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Delito de Opinião

Os derrotados do 21-D.

Luís Menezes Leitão, 22.12.17

É muito fácil fazer calculismos eleitorais para não querer ver o resultado óbvio. Os constitucionalistas perderam em toda a linha as eleições na Catalunha. Tanto assim que até a Inés Arrimadas, depois de uns delírios de uma noite de Verão em pleno Inverno, já apareceu a reconhecer que nem vale a pena ela fazer contactos para formar governo. Mesmo para a Arrimadas isto já é assunto arrumado.

 

Mas o mais patético é o posicionamento de Rajoy. Avisa que se vai manter em funções até 2020 sem perceber que o seu governo está morto e enterrado já em 2017. Recusa encontrar-se com Puigdemont, preferindo falar com Inés Arrimadas, mas reconhece que vai ter que se encontrar com o novo presidente da Generalitat que será seguramente ele e não ela. E depois ameaça com novas edições do art. 155, incapaz de reconhecer o mal que isto já causou ao seu próprio partido. Entretanto Albert Rivera esfrega as mãos de contente, vendo todo o eleitorado do PP a fugir para o Ciudadanos. Por isso neste momento Rajoy já é uma carta fora do baralho na política espanhola. Só ele é que parece não o querer perceber. Um dia acontece-lhe o mesmo que a Gorbatchev. Vão visitá-lo para lhe dizer que o país que governava já não existe.

A judicialização da função governativa.

Luís Menezes Leitão, 03.10.17

Um dos graves erros cometidos por Rajoy foi tentar judicializar o problema que tinha em mãos na Catalunha, remetendo tudo para os tribunais. Mas um dos princípios básicos do Estado de Direito é o da separação de poderes. E essa separação implica não apenas que os governos não podem dar ordens aos tribunais, mas também que os tribunais não se devem imiscuir em funções governativas ou administrativas. Os tribunais podem anular os actos ilegais do governo e da administração pública, mas não podem eles próprios decidir exercer essas funções. Até porque não estão em condições de fazer a avaliação política que sempre se exige aos governantes.

 

Lembrei-me a este propósito do exemplo português do caso das touradas de Barrancos. Em Portugal os touros de morte são proibidos, mas Barrancos desde tempos imemoriais que matava o touro na sua festa de Agosto, sem que nenhuma autoridade interviesse. Apesar disso, houve movimentos defensores dos animais que instauraram acções judiciais a exigir que o governo impedisse as referidas touradas. E os juízes muito prontamente deferiam essas acções, exigindo que a guarda fizesse cumprir à força a lei do país, e notificando o governo para cumprir essa ordem judicial. Num Estado de Direito não existem iniciativas (nem touradas) fora da legalidade.

 

O assunto foi parar às mãos do Ministro da Administração Interna, Jorge Coelho, que percebeu perfeitamente o que estava em causa. Sendo a população de Barrancos de tal forma aficionada pela sua festa, a única maneira de impedir a tourada era fazer a polícia de choque carregar sobre a multidão. E como a multidão não tinha para onde fugir, uma vez que à praça principal da vila só se acede por ruelas estreitas, ou a multidão era brutalmente espancada, ou a própria polícia ficava cercada na vila. E o Ministro compreendeu que a última coisa que queria era aparecer nas televisões a gabar-se da sua vitória de ter conseguido impor a ordem judicial e salvar o touro, exibindo ao mesmo tempo uma multidão brutalmente espancada, eventualmente com feridos e mortos, ou uma polícia cercada. Por isso recusou-se a dar ordens à polícia para intervir. E, para evitar situações semelhantes, a própria lei foi mudada e hoje a população de Barrancos lá vai fazendo a sua tourada sem que ninguém a incomode. As leis não são imutáveis e têm que ser adaptadas às circunstâncias. Mandar fazer justiça, mesmo que em consequência o mundo acabe (fiat iustitia, et pereat mundus) nunca foi uma boa ideia.

El triunfo del periodismo

Pedro Correia, 15.07.13

 

As notícias da morte do jornalismo são provavelmente muito exageradas. Por estes dias assistimos ao triunfo do jornalismo clássico - aquele que permanece teimosamente como vigilante do poder - nas informações em cascata que são difundidas pelo El Mundo sobre o chamado caso Bárcenas. Um caso que está a abalar de alto a baixo o partido do Governo em Espanha, o PP, e já atingiu pessoalmente o primeiro-ministro, Mariano Rajoy.

A revelação de que o líder do executivo espanhol manteve até Março uma intensa troca de mensagens telefónicas com Luis Bárcenas, o antigo tesoureiro do partido que durante 20 anos acumulou uma imensa fortuna pessoal enquanto ia distribuindo sobresueldos (isto é, pagamentos paralelos) a diversos dirigentes partidários, com destaque para o próprio Rajoy, provocou um terramoto político que levou já ao corte das relações institucionais entre o PP e o PSOE, principal força da oposição.

O caso agrava-se por Bárcenas estar detido por fortes indícios de fraude fiscal e branqueamento de capitais, entre outros ilícitos. As suspeitas de financiamento ilegal do PP que pairam sobre este processo poderão apressar o fim da legislatura em Espanha ou pelo menos a carreira política de Rajoy, ex-vice-primeiro-ministro de José María Aznar e seu herdeiro como líder dos conservadores.

