Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

25 de Novembro, sempre

Pedro Correia, 25.11.23

melo.jpg

 

Faz hoje 48 anos, uma guerra civil foi evitada in extremis em Portugal. A grave expressão, em jeito de aviso à Europa inteira, foi usada a 22 de Novembro de 1975 pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Ernesto Melo Antunes, em entrevista à revista francesa Le Nouvel Observateur.  

Não exagerava: os militares, armados até aos dentes, apontavam os fuzis uns contra os outros.

 

Na manhã de 25 de Novembro ocorreu a confrontação armada, com três mortos (dois comandos, um polícia militar) na Calçada da Ajuda. Mas poderia ter sido muito pior. Podia ter ocorrido um banho de sangue, culminando oito meses de intenso "processo revolucionário", como se denominava o assalto da esquerda mais radical - incluindo comunistas de obediência soviética e maoístas - a empresas, fábricas, terrenos agrícolas, rádios e jornais. Com petardos no Terreiro do Paço enquanto discursava o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, um cerco de 36 horas à Assembleia Constituinte por cerca de cem mil manifestantes agitando bandeiras vermelhas, propaganda extremista debitada nas estações de rádio estatizadas e editoriais incendiários em quase toda a imprensa (com destaque para o Diário de Notícias).

Tudo culminou na rebelião de pára-quedistas, que na noite de 24 para 25 de Novembro ocuparam bases aéreas (Monsanto, Tancos, Ota, Monte Real), as principais vias de acesso à capital e os estúdios da RTP no Lumiar. Registando-se o envolvimento de outras unidades, como a Polícia Militar, o Regimento de Artilharia Ligeira de Lisboa e a Escola Prática de Administração Militar.

Se os sublevados não tivessem sido dominados ao fim daquele dia tão intenso que parecia interminável, já com o estado de sítio proclamado na região de Lisboa, a confrontação bélica seria inevitável. Vitimando não apenas militares, mas também civis.

 

É isso que hoje se assinala, é isso que hoje se comemora. A vitória da democracia, completando o ciclo iniciado a 25 de Abril de 1974, que permitiu devolver a liberdade aos portugueses. As duas datas são inseparáveis: ambas merecem celebração. Até porque muitos dos militares de Novembro foram também militares de Abril - incluindo António Ramalho Eanes e Fernando Salgueiro Maia.

Que o PS, protagonista desses tempos de alto risco em que se lançaram os alicerces do Estado de Direito em Portugal, se demarque hoje do 25 de Novembro em parceria com o PCP, seu principal adversário à época, é uma traição à memória dos seus fundadores, como Mário Soares, Maria Barroso e Francisco Salgado Zenha. E a vários dos seus antigos dirigentes que permanecem entre nós, como Manuel Alegre e Jaime Gama - também corajosos resistentes à insurreição da esquerda militar. 

Sinal inequívoco da desorientação estratégica deste Partido Socialista pós-geringonça. Renegando a sua própria história. Será o grande ausente das celebrações de hoje, em Lisboa e no Porto. Organizadas, naturalmente, sem pedir vénia aos herdeiros ideológicos dos derrotados de 1975. 

25 de Novembro, sempre!

Parabéns, general

António Ramalho Eanes festeja hoje 88 anos

Pedro Correia, 25.01.23

ramalhoeanes8034a936_664x373.jpg

 

Um oficial de semblante espartano irrompeu do anonimato numa noite tensa, ao surgir de camuflado como comandante operacional da contra-insurreição de 25 de Novembro de 1975 que pôs fim ao aventureirismo de uma certa esquerda festiva, armada até aos dentes. Com a região militar de Lisboa em estado de sítio, a circulação de jornais suspensa e os blindados do Regimento de Comandos da Amadora defrontando a Polícia Militar no quartel da Ajuda numa ríspida troca de tiros que provocou três mortos. O PREC chegava ao fim, a disciplina regressava aos quartéis, Portugal não seria a Albânia da Europa Ocidental – o destino que alguns tontos sonhavam para nós.

«Missão cumprida, meu general», disse o tal militar de poucas falas, dirigindo-se ao Presidente da República, Francisco Costa Gomes. Sete meses depois, já também oficial-general, ascendia ele próprio à chefia do Estado. Mas, ao contrário do antecessor, António Ramalho Eanes iniciava o seu mandato validado nas urnas. Pela primeira vez Portugal tinha um Presidente da República eleito por sufrágio livre, directo e universal.

