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Delito de Opinião

Na Morte de Eduardo Gageiro

jpt, 07.06.25

Na morte de Eduardo Gageiro convido quem me leia a visitar o mural de Facebook do Miguel Valle de Figueiredo. Pois agora ele recolocou um magnífico retrato (verdadeira homenagem) que de Gageiro fez, em plenas comemorações do 25 de Abril, em 2024.

Gageiro foi muito (muitíssimo) mais do que o “fotógrafo de Abril” - e, entre tanto trabalho, fez um espantoso manancial de fotografias que não sendo “etnográficas” deliciam qualquer antropólogo. Mas noto que dele só tenho este livro-catálogo de uma sua exposição comemorativa, “25 Textos de Autores Portugueses Sobre Fotos de Abril” (Festa do Avante, 1999) - herdei-o do meu pai, que enquanto pôde não falhou uma Festa.

(Nem gosto muito do livro. Pois se aprecio um ensaio sobre uma fotografia, já torço o nariz a esta tendência, recorrente, de fazer ombrear imagem com um texto alusivo. Ou seja, as boas fotografias desnecessitam de serem atravancadas com palavreado, aceitam - no máximo - uma legenda significativa. Mas entendo o propósito, então o da celebração dos 25 anos da revolução, congregando algumas das mais conhecidas fotografias da época e dizeres e sentimentos de autores “camaradas e amigos” do fotógrafo.)   

E uso a morte de Gageiro e as suas fotografias para falar do (meu) quotidiano. Há poucos dias, em roda alargada de esplanada, uma amiga recente, mais-nova, de súbito perguntou-me em quem voto eu. Resmunguei mudo “raisparta, ando eu a blogar sobre o assunto e nem os amigos me lêem…”. E respondi-lhe. Aduzindo um assim legítimo porque recíproco “e tu, votas em quem?”. Para ser surpreendido - pelo parco saber que do seu contexto tenho e, ainda mais, por ser ela uma mais-nova - pelo seu “voto PCP”. Devo ter esbugalhado os olhos pois ela quis justificar a opção. Cortei-a cerce, “hei, o meu pai era o Camarada Pimentel, foi-o até à morte…”. Ou seja, avancei, “votas PC? Ok, discordamos. Eu salto na cadeira é com os do BE - e não por razões ideológicas, morais ou racionais, é mesmo fisiológico…”.

Nisso o seu namorado, também meu mais-novo, simpático que eu mal conheço, avançou “eu votei no CHEGA”. E eu aí devo ter arqueado a sobrancelha, até pela surpresa da disparidade entre eles. E como tal também ele se quis justificar num “votei como protesto contra isto, contra estes tipos”. Tudo bem, cada um como cada qual, inflecti, para que não nos puséssemos ali a discutir política. Pediram-se mais umas cervejas e fomos para outros temas.

Mas fiquei com o episódio, a matutar. Por um lado, porque demonstra a superficialidade destas “identidades políticas” que as minorias sobre-politizadas continuam a brandir. Pois duas pessoas seguem imunes ao histrionismo dos comentadeiros, às arengas militantes, e nisso vão-se amando - ou, pelo menos, gostando - tendo planos conjuntos, de curto, médio ou longo prazo, isso é lá com eles, divertem-se, carnal e socialmente, partilham-se. E, entretanto, cada um vota no oposto do outro. Sem qualquer problema. Magnífico.

Por outro lado, foi-me o episódio comprovativo. O voto no CHEGA é muito isto, não ideológico ou “preconceituoso” ou “intolerante”. É o protesto contra “o estado a que isto chegou”, para glosar o capitão de Abril.

Mas o problema - e foi isso o que eu me eximi de resmungar com o mais-novo, e escrevo-o agora, talvez ele me venha a ler o postal - é que esse voto de protesto alimenta um partido cujos dirigentes e muitos militantes abominam estas fotografias. E tudo o que significam.

São os que se dizem “deputados da Nação”, chorosos do Estado Novo. Irados contra o apear da imagem de Salazar (magnífico momento de Gageiro, se encenado ou não pouco importa), pois ao ditador apondo virtudes. Revanchistas contra as liberdades individuais - de facto crentes na necessidade de amordaçar, alguns que sejam, até algemar se possível. Saudosistas do colonialismo, vendo traição na justeza histórica. E que votando nesta gente, por protesto contra estes trastes que entretanto vão mandando, mais eco lhes é dado. Mais capacidade de influenciarem outros, de lhes inculcarem as suas abjectas ideias.

Que assim se vão disseminando. É agora notório que no país democrático do grande Rui Manuel Trindade Jordão, de Shéu Han, de Gil, de Oceano, de Éder, de tantos outros, vitoriosos ou não, célebres talentosos, esquecidos medianos, desconhecidos medíocres, surgem agora - como nunca antes - nas catacumbas da internet bramidos contra “negros” nas selecções desportivas nacionais. Pois, para essa escumalha, antes menor e menos ruidosa, o “preto” não é digno de nos representar. Há que os esconder, pelo menos, a esses tais. Ou até escorraçar. E o voto “de protesto” anima, alimenta, esta cáfila asquerosa.

E - mesmo sendo hoje - não nos chega a arte do Nuno Mendes para opor a tal gente. Ou a garra dos putos Sub-17. Pelo contrário, ira-os ver “pretos” com sucesso.

Será para isso adequado voltar às fotografias de Gageiro. Que nos mostrou como “povo” daquelas maneiras. E também como “povo” querendo paz (contra os malvados do “Império”) e liberdade (contra os melifluos da “Nação”). E nisso virar costas a esta gentinha. Que é verdadeiro “Lixo Branco”, como dizem lá nos EUA.

A cada um o seu Apagão

jpt, 02.05.25

Passara o fim-de-semana além-Trancão, em pinturas - “não sejas um Zé-Ninguém, pinta com Robbialac”, anunciava, há décadas, o Manniche original - a retocar refúgio, que a vida não é só Olivais. E assim nesta segunda-feira desde a alvorada fora apupado por músculos esquecidos ou até mesmo desconhecidos e reencontrara velhas articulações, estas pejadas de azedume para comigo…

Acabrunhado com esse desamor endógeno, protelei as obrigações de burocracia digital que tinha em mente - “não faças já o que podes fazer daqui a bocado”, item sempre a encimar o decálogo -, e manhã afora deixei-me a remexer nos textos do meu “Sentido Obrigatório”, livro que quero fazer suceder ao “Torna-Viagem”. O que farei logo que este alcance o até mítico estatuto comercial de half-demon, 333 exemplares vendidos - e para tal só me falta impingir mais vinte e poucos livros a incautos interessados.

Aproximando-se o meio-dia, mal notei uma ligeira flutuação eléctrica no ecrã do computador, à qual até quis desatentar. Mas ficou-me a moinha, inquisidora. E, interruptor à mão, constatei o corte de energia. Logo acorri a esse recanto mágico, dito “quadro eléctrico” - durante décadas monopólio do meu pai, o Camarada mas também Engenheiro Pimentel (electrotécnico, de barragens, já agora, pois é matéria que o dia veio a realçar). Estava este opaco, mais ainda do que a minha ignorância sempre o entende. Desesperei, percebendo ser o corte devido a ter-me eu esquecido de pagar a conta - essa que já me chega faseada, em “suaves prestações”, tamanho o saque mensal de que sou alvo. E assim, neste final de mês em penúria, mesmo, “terei de pagar a conta toda!!!”, pois por falta do meu cumprimento será suspenso o plano acordado.

 

 

«Às escuras» em pleno dia de sol

Crónica lusa do «grande apagão» ibérico de 28 de Abril

Pedro Correia, 30.04.25

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Vivemos na era das hipérboles: não custa perceber a popularidade de Donald Trump, o hiperbólico por excelência que estimula a proliferação de tantos epígonos. Até em Portugal já temos um Donaldinho. 

Sendo este o panorama, não admira que uma súbita falha de energia se converta de imediato em apagão. Faz sentido. Mas há logo quem cavalgue o aumentativo e parta à desfilada rumo ao reino da hipérbole. Daí a nada converte-se em apagão geral e não demora até que lhe chamem grande apagão

Dia inusitado, esse de anteontem. Em que uma quebra de fornecimento de energia eléctrica ocorrido em Espanha produziu consequências imediatas também em Portugal: o país só não ficou às escuras por ter ocorrido em pleno dia, por acaso um dos raros com sol neste 2025 tão chuvoso e nublado.

 

Eram 11.33 quando a coisa aconteceu. «Teve o efeito de um sismo», viria a declarar um idiota. Sem fazer ideia dos estragos que um abalo sísmico de forte intensidade pode produzir em Lisboa, onde ainda são visíveis cicatrizes do cataclismo de 1755.

Este será dos que desatam a aproveitar ocasiões como a de 28 de Abril para espalhar boatos, propagando as teses mais alarmistas: o pânico vende, como evidencia um populista canal de televisão, não por acaso o que serviu de berço ao Donaldinho tuga.

Apanhado de surpresa, como qualquer de nós, procurei a minha lanterna de pilhas, na gaveta do costume, e verifiquei que funcionava. Estava garantida iluminação mínima quando a noite caísse. Água, sem problema: tenho sempre quatro garrafões de cinco litros prontos para uma situação de emergência.

Saí à rua. Os semáforos apagados produziam sensação de caos rodoviário. Mas pude testemunhar o civismo da esmagadora maioria das pessoas, mesmo nos cruzamentos mais congestionados. À falta do velho polícia-sinaleiro, logo cidadãos responsáveis se ofereciam para orientar o trânsito.

Foi complicado, mas funcionou. Sem registo de acidentes.

