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Delito de Opinião

Este país não tem emenda

Contra-reforma em marcha: ressuscitem-se as freguesias extintas no séc. XIX

Pedro Correia, 18.01.25

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Em votação esmagadora, a Assembleia da República aprovou ontem a reversão de parte significativa da reforma do mapa administrativo, que vigorava desde 2013. Das 4259 até então existentes, baixou-se o número para 3092 após amplo debate público. Agora são repostas 302 - quase um terço das que haviam sido agregadas para ganhar escala, racionalizar meios, atrair investimento e reforçar capacidade reivindicativa perante o poder central. 

Espantosamente, o PSD que promoveu a reforma - imposta no memorando de entendimento assinado pelo Executivo socialista em Maio de 2011 - esteve agora na primeira linha da contra-reforma. Como se fosse um partido de duas caras. E se calhar é mesmo.

Só a Iniciativa Liberal votou contra, o que muito a honra.

 

Dizem-me que a contra-reforma se tornou "imprescindível" porque algumas freguesias sofriam afrontamentos e experimentavam dolorosas "crises de identidade" em consequência da agregação. 

Lamento muito. Por isso atrevo-me a sugerir ao parlamento que aproveite o balanço para restaurar também as centenas de municípios extintos nas reformas administrativas de 1835 e 1853, em pleno reinado de D. Maria II.

Chegou a hora de ressuscitar essas sedes de concelho, que chegaram a ser cerca de 900. Atenção Águas Belas, Buarcos, Colares, Dornes, Ericeira, Freixo de Numão, Galveias, Horta, Idanha-a-Velha, Juromenha, Lavradio, Messejana, Negrelos, Odeceixe, Penha Garcia, Quiaios, Rabaçal, Samora Correia, Tentúgal, Ucanha, Vilar de Maçada e Zebreira: é tempo de todas soltarem o grito do Ipiranga. De A a Z.

E não parem aí, senhores deputados: vão mais longe. Equiparem cada paróquia eclesiástica a um município. São só 4361, não custa nada. Aliás antes de haver freguesias já existiam paróquias em Portugal: in illo tempore, o termo "freguês" servia para designar os paroquianos, enquanto fregueses do pároco.

Engatem a marcha-atrás, operem o milagre da multiplicação das paróquias. Para que a contra-reforma seja imparável.

 

Confirma-se, mais a sério: etapa a etapa, vamos voltando ao Estado pré-troika. O mesmo que nos condenou à perda da soberania financeira.

Eis uma evidência: este país não tem emenda. 

Os votos que não servem para nada

Pedro Correia, 11.04.24

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A divisão dos círculos eleitorais com base nos velhos distritos que hoje não servem para mais nada é uma aberração que se mantém apenas devido à inércia total das duas principais forças políticas. Dá-lhes jeito que tudo continue assim: ganham uns deputados extra.

O mapa eleitoral português devia ser redesenhado para se adaptar ao novo milénio em que vivemos. E prever um círculo nacional de compensação, aliás segundo o que já vigora na Região Autónoma dos Açores.

Isto poria fim a uma chocante realidade: nas legislativas de 10 de Março, cerca de um milhão e duzentos mil votos foram desperdiçados. Isto é, não serviram para eleger ninguém. O número mais elevado de sempre. Devia fazer soar todas as campainhas de alarme: nada põe tanto em risco a democracia como isto.

 

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Antiga sede do Governo Civil do Porto

 

Alterar esta anomalia devia ser prioridade absoluta. Mas não admira que tudo vá permanecendo sem mudança alguma. Foi preciso a tróica instaurar cá o seu protectorado, chamada por José Sócrates e Teixeira dos Santos, para o governo seguinte pôr fim a outro anacronismo que esteve inalterado durante décadas: os governos civis.

Apesar da sua manifesta inutilidade, quando foram extintos desatou imensa gente aos gritos, como se aquilo fizesse alguma falta.

Comprova-se a natureza profundamente anti-reformista, imobilista e reaccionária de grande parte da classe política deste país.

Sem excluir, claro, aqueles que enchem a boca a falar em progresso e tudo fazem para que haja estagnação ou mesmo retrocesso. Às vezes os piores são esses.