 

Os portugueses gostaram dele: a 27 de Junho de 1976 recebeu quase três milhões de votos, correspondentes a 61,5% dos boletins. Era o mais jovem inquilino de sempre do Palácio de Belém: tinha apenas 41 anos quando ali entrou com a esposa, Manuela, e um filho ainda pequenino, Manuel. Outro viria a nascer já com o pai a conduzir o Estado naqueles anos em que o actual regime ainda gatinhava.

Alguns dos que mais o combateram acabariam por render-se à competência e à seriedade de Ramalho Eanes – figura de referência pela rectidão de carácter. Também por isso foi um dos raros políticos nacionais que sempre mereceram o meu respeito.

Mas o que me interessa valorizar sobretudo neste dia concreto, em que António dos Santos Ramalho Eanes festeja o seu 88.º aniversário, é o enorme contributo que o general deu para a consolidação da democracia em Portugal. Não foi tarefa fácil. Não foi - muito menos - uma tarefa menor. A verdade é que no momento certo ele estava lá. Mantendo-se à altura dos desafios da história. Devemos-lhe essa palavra de reconhecimento.

 

Gosto de qualificar o desempenho dos políticos formulando esta pergunta: ao cessarem funções deixaram o País melhor ou pior do que o encontraram?

Com Eanes nunca tive a menor dúvida quanto à resposta. O Portugal de 1986 era incomparavelmente melhor do que o Portugal de 1976.

 

Aprecio nele algumas qualidades que hoje parecem muito fora de moda: sobriedade, contenção verbal, sentido de honra, noção do compromisso, fidelidade à palavra dada, patriotismo jamais confundível com patrioteirismo. E coragem - física e anímica.

Gostava muito que o ex-Presidente escrevesse um livro de memórias ou sugerisse a alguém para o fazer por ele. Deve isso a Portugal e aos portugueses. Para já, daqui o saúdo em respeitoso cumprimento, endereçando-lhe parabéns por esta data festiva.

Eanes exemplar

Pedro Correia, 02.04.20

ramalho-eanes031214.jpg

 

Como o Sérgio já assinalou, Ramalho Eanes concedeu ontem uma notável entrevista à RTP. Entrevista presencial, desde logo: o general deslocou-se pessoalmente ao estúdio da televisão pública apesar de pertencer a um grupo de risco nesta fase mais assanhada do coronavírus: tem 85 anos, embora pareça mais jovem - tanto pelo físico como pelo intelecto. «Nos tempos incertos vai-se ao local», declarou sem mais rodeios.

Com esta decisão - assumida sem a menor hesitação, como a jornalista Fátima Campos Ferreira assinalou - o antigo Presidente da República deu desde logo uma lição aos heróis de sofá que pululam por aí, muitos deles com idade para serem seus filhos e até seus netos. "Heróis" da treta, que exercem a função comentadeira no conforto doméstico, devidamente calafetados, e aí dão livre curso às suas bravatas verbais.

Deu igualmente uma lição àquele jovem deputado que há dias compareceu de máscara no plenário da Assembleia da República - hoje seguramente um dos lugares mais "higienizados" do País - esquecendo que àquela mesma hora faltavam máscaras em todos os hospitais portugueses. Imagem lamentável: só admito ver um político de máscara em local de grave risco sanitário, nunca na sala de sessões do Parlamento.

O general, em palavras lúcidas e inspiradoras, apontou a estes apavoradinhos o rumo a seguir: «Nós, os velhos, quando chegarmos ao hospital, se for necessário, oferecemos o nosso ventilador a um homem que tenha mulher e filhos.»

 

Eanes foi exemplar por tudo quanto afirmou. 

Anotei outras das suas reflexões e transcrevo-as aqui. Para mais tarde recordar.

 

«A primeira coisa que esta batalha nos exige é que sejamos virtuosos - isto é, que sejamos humildes. Que percebamos que somos falíveis e muito frágeis. Uma fragilidade que só se compensa através de uma comunicação autêntica com os outros.»

«O medo é razoável, mas é nossa obrigação ultrapassá-lo. Nesta altura temos que pensar que estamos com os outros. Temos que pensar menos no eu e mais no nós. De maneira que todos quantos carecem de apoio tenham a nossa solidariedade.»

«Esta crise demonstra que nenhum país, por si, consegue resolver os problemas. A própria China, poderosa, no início da crise recebeu o apoio da França e até da Itália.»