 

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Admito que tenha havido crises de ansiedade. Sobretudo em pessoas que ficaram presas em elevadores ou nas carruagens do metro. E não faltou quem se interrogasse sobre o destino dos bens alimentares guardados no frigorífico. Preocupações menores, no quadro geral. Nenhum registo de colapso em hospitais, escolas, serviços de emergência. Congestionamento, houve os do trânsito - agravados pela greve da CP ocorrida nesse dia. E no aeroporto de Lisboa, devido à suspensão dos voos. 

Seis horas depois do apagão geral, nem o canal oficioso do alarmismo-mor conseguia legendas mais sugestivas do que estas: «Lojas e restaurantes encerraram»; «Centro comercial às escuras»; «Cafés sem multibanco»; «Autocarros lotados em Lisboa»«Faro: um voo cancelado»

Tal como nos dias iniciais da pandemia, houve quem corresse a mercearias e supermercados em busca de garrafas de água, latas de atum e rolos de papel higiénico. Tudo coisas que qualquer de nós deve ter sempre em casa, haja o que houver. Não é exclusivo português: em Espanha aconteceu o mesmo. Ou pior.

 

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Ansiedade extrema, só daqueles que se imaginam incapazes de viver num mundo analógico, escravizados pela tecnologia ao ponto de se tornarem analfabetos funcionais sem ferramenta digital. Personagens vivas dessa perturbante e premonitória novela chamada O Silêncio, de Don DeLillo.

Sensação acentuada quando os operadores desligaram o 5G para garantir serviços mínimos. Os difusores de boatos via WhatsApp tiveram de suspender a faina.

Afinal não precisei da minha lanterna a pilhas. Também as velhinhas velas de estearina que muitos compraram durante o dia ficaram por estrear. A partir das 18.30 a energia eléctrica foi regressando, os dados móveis reacenderam-se: às 20.30 caía a noite sem grande parte do País ficar às escuras.

O aumentativo daria lugar ao diminutivo. «Apagão com impacto pequeno na economia», assegurava ontem o Jornal de Negócios. Admitindo que possamos ter perdido apenas cerca de 0,1% do PIB trimestral.

Sinal inequívoco de normalidade: volta a falar-se imenso em futebol.

Tanto quanto se sabe, o grande apagão ter-se-á devido a uma sobrecarga do armazenamento de energias renováveis no país vizinho. Mas há inquéritos em curso, tanto em Espanha como em Portugal: só mesmo quem sabe poderá esclarecer. Não certamente os tudólogos que desataram a abrir a matraca em sessões contínuas sem fazerem a menor ideia do assunto.

 

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Manhã cedo, o Público saía ontem para as bancas em versão minguada, resumindo assim, em capa digna de filme expressionista alemão, o que acontecera na véspera: «O dia de um país desorientado e às escuras paralisado em muitos sectores, sem saber quando haveria finalmente luz e porque é que ela se foi.» Nem a menor alusão ao facto de ter havido um apagão ibérico que abrangeu até o sul de França. Estranho num jornal como este, habitualmente atento ao que se passa além-fronteiras.

«Como cidadã, ontem passei um dia difícil», desabafou já de noite uma comentadora residente na TV. Comovedora confissão.

 

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Mas o mais pungente quadro de «drama, tragédia e horror», ao estilo do saudoso Artur Albarran, surgiu em crónica dada à luz (sem ironia) no sisudo Observador.

«Pânico e histeria, ansiedade e caos» num país «sem ninguém ao volante». Foi neste tom calamitoso que um senhor cujo nome eu até agora desconhecia descreveu o dia 28 de Abril em Portugal. 

Apanhado no meio do trânsito sem poder escapar ao engarrafamento? Afectado pela suspensão do acesso à página digital da Autoridade Tributária? Vítima do cancelamento daquele solitário voo de Faro? Nada disso. O cavalheiro até reside «na tranquilidade dos montes, com electricidade própria, internet por satélite Starlink e TV por internet». As dores do mundo não o afligem.

Acontece que começou a receber maçadoras mensagens dando-lhe nota do grande apagão geral que o impediram de continuar a assistir, com plácida bonomia, ao Campeonato do Mundo de Snooker. Vai daí, encheu-se de brios solidários e descarregou a bílis apocalíptica em 12.995 caracteres. Até os montes tremeram.

Solidarizo-me com ele. Deve ser chato.

25 de Abril de 2025

jpt, 26.04.25

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No telejornal ouço breves declarações do secretário-geral do PCP, ripostando certeiramente às esparvoadas declarações de um ministro (esta gente não tem quem lhes escreva textos?) sobre o 25 de Abril. Dizia Raimundo "isto não é uma festa, é uma celebração!" ("e as celebrações não se adiam", concluia. Pois podem-se suspender, claro. Mas não adiar).
 
Eu gosto de festas (se recatadas, que me falta energia para festivais e festarolas). De manhã um simpático vizinho convidou-me para me juntar aos dele (que me são algo simpáticos) no desfile. Recusei, grato, explicando-lhe (até lhe enviando um texto que li há dois anos num 25 de Abril) que nunca vou a este desfile. Pois não celebro (a democracia, ainda por cima) com comunistas - versões brejnevistas, enverhoxistas, polpotistas, maoístas, guevaristas, etc.
 
Nada oponho a festejar conjunto uma qualquer efeméride ou vitória sportinguista. Mas "celebrar" a democracia com os seus adversários? É bom para o folclore, para a mimalhice. E será também para a afirmação partidária (louvável o estômago dos da IL em marchar ali depois do PCP - donos do desfile - os ter impedido de participar). Mas não sou de "folclores".
 
Depois um grande amigo, fotógrafo, telefonou-me: "vou fotografar, queres vir?", e isso seria diferente, vestiria o colete de observador não-participante, "se calhar escrevemos um texto juntos" (para blog, que ninguém nos paga...). Mas desisti, sem energias pois acabrunhadíssimo com episódio que sofri há dois dias.
 
Percebendo-me desasado uma querida amiga passou por minha casa e levou-me ao café local. Ela avançou na sua amêndoa amarga, eu amornando uma parca imperial, logo unidos por outra amiga, minha "mana", esta optando pela sua Sagres. Escorremos umas horas. Na televisão, frenética, incessante, a cobertura da arruaça na baixa lisboeta, cometida por umas dezenas de histéricos. Nesse entretanto viu-se (centenas de vezes, sem exagero) a detenção de um antigo juiz. Mais uns sopapos e meia dúzia de bastonadas. Repetidas, vezes sem conta.
 
Ali ao lado, a avenida da Liberdade estava cheia - sim, da gente folclórica que mitografa que os democratas são os socialistas e os comunistas e que nós outros somos "faxistas", ainda hoje, em pleno 2025 o dizem (mas eles ou os seus filhos emigram ou vão estudar para os países governados pelos "faxistas", coisas do arco da velha).
 
Mas não é isso que me interessa aqui. O relevante é terem as televisões passado horas a propagandear aquela minudência holiganesca. (Com menos porrada do que em qualquer derbi Braga-Guimarães, já agora). No 25 de Abril os mariolas colonizaram a televisão... E os "jornalistas"? Adoraram.

Em Évora

jpt, 17.04.25

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No passado sábado fui apresentar o meu "Torna-Viagem" - a tal centena de crónicas, dois terços das quais dedicadas a Moçambique - na belíssima Biblioteca de Évora, dirigida pela nossa co-bloguista Zélia Parreira. Fui nisso acompanhado pelo escritor moçambicano José Paulo Pinto Lobo - que teve a paciência de elogiar o livro - e por uma trintena de amigos, numa verdadeira excursão que muito bem nos soube. Pois foi um dia memorável.

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Estando eu agora na posse do tão útil passe ferroviário - esse que alguns propagandistas avençados julgam ser "rodoviário" -, viajei de comboio, na companhia de uma parcela da escolta que me rodeava. Entre eles o também nosso co-bloguista Zé Navarro de Andrade. E assim, ali sobre carris, fui ofertado com o seu  recentíssimo (apresentado na véspera) "Toque de Jazz", um "Dicionário Subjectivo" que garanto ser precioso , em particular para os que não somos os "amadores" de jazz, esse clã tão peculiar...

Oriundos de várias proveniências congregámo-nos na célebre Praça do Giraldo.  E seguimos a um magnífico almoço, em boa hora reservado na "Associação Cultural É Neste País", naquelas cercanias. Foi o manjar aplaudido, em pé! E ficou o local como nossa referência eborense.

(Bem) Saciados seguimos à sessão, animada pelo belo texto do Pinto Lobo, pelo que eu balbuciei e ainda por um debate final, mais entusiástico do que eu esperaria. E depois o prato-forte: a directora da Biblioteca conduziu-nos numa visita pelas instalações, discorrendo sabiamente sobre as actividades que a sua equipa conduz. E terminou com uma demonstração de alguns dos livros antigos que abrilhantam a espantosa biblioteca. Algumas imagens apostas nos livros ficaram-nos impressionantes. Umas mais ligadas ao historial de Moçambique. Mas aqui partilho esta deliciosa Virgem Amamentando, claro que prévia ao concílio de Trento, no qual foram proibidas estas representações.

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Todos viemos encantados. E imensamente gratos à Zélia Parreira. Pois foi um grande dia. Melhor dizendo, um g'anda dia!

Adenda: deixei mais detalhes do dia - gastronómicos e não só -, e mais imagens, para além do texto do Pinto Lobo, neste postal mais extenso na minha recente página. Fica a ligação para quem tenha curiosidade.