Reforma eleitoral - uma proposta

Paulo Sousa, 04.09.21

No meio da imensa vacuidade com que somos continuamente bombardeados pelos media, terá passado quase despercebida a proposta de Reforma Eleitoral apresentada pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) e pela APDQ (Associação para uma Democracia de Qualidade).

Esta proposta prevê a criação do sistema de voto duplo em que, como o que funciona na Alemanha, cada eleitor possa escolher o partido que prefere, mas também a pessoa que no seu círculo eleitoral quer ver eleita. Desta forma pretende-se criar uma ligação efectiva entre o eleitor e o eleito e limitar as jogadas dentro de cada aparelho partidário e que leva a que cada deputado represente o seu chefe de facção dentro do partido e não quem o elegeu.

De acordo com esta proposta os círculos eleitorais (CE) mais pequenos serão agregados com outros de forma a terem no mínimo oito deputados. Na actualidade, nos CE como o que de Portalegre, que tem apenas dois deputados, a democracia é bem mais pobre que a democracia para os eleitores de Lisboa ou Porto.

A concretização desta mudança não carece de qualquer alteração à Constituição e, por isso, só depende da vontade dos partidos e da abertura que terão para aceitar esta mudança que, a realizar-se, permitirá que tenhamos uma melhor democracia, e que sem dúvida contribuirá também para a redução da abstenção.

Para quem quiser mergulhar em detalhes pode consultar a proposta integral aqui ou uma explicação com o exemplo do CE de Coimbra dada por Ribeiro e Castro, um dos seus autores. 

Um ponto de situação

Paulo Sousa, 13.05.21

Soube hoje pelo Contra-Corrente de José Manuel Fernandes na Rádio Observador, que a EU estima que dentro de vinte anos - que será aproximadamente quando a geração que nasceu com o actual regime político se começar a reformar - o valor das pensões será de cerca de 54,5% do último salário. Poucos anos depois este valor será reduzido para 48,2%, sendo actualmente de 74%. Se nos lembrarmos que estes valores são calculados sobre uma base salarial que já é baixa, será fácil antecipar uma subida significativa da pobreza no país.

Este é um assunto que é abordado com alguma frequência, mas não mobiliza vontade política suficiente para que sejam feitas reformas efectivas. O envelhecimento da população, que resulta de uma natalidade insuficiente, assim como de um aumento da longevidade, leva que este assunto se compare a uma bomba relógio, pois sabemos que irá explodir, só ainda não sabemos é quando.

A insuficiência da natalidade leva também a que os jovens tenham cada vez menor peso eleitoral, e isso acentua a dificuldade em tomar medidas para resolver este problema. Já aqui escrevi sobre isto, e de facto o futuro está demasiado ausente das escolhas política.

Soube, através do blog Tempo Contado de José Rentes de Carvalho que, na polémica Hungria e perante problemas da mesma natureza, os casais com quarto filhos ou mais estão total e vitaliciamente isentos de IRS. Esta é uma medida do género das que trocam impacto financeiro imediato nas contas públicas, por longevidade ao sistema. Abdica-se da disponibilidade no curto prazo em troca de um benefício futuro. É claramente um investimento. Dirão que cá não existe disponibilidade orçamental para uma coisa destas, mas bem sabemos que esse não é o ponto, pois dinheiro na mão da imensidão dos organismos do estado é o que não falta.

Os municípios nunca tiveram tanto dinheiro. Têm sido construídas vastidões de tretas sem jeito. São pontes pedonais, miradouros, ciclovias, baloiços ‘instagramáveis’, passadiços, rotundas, pavilhões multiusos, obeliscos, entre muitas outros devaneios com a desculpa de que é necessário desterroar os fundos europeus. Aqui em Porto de Mós, o anterior executivo municipal apostou o Joker dos fundos UE num arquivo municipal. Ao arquivo acrescentou um museu não comparticipado. Contas feitas o que afinal deixou foi apenas uma obra entregue a uma empresa falida e que cinco anos após o lançamento da primeira pedra ainda continua em bolandas.

