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Delito de Opinião

Chama-se Tiago

Pedro Correia, 30.10.24

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Finalmente sabemos o nome dele. Durante mais de uma semana, era apenas «o motorista da Carris». Sem direito a identidade, vítima indefesa de um cobarde bando de encapuzados quando desempenhava o seu trabalho: transportar pessoas para as periferias pobres de Lisboa. Servia a comunidade, cumprindo o dever profissional, em Santo António dos Cavaleiros (Loures).

Não abriu telejornais.

Ninguém indagou o seu tom de pele.

Ninguém o louvou, ninguém o enalteceu, ninguém se lembrou sequer de mencioná-lo pelo nome de baptismo: Tiago.

Tem 42 anos, permanece internado na unidade de queimados do Hospital de Santa Maria. Aparentemente com lesões no aparelho respiratório que lhe ficarão para o resto da vida - consequência do brutal ataque com cocktails Molotov quando transportava os últimos passageiros na última paragem da última viagem daquela fatídica madrugada que terminou com a destruição total do veículo. Alegadamente a pretexto de «vingar» a trágica morte do comerciante cabo-verdiano Odair Moniz, vítima de um deplorável disparo policial no bairro do Zambujal (Amadora).

O agente da PSP está já indiciado por homicídio. Quem atacou Tiago com selvajaria, quase o condenando à morte, permanece impune. 

 

Dos 23 suspeitos detidos e identificados por alegado envolvimento em 155 actos de fogo posto, dano e resistência à polícia de que resultaram quatro autocarros carbonizados, pelo menos 36 veículos ligeiros destruídos e centenas de contentores e ecopontos incinerados, nem um ficou em prisão preventiva. Alguns foram libertados com a solene advertência de estarem proibidos de usar isqueiros, o que já gera anedotas a nivel nacional. Pondo a justiça a ridículo.

«Se o barril de pólvora estourar com maior intensidade, estamos muito longe de conseguir aplicar com rigor, celeridade e eficácia, a boa receita que Keir Starmer utilizou no Reino Unidos, nos tumultos de 2007 e agora, já este ano», observava ontem Eduardo Dâmaso numa lúcida nota editorial no Correio da Manhã

Aviso feito: convém levá-lo a sério. E pôr fim à indecorosa prática da indignação selectiva. Que pode tornar-se num extremismo tão pernicioso como outro qualquer.

 

Leitura complementar:

O direito ao nome do assassinado (Delito de Opinião, 16 de Dezembro de 2020)

Conversa de café a propósito da Penha de França

jpt, 08.10.24

Lisboa.pt - Website oficial do Município

Ficou o país estupefacto com o desbragado triplo assassinato da semana passada, ocorrido na Penha de França. Bebo aqui nos Olivais um café com um "sobrinho" crescido em Bruxelas, o qual me diz ser este tipo de situações agora por lá recorrente, em particular em Anderlecht, devido à migração acontecida de grupos de "empreendedores" ligados ao comércio de drogas químicas, diz-se que ali advindos de Marselha. Não que associássemos este nosso infausto caso a algo similar, apenas referia ele, agora cá recém-chegado, a diferença entre o escândalo aqui sentido e a já rotineira forma de apreensão da violência de rua que passou a vigorar lá na Bélgica.

No dia seguinte na mesma esplanada foram-se agregando vizinhos, gastando um pouco do outonal sábado. Conversas muito variadas, e animadas. Nisso um dos presentes aflora como o mariola Ventura abocanhou politicamente o caso da Penha da França, não só agitando a sua "besta negra" cigana como até aventando - em cúmulo de despudor - a dúvida sobre o carácter político dos assassinatos, como se fossem um atentado avesso aos seus simpatizantes.

E a conversa segue, abordando as formas elípticas como a comunicação social e os sempre pressurosos "populares" convocados a prestarem declarações ao microfone foram referindo o assassino, seus acompanhantes e seu meio de origem. Ou seja, a elisão radical do termo "cigano" entre a locução dominante e a opção por formulações alusivas. Eu pouco seguira os noticiários mas reparara no tópico da pertença do criminoso a "famílias numerosas", a utilização de uma estereótipo de parentesco (e co-residência) - quiçá sustentado por algum empiria, não o posso afiançar dado que nada tenho lido sobre dimensões actuais de parentelas e residências em Portugal. Mas é notório que há um expurgar pelos estratos "letrados", e pelo o "povo" que vai à tv, da alusão pública a "ciganos", ao invés do seu brandir pelos sectores mais direitistas. E, também, da sua presença nos discursos globais... se, e quando, em privado. E tudo isto, esta retórica higienizada, alimenta o tal mariola, o tipo "que diz as verdades", "aquilo que mais ninguém tem coragem de dizer"...