Na baixa de Lisboa

jpt, 08.04.25

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É raro calcorrear a Baixa, um pouco por falta de razões, muito por falta de paciência. Aconteceu ontem, saíra de casa de mochila - a entregar uma meia dúzia de livros que me haviam encomendado. Um dos poisos de entrega era junto ao Palácio Foz, lá aportei ao encontro de portador de exemplares do "Torna-Viagem" para amigos em Maputo. Esperei um pouco, coisa curial, eu adiantara-me... Assim a avivar as causas da minha impaciência ali: as obras serão justificadas, necessárias, mas aquela área está um estaleiro - e logo o Palácio Foz o demonstrava. E o raio das tralhas circundantes, que são verdadeira perda: das tapas "de Sevilha" aos kebabs "sei-lá-de-onde", do já velho bimbo "Hard Rock Café" aos incessantes trambolhos de "recuerdos", passando pela nova macro-Zara. Pergunto-me que andarão estes magotes de turistas a fazer aqui que não possam fazer noutro sítio qualquer...
 
Estar contra o turismo? Ser conservador, com laivos de xenófobo? Como?, se a "indústria" (como lhe chamam os aldrabões) dá emprego aos compatriotas, receitas, impostos... Nem contesto.
 
Nas faldas do elevador da Glória está esta barraca, vistosa, a vender lixo "turístico" made in alhures e anunciando-se como "ponto de encontro" oficial de "citysightseeing Portugal", evidente "empreendedorismo" indostânico. Oferece aos bem-vindos visitantes passeatas pelos locais emblemáticos da cidade - entre os quais o Mosteiro dos Jeróminos...
 
Nada digo. Faço a entrega, galgo para o metro, avanço até outro ponto de entrega do tal "Torna-Viagem", no qual narro como retornei a esta tralha. Mais tarde ainda chego às colinas dos Olivais Norte, já a radiculite apertando. E avanço até às escarpas dos Olivais Sul.
 
O longe que me é possível das "sete colinas" lá deles. E dos "Jeróminos".

Vou ver o Tim

jpt, 04.04.25

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(Texto para o meu novo  "O Pimentel". Onde colocarei os textos mais "pessoais", desadequados aqui. Fica a informação para quem o quiser/puder subscrever, em modalidade paga ou gratuita)

 

Hoje vou ao São Jorge ver o espectáculo do Tim. Eu gosto dos (seus) Xutos. Continuo a pensar que o português mais relevante - e não só na música - da minha geração é o Pedro Ayres de Magalhães, por razões que agora não desenvolvo mas sumarizo: na grandeza de si próprio, Homem que é, descomplexou este traste país. Sim, então o mais-velho Soares fez-nos, para o bem e para o mal, “mediterrânicos”, desse mar do meio afinal charco do qual ainda não saímos. E sim, nessa época Lopes e Mota convenceram-nos que poderíamos ser campeões. E, mais ainda, sim, Saramago (e Lobo Antunes) explicaram que até éramos inteligentes. Mas o Magalhães fez mais, foi português! E convocou-nos a nisso segui-lo, refez-nos. E estou feliz pois, há poucos anos, tive a honra de o (re)conhecer - cruzara-o superficialmente “nos tempos” - e o privilégio de lhe dizer isto mesmo. Julgo que o Ayres - o marechal Ayres, se se quiser aceitar o que sinto - não terá desatinado com o meu emotivo arrazoado, até balbuciado.

Mas isso - esse “isso” que agora, velhote, me é o fundamental - é outra coisa. E nada obsta a que os “meus” hinos, as minhas memórias, sejam as do Xutos. Desde o inicial concerto com os Minas e Armadilhas nos meus 15 anos, já nem me lembro onde correu esse verdadeiro “punkismo”, terei bebido demais… Mas lembro bem o “1º de Agosto” do Rock Rendez-Vous em 1984, ali ido com amiga boazuda, mais velha e com o namorado ausente - a malta dos Olivais sabe do que, de quem, falo, mas quarenta (!!!) anos depois já nem é inconfidência -, eu puto num “a ver no que isto dá”, mas a esquecer-me disso - até porque ela também indiferente, diga-se -, pois logo exultante, pulando, diante do “Já estou farto de procurar / um sítio para me encaixar… / eu vou para longe, para muito longe / … falta-me o ar para cá ficar”, isso que vim a seguir na vida. E sim, naquele dia terei urrado “se me amas / se me queres…”, mas para o ar, desarrumado. Vinte anos!, tinha, e ali com uns tipos a rockarem o que tinha eu no âmago…

E nesse longo entretanto vi-os imensas vezes. Um dia num qualquer recanto do Ribatejo, a esgalharem imenso num meio vazio rinque de patinagem, ali tendo uma primeira parte dos Radar Kadafi - a banda da minha rua, a Bolama, quando o Tiago, o Guli, o Ambrósio, o Fernando e o Sampaio tinham decidido que seria eu o “road manager” da banda então em ascensão, eu puto atrapalhado (e ganzado, diga-se) em demasia para ser “manager” de mim-mesmo quanto mais de outros negócios “on the road”…

E lembro o 1986, quando o amigo António Miguel - ele próprio um mito no nosso meio estudantil, pois “manager” dos à época rutilantes Trovante, veterano de palco da festa do Avante, um gajo soberbo, cabeça muito madura (digo-o mesmo, então meu colega de grupo de faculdade, no meio daquilo tudo o que fazia) - me deu acesso ao então celebrado Xutos no Pavilhão do Restelo. Assim eu ascendendo ao “lá em cima”, onde estava ele, produtor, camarote ou lá o que era. E eu, carregado do tão estupidificante haxe, a ver e a urrar o “conta-me histórias daquilo que eu não vi” já e a clamar “amas a vida e eu amo-te a ti” para aquela quem nem ali estava. Mas também momento (crucial, sim) de transição pessoal, percebi-o, pois subindo o degrau para estatuto de observador analítico, ao olhar lá para baixo, o recinto do pavilhão apinhado de gente exultante, imensas bandeiras agitadas, todos “loucos” com os Xutos - “isto é um fenómeno”, disse-me, aprendiz de antropólogo, para logo voltar ao êxtase diante de quem me cantava avisava “contra tudo lutas / contra tudo falhas / todas as tuas explosões / redundam em silêncio”.

Muito tempo depois, e em tão diferentes tempos…, no final do milénio as paupérrimas mentes de então do Instituto Camões enviaram os Xutos a Maputo, num festival (dito “Pontes Lusófonas”) que eu logo percebera me viria a custar o belo e apetecido emprego. Mas isso, o tétrico embrulho, não era coisa deles, lá foram… Na Feira Popular acorreram algumas centenas de pessoas. Eu, mesmo se amargurado (forma educada de dizer fodido) com tudo aquilo, escondi-me na felicidade de … ver os Xutos em Maputo. Ali na primeira fila, já sem o fato-e-gravata, que então me era curial, e ao lado do patrício Hernâni (um rijo heavy barbudo e gordo, desses “como deve de ser”) alçando os nossos “X”… Subi ao camarim, o Kalu a perguntar-me “estes gajos não gostam de rock?”, diante do silêncio que os acolhera, eu a rir-me, dorido com a imbecilidade de quem os tinha ali levado, “sim” mas “não vos percebem”. E tinha sido uma bela rockada… Logo depois a Nice, a belíssima Nice - das mulheres mais bonitas que conheci na vida -, a verdadeira princesa de Pemba, ofereceu uma festa em sua casa, deu para todos nos conhecermos.

As décadas foram passando. Regressei à “terra”, num riff muito desafinado destruí a minha família! Ou talvez apenas a mim mesmo. Poucos anos depois a minha então juvenil filha pediu-me para a acompanhar a um festival rock. Trinta anos depois voltei a pedir uns bilhetes ao amigo António Miguel, o qual não via há anos, desde que fora a Maputo num concerto qualquer… E lá segui, já um pouco trôpego, à Costa da Caparica para um “estranho brilho na areia molhada”, mas já mais para que o sentisse a minha filha Carolina, qu’a vida é agora dela… Mas fiquei estupefacto, pois à chegada dos Xutos logo ela - e os seus, putos quatorzinhos - entraram em modo rock, entusiasmados, conhecedores… “pai, não tocaram a "Maria”", queixava-se depois, no fim, eufórica, a minha filha, mostrando-me que seguiam eles, afinal, fiéis aos mais-velhos. E “Mulher do Leme” ali a sonhei, em erupção de carinho amoroso…

Depois zanguei-me com os Xutos, coisas de se associarem aos políticos. Não era preciso, sempre tinham passado ao lado disso - sim, iam à Festa do Avante mas … sempre haviam seguido sem as merdas do “sistema”, num verdadeiro it’s only rock’n roll e nós gostamos.... Mas ao vê-los no falso Rock in Rio, entenda-se bem, ao vê-los no festival no velho “Cambodja” - esse onde os nossos iam buscar o “cavalo” -, a meter o Marcelo, o Ferro Rodrigues, o Medina e o Costa, essa gente a pantominar o nosso “X” em pleno palco? A ira foi-me terrível: apaguei os postais de blog em que os louvava, deitei fora os CDs que deles tinha, parti os vinis…

Claro, quando depois o Zé Pedro morreu fui até ao cemitério aqui nos Olivais - e nisso ombreando com a mais bela beldade aqui da rua, lendária mesmo, então já sexagenária avó, “nos tempos” inacessível tamanha a diferença de idade, aqueles 3 ou 4 anos… Fui lá para fazer o X à passagem do féretro. Fi-lo! Com lágrimas internas, despedindo-me do verdadeiro “Homem do Leme”.