«Isto levar-nos-á, necessariamente, a uma nova reflexão. Primeiro, a uma nova reflexão sobre os nossos sistemas políticos. E sobre o homem: porque é que o homem se tornou tão egoísta, tão individualista, que até se esqueceu que o mundo é de interligação permanente? Como é que vamos gerir a globalização? A globalização é interdependência, mas deixou de ser solidariedade.»

«O homem, com os avanços da ciência e da tecnologia, julgou ser capaz de tudo. E esta situação pandémica demonstrou que afinal continua o tal ser frágil, falível, que está em permanente ligação com os outros.»

«Isto vai levar-nos a repensar as próprias funções do Estado. O Estado não pode ser o Estado mínimo, como se diz: tem que ser o Estado necessário. Que não olha apenas para a situação presente e para as eleições: olha para o futuro da sua comunidade.»

«Esta crise é um momento de silêncio, de reflexão, de comunhão. Se não for assim, estamos a perder uma oportunidade única que nos é oferecida - com dramatismo, com dor, com desgosto.»

Um senhor

Sérgio de Almeida Correia, 02.04.20

Eanes.jpeg

(Créditos: João Relvas, LUSA)

Ouvi esta manhã, com a atenção que lhe é devida, e esquecendo aquela "achega" final da jornalista, a entrevista que o general Ramalho Eanes concedeu à RTP.

Num registo franco, directo e com a ponderação habitual, Eanes mostra que continua, aos 85 anos, a destilar humanismo e sentido cívico por todos os poros.

É bom escutar nesta altura o que o nosso antigo Presidente da República tem para nos dizer.

No tom adequado, com a calma e a reserva conhecidas, sem o espalhafato e a pesporrência de outros, com equilíbrio e o lastro da sua experiência, mostrou como é possível atravessar uma revolução, todas as suas peripécias, e percorrer mais de quatro décadas de democracia, recheadas de altos e baixos – que foram muitos, longos e nalguns casos também epidémicos –, mantendo a mesma honradez, a mesma dignidade e o sentido de Estado, independentemente das escolhas e opções que fez ao longo da vida.

E não é preciso concordar com tudo o que ele disse para reconhecer o serviço que uma vez mais prestou à nação.

Um senhor que continua a ser um exemplo de elevação, seriedade e dedicação à causa pública.

Missão cumprida, general

Pedro Correia, 27.06.16

18653284_rJAsR[1].jpg

 

Faz hoje 40 anos, um oficial de face esguia e de poucas falas, com marcado sotaque beirão, era eleito Presidente da República após uma campanha atribulada que envolveu ameaças, insultos, pancadaria e tiros. A dado momento o candidato subiu com agilidade para o tejadilho de um carro e desafiou os agressores armados, deixando claro que era um homem sem medo. Estavam ainda frescos os ecos da revolução e muitos não se conformavam com a “normalidade democrática”: exigir o impossível ao virar da esquina era palavra de ordem que continuava a ser bradada a todo o instante.

Este oficial de semblante espartano tinha irrompido do anonimato numa noite tensa, ao surgir de camuflado como comandante operacional da contra-insurreição de 25 de Novembro de 1975 que pôs fim ao aventureirismo de uma certa esquerda festiva, armada até aos dentes. Com a região militar de Lisboa em estado de sítio, a circulação de jornais suspensa e os blindados do Regimento de Comandos da Amadora defrontando a Polícia Militar no quartel da Ajuda numa ríspida troca de tiros que provocou três mortos. O PREC chegava ao fim, a disciplina regressava aos quartéis, Portugal não seria a Albânia da Europa Ocidental – o destino que alguns tontos sonhavam para nós.

“Missão cumprida, meu general”, disse o tal militar de poucas falas, dirigindo-se ao Presidente da República, Francisco Costa Gomes. Sete meses depois, já também oficial-general, ascendia ele próprio à chefia do Estado. Mas, ao contrário do antecessor, António Ramalho Eanes iniciava o seu mandato validado nas urnas. Pela primeira vez Portugal tinha um Presidente da República eleito por sufrágio livre, directo e universal.

Os portugueses gostaram dele: naquele dia 27 de Junho de 1976 recebeu quase três milhões de votos, correspondentes a 61,5% dos boletins, e logo se proclamou “Presidente de todos os portugueses”. Este nativo do signo Aquário era o mais jovem inquilino de sempre do Palácio de Belém: tinha apenas 41 anos quando ali entrou com a esposa, Manuela, e um filho ainda pequenino, Manuel. Outro viria a nascer já com o Pai a conduzir o Estado naqueles anos em que a nossa democracia ainda mal gatinhava.