Por motivo de rotina familiar, frequento a piscina municipal da Batalha. É óptimo que este tipo de infraestrutura exista também fora dos grandes centros, mas a realidade é que não é invulgar estarem no edifício mais funcionários do que utilizadores. Cada vez que não consigo deixar de ignorar o que está à frente dos olhos, lembro-me que existem no país quase trezentos municípios, que a pobreza aflige um quinto dos portugueses e que um terço dos pobres têm emprego.

E estamos assim.

O eucalipto e a luta de classes

Pedro Correia, 22.07.17

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A história dos eucaliptos, no discurso geringoncês, substituiu o tradicional paleio da "luta de classes" com essas árvores a representarem a "classe opressora" e as putativas espécies autóctones a figurarem como "classe oprimida", ressaltando-se a necessidade de plantar uma floresta "patriótica e de esquerda" que expulse e puna a espécie invasora.

Vai daí, ensaia-se o assalto ao palácio de Inverno em plena canícula, com aquelas árvores folhosas a fazerem o papel do czar derrubado pelo proletariado em luta. São árvores colonialistas e capitalistas: além de serem originárias da Austrália, servem fundamentalmente para produzir pasta de celulose, utilizada no fabrico de papel: é um grande negócio para a indústria do sector, aliás elogiadíssima por Sua Excelência o primeiro-ministro.

«Tal como está previsto desde 2015, na estratégia florestal nacional, a área prevista para a plantação de eucaliptos permitirá responder àquilo que é a procura crescente por parte da indústria, permitindo aumentar a produção de pasta e de papel» , declarou há seis meses António Costa. Não há seis anos, notem, mas apenas há seis meses.

O eucalipto alimenta o segundo maior circuito exportador português, que tem como destinatários 118 países - motivo acrescido para ser combatido e dar espaço a árvores proletárias, portuguesas de gema. Árvores como o carvalho, que produz a deliciosa bolota - produto comestível e talvez (quem sabe?) de elevado valor nutritivo também para o sector exportador nacional.

 

É curioso verificar como estas coisas mudam. No século XIX, quando começaram a ser plantados os primeiros eucaliptos em Portugal, dizia-se que eram árvores quase milagrosas. Como em 1920 anotava Jaime de Magalhães Lima, botânico e pioneiro do  vegetarianismo em Portugal, era vista como uma espécie que «crescia rapidamente, multiplicaria milagrosamente a riqueza florestal em proporções descomunais, povoava os desertos, sofria toda a inclemência da atmosfera e do solo, purificava os lugares insalubres, livrava das febres paludosas, dava madeira excelente para todos os fins, rebelde à podridão, e destilava óleos, essências e medicamentos preciosos».

há cem anos, segundo o mesmo especialista, «a cultura do eucalipto» se havia tornado «corrente» em Portugal: «Hoje, o eucalipto vende-se nas feiras à dúzia e ao cento como as couves, enterra-se depois pelo meio dos matos em covachos abertos a esmo, e nesta barbárie, com estes cuidados elementares por demais resumidos, vinga, se o terreno lhe agrada e a humidade atmosférica o favorece».

Nos dias que correm, noutras paragens, não falta quem elogie o eucalipto por ser um instrumento activo de combate ao efeito de estufa devido à sua capacidade de reter dióxido de carbono: cada árvore "sequestra" 20 quilos anuais de CO2 e um hectare de eucaliptal jovem retém cerca de 35 toneladas de gás carbono por ano. O que talvez devesse reponderar algumas posições de ambientalistas, mais vermelhos que verdes, que o encaram como sinistro símbolo da exploração florestal.

 

Alguns alimentam até a fábula que os incêndios em Portugal só ocorrem onde existem eucaliptos.

O problema, como acontece com muitas fábulas, é a sua falta de adequação à realidade.

Há uma semana houve um grande incêndio em Moura, no Alentejo, numa zona onde não há eucaliptos e o sobreiro é a árvore largamente dominante.

Logo a seguir, o brutal incêndio de Alijó, em Trás-os-Montes, confirmou como o fogo arde também de forma devastadora onde não há eucaliptos.

