matilde.
A CRISE DOS REFUGIADOS
Mais de um milhão de desalojados de guerra ou emigrantes impulsionados pela crise económica - oriundos do continente africano, do Médio Oriente e até de paragens mais longínquas como o Bangladeche e o Afeganistão - acorreram em 2015 à Europa, procurando neste continente santuário e asilo. O país mais desejado, na rota da esmagadora maioria destas pessoas, todas contempladas com o duvidoso rótulo mediático de "migrantes", foi a Alemanha, o que tem suscitado ampla polémica no país. Com o aparecimento de movimentos como o Pégida e contestação aberta, nas próprias fileiras democratas-cristãs, à chanceler Angela Merkel, que proclamou Berlim e outras urbes germânicas como "cidades abertas" ao fluxo de refugiados.
A maioria destas pessoas foge da sangrenta guerra civil da Síria, que já provocou mais de 250 mil mortos em quatro anos e pelo menos quatro milhões de exilados, em grande parte concentrados em campos improvisados nos países limítrofes - Líbano, Jordânia e Turquia. A somar-se à guerra ocorreu em 2015 a ocupação de cerca de um terço de território sírio pelas hordas do Daesh, que ali impõem a lei do terror - que visa sobretudo a forte minoria cristã da Síria, avaliada em cerca de 10% da população.
A crise dos refugiados, presente em todos os debates políticos europeus, foi o facto internacional do ano, segundo o critério do DELITO DE OPINIÃO. Na eleição, em que participaram 23 autores deste blogue (que podiam votar em mais de um tema), este recebeu 17 votos, seguindo-se o fundamentalismo do chamado "Estado Islâmico" (já eleito facto internacional de 2014), com sete votos.
Apenas dois outros acontecimentos de 2015 receberam votos solitários: o restabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos e a possível cura contra o cancro realizada por investigadores da Universidade de Copenhaga. Boas notícias que infelizmente não bastaram para ofuscar as más.
Facto internacional de 2010: revelações da Wikileaks
Facto internacional de 2011: revoltas no mundo árabe
Facto internacional de 2013: guerra civil na Síria
Facto internacional de 2014: o terror do "Estado Islâmico"
Solo andata - Canzoniere Grecanico Salentino
Imagino a consternação dos familiares dos refugiados sírios que chegaram a Portugal quando souberam que a mãe do terrorista é da Póvoa de Lanhoso.
Pensa numa sala de espectáculos. Por exemplo, o Bataclan, em Paris. Pode ser? Agora, imagina que, por absurdo que possa parecer, durante um concerto, o Bataclan é tomado de assalto por terroristas. Estão lá dentro terroristas, três ou quatro, e muitos inocentes. Imagina agora que te cabe a ti tomar uma decisão sobre uma questão fundamental: em nome da segurança dos que estão cá fora, podes mandar fechar as portas e manter uns e outros lá dentro, abandonando-os à sua sorte. Uma decisão terrível, não é? Pois é precisamente essa a decisão que queres que seja tomada quando defendes que se fechem as fronteiras da Europa aos refugiados.
Isto é, impõe-se prudência na análise dos factos. Há pelo menos as seguintes possibilidades: a) o terrorista utilizou um passaporte falso para entrar na Grécia; b) o FBI tinha informação prévia sobre a fotografia ou o nome e estes não batem certo com os dados do passaporte; c) o refugiado vendeu o passaporte ou este foi-lhe roubado; d) o passaporte pode ou não pertencer ao terrorista.
O terrorismo alimenta-se do ódio. Uma Europa que acolhe refugiados fura o cerco do ressentimento, dá exemplo de solidariedade. Não há nada mais devastador para o discurso dos sanguinários. Um passaporte de um refugiado sírio no local de um dos ataques nada nos diz sobre a forma como lá chegou. Quem mata inocentes com gélida indiferença, também leva consigo um passaporte forjado, roubado, para instigar no lado dos bons a irracionalidade que lhe convém. E ainda que se comprove que alguém se infiltrou para abusar da boa vontade dos que recebem, continua a ser fundamental não fazer o jogo do terror. Ainda aí é preciso separar o trigo do joio, não tomar a árvore pela floresta. Vencer é, para começar, resistir ao alarmismo e às conclusões precipitadas.