Ali à mesa, no passo seguinte, uma senhora vizinha, educada e culta, diz asisadamente que concorda com essa abstenção da referência identitária, pois não se devem alimentar as generalizações abusivas. No que eu concordo totalmente, pois um desmando, um traço comportamental, uma característica psicológica de um qualquer indivíduo não deve ser atribuído a outros que com ele partilhem alguns traços comuns socioculturais e, ainda menos, fenotípicos (os genotípicos nem para aqui são chamados). Ou seja, implicitava a minha vizinha  - tal como os múltiplos locutores ao longo dos últimos dias - que dizer ser este assassino um "cigano" é alimentar o preconceito, fomentar generalizações abusivas. Aplaudo. Até porque esta postura é o substrato de uma concepção liberal (que não associológica), o primado da autonomia individual - algo que é bem diferente de outras perspectivas dominantes, como a (demo-)cristã, as marxistas ou os agora muito viçosos secularismos "identitaristas" de extracção marxista, que presumem características comuns aos pertencentes a grupos socioculturais e por isso convocam políticas e posturas peculiares para cada um deles.

E sigo na verve. Recordando que há escassas semanas nas cercanias de Castelo de Vide um indivíduo sequestrou e disparou sobre duas mulheres. A imprensa logo o intitulou "espanhol" - identidade com a qual temos relações históricas complexas. Talvez não tanto naquela velha raia. Mas sim país afora. Ainda resmungamos os "Filipes", apupamos o injustiçado defenestrado Miguel de Vasconcelos, tal como ainda sorrimos o "de Espanha nem bom vento nem bom casamento". Mas, muito mais importante, germina o sentir anti-turismo, resmunga-se o quase monopólio espanhol do querido olival. E não só o nosso ministro da Defesa veio agora agitar a "chaga" (para ele, pobre homem, sintoma que é da múmia mental CDS) de Olivença. E, para irmos à política, só um país politicamente incompetente é que continua com mesuras aos Borbón, ao PSOE ou ao VOX, face a décadas de desrespeito fluvial espanhol. Ou seja, não falta matéria-prima, histórica e actual, para acicatar o anti-espanholismo. Mas isso não impede que a imprensa escarrapache nos cabeçalhos ser "espanhol" o cadastrado sequestrador, e intentado violador e assassino.

Mais perto dos Olivais do que a Penha de França é Moscavide. E também por isso logo ali à mesa recordei um outro caso. Há quatro anos um indivíduo lá foi assassinado, uma horrível conclusão de uma questiúncula entre vizinhos. O energúmeno assassino expressou, antes e depois, a sua aversão aos negros - o assassinado, o actor Bruno Candé, era-o... O miserável, agora preso, é um antigo combatente na guerra colonial. Foi um rastilho. De imediato organizações e vária imprensa usaram o caso para afirmar um "racismo sistémico" português - ou seja, de um crime praticado por um indivíduo se generalizou predisposições e pressupostos para a globalidade dos seus compatriotas, dos que têm a sua "identidade".

Logo na época notei pouco ter significado para os "bem-pensantes" que, logo no dia seguinte ao assassinato, tivesse o Sport Lisboa e Olivais - um clube popular, pobre, histórico pois 5ª filial do SLB, recordista de anos seguidos na velha III divisão de futebol - colocado na sua página um dorido "Morreu um dos nossos" - Candé seria associado, terá sido praticante desportivo. Denotativo de inclusão, inserção, até "sistémica" se se quiser... Mas nada disso contou (nem conta) nos discursos demagógicos. Como também não contavam (nem contam) perguntas de cariz mais sociológico: houve centenas de milhares de portugueses mobilizados para as guerras em África. (E, também, centenas de milhares de portugueses foram "retornados"). Foi afirmado aquele assassinato como um caso exemplar do "racismo sistémico" - entenda-se, universalizado, ainda que vivido de diferentes formas -, dos portugueses, e dito ser esse extremado entre antigos combatentes, estes também aventados como universo ainda dotado de armamento. Face a essa verdadeira hiper-generalização seria normal questionar, investigar, que formas organizadas ou avulsas houve entre essa gigantesca amálgama de antigos combatentes (e de antigos colonos) de perseguição armada, violenta, física ou moral, sobre os africanos ou seus descendentes que residiam ou vieram a residir em Portugal neste último meio século. Algo que sedimentasse aquela extrapolação do assassinato que o energúmeno cometera por causa de uma querela encetada devido a um cão... Perguntar isso para quê, pois como é possível duvidar que se um "português" assassina um "negro" todos nós "portugueses" somos racistas?