«Desta vez, o Governo não vai poder desvalorizar o incêndio de Alijó com a mesma negligência com que menorizou o assalto em Tancos. O pinhal que este fim-de-semana foi destruído no planalto do meu concelho era feito de árvores antigas, grandes, de enorme valor económico e ecológico. Era o pulmão verde da região, onde passei muitas tardes de Outono a apanhar cogumelos silvestres caminhando sobre uma manta húmida e fofa de musgos, onde as giestas e os tojos tinham por vezes dificuldade em sobreviver na penumbra permanente das copas frondosas», escreveu Manuel Carvalho no PúblicoUm artigo que devia ser lido por todos quantos, confortavelmente instalados em Lisboa, pretendem "reorganizar" a floresta portuguesa a partir de preconceitos ideológicos e lugares-comuns. E que, com toda a coerência de que um lisboeta é capaz nesta matéria, olham para as árvores apenas como espécies decorativas, destinadas a "embelezar a paisagem", dissociando-as por completo do seu potencial económico e do seu valor comercial como fonte de receitas e de emprego em regiões pobres e deprimidas do País.

O discurso anti-eucalipto tem servido para os cabeçalhos da imprensa e a mais desenfreada demagogia política em voga neste Verão. Mas nenhuma verdadeira reforma da floresta pode ser feita assim em Portugal.

Quando será o funeral?

Sérgio de Almeida Correia, 17.01.14

"Dez anos não foram suficientes para o Ministério Público concluir o inquérito e deduzir a acusação para os 43 arguidos, entre 70 suspeitos de pertencerem à rede de tráfico." - Expresso, 17/01/2014

 

Presumo que estejam todos de parabéns: as instituições do Estado democrático, os seus legítimos representantes e as corporações da praxe. Não façam nada que não é preciso.

Bom, uma das coisas exige estudos...

José António Abreu, 06.12.12

Dezassete meses após a tomada de posse do governo, o (mui tímido) projecto de lei da redefinição do mapa autárquico é discutido hoje no Parlamento. Já as mudanças na RTP parecem ter hibernado com a chegada do frio. Torna-se, pois, oficial: Miguel Relvas demora mais tempo a implementar as reformas que tem a seu cargo do que demorou a licenciar-se. Mas os efeitos práticos deverão ser os mesmos: simbólicos, acima de tudo.

Sinais inquietantes

José Maria Gui Pimentel, 21.03.12

 

Quem, como eu, acredita nos benefícios de uma economia de mercado, está disposto a consentir algum aumento das desigualdades económicas numa economia pujante. Com efeito, numa economia em crescimento é normal que aqueles mais capazes usufruam em maior proporção dos benefícios. É um mal menor.

 

Numa economia em ajustamento, todavia, dever-se-ia observar o oposto. Sobretudo numa economia marcada por um nível de desigualdade económica elevadíssimo entre as economias avançadas, como é o caso de Portugal, uma realidade confirmada através de vários indicadores.

À já existente desigualdade dos rendimentos do trabalho vêm juntar-se o aumento do desemprego e a perda de outros direitos. Algumas destas medidas, nomeadamente no mercado laboral, são, entenda-se, necessárias. Todavia o mínimo que se pode exigir ao Governo é que mais do que as compense com medidas e incentivos no sentido de corrigir o rendimento dos mais ricos. É imprescindível fazer diminuir a promiscuidade entre o Estado e o sector privado (um mal bem português), criar mais incentivos à iniciativa privada, melhorar a educação, reduzir a burocracia, aumentar a eficácia da máquina tributária… A lista é infinita, e, por necessárias que sejam algumas medidas que incidem sobre os mais pobres, é nas verdadeiras medidas estruturais que está a chave para contornar a crise.

 

Nada está, em todo o caso, perdido: é sabido que as reformas estruturais demoram a fazer efeito e o Governo (ou a Troika) tem tomado medidas corajosas. Porém, é desde já pouco animador o facto de, segundo um estudo (relativamente) recente da Comissão Europeia, Portugal ser o “único país (dos seis analisados) onde as medidas de austeridade foram mais fortes para os mais pobres do que para os mais ricos”. A isto juntam-se alguns sinais preocupantes, entre os quais a recente questão pouco edificante da EDP.