Mas a zanga não podia demorar. Pois há anos tentei fazer um doutoramento, já ia nas 400 páginas ou mais. Desvaneceu-se entretanto - para quê fazê-lo?, para quê “remar, remar / forçar a corrente” se sabendo-me já sem cabimento? Mas nesse esforço, inglório, escrevera 30 páginas sobre o “Método” da minha disciplina, essa antropologia, as quais quis que fossem um “berras às bestas / que t(m)e sufocam / em braços viscosos / cheios de pavor”, os eunucos convictos que pululam nos “corredores”. E apresentei-me, nu, pobre pila à mostra, (quase) concluindo sobre como trabalhei 20 anos em Moçambique, como fui antropólogo ao som dos Xutos, deste modo:

“(Lá no Zambeze) Navegávamos então, percorrendo devagar aquela água dos hipopótamos e crocodilos, aqueles submersos apenas assomando, alguns destes espojados ao sol nos espraiados tão nossos próximos. De súbito, num pequeno braço de rio entre o canavial, atascámos num baixio. O piloto foi lesto a entrar na água para empurrar o barco, seguido pelo intérprete. Hesitei, para logo entender que o meu peso muito influía. Saltei também, num ápice pensando no enorme réptil que cruzáramos há tão pouco, tão ali próximo, e enquanto empurrava perguntei, até incrédulo com tudo aquilo, “E o crocodilo? …” para o piloto responder, com sorriso rápido, até doce, num cume esperançoso, “Não há-de vir!...”

Lestos nos desatascámos, logo partimos e pouco depois saímos daquele serpenteado entre as ilhotas, reentrando na vastidão do rio na rota para a margem distante. Então, já naquele horizonte tão mais amplo, lembrei-me de uns versos, aqueles “E mais que uma onda, mais que uma maré / tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé / Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade / Vai quem já nada teme, vai o homem do leme (…) / A vida é sempre a perder”. E senti o quanto esse “homem do leme” era o ali homem do leme, no seu percurso relapso à ascensão nas “estruturas”, no partido-Estado, à hipotética acumulação, ao prestígio, preferindo o envelhecer naquela disponibilidade, radical, para o que há-de vir, naquele “não há-de …”, que se “a vida é sempre a perder” isso não “há-de” ser hoje. Cantado assim, há décadas, lá no meu país da minha juventude, assim a mostrar a enorme semelhança da amplitude de anseios e valores, práticas e caminhos, bem para além dos diferentes contextos e sítios onde decorre o devir, bem para além das coisas e ditos a que àqueles damos corpo.

E trauteei, lá durante o rio. Com ele ombreando.”

E ontem, já quarenta anos depois, o António Miguel pergunta-me “queres ir ver o Tim?, dou-te um bilhete”, “está a esgotar, despacha-te”. Claro que sim!, entusiasmo-me, lesto, pronto a ouvir o Tim d’agora, num “conta-me histórias, daquilo que eu não vi”. Hoje anuncio na vizinhança que irei ao concerto. “Onde vais comprar as ganzas?”, riem-se, “aos Candeeiros? ao Gordo?”, já com sarcasmo… arqueológico (sabem, sacanas, que a última vez que comprei uma pedra tinha 21 anos). “Vais com quem?”, avançam, cruéis, sabendo que não tenho “miúda” para içar às cavalitas, e mesmo se a tivesse a radiculite o vetaria. Mas estrearei o cantil que herdei do meu pai, vou comprar a vodka barata e bebível do Lidl, e seguirei ao São Jorge, “à minha maneira”, “Sacola às costas, cantante na mão”. Pois, sei bem, ainda “tudo em mim, é um fogo posto”, até porque “a vida é sempre a perder”.

Tim ao Vivo no Eléctrico - concerto completo

A "lisboa" Literária

jpt, 30.03.25

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Há três anos fui beber um copo de fim-de-tarde com a minha querida amiga Ana Leão, que chegara de Moçambique. Disso deixei esta croniqueta - de que gostei, tanto que a meti no pacote "Torna-Viagem" que venho impingindo. Nostálgica, até saudosista, muito resmungona. Mas também esperançosa. Pois foi o dia em que descobri a Livraria Martins na Guerra Junqueiro - era muito recente, dela não ouvira falar, desconhecia a origem, até a julguei ser coisa de "carola" livreiro mas afinal é de grupo editorial (o que é bom, garantir-lhe-á alguma sustentabilidade).
 
Não fiquei cliente - não posso comprar livros. Mas fiquei simpático. E, passados anos, ao descobrir que organiza um "podcast" Quinteto Literário ouvi duas sessões. Agora a terceira deu imensa polémica. Pois o crítico e escritor João Pedro George espalhou-se, e muito (e muito mesmo...) ao falar da escritora Madalena Sá Fernandes, e com o beneplácito do moderador do programa (que também meteu os pés pelas mãos, já agora). George já fez a sua samokritica mas quero crer que não lhe chegará para acalmar más vontades e abrenúncios.
 
George é um tipo interessante de acompanhar (ler). É uma espécie de "etnógrafo" do "campo literário" português - e como é usual entre os etnógrafos quando se abalança às suas "monografias" escreve de modo insistente, repetitivo, até cansativo, tamanha a sanha expositiva. Nesse registo lembro quando dissecou o Cotrim e quando abocanhou o Mega Ferreira - então ainda vivos -, textos relevantes pois demonstrativos do "campo cultural-político" da "lisboa" em que vivemos.
 
Neste caso borregou. Porque falou em termos descabidos de uma escritora, e isso será uma conclusão unânime. Inventa-lhe uma auto-erotização publicitária que não é verdadeira. E critica-a por divulgar os seus livros ("so what?", perguntar-se-á em bom português). Mas a matéria mais relevante é o conteúdo da sua anunciada "abordagem sociológica" à escritora.
 
Eu não conhecia Sá Fernandes até há umas semanas. Tenho uma filha de 22 anos - já agora, a Carolina, que apenas vivera em Portugal durante os confinamentos e no ano do seu primeiro mestrado, emigrou ontem, "foi lá para fora ganhar a vida" - que é uma jovem Senhora bem lida. O que é normal, pois com uma mãe leitora, um pai que também o é, ainda que anárquico, e avós leitores. Nenhum de nós, seus ancestrais, somos da "literatura" mas fomos dando "dicas". E ela desde há anos que faz o seu rumo leitor. Há dias recomendou-me uma crónica de Sá Fernandes - sobre o Café Luanda e sua avó - na qual se reviu. Eu também, simpatizei. (E é ela quem agora me chama a atenção para este "caso").
 
E julguei aquela crónica bem melhor do que inúmeros textos na imprensa de escritores renomados - "consagrados", "canónicos", indiscutíveis membros da "literatura" - que anunciam como "crónicas" meros textos de opinião política. Opiniões essas (mais ou menos justas ao olhar de cada um, isso não interessa) que são formas de construir, sedimentar, reproduzir, publicitar, a "personalidade literária" de cada autor. Uma auto-construção do "eu", do "self" literário, que parece ofender os membros daquele podcast culto da Livraria Martins. Mas, de facto, alguém ficcionista/poeta que vai para os jornais escrever (sem sequer ser pago, como agora é norma) a favor/contra ucranianos, palestinianos, vítimas dos bancos, da violência doméstica, vacinas, trump e quejandos, está-se a "construir" / "divulgar" mais do que se for almoçar à bela Serpa e se deixar fotografar. Feliz.
 
(E, lamento, mas uma pessoa com 30 anos normalmente é mais bonita - fresca, que seja - do que com 50 ou 60. Estes últimos podem ter ganho prémios literários, terem sido louvados no Público e no JL, mas estarão encanecidos, engelhados, com papadas descendentes, barrigudos, carecas. Criticar-se os mais-novos por não estarem assim? E terem o desplante de sair à rua nesses mais ou menos belos modos?)
 
Enfim, a matéria da "abordagem sociológica" deste modo exercida desperta-me dois eczemas, ambos relacionados com a velha oposição "nós"/"outros", o que bem ultrapassa os conteúdos das obras (até porque não sou especialista da "literatura"). No fundo, trata-se da tal "lisboa" a autodefinir-se. E resmungo com esses meus pruridos assim:
 
1. Abordar o trabalho de alguém segundo o paradigma "Joana Marques". Ou seja, abandalhar. Acontece que Joana Marques tem humor, esse sacrossanto álibi. E de facto esmiuça, cruel, o lumpen do entretenimento nacional, o qual incessantemente produz mundividências muito criticáveis - o outro dia ouvi-a sobre um DJ que clamava que aqueles que não seguem boas "griffes" não saem da "sopa torta", por exemplo.
 
Mas é impertinente abandalhar uma escritora, pacífica, apenas porque se considera que escreve segundo os modelos da "escrita criativa", porque (!!!) não corresponde visualmente às angústias que (d)escreve. Francamente, esta é a tal "lisboa" - "eu sou escritor e crítico" diz George, como tal pertence à "literatura". Já Sá Fernandes é gozada por ter o desplante de dizer "entrei na literatura". Isto é mesmo a tal "lisboa" desbragada, a cagança...
 
2. O segundo ponto, meu eczema mais grave, pois é o que mais me irrita. Sá Fernandes é invectivada - "sabe como se mexer neste mundo de hoje" - por usar as "redes sociais" para se divulgar (a tik-tok, a instagram, se fosse há alguns anos seria no FB ou mesmo, antes, nos blogs, estes lugares de ilegitimidade...). Ao lado de George e do moderador (que aventa ser a escritora uma "destruidora de casamentos", uma "boca" tétrica), está uma outra escritora, Ana Bárbara Pedrosa, da qual não li livros. Algo arredada do tom cáustico sobre a escritora, mas aproveitando para dissertar sobre a tal "construção" de "personalidades literárias" através do manuseamento da imagem nas redes sociais. Ou seja, as "redes sociais" (a exposição pública, entenda-se) e a conjugação com outros escritores são vistas como fenómenos "ilegitimadores" ou, pelo menos, apoucam...
 
É esta "lisboa" de novo. Desconhecia Pedrosa até há pouco. Há meses, numa alvorada, alguns amigos de Maputo avisaram-me de um texto dela, publicado (claro) no "Público". Passado algum tempo insistiu e publicou outro na "Sábado". Enviaram-me esses amigos a ligação ao primeiro texto acompanhada de questões, a mais simpática das quais era "quem é esta gaja?".
 