A conversa morreu ali, falta de empenho alheio, atitude totalmente legítima ("agora tenho de aturar este tipo?", terá pensado a respeitável vizinha). Mais tarde, já em casa, vejo no Facebook um outro vizinho a partilhar um sentido texto de um jornalista sobre o crime da Penha da França. Nele se aventa que o assassino sofrerá de uma "adição", um desequilíbrio contextualizador. Sorrio, triste. Também eu ao saber do acontecido pensei nisso, de imediato imaginei um "Scarface", histriónico descompensado a la Al Pacino... Mas é importante identificar a ideologia que subjaz esta nova língua, e este anglicismo dessa é típico, de um sociologês (esse que entende que o contexto social causa e, quantas vezes, justifica os actos individuais, fazendo regredir a autonomia individual aos mínimos ... quase biológicos).

Não vou explicar, prefiro ilustrar: imagine-se que eu deixo de fumar. Ao 5.º dia este meu vizinho Quim - também ele olivalense - vem ter comigo à esplanada. Depara-se comigo a protestar com o dono da casa porque a minha chávena de café não está bem quente!!! Dirá logo ele, o Quim, "calma, estás irritadiço devido ao teu vício do tabaco" e até se rirá, acalentando-me no meu esforço sanitário. Entretanto, ali mesmo, tomamos conhecimento de que aqui perto um qualquer "agarrado" deu uma pedrada num velhote para lhe roubar a carteira - coisa que hoje em dia no bairro já inexiste, felizmente, gentrificado e pacificado que está o "Olivais". Dirá logo algum vizinho, ou talvez mesmo o Quim, que o ladrão sofre de uma "adição". Assim seguindo eu, mero chato, com o culposo e pecaminoso "vício", e o ladrãozeco, pobre vítima da tal "adição". 

Enfim, isto é uma conversa de café, sem grande coerência - excepto a do tal "racismo sistémico" de que padeço, pois sou de identidade "portuguesa", e de "etnia" branca, dirão alguns... Desarrumada e até infindável. Mas fico ainda com um resmungo, até à próxima sessão de esplanada: continuem a pensar assim. E, acima de tudo, a falar assim... E um dia destes até os ciganos, fartos do que "parece", votarão no Ventura.

Pedro

Pedro Correia, 11.09.24

Oiço uma senhora chamar "Pedro", duas vezes, na rua por onde passo. Implorando à primeira, intimando à segunda. Quase grita. Viro-me enfim, a ver se é comigo. Está a chamar o cão. Rogo-lhe uma praga muda. Mais uma estúpida moda importada dos States. No meu tempo os cães tinham nomes de cães, não de pessoas.

Uma semana jubilosa

jpt, 25.08.24

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Por mais rusticidade, até altaneira em modo desprendido, que vá eu encenando sigo vaidoso, como tantos outros, a maioria desses, diga-se... E, pior ainda, mimalho. Como tal foi-me jubilosa esta semana que agora termina. Num tão assim que rara, mesmo. Narro-a para que não me reduzam a resmungão, dado ao azedume, amargurado pela vida, desatento às benesses que me recobrem.
 
Começou-me no texto do amigo Pedro Correia, o maior elogio - se explícito, másculo e público, ressalvo - que alguma vez recebi, louvando o meu "Torna-Viagem" em tais moldes que, como lhe disse, até me causou um frémito de estar já com "os pés para ... o forno", dados os laivos de eulogia que ali... temi. Nisso empurrou o livro. Este quase invisível (edição de autor, desconhecido, numa plataforma digital em impressão por encomenda). O amigo Pedro Morais, homem da banda desenhada, avisara-me de início, "editado assim se venderes 50 é livro de platina!". Eu esperava impingir 100, a utopia era 150... Mas agora, com este elogio chegou às 175 vendas! Digo-me, a mim-mesmo pois, se chegar às 200 encomendarei chamuças de diferentes origens para uma "prova cega".
 
Mas mais mimos me chegaram. A minha querida Ana, de que tanto gosto e me faz falta quando se ausenta, minha mana - "com a idade tornaste-te sentimental", há dias protestava outra amiga, telefonando de longe a combinar comigo os moldes de festa que aí vem, "sempre fui, agora não tenho é pejo de o mostrar", defendi-me -, a Ana, dizia, voltou após meses de Moçambique. Trazendo na carga - "só carreguei porque é para ti..." - uma bela oferta da também tão amiga Fátima: um grande frasco de achar de limão, confeccionado com os seculares saberes de Inhambane. Que mais pode querer um homem? "Mal arranje um portador envio-te um de achar de manga...", responde-me ela ao meu agradecimento! Matabicho de hoje? Malga de café, torrada barrada de achar...
 