 

Exemplos destes fazem deste Governo parecer muito pouco liberal. E isto não é um elogio.

Cortar salários, despedir ou aumentar impostos?

Rui Rocha, 17.10.11

O editorial de Pedro Santos Guerreiro publicado hoje no Jornal de Negócios é bem o exemplo da desorientação em que estamos. Mesmo os mais lúcidos de entre nós tendem a acordar cada vez mais baralhados. Antes de mais, convém salientar que PSG não questiona a necessidade de assegurar o resultado das medidas: Não havia alternativa a medidas com este alcance.

 

Para além disso, PSG reconhece a necessidade de diminuir o número de funcionários públicos: Seria estrategicamente melhor para o Estado ter feito um despedimento do que este corte cego. Os custos sociais, no entanto, seriam impraticáveis, tendo em conta o desemprego.

 

Todavia, aqui chegado, PSG discorda do caminho adoptado no Orçamento de Estado para 2012. Melhor seria, diz, que em lugar de cortar a remuneração dos funcionários públicos, se tivesse optado por um imposto extraordinário sobre o rendimento e o património. Isto porque os cortes na função pública terão uma consequência nefasta: os melhores tenderão a trocar o sector público pelo sector privado ficando no Estado apenas a "má administração", integrada pelos funcionários improdutivos. Esses que, apesar de poderem até ter remunerações mais baixas, são comparativamente mais caros precisamente por serem improdutivos. 

 

Há, porém, alguns pressupostos da tese de PSG que carecem de demonstração:

a) o facto de se aumentarem taxas de imposto não implica aumento da receita por muitas e variadas razões. Uma delas chama-se evasão. Uma imoralidade, é certo. Mas, tão real quanto o facto de à vida se seguir, mais tarde, ou mais cedo, a morte. Por isso, uma actuação por via fiscal nunca poderia assegurar o mesmo grau de certeza na concretização do défice que está implícito na redução da despesa. Poderíamos correr esse risco? Não me parece.

b) PSG dá por provado que se assistirá à fuga da "administração boa". Ora, salvo melhor opinião, isso acontecerá apenas em casos pontuais. O sector privado (a parte dele que conseguir sobreviver) reagirá ao contexto com reduções de quadro e das remunerações médias. É preciso não esquecer que no privado uma parte substancial da remuneração tem natureza variável. Está indexada a objectivos. Não é preciso ser muito clarividente para perceber o que irá acontecer-lhe num contexto de crise e de recessão. Isto é, também no privado se assistirá a um ajustamento em baixa das remunerações. Se não me engano, a "administração boa" terá pouco para onde fugir.

c) o argumento clássico da segurança no emprego que PSG desvaloriza: sim, o emprego público inclui ainda, na maior parte das situações, uma promessa de trabalho para a vida. Na actual situação, será necessária alguma ousadia para trocar isso por uma qualquer miragem privada. A "administração boa" terá, apesar de tudo, pouca vontade de fugir.

 

Em resumo, a proposta de PSG teria como consequência pôr a cargo da sociedade no seu conjunto aquilo que o Estado não pode pagar, distorcendo, uma vez mais, os mecanismos do mercado de trabalho e pondo em causa objectivos essenciais das finanças públicas. Em consequência, digo que mais impostos para isso, não obrigado. De útil do artigo de PSG ficam então um diagnóstico correcto, uma ou outra frase que, retirada do contexto, servirá de slogan à indignação dos funcionários públicos e o respectivo link no Câmara Corporativa.

 

Há, todavia, um ponto em que PSG tem razão. A redução da despesa por via do corte dos salários dos funcionários públicos será completamente imoral se fizer retardar um segundo que seja outras reformas estruturais do Estado. E acrescento que essa imoralidade será ainda mais grave se certos monopólios, mordomias e gastos supérfluos construídos à sombra do Estado se mantiverem.

