A tia da linha
Alfonso Sánchez Coello, "Catarina de Áustria, Rainha de Portugal", circa 1550
As “tias da linha” são uma estirpe urbana, de classe média-alta (tipo A/B) com habitat preferencial na região de Lisboa. Na sua grande maioria são do género feminino, mas foram detectados fenótipos desta índole noutros sexos.
A estirpe manifesta-se ao correr de três sintomas, a saber: uma segurança absoluta nas suas opiniões, concorrente com uma grande superficialidade fenomenológica dessas mesmas opiniões e uma arrogância social tanto mais acentuada quanto mais distante da vida comum. Dado o carácter um pouco evanescente da sua caracterização, as “tias da linha” são muito copiadas e falsificadas, pelo que a autenticidade só pode ser apurada mediante um processo científica denominado “interrogatório”. É no acumular de dislates, petulâncias, trejeitos classistas, mas sobretudo por um tom de voz despachadíssimo, altissonante e peremptório, que os peritos confirmam a legitimidade de um indivíduo como integrante na estirpe.
As “tias da linha” podem irromper de súbito e assumindo formas inesperadas, às vezes em aparente contradição com o que delas é expectável. Um caso muito discutido recentemente tem sido o da Doutora (por extenso) Raquel Varela (DRV). Alguns estudiosos ficaram surpreendidos por DRV perfilhar um dos alelos da célula trotskista, o que deveria situá-la mais ou menos do lado esquerdo do espectro político. Para esses especialistas, semelhante ideologia, ao manifestar-se no seio de uma grelha comportamental, mental e emocional, tipicamente de “tia da linha” faria de DRV uma impostora. Outros estudiosos, porém, não cessam de apelar à abertura de espírito, declarando que DRV em tudo se conforma ao estereótipo da “tia da linha” e não será por um pormenor de somenos que o deixa de ser. Senão veja-se:
1. A pose altiva de grande senhora gentrificada, equidistante em partes iguais da modéstia plebeia, da contenção dos nobres de espírito e da sincera curiosidade científica (baseada na dúvida). Pose essa ornamentada por todos os tiques de indumentária e estilo de vida distintivos da classe média-alta (automóvel de boa marca, casa com quintal, echarpes evanescentes ou o little black dress de Chanel; dados que DRV exibe e refere nalguns dos seus panfletos).
2. Uma irresistível tendência opinativa, estribada em rasos lugares comuns expelidos como verdades insofismáveis. Opiniões, acresce, reveladoras de uma relação com a realidade equívoca e disfuncional, própria dos alienados sociais.
3. Um falar em público taxativo, impiedoso, e de supina soberba, tanto mais acentuado quanto mais lunática é a opinião expressa.
Até este momento ainda não é cabal o esclarecimento se a Doutora (por extenso) Raquel Varela é uma fraude ou simplesmente néscia, mas a investigação prossegue.