Tudo isto orlo com um pouco de cultura, inesperado auto-mimo. Ando a ler os Voltaire - a reler, como se diz dos clássicos, avisou Calvino. E descubro, caído na estante atrás da fileira vigente, este "A Princesa da Babilónia", colecção de seis contos, que - a este sim - nunca lera. Comprado há vinte anos, diz lá. Muito melhor do que um livro novo é mesmo encontrar um esquecido.... E também recuperar um antigo, e nisso leio este "Vélazquez" (sic) com oito reproduções fac-simile em cores, editado em tempos bem recuados por Pierre Lafitte e Cie. Pois preparo-me, dado que ando há meses para ir à Gulbenkian ver o retrato do nosso rei Filipe III e não passa desta semana... "Não tens livros novos, aqueles da Taschen, e isso?, sobre o Velásquez?", mais as "Histórias de Arte" canónicas, carregados de ilustrações e de ensaios actuais?. Tenho, mas assim irei com o meu avô Flávio, que a este mono cá de casa, que resdescubro, comprou em 1911. Razão suficiente para me preparar deste modo, mimando-me com a ancestralidade.
 
Nisto cruzei o Tejo, rumo a almoço às portas de Almada, casa amiga sempre de boa mesa. Não sou grande admirador do comestível coelho, mas não me nego. Mas ontem, e já nestes meus 60 anos, deparo-me com o melhor coelho da minha vida - à mesa o autor reclama que o molho não ficou o espesso suficiente, adiantando razões que nem compreendo tamanha a voracidade com que mastigo. "Como se chama a receita?", pergunto, enquanto me sirvo de segunda pratada, "Coelho à sem nome", diz-me, ríspido, o talentoso artífice, que estou ali a conhecer...
 
Mas o maior dos mimos foi outro. "Pai, podes-me rever a tese?", pergunta a Carolina, e nisso estive eu, nestes dias, a reduzir-lhe as palavras - ajudando a adequá-la aos limites impostos -, a garimpar-lhe a (extensíssima) bibliografia, a comprovar-lhe a justeza sintáctica. Entregou-a na sexta-feira. Numa mescla metodológica difícil, associando Ciência Política com Economia (quantitativa, não a sociologia dita Economia Social). Debatendo as articulações entre investimento em energias renováveis, dívida externa e condicionamento político. Como estudo de caso esmiuçando o exemplo moçambicano. 22 anos, culminando o seu segundo mestrado, antes um na Nova, este agora na LSE. Deparo-me, sem espanto mas ainda assim com alguma surpresa, com um trabalho de grande robustez. E atrevendo-se a correr riscos intelectuais. Com competência e denodo. Pujança. Fica assim um pai babado, muito mimado. E como sempre a frisar: "quem sai aos seus não degenera". Pois a jovem puxou mesmo à Senhora sua mãe. Grande profissional, arguta intelectual.
 
E para esta semana já chega. Tanta coisa boa foi que fui celebrar, uma estroinice: almoçar um crepe no chinês dos Olivais. Com os que quiseram por lá passar...

No "Gambrinus" Conversando Sobre Livros

jpt, 18.07.24

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O dia fora péssimo, acometera-me uma irritação gigantesca - desnecessária de injusta que tanto a senti -, nisso um gigantesco pico de tensão, tamanho que  me ocorrera, ainda que militante anti-hipocondríaco seja, um "será isto um enfarte?". Mas bom amigo havia-me desafiado para ir petiscar jantar e não me neguei, num "navegar é preciso...", urge viver a vida, parca que esta seja, e sempre na crença de que o bom convívio é bálsamo.  E assim acorri ao "Gambrinus", o balcão lendário, no qual não aportava desde o covid, malvado.

Está o estabelecimento como sempre esteve, excelente! E nisso o que este - cada vez mais  frugal - cliente realça é a qualidade do serviço, a elegância sem mesuras, a atenção acolhedora, a boa educação para isso sumarizar. Cada vez mais rara na cidade, massificada e gentrificada, assim boçalizada. Fomos ambos parcimoniosos, ele bebendo cerveja de pressão mesclada, ali dita "mestiça" - "já não se pode dizer mulata, pá!", esclareceu-me, sábio [Adenda: de imediato recebo nota de um amigo, verdadeiro veterano e sábio: e diz-me ele, "não era nem mulata nem mestiça, era um "gambrinus"!!" Obrigado, Nuno, temos de lá ir "antes que a gente morra"]. E eu fiquei-me na clássica "loura", a qual também mudou de epíteto, é agora remediada como "branca", derivas até paradoxais da actual higiene semântica. Entretanto, ocorreram-nos umas importantes torradinhas debruadas a fino presunto, que por si só justificariam a visita. E cada um de nós enfrentou um trio de croquetes, esses ex-líbris da casa, deliciosos como sempre o foram, satisfazendo o agora também ao convocarem laivos de memórias de incursões no antanho, naqueles apetites juniores ali mesmo recompensados. Este decorrer exagerou-nos a gula, e por isso coroámos o repasto com um prego per capita, "meio-termo" como o deve ser, cuja definição apropriada me exigiria o socorro de um qualquer dicionário de adjectivos, dada a extrema compostura do que me foi apresentado.