Ambos os textos são "crónicas" de viagem, quase como se reportagens, dedicados à situação política moçambicana. Poupo nos adjectivos: são ignorantes. E absolutamente cagões. E uma verdadeira encenação, uma produção de "personalidade literária" - a escritora empenhada chegada ao país "em crise" (ou, se se preferir, "a África"), que logo percorre (enfim, a capital...) e que logo tudo percebe e sobre isso perora, ciosa opinativa. A clarividência "on the road"...
 
Ou seja, para George e para o moderador, uma jovem escritora que escreve como ensinam na "escrita criativa" e se divulga porque se sabe mexer nas "redes sociais" digitais não "faz parte" e é achincalhável. Mas uma jovem escritora que se mexe bem nas "redes sociais" da "lisboa", a "secção africanista" do "Público" (sobre a qual é melhor nem discorrer) ou quejandos jornais, a "rede social" "activista", e decerto que em "sites" decoloniais, etc.? Essa já "faz parte". Pois "é das nossas".
 
Não fosse eu ateu e diria que os espíritos do Cotrim e do Mega Ferreira - que bem mereceram ser escalpados, já agora - se estariam a rir. Pois, de facto, "les beaux esprits se rencontrent".

Vêm aí eleições?

jpt, 06.03.25

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(Fotografia de Stephan Vanfleteren)

Não está a chover e por isso - acolchoados nas vestes de inverno - alguns amigos agregam-se na esplanada do bairro, bebericando até à "abaladiça" do antes do jantar, como é hábito quase diário. Rodam os temas, os constantes, estruturais às (nossas) formas de estar locais - as imprecações contra o cadáver de Pinto da Costa, os achaques que acometem a vizinhança (e os seus estimados animais), a inaceitável junta de freguesia dos Olivais, notícias de bons restaurantes (re)visitados, séries das "netflixes" e quem deverá ganhar os óscares, até um ou outro novo livro folheado, a eterna questão, essa se Lage ou Borges. Mas também os da mera "espuma dos dias", simples e irrelevantes motes de convívio - laivos de resmungos com as rivieras de Gaza e da Comporta, insurgências com o trumpinismo, "como está aquilo  em Moçambique, Zezé?", a fealdade da Bemformoso. E, hoje, esta novidade, isto "do Montenegro", cai ou não, deve ou não ficar?

A roda das rodadas é variada, como é bom nisto do ombrear. Ninguém é "político" - se alguém o fosse tal seria até, presumo-o, motivo para o seu ostracismo, num quase certo "vai lá para o Parque das Nações", explícito ou subentendido... Mas (quase) todos tendem para o resmunguismo, dito opinativo. Nisso há, minoritários é certo, os mais dados ao Largo do Rato - por ora mais acabrunhados, menos loquazes nestas coisas -, ombreando com os laranjas agora tonitruantes, e um ou outro liberalóide, a mais a vertente Chega mas mansa, o desiludido bloquismo - decerto que matutando nas virtudes do prof. Tavares, mas sem o confessar -, ocasionais visitantes new age, atreitos ao vegetarianismo mas militantes das "minis". Enfim, no belo mosaico só me falta alguém dos "ortodoxos", essa espécie em vias de extinção, e disso dou conta - quando regresso a casa, pizza do Lidl na mão - ao Camarada Pimentel. "Pai, por aqui já não há ninguém do Partido!", repito-lhe e ele, todos os dias, me explica as causas disso: "a alienação promovida pela imprensa capitalista!". E eu, "afenal!" (como tanto se exclama em Moçambique), não deixo de lhe dar (alguma, alguma...) razão, pois sigo sempre resmungando com estes comentadeiros tão superficiais.

Mas adiante! Ou avante!, melhor dizendo... Pois hoje veio à tona esta das "moções", a tal do "Montenegro, deve ou não ficar?". Tópico que colheu o mutismo de alguns, desses já saudosos das geringonças - acabrunhados, já o disse, também porque descrentes com o plantel que têm para esta época, feitos uma esquerda "Villas-Boas" por assim dizer. E o geral desagrado de tantos outros, contestando a relevância da minudência de que o nosso Primeiro-Ministro é acusado, uma mera campanha politiqueira. E Portugal - afiança-se certeiramente - ainda para mais no meio desta situação internacional não precisa mesmo de instabilidade, de crises. E todos concordam, concordamos. 

Levanto-me, para ir lá dentro ao balcão buscar uma imperial. Faço a curial pergunta, "alguém precisa de alguma coisa?...", matizada forma de pedir mais uma rodada. E acrescento, sacaninha, "se este Montenegro fosse do PS que estaríamos aqui a dizer? Uns diriam "mata!!!". Eu diria "esfola!!!". Qual a diferença agora?". Promovendo assim o silêncio (concordante, concordante...) alheio. O qual logo aproveitei  para me escapulir, rumo à minha nova imperial. Assim me safando, por episódico acabrunhamento alheio, de ter de pagar mais uma rodada.

Quem escolheu o deputado das malas?

jpt, 26.01.25

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aqui o disse, julgo ser injusto crucificar um partido devido a um radical desvio de um dos seus militantes, até deputados, e ainda mais se isso não se prende minimamente com os princípios e propostas políticas desse movimento. Mas a situação do deputado Miguel Arruda é tão excêntrica, patética mesmo, que o humor grassou. Da torrente de piadas recebidas aquela com a qual mais me ri foi esta, coincidente com a vaidade de Ventura por ter sido convidado para a posse de Trump...

Mas para além da evidente inocência dos seus (ex-)pares partidários diante do abstruso comportamento do deputado açoriano, o caso levanta uma interrogação. Sobre o substrato dos critérios de recrutamento e selecção dos dirigentes (e até militantes) do partido em questão - e, secundariamente, também dos outros -, em especial neste CHEGA que tanto se projecta através de discurso moralista e invectivador. Pois tendo agora o deputado Arrruda aparecido em várias entrevistas torna-se evidente que não se trata de um ardiloso camuflado, em busca de esconsos objectivos. É evidente que o homem não mostra ser o que afinal é, tão ridículo. Mas evidencia ser descabido - isto mesmo descontando que o ouvimos já a posteriori, conhecedores do seu desvario real. Mas ainda assim... Quem confraterniza politicamente com alguém assim, quem aceita e escolhe para postos elevados um perfil daqueles?

É impossível conhecer as pessoas, e os políticos, a priori? Até certo ponto é, mas não totalmente. Eu ilustro isto com um episódio, nestas croniquetas do quotidiano. Há dias eu e um amigo fomos a uma pequena actividade de cariz partidário ocorrida no nosso bairro. Ambos sexagenários, aqui crescidos, para cá regressados já maduros (até um pouco "tocados"). Ambos - tal como tantos outros fregueses - sempre refilando contra a inaceitável junta de freguesia, de socialistas pejada (desde 1980), gente tão abstrusa que o próprio PS encetou a sua pré-campanha eleitoral para a câmara de Lisboa retirando-lhes a confiança política, mas - atenção - sem nessa desconfiança abarcar a actual presidente Rute Lima, apesar das broncas tão noticiadas

Enfim, tendo sabido  daquele encontro anunciado como dedicado a questões de freguesias, incluindo a nossa, lá fomos. Para ver e ouvir, e talvez dizer algo - veteranos que daqui somos, repito. Era afinal um muito mais pequeno encontro do que antevíramos. Mas fomos acolhidos pelo contingente presente, alguns bons fregueses saudavelmente disponíveis para uma intervenção de cidadania, e dois dirigentes (locais?, nacionais?) do partido em questão. Dito isto, eu e o meu amigo, que íamos só assistir, excitámo-nos e estivemos horas a desbobinar uma sabatina sobre os Olivais, passado e presente. E em estereo... A determinado momento os dirigentes tiveram de se ir embora, o que não nos cortou a verve. Enfim, já a desoras para dia de semana lá concedemos descanso aos nossos vizinhos e todos nos despedimos, com simpatia mútua (espero...). Entrámos no carro, o Manel ao volante, e ao mútuo "eh pá!, o que é que achaste?!" coincidimos, em imediata exclamação, no vernáculo profundo sobre um dos dirigentes e no adjectivo suspeitoso sobre o outro. E desatámo-nos a rir, dada a nossa coincidência, tão imediata, epidérmica mesmo, diante dos verdadeiros políticos. Dois "maduros", nós, até já "tocados", repito... "Mas gente boa, estes nossos vizinhos...", "sim, muito!". E o Manel meteu a primeira e fomos comer uma sopinha...

Ora, e dito isto, o CHEGA não tem quem escolha as pessoas, quem as perceba? Ou tem, e é daquilo que procura?

No "Convidado Extra"

jpt, 16.01.25

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Como avisara fui ontem à Rádio Observador, onde tive uma muito simpática conversa com o João Paulo Sacadura no seu programa "Convidado Extra", 3/4 de hora subordinados ao tema "o que é que andas(te) a fazer na vida?", e isto desde a mais tenra ... puberdade, que o homem me vasculhara. Ficou disponível aqui: https://observador.pt/programas/convidado-extra/como-explicar-a-frelimo-que-o-seu-tempo-acabou/
 
Logo que terminou a emissão recebi duas mensagens: uma queridíssima amiga, originária do Atlântico austral, louvando a conversa mas criticando "o sotaque lisboeta, a comer algumas palavras tornando-as imperceptíveis!", e eu a ficar-me atrapalhado, até rubro mesmo que sozinho... E logo a seguir um velho amigo (nunca me esqueço que me esmurrou no dia da festa dos meus ... 10 anos) a invectivar-me "quase não falaste do teu Torna-Viagem!!! assim não consegues vender, tens de aprender a falar...!". Pois, não tenho jeito, mesmo.
 
Mas, insisto, a conversa foi-me muito simpática. Quem tiver paciência bastará clicar.