Os mesmos de sempre

Pedro Correia, 30.08.11

Dois meses depois, não há reformas, dizem eles - os que nunca reformaram nada ou estiveram sempre na primeira linha do combate a todas as reformas no aparelho de estado. Dois meses depois, não há cortes na despesa, dizem eles - os que sempre contribuiram para avolumar a despesa.

Eis que surge o primeiro corte substancial na despesa, com a fusão de dois institutos públicos que permite poupar 14 milhões de euros, e os mesmos recomendam agora que se trave a fundo. "Estas fusões não se anunciam sem estar bem estudadas e sem haver um cronograma", brada um. "Não há razões para queimar etapas. As questões devem ser profundamente debatidas", proclama outro.

Os mesmos de antes, os mesmos de sempre. Por isso é que o País está como está.

Alta função pública: despolitização ou 'privatização' do Estado? (2)

Laura Ramos, 12.08.11

 

A verdade é que as  fronteiras  entre a política e o topo da administração pública são movediças. 

E neste tema das nomeações dos altos dirigentes tudo se resume, afinal, ao agudizar de um dilema congénito: - Um director-geral, por exemplo, é ou não um comissário político?
Questão candente, desde que me lembro. O que significa que a resposta esteve sempre longe de reunir consenso.

O certo é que o novo sistema traz agora aos Ministros a vantagem de ficarem libertos das pressões partidárias para nomear filhos políticos incompetentes. E trará ao cidadão o poder de acompanhar esse processo de escolha, quando até aqui podia conhecer apenas o seu resultado.  Por isso, a medida salda-se num inegável aumento de transparência que, só por si, teria já valido a pena. Não pelos potenciais dividendos políticos junto do eleitorado, mas principalmente porque é uma demonstração inquestionável de boa-fé da acção política do executivo,  num momento em que a crise de confiança nos governantes precisa de ser invertida, a bem de todos nós e da saúde democrática.

 

Mas  como ficará o estado das relações entre os novos dirigentes e os políticos? Como se articularão entre si, agora que a nomeação já não depende exclusivamente de uma escolha pessoal?
A reforma varreu já muitos outros países, e emanou agora de S. Bento como, em seu tempo, emanara já de Downing St. , Matignon, Reichstag, The Lodge ou de Promenade Sussex.
Assim foi a partir dos anos 80, quando  - já então - os sinais da crise e a pressão internacional obrigaram os Estados a adoptar progressivamente desempenhos tecnicamente competitivos, abandonando uma gestão exclusivamente baseada nos cadernos de encargos partidários. Exigia-se-lhes que o funcionamento das suas administrações passasse a adoptar regras da gestão privada e empresarial e  foi preciso fazê-lo, sem demora, com o aparelho burocrático de que dispunham: napoleónico, normativo e inspirado num modelo prestador típico dos melhores dias do  estado-providência.

Da lista enunciada não constam os USA, é claro, onde o sistema é radicalmente diferente e é o oposto do que se observa na Europa, na Austrália ou no Canadá. Um sistema tão simples e tão descomplexadamente pragmático quanto o seu nome indica: o spoils system, traduzível cruamente por 'sistema de saque' ou 'sistema dos despojos'. Onde as administrações caem a cada eleição, sem dramas nem vitimizações.

 

O certo é que é muito interessante verificar os efeitos desta reforma  nos países onde ocorreram mudanças semelhantes : criou-se uma ruptura acentuada dos laços tradicionais entre os eleitos e os altos funcionários, recrutados agora por puro mérito, mas cuja «lealdade», entretanto, começou a ser posta em causa pelos políticos, que os acusam de 'falta de entusiasmo'  na acção e de favorecer as fugas de informação.
Assim, a tensão continua (ou melhor, agudiza-se), continuando os eleitos a querer exigir do alto dirigente que não tenha outra identidade que não a do governo «do dia», levando a que o novo espécime de super funcionário deva praticar uma espécie de ... 'monogamia em série'.

 

O chamado mercado burocrático terminou, com esta medida, o seu processo de mudança.

 

Ora, enquanto eleitores e por estranho que pareça, mais do que vigiar os concursos, vir-nos-á a ser útil acompanhar o estado das relações entre os semi-escolhidos e os eleitos, ainda que o modelo adoptado em Portugal nos possa dar uma relativa tranquilidade.