 

 

O primeiro dia sexagenário

jpt, 03.07.24

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Pois lá me tornei sexagenário. Antes de tudo, na possibilidade de a todos agradecer, repito, qual sublinhado, na possibilidade de a todos agradecer - o que eu me rio com os taralhoucos que vão para o Facebook dizer "na impossibilidade de agradecer a todos os parabéns que me endereçaram", como se fossem a Tylor Swift, com milhões de "fans". Um tipo pode não ter vagar ou paciência para responder a toda a gente, mas clamar "impossibilidade" disso é pateticamente ridículo. E o sentido do ridículo não é congénito, é apre(e)ndido. O problema é que ninguém avisa os pobres mortais que estão a ser ridículos, acham antipática essa generosidade até pedagógica ... - Enfim, dizia eu, na possibilidade de a todos agradecer os bons votos que me enviaram (FB ou telefone) assim o fiz - e noto, encantado, que ninguém me "parabenizou", parece-me que essa praga de cretinismo lexical se desvaneceu, qual covid... -, e fi-lo porque muito me acalentaram as mensagens, simpáticas, recebidas. Porventura sinal de degenerescência proto-senil, um tipo a sensibilizar-se em demasia, assim já de pingo no nariz, até lacrimejando, a anca a dar de si, varizes entumescidas, e todos os outros itens do vasto rol que aí virá...

E para quem tenha curiosidade aqui discorro sobre o tal primeiro dia sexagenário. Uma querida amiga mimou-me, nisso providenciando-me o primeiro café. Após o qual assomei a esplanada vizinha onde camarada amigo me proporcionou parelha de "bicas", e partilhámos um queque como matabicho - sim, eu sei que assim dito parece um bocado gay, dois maduros a dividirem o bolito matinal, mas é no bairro, conhecem-nos, só dirão que são aqueles dois simpáticos sexagenários (pois, a partir de agora será assim...), meio desasados... Depois cruzei o dia em casa, fingindo escrever ("acaba lá isso tudo, a ver se se publica um livro", desafiou-me uma bela amiga, intelectual) enquanto ia atendendo o frenético telefone, um rosário de solidários amigos no "vais ver que não custa nada", clamando que se é jovem aos 60 e até aos 70 (é o que eu digo no primeiro parágrafo, as pessoas não têm a a noção do ridículo, e ninguém as ensina...). Consegui escapar-me a vários desafios para almoço, jantar ou convívios - tenho lá eu dinheiro para festas de aniversário ou meras rodadas que sejam...

Ao fim da tarde fui até ao Saldanha, à livraria Almedina, para o lançamento deste livro do amigo Pedro Correia, o comandante do blog Delito de Opinião, o "Tudo é Tabu", editado pela Guerra e Paz, no qual ele vergasta estes esquerdalhos identitários, também ditos "wokistas". O livro é recomendável... Lá assomei, pude conhecer um co-bloguista (emérito) no Delito De Opinião, e reencontrar um antigo co-bloguista do sportinguista És a Nossa Fé. Mas a sala estava composta, e constatei o que esperava, isso de não haver chamuças (ou croquetes, como no Rock in Rio) ou algumas bebidas espirituosas. Mas os comparecidos, de aparência elegante, não estavam com isso nada esmorecidos, e compravam o livro com afinco. Assim, percebendo-me ali inútil e até porque descobrira ter uma notória nódoa nas calças (será do óleo Fula, que agora me substitui o azeite e que tanto espirra?), abraço autoral já recebido, fugi dali, escapando-me às doutas palavras que iriam ser proferidas - privilégio dos sexagenários, isto de fugirem às "doutas palavras", não porque delas desnecessitem mas porque já não as retêm.

Lá regressei na "linha vermelha", bebi uma imperial em esplanada olivalense, no remanso da companhia de um livro do Javier Marias. E depois fui até à Casa de Frangos de Moscavide, ali ao Largo do Ferrador. E seguiu-se jantar com a minha filha e seu gentleman, o dito frango, batatas fritas, um naco de azeitonas temperadas, um vinho tinto barato e uma cerveja de litro. Eles seguiram e eu voltei à minha rotina, em espiral repetitiva disto: 

A vida continua, more news from ... Nenhures.