Que tudo isto aconteça graças à investigação do El Mundo, um diário cuja linha editorial é próxima do partido do Governo (e que já havia perturbado o poder socialista, com Felipe González, ao divulgar os escândalos Filesa e GAL, e com Zapatero, ao tornar públicas as actas das conversações secretas entre representantes da Moncloa e a cúpula da ETA), constitui uma vitória do jornalismo. O que teima em permanecer vivo, por mais certidões de óbito que lhe sejam decretadas. O que demonstra ser um legítimo seguidor do histórico Washington Post, que fez tremer e cair um presidente norte-americano, o político mais poderoso do planeta.

O que não se rende, o que não se verga, o que não se cala.

Rajoy tem a barba a arder

Rui Rocha, 19.06.12

 

Os tempos que correm exigem líderes políticos de barba rija. Depois de sofrer Zapatero, a Espanha precisava de um. Tudo indica que não teve sorte. Rajoy tem barba, é certo. Mas falta-lhe o resto. E sobra-lhe também tudo o que não devia ter numa situação destas: impreparação, falta de convicção, dependêcia de clientelas políticas, ausência de sentido de realidade e péssima comunicação. Há pouco mais de uma semana, forçado pela opinião pública espanhola a dar a cara, e antes de se dirigir à Polónia para assisitir a ao jogo da selecção, declarou que o resgate (lamento D. Mariano, mas é o que é) era muy bueno para Espanha. Olé, torero! Hoje, refere que o resgate ((lamento D. Mariano, mas é o que é) é tremendamente dañino por ser contabilizado para efeitos do défice das contas públicas. Por isso, D. Mariano está neste momento a tentar renegociar um resgate (lamento D. Mariano... pois) que, na sua versão, nunca aconteceu. Entretanto, os juros da dívida espanhola teimam em ultrapassar a barreira dos 7% que, aprendemos com o saudoso Teixeira dos Santos, marca o limiar da insustentabilidade. É bom que Rajoy ponha as barbas de molho. Até porque já todos percebemos que elas estão a arder.

Obter um resgate e perder a face

Rui Rocha, 11.06.12

A Espanha passou anos a negar a realidade. A última crise mediática ficou associada a uma certa caçada a elefantes africanos. Mas o verdadeiro problema do país está relacionado com os elefantes brancos. O estouro da bolha do imobiliário, anunciado há muitas luas e sempre escondido debaixo do tapete,  lançou tijolos em todas as direcções. O edifício da banca foi, naturalmente, dos mais atingidos. Mas, o buraco de cerca de 40.000 milhões de euros diagnosticado pelo FMI só se tornou impossível de tapar sem ajuda externa porque o país perdeu a sua credibilidade. Esse é o resultado da promiscuidade entre interesses políticos e económicos, da falta de transparência e da alucinação dos governantes que pintaram os tais elefantes em tons de rosa. Neste contexto, Rajoy deu ao mundo um exemplo perfeito de uma gestão ruinosa da comunicação. Depois de embater com a realidade, o poder político espanhol dedicou-se a negar o resgate. Por esta hora, já terão sido esgotados todos os eufemismos e designações alternativas. Plano de ajuda, linha de crédito, financiamentoprémio de gestão eficiente da crise, sagrado maná, na semântica de Rajoy tudo se pode chamar aos 100.000 milhões de euros disponibilizados à banca. Desde que não se utilize a palavra resgate. Depois, no momento em que o seu país desceu, objectivamente, à 2ª divisão europeia (a liga dos resgatados), o primeiro-ministro preparava-se para ir ver a bola (literalmente) sem dar a cara pelas explicações devidas aos espanhóis. Perante a pressão da opinião pública, acabou por fazer uma intervenção horas antes de assistir, na Polónia, ao jogo entre a Espanha e a Itália. Ora, tudo isto são péssimos indicadores, no que diz respeito à atitude e às prioridades, quando a questão fundamental é a da credibilidade. O resgate resolve temporariamente o problema da liquidez. Em contrapartida, nada adianta ao da solvabilidade. Para este é necessário reformar a economia, o Estado e a forma de fazer política. Para isso, diriam nuestros hermanoshay que tener pelotas. Daquelas que não andam por aí aos pontapés nos estádios do Euro. Se Rajoy não perceber isto, se persistir em esconder-se da realidade, atrás da semântica e do eufemismo, não há quem possa resgatar a sua face. E a cara de Rajoy é, goste-se ou não, a imagem de Espanha.

 

Seria possível em Portugal?

José Maria Gui Pimentel, 21.11.11

Quase 7 anos e 2 derrotas em eleições legislativas foi quanto aguentou Mariano Rajoy ao leme do PP. Em Portugal, o país onde a regra, e não a excepção, é os governos não terminarem a legislatura, e onde o PSD, desde as eleições de 2005, conheceu 5 (cinco!) líderes diferentes, seria tal situação possível? Receio bem que não. Não quero com isto defender a estabilidade de liderança como panaceia. Mas que ajuda muito...!