 

(segue)

Contributo para uma discussão inadiável sobre o mapa autárquico

Rui Rocha, 09.07.11

António Cândido de Oliveira, professor catedrático da Escola de Direito da Universidade do Minho e investigador na área do Direito das Autarquias Locais, defende a fusão das Câmaras e Assembleias Municipais, a extinção de Municípios com menos de 5.000 eleitores e a aplicação do mesmo modelo às Juntas de Freguesia e Assembleias de Freguesia (com limiar de extinção nos 150 eleitores).

 

Estas propostas constituem uma boa base de trabalho. Todavia, parecem ficar aquém daquilo que, de acordo com o mesmo investigador, seriam os limiares da eficiência da actividade autárquica: 10.000 eleitores para os municípios e 300 eleitores para as freguesias. No momento actual, as propostas não devem ficar nos meios termos, em nome da manutenção de certos equilíbrios ou do temor a certas reacções. Na situação disfuncional que vivemos, esses equilíbrios já não existem. Da mesma maneira que o 13º mês já quase deixou de existir. Assim, o critério a utilizar para fundamentar qualquer proposta de revisão deve ser o da eficiência e não o do compromisso pois que este já está irremediavelmente... comprometido

 

Tome-se assim o critério da eficiência e discuta-se seriamente a partir dele. E, se esse critério aponta para 10.000 e 300 eleitores, pois que se assuma como tal. Temperando-se os resultados da sua aplicação, em nome do princípio da proximidade, com um segundo critério de natureza geográfica que tome por referência uma distância máxima admissível, fixada de acordo com critérios de razoabilidade, entre uma população e a respectiva sede.

Uma boa notícia, para variar

Pedro Correia, 18.06.11

Portugal passa a ter o terceiro governo com menor número de ministros da União Europeia. Como aqui escrevi há mais de um ano, um Executivo com a dimensão do anterior era incompatível com a dimensão dos sacrifícios exigidos aos portugueses. Agora faltam duas outras medidas que já na altura considerei urgentes. Uma, reconheço, é mais fácil de concretizar que a outra, embora ambas impliquem a mudança do texto constitucional. É extraordinário, aliás, que a existência de governos civis continue prevista na nossa lei fundamental - a mesma que, recorde-se, chegou a proibir a existência de televisão privada em Portugal. "A televisão não pode ser objecto de propriedade privada", rezava o original artigo 38º, número 6, da Constituição aprovada em 1976, curiosamente no segmento reservado aos "direitos, liberdades e garantias".

Um governo em ponto morto

Pedro Correia, 22.12.10

 

À falta de notícias, no final de um dos piores anos de que há memória em Portugal, o Governo fez um enorme espavento a propósito da inauguração de um novo troço ferroviário na vetusta e maltratada linha do Algarve que permitirá - diz a propaganda governamental - reduzir em dez minutos a ligação entre Lisboa e Faro. O acto envolveu convites a jornalistas, reportagens televisivas e a inevitável declaração do ministro das Obras Adiadas. Está em curso uma "reforma estrutural" na área dos transportes, proclamou António Mendonça, que procura roubar a Helena André o título de pior ministro do segundo governo Sócrates.

Tudo isto se passou no domingo. Bastaram 48 horas para se saber que a "reforma estrutural" a que aludia Mendonça afinal afocinhou nas imediações do Poceirão. Sem passar cavaco ao ministro que dizia uma coisa muito diferente em Lisboa, o Governo português informava os responsáveis da Comissão Europeia, em Bruxelas, que decidiu atrasar todas as linhas de TGV, incluindo a ligação de Lisboa a Madrid.
Nunca um comboio 'rápido' demorou tanto a sair da gare. Entretanto, na véspera de Mendonça se vangloriar do tal novo troçozito de linha férrea, os espanhóis inauguravam em grande estilo a nova ligação em alta velocidade entre Madrid e Valência, cidades que passam a estar a hora e meia de distância. Há crise lá e cá. Mas eles aceleram para sair dela enquanto nós continuamos em ponto morto.