Neste meu último dia de cinquentão

jpt, 01.07.24

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Neste meu último dia de cinquentão permito-me um rescaldo público - que o pessoal é mesmo privado, "nem às paredes o confesso". Para um tipo como eu, que tem a mania (vício?) de perorar em blog, algo que já percebi ser-me "prova de vida", é relevante sopesar o que os meus correspondentes apreendem do que deixo. Não refiro as coisas da política sobre as quais em tempos tanto botei. Pois já me são distantes, mesmo indiferentes ("que me interessa isso, este futuro já não é o meu", respondia eu durante o fim-de-semana às minhas mais próximas que me interrogavam sobre que raio penso eu sobre o pai do mariola de Campo de Ourique no Conselho da Europa). Pois o país do socratismo, dos seus cúmplices e da imensa mole conivente, já não mudará na minha vida, não porque a minha geração tenha falhado mas sim porque a minha geração é aquilo: "não o convides para o jantar, ele agora é de direita", confidenciava-me um meu conhecimento bíblico ter-lhe sido dito. Não foi Sócrates que fez isto ao povo burguês, foram estes burguesotes que fizeram "sócrates". Esta modorra atrapalhada. Depressiva de lamacenta. "O que sou eu?", disse no dia festivo (g'anda festa!!!) de apresentação do meu livreco "Torna-Viagem". "Acima de tudo, sou um patriota", coisa que tanto arrepia os portugueses democratas, sempre aflitos com o que "parece"... E isso basta, encerra, a "coisa pública" que me coube.
 
Enfim, voltar à "primeira forma". Sopesar o que os outros apreendem do que digo, assim aquilatar a competência (não o talento, que seria pimpão dizê-lo, mas sim a competência, a adequação) dos escritos. Nisso encontro-me deficitário, muito. Problemas devidos à minha "escrita rebuscada", disseram-me. Ou aos "textos longos", repetem-me. Mas talvez não seja isso, será mais o ínvio pensar, pouco esclarecido, assim pouco se esclarecendo. Comprovei essa minha falta de clareza há dias, ao despedir-me dos 50s com o texto mais esperançoso que me lembro de ter botado, amparando-me na magnífica "Simple Twist of Fate" do Dylan - haverá canção mais esperançosa do que aquela? e que melhor me retrate, algo trôpego, com um papagaio palrador no ombro, na senda da felicidade, fugaz que seja? Pois logo me contactaram amigos manos, antigas namoradas, colegas e gente mais distante, pois esta minha esperança soou-lhes a des-esperança...
 
 
Incompetência textual minha, está provada. Neste meu final cinquentão ela está patente na minha conta da rede Academia. Estão lá os meus textos mais sisudos, na maioria sobre Moçambique. Entre o longo rol de coisas inacabadas ainda lá deixarei - neste Julho que hoje começa, pois quis fazê-lo antes dos 60 mas não consegui - três artigos, um sobre o Niassa, outro sobre Cabo Delgado, e um outro sobre Gaza. Depois desses três encerrarei esta linha de escrita, a inutilidade antropológica ficar-me-á para trás.
 
E está também patente neste meu "Torna-Viagem" (o qual só se compra por encomenda através do endereço acessível  neste título "Torna-Viagem"). O tal da escrita "rebuscada", que agregou textos em demasia ("há uns que não estão lá a fazer nada", dizem-me amiúde). Que ainda assim tem sido um verdadeiro sucesso, vendeu até agora 148 exemplares e eu tinha apontado como objectivo utópico a venda de 150, estou quase a na terra utópica, privilégio de poucos. Para chegar a este número tive a ajuda propagandística de amigos e também de alguns, raros, confrades bloguistas - o Joaquim Paulo Nogueira (que acumula as condições), o Luis Novaes Tito, o Henrique Pereira Dos Santos, que me recorde. Mas está cumprido o objectivo, outro livro não farei, não vou repetir o atrevimento de chatear todos os amigos e conhecidos para vender cem livros, e nisso ainda perder dinheiro, gasto, noblesse oblige diz o burguês, em "despesas de representação"...
 
Enfim, começa-me amanhã uma nova década. A ver se será melhor do que a anterior, assim o espero, talvez até com uma "simple twist of fate". E decerto que será - e é o sentido deste postal - muito menos palavrosa.
 
Como mensagem final destes meus 50s? Deixo, em citação, esta versão do grande, Enorme, Robert Plant, a voz da minha adolescência, quando ele ali com o Page, o Bonham e o JP Jones E com isto, por favor, não me telefonem/escrevam a animar-me, a dizerem-me "estás deprimido?!". Isso sou, é condição, não estou, situação. Estar estou porreiro. Liso, como Job, mas porreiro.
 
Parabéns a todos. Ou seja, tende todo o Bem que possais abarcar.
 

(Após) Portugal-Turquia

jpt, 23.06.24

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Repito a ligação para esta minha historieta, com mais de uma década (gosto tanto dela que a agreguei ao meu "Torna-Viagem", o livrinho que impingi aos amigos e conhecidos), uma conversa com uma polícia de trânsito sul-africano sobre Cristiano Ronaldo.
 
