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Ramalho Eanes - O Último General, de Isabel Tavares
Biografia
(edição D.Quixote, 2017)
"Este livro segue a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico de 1990"
Faz hoje 40 anos, um oficial de face esguia e de poucas falas, com marcado sotaque beirão, era eleito Presidente da República após uma campanha atribulada que envolveu ameaças, insultos, pancadaria e tiros. A dado momento o candidato subiu com agilidade para o tejadilho de um carro e desafiou os agressores armados, deixando claro que era um homem sem medo. Estavam ainda frescos os ecos da revolução e muitos não se conformavam com a “normalidade democrática”: exigir o impossível ao virar da esquina era palavra de ordem que continuava a ser bradada a todo o instante.
Este oficial de semblante espartano tinha irrompido do anonimato numa noite tensa, ao surgir de camuflado como comandante operacional da contra-insurreição de 25 de Novembro de 1975 que pôs fim ao aventureirismo de uma certa esquerda festiva, armada até aos dentes. Com a região militar de Lisboa em estado de sítio, a circulação de jornais suspensa e os blindados do Regimento de Comandos da Amadora defrontando a Polícia Militar no quartel da Ajuda numa ríspida troca de tiros que provocou três mortos. O PREC chegava ao fim, a disciplina regressava aos quartéis, Portugal não seria a Albânia da Europa Ocidental – o destino que alguns tontos sonhavam para nós.
“Missão cumprida, meu general”, disse o tal militar de poucas falas, dirigindo-se ao Presidente da República, Francisco Costa Gomes. Sete meses depois, já também oficial-general, ascendia ele próprio à chefia do Estado. Mas, ao contrário do antecessor, António Ramalho Eanes iniciava o seu mandato validado nas urnas. Pela primeira vez Portugal tinha um Presidente da República eleito por sufrágio livre, directo e universal.
Os portugueses gostaram dele: naquele dia 27 de Junho de 1976 recebeu quase três milhões de votos, correspondentes a 61,5% dos boletins, e logo se proclamou “Presidente de todos os portugueses”. Este nativo do signo Aquário era o mais jovem inquilino de sempre do Palácio de Belém: tinha apenas 41 anos quando ali entrou com a esposa, Manuela, e um filho ainda pequenino, Manuel. Outro viria a nascer já com o Pai a conduzir o Estado naqueles anos em que a nossa democracia ainda mal gatinhava.
Alguns dos que mais o combateram acabariam por render-se à competência e à seriedade de Ramalho Eanes, um dos pioneiros da nossa democracia – figura de referência pela rectidão de carácter e pelo patriotismo que sempre evidenciou. Foi um dos raros políticos nacionais que sempre mereceram o meu respeito. Até porque dele se pode dizer, sem favor, que ao cessar funções deixou o País melhor do que estava ao iniciá-las.
Oxalá de todos se pudesse dizer o mesmo.
Ramalho Eanes sempre foi um político avançado para o seu tempo. Já na década de 70 do século XX dizia "igualdade de génere" para evitar certas merdas.
A Fundação Gusi Peace Prize International vai distinguir António Ramalho Eanes com o Prémio Internacional da Paz 2015, que lhe será atribuído em Manila, capital das Filipinas, a 25 de Novembro.
A distinção é concedida "em reconhecimento da sua carreira e do seu papel como estadista” e pela "contribuição única para a criação de uma paz duradoura, a nível nacional e internacional, nomeadamente no conjunto dos países de língua portuguesa, tanto enquanto Presidente da República como posteriormente, com uma acção cívica de relevo".
O Prémio Internacional da Paz Gusi - assim designado em homenagem ao capitão Gusi, combatente da II Guerra Mundial, que foi líder político e defensor dos direitos humanos nas Filipinas - é considerado o Prémio Nobel da Ásia - e reconhece o trabalho de individualidades ou organizações que contribuam para a paz e a justiça global.
Os que me conhecem sabem a estima e admiração que nutro pelo casal Eanes que prima, sempre, pela mais absoluta discrição. É por isso com muita satisfação que vejo reconhecido internacionalmente o seu trabalho em prol de uma causa tão justa!
"Tenho muita consideração pelo Presidente Eanes, votei duas vezes nele." Palavras actuais de Mário Soares. Que em nada condizem com o que revelou na década de 90 a Maria João Avillez, no segundo volume de uma extensa entrevista biográfica logo tornada obra de referência.
"Em quem votou?", perguntou-lhe a jornalista, referindo-se às presidenciais de 1980, quando Soares auto-suspendeu as funções de secretário-geral do PS precisamente por não acompanhar a opinião, maioritária no partido, de que o voto socialista deveria recair em Eanes. Resposta de Soares: "No general Galvão de Melo. Foi um voto de protesto, completamente inútil. Também poderia ter votado em Pires Veloso [outro general], com quem aliás simpatizo. Ou em branco. A questão dirimia-se entre dois [Eanes e o general Soares Carneiro], nos quais, em consciência, não podia votar." (Soares-Democracia, p. 125, Círculo de Leitores, 1996).
Como Eanes apenas se submeteu duas vezes a escrutínio, nas presidenciais de 1976 e de 1980, questiono-me qual terá sido a segunda vez em que Soares votou nele.
No mais recente dos seus sempre muito apreciados artigos do Diário de Notícias, Mário Soares faz um tardio, embora merecido, elogio a Ramalho Eanes, seu antecessor no Palácio de Belém. E revela mesmo ter votado em Eanes, não só para o primeiro mandato, em 1976, mas também para o segundo, quatro anos depois. "Tivemos divergências depois da reeleição do presidente em quem aliás votei", escreve o antigo Chefe do Estado.
Neste ponto, Soares parece desmentir Soares. É que no segundo volume da excelente entrevista biográfica que concedeu a Maria João Avillez, o ex-líder socialista revela ter votado então num general, mas não chamado Eanes.
"Em quem votou?", perguntou-lhe a jornalista. Resposta de Soares: "No general Galvão de Melo. Foi um voto de protesto, completamente inútil. Também poderia ter votado em Pires Veloso [outro general], com quem aliás simpatizo. Ou em branco. A questão dirimia-se entre dois [Eanes e o general Soares Carneiro], nos quais, em consciência, não podia votar." (Soares-Democracia, p. 125, Círculo de Leitores, 1996).
Fico na dúvida: em que Soares devo acreditar? No de 1996 ou no de 2013?