Alguns dos que mais o combateram acabariam por render-se à competência e à seriedade de Ramalho Eanes, um dos pioneiros da nossa democracia – figura de referência pela rectidão de carácter e pelo patriotismo que sempre evidenciou. Foi um dos raros políticos nacionais que sempre mereceram o meu respeito. Até porque dele se pode dizer, sem favor, que ao cessar funções deixou o País melhor do que estava ao iniciá-las.

Oxalá de todos se pudesse dizer o mesmo.

O Prémio Internacional da Paz

Helena Sacadura Cabral, 27.07.15

Eanes.jpeg

A Fundação Gusi Peace Prize International vai distinguir António Ramalho Eanes com o Prémio Internacional da Paz 2015, que lhe será atribuído em Manila, capital das Filipinas, a 25 de Novembro. 
A distinção é concedida "em reconhecimento da sua carreira e do seu papel como estadista” e pela "contribuição única para a criação de uma paz duradoura, a nível nacional e internacional, nomeadamente no conjunto dos países de língua portuguesa, tanto enquanto Presidente da República como posteriormente, com uma acção cívica de relevo". 
O Prémio Internacional da Paz Gusi - assim designado em homenagem ao capitão Gusi, combatente da II Guerra Mundial, que foi líder político e defensor dos direitos humanos nas Filipinas - é considerado o Prémio Nobel da Ásia - e reconhece o trabalho de individualidades ou organizações que contribuam para a paz e a justiça global.


Os que me conhecem sabem a estima e admiração que nutro pelo casal Eanes que prima, sempre, pela mais absoluta discrição. É por isso com muita satisfação que vejo reconhecido internacionalmente o seu trabalho em prol de uma causa tão justa!

A segunda vez

Pedro Correia, 15.04.14

 

"Tenho muita consideração pelo Presidente Eanes, votei duas vezes nele." Palavras actuais de Mário Soares. Que em nada condizem com o que revelou na década de 90 a Maria João Avillez,  no segundo volume de uma extensa entrevista biográfica logo tornada obra de referência.

"Em quem votou?", perguntou-lhe a jornalista, referindo-se às presidenciais de 1980, quando Soares auto-suspendeu as funções de secretário-geral do PS precisamente por não acompanhar a opinião, maioritária no partido, de que o voto socialista deveria recair em Eanes. Resposta de Soares: "No general Galvão de Melo. Foi um voto de protesto, completamente inútil. Também poderia ter votado em Pires Veloso [outro general], com quem aliás simpatizo. Ou em branco. A questão dirimia-se entre dois [Eanes e o general Soares Carneiro], nos quais, em consciência, não podia votar." (Soares-Democracia, p. 125, Círculo de Leitores, 1996).

Como Eanes apenas se submeteu duas vezes a escrutínio, nas presidenciais de 1976 e de 1980, questiono-me qual terá sido a segunda vez em que Soares votou nele.

Votar ou não votar

Pedro Correia, 21.11.13

No mais recente dos seus sempre muito apreciados artigos do Diário de Notícias, Mário Soares faz um tardio, embora merecido, elogio a Ramalho Eanes, seu antecessor no Palácio de Belém. E revela mesmo ter votado em Eanes, não só para o primeiro mandato, em 1976, mas também para o segundo, quatro anos depois. "Tivemos divergências depois da reeleição do presidente em quem aliás votei", escreve o antigo Chefe do Estado.

Neste ponto, Soares parece desmentir Soares. É que no segundo volume da excelente entrevista biográfica que concedeu a Maria João Avillez, o ex-líder socialista revela ter votado então num general, mas não chamado Eanes.

"Em quem votou?", perguntou-lhe a jornalista. Resposta de Soares: "No general Galvão de Melo. Foi um voto de protesto, completamente inútil. Também poderia ter votado em Pires Veloso [outro general], com quem aliás simpatizo. Ou em branco. A questão dirimia-se entre dois [Eanes e o general Soares Carneiro], nos quais, em consciência, não podia votar." (Soares-Democracia, p. 125, Círculo de Leitores, 1996).

Fico na dúvida: em que Soares devo acreditar? No de 1996 ou no de 2013?

A anatomia de Otelo

Rui Rocha, 26.11.11

Mário Soares afirma que Otelo tem muito bom coração. Ramalho Eanes assevera que Otelo tem o coração perto da boca. Se tivermos em conta que a história testemunha que Otelo teve o dedo colado ao gatilho e que, com a outra mão, manteve o fósforo junto do rastilho, chegaremos à conclusão que, no meio de tudo isto, o que é preciso é ter estômago.