Passou a tal década (ou mais). Cristiano Ronaldo é o maior atleta da história portuguesa. Um símbolo, admirado por muitos de nós. E também mundo afora, polícias do Mpumalanga e outros - como a menina que ontem se perfilava diante dele durante os hinos, com as mãos na cara tamanha a emoção espantada, tocando-lhe para ver se ele era real, ou o petiz (malandrete), que aos 10 anos se escapou campo adentro para tirar uma fotografia com ele.
 
Mas CR7 é também um barómetro, mede o cretinismo nacional. Pois desde há décadas que é perene a raiva contra ele, as críticas constantes, a vir ao de cima a maldita inveja lusa contra o sucesso (se obtido "lá fora" então é pior). O que vem muito do mais rasteiro do clubismo, alguns, apesar de tudo, ainda o apupam pelas origens sportinguistas - e outros, ainda mais abjectos, pelas origens humildes. (E não esqueço o povo de Guimarães, num particular de 2013, a gritar vivas a Messi apenas para o macerar, a mostrar como é escumalha o "berço da Nação").
 
É já um veterano - a sua idade acerca-se da que tinha Lopes quando foi campeão olímpico, Livramento campeão europeu de clubes, Agostinho no cume do Alpe d'Huez, Pepe na sua lenda de central insigne. É um veterano goleador... Os cretinos, que são minoria mas vasta, continuam a bolçar que "está velho", que "joga à mama", que "é egoísta", que "não joga nada".
 
Ontem, por parvas razões, vi parte do jogo da selecção num café lisboeta. A clientela, uma mole sorvedora de caracóis, passou a tarde clamando esses impropérios, enquanto perdigotava a repugnante molhanga. Retirei-me para casa, vi um John Ford que nunca vira ("Os Cavaleiros", com o Duke e o grande William Holden). Depois passei pelo FB, onde - apesar do "banho turco" - ainda havia básicos a repetirem impropérios contra o CR7.
 
Deitei-me, a ler o Dalton Trevisan que trouxera da Feira do Livro. Não haja dúvida, aquela desgraçada Curitiba de Trevisan é aqui mesmo.

Na Feira do Livro

jpt, 14.06.24

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A culpa foi do José Navarro de Andrade. O outro dia fui a uma cena dessas literárias, o que me é raríssimo. O tipo também comparecera, coisas de amizades lá dele. Enfim, fiz o que me cabia, sem murmúrios ouvi algumas palavras (auto)laudatórias e depois uns mui sentidos versos bem mortais. No final daquilo, e também para evitar uns apparatchikos PS (daqueles mesmo..) que por lá constavam, roliços ronronantes, vim para a rua fumar, e o Navarro também avançou. A gente vê-se (via-se, melhor dizendo) era na bola, ele levava-me a ver o Sporting, e também nos jantares de sportinguistas no Império. Mas ali não falámos de futebol, descaímos para livros. E não é que o Navarro me diz - ao fim destes anos todos - que tem este "Terra Firme", pequeno livro sobre a formação dos preços dos víveres, isso que nos esmaga. Narrou o ciclo, dos produtores até aos Pingos Doces da vida...

Enfim, fui agora à Feira do Livro, tendo jurado nada comprar, dadas as estantes atafulhadas e, acima de tudo, devido à... formação dos preços dos víveres, cruéis. Mas lembrei-me do livro do Navarro, e fui comprá-lo, até por ser bem barato. Mas foi o desastre, foi o ceder do dique moral. Malditas pechinchas!, as que logo se seguiram, que do Benoliel aos monos (e que belos monos) da Relógio D'Água já disparatei. E a culpa, repito, é do Navarro.

Já é Junho

jpt, 06.06.24

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É sexta-feira, já este longo fim de tarde de Junho, subo do Camões ao Príncipe Real, rumo a casa de amigo. Na aproximação ao célebre "Sinal Vermelho" uma beldade chama-me num "Zé!" sonoro, eu semicerro os olhos e pergunto-lhe - ela entre o seu grupo comensal, ali ainda esperando mesa - "nós conhecemo-nos?", responde-me sorridente "sim, andei ao teu colo!", "e gostaste?" digo-lhe, marialva, "muito", afiança. E beijamo-nos efusivos, nas liberdades que o nosso elo avuncular permite. Diz-me estar eu com bom aspecto, sorrio-lhe anuindo, e dispara, até sondando, "parece que estiveste com o amor da tua vida...!" Rio-me e riposto, "náda!" (isso já não, claro) "estou com amor pela vida", coisa bem diferente, escassa também, pelo menos se tanta que afivelada na carantonha, como ali aparece evidente.