A derrota mais amarga do PSOE

Pedro Correia, 20.11.11

 

Sete anos de governação socialista mereceram hoje um duro, amargo e justo castigo do eleitorado espanhol. Nem o facto de Rodríguez Zapatero ter dado lugar a Pérez Rubalcaba (na foto) como cabeça de lista travou a queda do Partido Socialista Operário Espanhol, com menos quatro milhões e meio de votos do que os obtidos nas legislativas de 2008. Com apenas 28,6% dos sufrágios, o partido que governou Espanha durante 21 anos (entre 1982 e 1996, e de 2004 até agora) perde 59 lugares na Câmara dos Deputados e quase metade dos assentos no Senado. Pior que isso: perde pela primeira vez em todas as comunidades autónomas, restando-lhe como consolação o triunfo em duas das 52 circunscrições eleitorais -- Barcelona e Sevilha.

O claro vencedor da noite é o Partido Popular, liderado por Mariano Rajoy. Que consegue o mais dilatado e expressivo triunfo da direita espanhola desde que foi restaurada a democracia: com  44,5% dos votos e 186 deputados (mais 32 do que os eleitos em 2004), o PP conquista a maioria necessária para governar sem necessidade de acordos parlamentares -- algo que Zapatero nunca conseguiu e o ex-líder conservador José María Aznar alcançou apenas na legislatura 2000-2004, embora com menos deputados. Os populares são hoje a única força política com grande expressão eleitoral na generalidade do território espanhol, tendo alcançado pela primeira vez a vitória na Andaluzia (comunidade que irá a votos em Março de 2012).

 

Outras breves notas desta noite eleitoral:

- Na Catalunha, os nacionalistas moderados da CiU obtêm o primeiro triunfo de sempre numas legislativas, ultrapassando largamente um PSOE em queda livre que ali perde 11 deputados.

- Em Madrid, o PP reforça um dos seus bastiões, situando-se 22 pontos percentuais acima dos socialistas.

- Os comunistas e seus compagnons de route, agrupados em torno da sigla Esquerda Unida, recuperam o grupo parlamentar nas Cortes, passando de dois para 11 deputados -- o seu melhor resultado desde 1996.

- A União Progresso e Democracia, força política do centro, também progride eleitoralmente, subindo de um para cinco deputados com mais de um milhão de votos.

- As forças pró-etarras, que se apresentaram nas urnas com a designação Amaiur, venceram no País Basco, conseguindo sete deputados que prometem batalhar pela independência no Parlamento de Madrid.

 

Rajoy pode agora formar um Governo forte e com um mandato muito claro: tirar Espanha da grave crise económica e social em que o país mergulhou. Como assinala Ignacio Camacho no ABC, "desde o esmagador triunfo gonzalista de 1982 não existe memória de uma convicção tão rotunda de mudança". É disso mesmo que Espanha necessita com urgência: de mudança.

 

Adenda: Javier Pradera, um dos mais prestigiados jornalistas espanhóis, morreu subitamente, há poucas horas. Vale a pena ler o seu último artigo: Al borde del abismo, publicado na edição de hoje do El País.

O irreversível eclipse de Zapatero

Pedro Correia, 08.11.11

 

Um Mariano Rajoy a meio gás, sem necessidade de carregar demasiado no acelerador, derrotou esta noite Alfredo Pérez Rubalcaba, o cabeça de lista do PSOE às próximas legislativas espanholas, no único debate televisivo da campanha. O candidato socialista, que se encontra muito atrás do líder conservador em todas as sondagens, tinha uma missão praticamente impossível: precisava de virar a maré a seu favor neste frente-a-frente acompanhado por milhões de eleitores espanhóis. Não o conseguiu, longe disso. E chegou até a falar como se Rajoy fosse inevitavelmente o "presidente" -- ou seja, primeiro-ministro -- a partir do dia 20.

Esta confissão antecipada de derrota, que pressagia um novo recuo socialista no mapa da governação no Velho Continente, acaba por não surpreender ninguém: Rubalcaba, vice-chefe do Governo espanhol, é hoje o rosto mais visível de um projecto fracassado. Há sete anos, quando Rodríguez Zapatero subiu ao poder, Espanha era a oitava economia mundial e crescia a um ritmo três vezes superior ao da média dos países da zona euro. Hoje destaca-se pela negativa, como recordista do desemprego na Europa: cinco milhões de pessoas estão sem trabalho, o que corresponde a 22,5% da população activa, e 48% dos jovens encontram-se fora do mercado laboral (cinco vezes mais do que sucede na Alemanha). Desde que Zapatero assumiu funções, em 2004, o país caiu cinco pontos na lista dos países desenvolvidos e já esteve sob ameaça de intervenção financeira externa.

Não por acaso, Rubalcaba nem sequer mencionou o nome de Zapatero durante este debate: é como se o PSOE, com ele nominalmente ainda ao leme, se apressasse já a apagar envergonhadamente o seu legado. Quem diria que ainda há poucos anos o chefe do Governo cessante era o maior herói político da incauta esquerda europeia?