Os inimigos do futuro
Um dos livros de Daniel Innerarity, filosofo e ensaísta espanhol, elabora sobre a nossa relação com o futuro. O seu título é 'O futuro e os seus inimigos' e a edição é da Editorial Teorema.
Este é um livro marcante pela abordagem que faz a algo a que todos aspiramos, o futuro, mas que não tratamos devidamente. Falta futuro no discurso e na acção política e falta futuro na escolhas dos eleitores.
Na sociedade do consumo imediato em que vivemos, a incerteza do amanhã é esmagada pelo imediatismo de curta perspectiva, que se verifica nas decisões individuais e colectivas.
Os ciclos eleitorais são demasiados curtos para dar a devida importância ao futuro, e são demasiado longos para corrigir os erros de avaliação eleitoral. É também deste equilíbrio que o futuro da democracia dependerá, especialmente quando é confrontada com os resultados obtidos por regimes totalitários que esmagam a oposição, erradicam o debate e a negociação.
Quando a próxima sondagem se torna mais importante que a próxima geração é natural empurrar responsabilidades para o futuro mais ou menos distante. Cada vez que os responsáveis políticos endividam as suas comunidades ou os seus países a prazo alargado, para concretizar obras não produtivas comportam-se como uns okupas do futuro. Entre a liberdade de acção das gerações futuras e o fascínio imediatista da inauguração com uma placa com o seu nome gravado, os políticos preferem, sem pudor, a segunda.
O colonialismo territorial de outros tempos foi assim substituído por um colonialismo do futuro que absorve e parasita o seu tempo. O benefício que, no passado, se pretendeu usufruiu sobre os ‘de fora’, é exercido hoje sobre os ‘de depois’.
Os ataques do presente, seja sob a forma de endividamento ou de poluição, desrespeitam os ‘agoras’ dos outros e fazem do futuro uma lixeira do presente.
Jefferson, no séc XIX, questionou-se se não se deveriam aprovar todas as leis ao ritmo de cada geração. Se cada uma era como se fosse uma nação diferente deveria ter a legitimidade de tomar decisões, sem no entanto poder obrigar as seguintes.
A crescente dimensão do grupo de eleitores de terceira idade dentro do universo eleitoral alimenta também este processo. Antecipar uma reforma é sobrecarregar um sistema que não sabemos se será sustentável no futuro, mas, perante os abusos descabidos todos encolhemos os ombros. Quem não faria o mesmo? Exigir aumentos das reformas é normal, pois tem de se acompanhar o aumento do custo de vida. O futuro fica para depois.
Se nada for feito para interromper esta lógica, desprovida de ética, o futuro terá cada vez menos peso político.
A ideia da responsabilidade está essencialmente virada para o passado. Temos de prestar contas pelo que fizemos ou deixamos de fazer, mas quanto às responsabilidades futuras, essas são sempre envolvidas na incerteza do amanhã desconhecido.
Mas um dia o futuro será presente, e os dos futuro, aprisionados pela vaidade dos do passado, saberão identificar os seus tiranos e dar-lhe o devido lugar na memória que será a deles e que é a memória futura.
Um destes dias, num futuro próximo, gostaria de falar sobre o futuro que o regime de Abril tem para oferecer aos portugueses que nasceram depois dele.