Renovação de passaporte

jpt, 26.11.24

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Subo as escadas do metropolitano, aproximo-me da cancela, ninguém em meu redor - a esta hora todos já partiram deste poiso da "linha vermelha", voltarão já quase noite feita. Sinto alguém estugando-se para trás de mim, eu já de bilhete na mão olho-o de viés, um jovem (hoje em dia quem é que não me parece jovem?), homem feito, sem pingo de miúdo irreverente - mesmo que sem causa -, barbicha aparada, vestes informais mas nele nada há de vagabundo. Estanco, olho-o num aceno de "o que foi?", percebendo-lhe a causa do apreço pela minha senda. Ele dá-me largo sorriso, até solidário, e informa-me - num português veicular de sotaque inconfundível - que passará logo atrás de mim. Semicerro-me, irritado, "não!, paga o bilhete!". O sorriso atrapalha-se-lhe, insiste, querendo explicar-me o óbvio, eu repito "paga o bilhete!", ele oscila, ágil (é novo, o sacaninha), muda de eixo e salta a outra cancela. Eu penso "vai para a tua terra, cabrão!" mas censuro-me e só lhe atiro o "cabrão" enquanto ele corre, assustado, corredor afora.
 
Avanço, comigo protestando "um dia ainda levas um par de estalos!". Mas no último lanço de escadas ainda murmuro impropérios contra o mariola estrangeiro: "Brranco!!", desprezo-o em ímpeto xarroco!! "Francês!!" ("ou, vá lá, da Valónia", aponho-me em rodapé).
 
À boca da estação entro no primeiro café. Peço uma Coca-Cola. E ofereço-a ao Professor Ventura que em mim vive. Depois sigo à loja do cidadão, recolher o renovado passaporte deste meu país.
 
Fundado por... francos.

Chama-se Tiago

Pedro Correia, 30.10.24

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Finalmente sabemos o nome dele. Durante mais de uma semana, era apenas «o motorista da Carris». Sem direito a identidade, vítima indefesa de um cobarde bando de encapuzados quando desempenhava o seu trabalho: transportar pessoas para as periferias pobres de Lisboa. Servia a comunidade, cumprindo o dever profissional, em Santo António dos Cavaleiros (Loures).

Não abriu telejornais.

Ninguém indagou o seu tom de pele.

Ninguém o louvou, ninguém o enalteceu, ninguém se lembrou sequer de mencioná-lo pelo nome de baptismo: Tiago.

Tem 42 anos, permanece internado na unidade de queimados do Hospital de Santa Maria. Aparentemente com lesões no aparelho respiratório que lhe ficarão para o resto da vida - consequência do brutal ataque com cocktails Molotov quando transportava os últimos passageiros na última paragem da última viagem daquela fatídica madrugada que terminou com a destruição total do veículo. Alegadamente a pretexto de «vingar» a trágica morte do comerciante cabo-verdiano Odair Moniz, vítima de um deplorável disparo policial no bairro do Zambujal (Amadora).

O agente da PSP está já indiciado por homicídio. Quem atacou Tiago com selvajaria, quase o condenando à morte, permanece impune. 

 

Dos 23 suspeitos detidos e identificados por alegado envolvimento em 155 actos de fogo posto, dano e resistência à polícia de que resultaram quatro autocarros carbonizados, pelo menos 36 veículos ligeiros destruídos e centenas de contentores e ecopontos incinerados, nem um ficou em prisão preventiva. Alguns foram libertados com a solene advertência de estarem proibidos de usar isqueiros, o que já gera anedotas a nivel nacional. Pondo a justiça a ridículo.

«Se o barril de pólvora estourar com maior intensidade, estamos muito longe de conseguir aplicar com rigor, celeridade e eficácia, a boa receita que Keir Starmer utilizou no Reino Unidos, nos tumultos de 2007 e agora, já este ano», observava ontem Eduardo Dâmaso numa lúcida nota editorial no Correio da Manhã

Aviso feito: convém levá-lo a sério. E pôr fim à indecorosa prática da indignação selectiva. Que pode tornar-se num extremismo tão pernicioso como outro qualquer.

 

Leitura complementar:

O direito ao nome do assassinado (Delito de Opinião, 16 de Dezembro de 2020)

Conversa de café a propósito da Penha de França

jpt, 08.10.24

Lisboa.pt - Website oficial do Município

Ficou o país estupefacto com o desbragado triplo assassinato da semana passada, ocorrido na Penha de França. Bebo aqui nos Olivais um café com um "sobrinho" crescido em Bruxelas, o qual me diz ser este tipo de situações agora por lá recorrente, em particular em Anderlecht, devido à migração acontecida de grupos de "empreendedores" ligados ao comércio de drogas químicas, diz-se que ali advindos de Marselha. Não que associássemos este nosso infausto caso a algo similar, apenas referia ele, agora cá recém-chegado, a diferença entre o escândalo aqui sentido e a já rotineira forma de apreensão da violência de rua que passou a vigorar lá na Bélgica.

No dia seguinte na mesma esplanada foram-se agregando vizinhos, gastando um pouco do outonal sábado. Conversas muito variadas, e animadas. Nisso um dos presentes aflora como o mariola Ventura abocanhou politicamente o caso da Penha da França, não só agitando a sua "besta negra" cigana como até aventando - em cúmulo de despudor - a dúvida sobre o carácter político dos assassinatos, como se fossem um atentado avesso aos seus simpatizantes.

E a conversa segue, abordando as formas elípticas como a comunicação social e os sempre pressurosos "populares" convocados a prestarem declarações ao microfone foram referindo o assassino, seus acompanhantes e seu meio de origem. Ou seja, a elisão radical do termo "cigano" entre a locução dominante e a opção por formulações alusivas. Eu pouco seguira os noticiários mas reparara no tópico da pertença do criminoso a "famílias numerosas", a utilização de uma estereótipo de parentesco (e co-residência) - quiçá sustentado por algum empiria, não o posso afiançar dado que nada tenho lido sobre dimensões actuais de parentelas e residências em Portugal. Mas é notório que há um expurgar pelos estratos "letrados", e pelo o "povo" que vai à tv, da alusão pública a "ciganos", ao invés do seu brandir pelos sectores mais direitistas. E, também, da sua presença nos discursos globais... se, e quando, em privado. E tudo isto, esta retórica higienizada, alimenta o tal mariola, o tipo "que diz as verdades", "aquilo que mais ninguém tem coragem de dizer"...

Ali à mesa, no passo seguinte, uma senhora vizinha, educada e culta, diz asisadamente que concorda com essa abstenção da referência identitária, pois não se devem alimentar as generalizações abusivas. No que eu concordo totalmente, pois um desmando, um traço comportamental, uma característica psicológica de um qualquer indivíduo não deve ser atribuído a outros que com ele partilhem alguns traços comuns socioculturais e, ainda menos, fenotípicos (os genotípicos nem para aqui são chamados). Ou seja, implicitava a minha vizinha  - tal como os múltiplos locutores ao longo dos últimos dias - que dizer ser este assassino um "cigano" é alimentar o preconceito, fomentar generalizações abusivas. Aplaudo. Até porque esta postura é o substrato de uma concepção liberal (que não associológica), o primado da autonomia individual - algo que é bem diferente de outras perspectivas dominantes, como a (demo-)cristã, as marxistas ou os agora muito viçosos secularismos "identitaristas" de extracção marxista, que presumem características comuns aos pertencentes a grupos socioculturais e por isso convocam políticas e posturas peculiares para cada um deles.

E sigo na verve. Recordando que há escassas semanas nas cercanias de Castelo de Vide um indivíduo sequestrou e disparou sobre duas mulheres. A imprensa logo o intitulou "espanhol" - identidade com a qual temos relações históricas complexas. Talvez não tanto naquela velha raia. Mas sim país afora. Ainda resmungamos os "Filipes", apupamos o injustiçado defenestrado Miguel de Vasconcelos, tal como ainda sorrimos o "de Espanha nem bom vento nem bom casamento". Mas, muito mais importante, germina o sentir anti-turismo, resmunga-se o quase monopólio espanhol do querido olival. E não só o nosso ministro da Defesa veio agora agitar a "chaga" (para ele, pobre homem, sintoma que é da múmia mental CDS) de Olivença. E, para irmos à política, só um país politicamente incompetente é que continua com mesuras aos Borbón, ao PSOE ou ao VOX, face a décadas de desrespeito fluvial espanhol. Ou seja, não falta matéria-prima, histórica e actual, para acicatar o anti-espanholismo. Mas isso não impede que a imprensa escarrapache nos cabeçalhos ser "espanhol" o cadastrado sequestrador, e intentado violador e assassino.

Mais perto dos Olivais do que a Penha de França é Moscavide. E também por isso logo ali à mesa recordei um outro caso. Há quatro anos um indivíduo lá foi assassinado, uma horrível conclusão de uma questiúncula entre vizinhos. O energúmeno assassino expressou, antes e depois, a sua aversão aos negros - o assassinado, o actor Bruno Candé, era-o... O miserável, agora preso, é um antigo combatente na guerra colonial. Foi um rastilho. De imediato organizações e vária imprensa usaram o caso para afirmar um "racismo sistémico" português - ou seja, de um crime praticado por um indivíduo se generalizou predisposições e pressupostos para a globalidade dos seus compatriotas, dos que têm a sua "identidade".

Logo na época notei pouco ter significado para os "bem-pensantes" que, logo no dia seguinte ao assassinato, tivesse o Sport Lisboa e Olivais - um clube popular, pobre, histórico pois 5ª filial do SLB, recordista de anos seguidos na velha III divisão de futebol - colocado na sua página um dorido "Morreu um dos nossos" - Candé seria associado, terá sido praticante desportivo. Denotativo de inclusão, inserção, até "sistémica" se se quiser... Mas nada disso contou (nem conta) nos discursos demagógicos. Como também não contavam (nem contam) perguntas de cariz mais sociológico: houve centenas de milhares de portugueses mobilizados para as guerras em África. (E, também, centenas de milhares de portugueses foram "retornados"). Foi afirmado aquele assassinato como um caso exemplar do "racismo sistémico" - entenda-se, universalizado, ainda que vivido de diferentes formas -, dos portugueses, e dito ser esse extremado entre antigos combatentes, estes também aventados como universo ainda dotado de armamento. Face a essa verdadeira hiper-generalização seria normal questionar, investigar, que formas organizadas ou avulsas houve entre essa gigantesca amálgama de antigos combatentes (e de antigos colonos) de perseguição armada, violenta, física ou moral, sobre os africanos ou seus descendentes que residiam ou vieram a residir em Portugal neste último meio século. Algo que sedimentasse aquela extrapolação do assassinato que o energúmeno cometera por causa de uma querela encetada devido a um cão... Perguntar isso para quê, pois como é possível duvidar que se um "português" assassina um "negro" todos nós "portugueses" somos racistas?

A conversa morreu ali, falta de empenho alheio, atitude totalmente legítima ("agora tenho de aturar este tipo?", terá pensado a respeitável vizinha). Mais tarde, já em casa, vejo no Facebook um outro vizinho a partilhar um sentido texto de um jornalista sobre o crime da Penha da França. Nele se aventa que o assassino sofrerá de uma "adição", um desequilíbrio contextualizador. Sorrio, triste. Também eu ao saber do acontecido pensei nisso, de imediato imaginei um "Scarface", histriónico descompensado a la Al Pacino... Mas é importante identificar a ideologia que subjaz esta nova língua, e este anglicismo dessa é típico, de um sociologês (esse que entende que o contexto social causa e, quantas vezes, justifica os actos individuais, fazendo regredir a autonomia individual aos mínimos ... quase biológicos).

Não vou explicar, prefiro ilustrar: imagine-se que eu deixo de fumar. Ao 5.º dia este meu vizinho Quim - também ele olivalense - vem ter comigo à esplanada. Depara-se comigo a protestar com o dono da casa porque a minha chávena de café não está bem quente!!! Dirá logo ele, o Quim, "calma, estás irritadiço devido ao teu vício do tabaco" e até se rirá, acalentando-me no meu esforço sanitário. Entretanto, ali mesmo, tomamos conhecimento de que aqui perto um qualquer "agarrado" deu uma pedrada num velhote para lhe roubar a carteira - coisa que hoje em dia no bairro já inexiste, felizmente, gentrificado e pacificado que está o "Olivais". Dirá logo algum vizinho, ou talvez mesmo o Quim, que o ladrão sofre de uma "adição". Assim seguindo eu, mero chato, com o culposo e pecaminoso "vício", e o ladrãozeco, pobre vítima da tal "adição". 

Enfim, isto é uma conversa de café, sem grande coerência - excepto a do tal "racismo sistémico" de que padeço, pois sou de identidade "portuguesa", e de "etnia" branca, dirão alguns... Desarrumada e até infindável. Mas fico ainda com um resmungo, até à próxima sessão de esplanada: continuem a pensar assim. E, acima de tudo, a falar assim... E um dia destes até os ciganos, fartos do que "parece", votarão no Ventura.

Pedro

Pedro Correia, 11.09.24

Oiço uma senhora chamar "Pedro", duas vezes, na rua por onde passo. Implorando à primeira, intimando à segunda. Quase grita. Viro-me enfim, a ver se é comigo. Está a chamar o cão. Rogo-lhe uma praga muda. Mais uma estúpida moda importada dos States. No meu tempo os cães tinham nomes de cães, não de pessoas.

Uma semana jubilosa

jpt, 25.08.24

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Por mais rusticidade, até altaneira em modo desprendido, que vá eu encenando sigo vaidoso, como tantos outros, a maioria desses, diga-se... E, pior ainda, mimalho. Como tal foi-me jubilosa esta semana que agora termina. Num tão assim que rara, mesmo. Narro-a para que não me reduzam a resmungão, dado ao azedume, amargurado pela vida, desatento às benesses que me recobrem.
 
Começou-me no texto do amigo Pedro Correia, o maior elogio - se explícito, másculo e público, ressalvo - que alguma vez recebi, louvando o meu "Torna-Viagem" em tais moldes que, como lhe disse, até me causou um frémito de estar já com "os pés para ... o forno", dados os laivos de eulogia que ali... temi. Nisso empurrou o livro. Este quase invisível (edição de autor, desconhecido, numa plataforma digital em impressão por encomenda). O amigo Pedro Morais, homem da banda desenhada, avisara-me de início, "editado assim se venderes 50 é livro de platina!". Eu esperava impingir 100, a utopia era 150... Mas agora, com este elogio chegou às 175 vendas! Digo-me, a mim-mesmo pois, se chegar às 200 encomendarei chamuças de diferentes origens para uma "prova cega".
 
Mas mais mimos me chegaram. A minha querida Ana, de que tanto gosto e me faz falta quando se ausenta, minha mana - "com a idade tornaste-te sentimental", há dias protestava outra amiga, telefonando de longe a combinar comigo os moldes de festa que aí vem, "sempre fui, agora não tenho é pejo de o mostrar", defendi-me -, a Ana, dizia, voltou após meses de Moçambique. Trazendo na carga - "só carreguei porque é para ti..." - uma bela oferta da também tão amiga Fátima: um grande frasco de achar de limão, confeccionado com os seculares saberes de Inhambane. Que mais pode querer um homem? "Mal arranje um portador envio-te um de achar de manga...", responde-me ela ao meu agradecimento! Matabicho de hoje? Malga de café, torrada barrada de achar...
 
Tudo isto orlo com um pouco de cultura, inesperado auto-mimo. Ando a ler os Voltaire - a reler, como se diz dos clássicos, avisou Calvino. E descubro, caído na estante atrás da fileira vigente, este "A Princesa da Babilónia", colecção de seis contos, que - a este sim - nunca lera. Comprado há vinte anos, diz lá. Muito melhor do que um livro novo é mesmo encontrar um esquecido.... E também recuperar um antigo, e nisso leio este "Vélazquez" (sic) com oito reproduções fac-simile em cores, editado em tempos bem recuados por Pierre Lafitte e Cie. Pois preparo-me, dado que ando há meses para ir à Gulbenkian ver o retrato do nosso rei Filipe III e não passa desta semana... "Não tens livros novos, aqueles da Taschen, e isso?, sobre o Velásquez?", mais as "Histórias de Arte" canónicas, carregados de ilustrações e de ensaios actuais?. Tenho, mas assim irei com o meu avô Flávio, que a este mono cá de casa, que resdescubro, comprou em 1911. Razão suficiente para me preparar deste modo, mimando-me com a ancestralidade.
 
Nisto cruzei o Tejo, rumo a almoço às portas de Almada, casa amiga sempre de boa mesa. Não sou grande admirador do comestível coelho, mas não me nego. Mas ontem, e já nestes meus 60 anos, deparo-me com o melhor coelho da minha vida - à mesa o autor reclama que o molho não ficou o espesso suficiente, adiantando razões que nem compreendo tamanha a voracidade com que mastigo. "Como se chama a receita?", pergunto, enquanto me sirvo de segunda pratada, "Coelho à sem nome", diz-me, ríspido, o talentoso artífice, que estou ali a conhecer...
 
Mas o maior dos mimos foi outro. "Pai, podes-me rever a tese?", pergunta a Carolina, e nisso estive eu, nestes dias, a reduzir-lhe as palavras - ajudando a adequá-la aos limites impostos -, a garimpar-lhe a (extensíssima) bibliografia, a comprovar-lhe a justeza sintáctica. Entregou-a na sexta-feira. Numa mescla metodológica difícil, associando Ciência Política com Economia (quantitativa, não a sociologia dita Economia Social). Debatendo as articulações entre investimento em energias renováveis, dívida externa e condicionamento político. Como estudo de caso esmiuçando o exemplo moçambicano. 22 anos, culminando o seu segundo mestrado, antes um na Nova, este agora na LSE. Deparo-me, sem espanto mas ainda assim com alguma surpresa, com um trabalho de grande robustez. E atrevendo-se a correr riscos intelectuais. Com competência e denodo. Pujança. Fica assim um pai babado, muito mimado. E como sempre a frisar: "quem sai aos seus não degenera". Pois a jovem puxou mesmo à Senhora sua mãe. Grande profissional, arguta intelectual.
 
E para esta semana já chega. Tanta coisa boa foi que fui celebrar, uma estroinice: almoçar um crepe no chinês dos Olivais. Com os que quiseram por lá passar...

No "Gambrinus" Conversando Sobre Livros

jpt, 18.07.24

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O dia fora péssimo, acometera-me uma irritação gigantesca - desnecessária de injusta que tanto a senti -, nisso um gigantesco pico de tensão, tamanho que  me ocorrera, ainda que militante anti-hipocondríaco seja, um "será isto um enfarte?". Mas bom amigo havia-me desafiado para ir petiscar jantar e não me neguei, num "navegar é preciso...", urge viver a vida, parca que esta seja, e sempre na crença de que o bom convívio é bálsamo.  E assim acorri ao "Gambrinus", o balcão lendário, no qual não aportava desde o covid, malvado.

Está o estabelecimento como sempre esteve, excelente! E nisso o que este - cada vez mais  frugal - cliente realça é a qualidade do serviço, a elegância sem mesuras, a atenção acolhedora, a boa educação para isso sumarizar. Cada vez mais rara na cidade, massificada e gentrificada, assim boçalizada. Fomos ambos parcimoniosos, ele bebendo cerveja de pressão mesclada, ali dita "mestiça" - "já não se pode dizer mulata, pá!", esclareceu-me, sábio [Adenda: de imediato recebo nota de um amigo, verdadeiro veterano e sábio: e diz-me ele, "não era nem mulata nem mestiça, era um "gambrinus"!!" Obrigado, Nuno, temos de lá ir "antes que a gente morra"]. E eu fiquei-me na clássica "loura", a qual também mudou de epíteto, é agora remediada como "branca", derivas até paradoxais da actual higiene semântica. Entretanto, ocorreram-nos umas importantes torradinhas debruadas a fino presunto, que por si só justificariam a visita. E cada um de nós enfrentou um trio de croquetes, esses ex-líbris da casa, deliciosos como sempre o foram, satisfazendo o agora também ao convocarem laivos de memórias de incursões no antanho, naqueles apetites juniores ali mesmo recompensados. Este decorrer exagerou-nos a gula, e por isso coroámos o repasto com um prego per capita, "meio-termo" como o deve ser, cuja definição apropriada me exigiria o socorro de um qualquer dicionário de adjectivos, dada a extrema compostura do que me foi apresentado.

 

 

O primeiro dia sexagenário

jpt, 03.07.24

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Pois lá me tornei sexagenário. Antes de tudo, na possibilidade de a todos agradecer, repito, qual sublinhado, na possibilidade de a todos agradecer - o que eu me rio com os taralhoucos que vão para o Facebook dizer "na impossibilidade de agradecer a todos os parabéns que me endereçaram", como se fossem a Tylor Swift, com milhões de "fans". Um tipo pode não ter vagar ou paciência para responder a toda a gente, mas clamar "impossibilidade" disso é pateticamente ridículo. E o sentido do ridículo não é congénito, é apre(e)ndido. O problema é que ninguém avisa os pobres mortais que estão a ser ridículos, acham antipática essa generosidade até pedagógica ... - Enfim, dizia eu, na possibilidade de a todos agradecer os bons votos que me enviaram (FB ou telefone) assim o fiz - e noto, encantado, que ninguém me "parabenizou", parece-me que essa praga de cretinismo lexical se desvaneceu, qual covid... -, e fi-lo porque muito me acalentaram as mensagens, simpáticas, recebidas. Porventura sinal de degenerescência proto-senil, um tipo a sensibilizar-se em demasia, assim já de pingo no nariz, até lacrimejando, a anca a dar de si, varizes entumescidas, e todos os outros itens do vasto rol que aí virá...

E para quem tenha curiosidade aqui discorro sobre o tal primeiro dia sexagenário. Uma querida amiga mimou-me, nisso providenciando-me o primeiro café. Após o qual assomei a esplanada vizinha onde camarada amigo me proporcionou parelha de "bicas", e partilhámos um queque como matabicho - sim, eu sei que assim dito parece um bocado gay, dois maduros a dividirem o bolito matinal, mas é no bairro, conhecem-nos, só dirão que são aqueles dois simpáticos sexagenários (pois, a partir de agora será assim...), meio desasados... Depois cruzei o dia em casa, fingindo escrever ("acaba lá isso tudo, a ver se se publica um livro", desafiou-me uma bela amiga, intelectual) enquanto ia atendendo o frenético telefone, um rosário de solidários amigos no "vais ver que não custa nada", clamando que se é jovem aos 60 e até aos 70 (é o que eu digo no primeiro parágrafo, as pessoas não têm a a noção do ridículo, e ninguém as ensina...). Consegui escapar-me a vários desafios para almoço, jantar ou convívios - tenho lá eu dinheiro para festas de aniversário ou meras rodadas que sejam...

Ao fim da tarde fui até ao Saldanha, à livraria Almedina, para o lançamento deste livro do amigo Pedro Correia, o comandante do blog Delito de Opinião, o "Tudo é Tabu", editado pela Guerra e Paz, no qual ele vergasta estes esquerdalhos identitários, também ditos "wokistas". O livro é recomendável... Lá assomei, pude conhecer um co-bloguista (emérito) no Delito De Opinião, e reencontrar um antigo co-bloguista do sportinguista És a Nossa Fé. Mas a sala estava composta, e constatei o que esperava, isso de não haver chamuças (ou croquetes, como no Rock in Rio) ou algumas bebidas espirituosas. Mas os comparecidos, de aparência elegante, não estavam com isso nada esmorecidos, e compravam o livro com afinco. Assim, percebendo-me ali inútil e até porque descobrira ter uma notória nódoa nas calças (será do óleo Fula, que agora me substitui o azeite e que tanto espirra?), abraço autoral já recebido, fugi dali, escapando-me às doutas palavras que iriam ser proferidas - privilégio dos sexagenários, isto de fugirem às "doutas palavras", não porque delas desnecessitem mas porque já não as retêm.

Lá regressei na "linha vermelha", bebi uma imperial em esplanada olivalense, no remanso da companhia de um livro do Javier Marias. E depois fui até à Casa de Frangos de Moscavide, ali ao Largo do Ferrador. E seguiu-se jantar com a minha filha e seu gentleman, o dito frango, batatas fritas, um naco de azeitonas temperadas, um vinho tinto barato e uma cerveja de litro. Eles seguiram e eu voltei à minha rotina, em espiral repetitiva disto: 

A vida continua, more news from ... Nenhures.

Neste meu último dia de cinquentão

jpt, 01.07.24

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Neste meu último dia de cinquentão permito-me um rescaldo público - que o pessoal é mesmo privado, "nem às paredes o confesso". Para um tipo como eu, que tem a mania (vício?) de perorar em blog, algo que já percebi ser-me "prova de vida", é relevante sopesar o que os meus correspondentes apreendem do que deixo. Não refiro as coisas da política sobre as quais em tempos tanto botei. Pois já me são distantes, mesmo indiferentes ("que me interessa isso, este futuro já não é o meu", respondia eu durante o fim-de-semana às minhas mais próximas que me interrogavam sobre que raio penso eu sobre o pai do mariola de Campo de Ourique no Conselho da Europa). Pois o país do socratismo, dos seus cúmplices e da imensa mole conivente, já não mudará na minha vida, não porque a minha geração tenha falhado mas sim porque a minha geração é aquilo: "não o convides para o jantar, ele agora é de direita", confidenciava-me um meu conhecimento bíblico ter-lhe sido dito. Não foi Sócrates que fez isto ao povo burguês, foram estes burguesotes que fizeram "sócrates". Esta modorra atrapalhada. Depressiva de lamacenta. "O que sou eu?", disse no dia festivo (g'anda festa!!!) de apresentação do meu livreco "Torna-Viagem". "Acima de tudo, sou um patriota", coisa que tanto arrepia os portugueses democratas, sempre aflitos com o que "parece"... E isso basta, encerra, a "coisa pública" que me coube.
 
Enfim, voltar à "primeira forma". Sopesar o que os outros apreendem do que digo, assim aquilatar a competência (não o talento, que seria pimpão dizê-lo, mas sim a competência, a adequação) dos escritos. Nisso encontro-me deficitário, muito. Problemas devidos à minha "escrita rebuscada", disseram-me. Ou aos "textos longos", repetem-me. Mas talvez não seja isso, será mais o ínvio pensar, pouco esclarecido, assim pouco se esclarecendo. Comprovei essa minha falta de clareza há dias, ao despedir-me dos 50s com o texto mais esperançoso que me lembro de ter botado, amparando-me na magnífica "Simple Twist of Fate" do Dylan - haverá canção mais esperançosa do que aquela? e que melhor me retrate, algo trôpego, com um papagaio palrador no ombro, na senda da felicidade, fugaz que seja? Pois logo me contactaram amigos manos, antigas namoradas, colegas e gente mais distante, pois esta minha esperança soou-lhes a des-esperança...
 
 
Incompetência textual minha, está provada. Neste meu final cinquentão ela está patente na minha conta da rede Academia. Estão lá os meus textos mais sisudos, na maioria sobre Moçambique. Entre o longo rol de coisas inacabadas ainda lá deixarei - neste Julho que hoje começa, pois quis fazê-lo antes dos 60 mas não consegui - três artigos, um sobre o Niassa, outro sobre Cabo Delgado, e um outro sobre Gaza. Depois desses três encerrarei esta linha de escrita, a inutilidade antropológica ficar-me-á para trás.
 
E está também patente neste meu "Torna-Viagem" (o qual só se compra por encomenda através do endereço acessível  neste título "Torna-Viagem"). O tal da escrita "rebuscada", que agregou textos em demasia ("há uns que não estão lá a fazer nada", dizem-me amiúde). Que ainda assim tem sido um verdadeiro sucesso, vendeu até agora 148 exemplares e eu tinha apontado como objectivo utópico a venda de 150, estou quase a na terra utópica, privilégio de poucos. Para chegar a este número tive a ajuda propagandística de amigos e também de alguns, raros, confrades bloguistas - o Joaquim Paulo Nogueira (que acumula as condições), o Luis Novaes Tito, o Henrique Pereira Dos Santos, que me recorde. Mas está cumprido o objectivo, outro livro não farei, não vou repetir o atrevimento de chatear todos os amigos e conhecidos para vender cem livros, e nisso ainda perder dinheiro, gasto, noblesse oblige diz o burguês, em "despesas de representação"...
 
Enfim, começa-me amanhã uma nova década. A ver se será melhor do que a anterior, assim o espero, talvez até com uma "simple twist of fate". E decerto que será - e é o sentido deste postal - muito menos palavrosa.
 
Como mensagem final destes meus 50s? Deixo, em citação, esta versão do grande, Enorme, Robert Plant, a voz da minha adolescência, quando ele ali com o Page, o Bonham e o JP Jones E com isto, por favor, não me telefonem/escrevam a animar-me, a dizerem-me "estás deprimido?!". Isso sou, é condição, não estou, situação. Estar estou porreiro. Liso, como Job, mas porreiro.
 
Parabéns a todos. Ou seja, tende todo o Bem que possais abarcar.