E a ela me explico: chegámos a este Junho, e como sempre começam a aportar a Lisboa os amigos feitos em Moçambique, alguns de lá, outros ainda por lá, outros já alhures. Reencontros calorosos, memórias e novidades saudosas nada saudosistas. E estou ali a concluir um dia peculiar, inesperado reencontro, sequencial, com três queridíssimas amigas, a uma não via há 28 anos (!), a outra há 2, e uma outra que, vá lá, vou reencontrando semestralmente. Com as quais percorri um pouco da Lisboa antiga, turista em casa própria... E estou ali, neste rumo (repito) a um uísquezito em casa de velho amigo, de "alma cheia" como se diz. E se o bornal espiritual está assim atafulhado o outro carrega estas ofertas deliciosas, mel (caseiro) de Trondheim, castanha de cajú de Inhambane...

Dias passados, mais sossegado, rotineiro nesta minha nova faceta de vendilhão, ocorre-me (até porque há já um mês - fui confirmar - que não falo do assunto) que, nesta época, aos amigos acorridos a visitarem o rincão devo insistir em impingir o meu "Torna-Viagem" (o qual se pode encomendar através desta ligação colocada no título), pois por cá poderão recebê-lo com muito menos preocupações e gastos postais.

 

(Agradeço à equipa da SAPO o destaque dado a este postal).

Há Cultura nos Olivais?

jpt, 02.05.24

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Ontem, após o Bayern-Real Madrid, visto em grupo de amigos no café agora "must" dos Olivais, e enquanto se escorropichava a última "imperial", lamentei-me de estar esfaimado. Logo me levaram à Encarnação, onde decorrem as "festas populares". À chegada ouvia-se os UHF. Acorri, constatando que há quase 40 anos não via o grupo de António Manuel Ribeiro ao vivo, laivos saudosistas até.... Quando lá chegámos tocavam a célebre "Cavalos de Corrida"... Depois vieram os "encore", uma "Grândola..." apenas vocal, entoada em registo roufenho com uma senhora da organização (quiçá da Junta).

Entretanto abastecemo-nos dos ambicionados petiscos, fornecidos nas barracas de "comes e bebes", vizinhas dos carrinhos de choque, eu com uma bifana das antigas, daquelas oriundas daqueles pântanos de molhanga com ar vetusto. Enquanto deglutia o manjar voou-me a mente para alhures. Um dos camaradas de comezaina notou-o e indagou o que comigo se passava.

"Estou velho!", resmunguei, lamentando-me. E expliquei-me. Pois no meu bairro de sempre, junto a amigos, diante de imperial e bifana, UHF a rockarem, no que atento é nisto: em pleno centro de Lisboa, esta Junta de Freguesia do PS, essa da presidente Rute Lima (colunista do "Público") e da "vereadora" Vanda Stuart, monta mais uma festarola e clama em cartaz "Há Cultura nos Olivais". E associa isso ao democrático e desenvolvimentista "25 de Abril".

E entretanto a Biblioteca dos Olivais, a antiga BDteca, está encerrada há três anos, ou mais, devido a obras até superficiais, mas tão proteladas de esquecidas, depois como se abandonadas, pois nunca cuidadas. Apenas por desinteresse desta gente PS. Vil e ignorante gente.

"Sou um reaccionário!", concluí. Rimo-nos. E pedimos mais uma rodada de imperiais.

Bayete Catamo

jpt, 07.04.24

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Em finais de 2021 eu - como se comprova, sendo um muito competente "olheiro" (os patetas ignorantes agora falam de "scouting") - saudava a chegada do jovem moçambicano Catamo ao plantel do Sporting, augurando-lhe grande futuro. E ao assunto voltei no início desta época, exigindo também no Delito de Opinião a sua manutenção no plantel.
 
Assim sendo, creio que vos será possível imaginar o sorriso gigantesco com que ontem me deitei. Um cúmulo: estivera desde o fim da tarde no recomendável Roda Viva, restaurante moçambicano em Alfama. Ali organizara o "lançamento" do meu livro "Torna-Viagem" - que é louvado mas não tanto comprado... Apareceu um largo punhado de amigos - alguns vindos de bem longe, outros vindos de eras muito recuadas... E até família - a minha irmã, comparecida para evitar que eu dissesse palavrões, e cunhados, a apoiá-la na nobre e pedagógica missão.
 
Encheram-se as duas salas e a viela, enquanto se comiam as prometidas (e devidas) badjias e chamuças. Depois do cerimonial livresco - no qual falou o Fernando Florêncio e perorei eu - e do animado convívio avulso, umas quatro dezenas de presentes decidiram jantar ali mesmo, tendo tecido loas ao repasto. Enquanto eu cirandava de mesa em mesa foram-me informando da evolução do resultado. Houve júbilo no final do jogo, ali em Alfama.
 
Pela 1 da madrugada recolhi a casa, tão contente que quase feliz. E vi a gravação do jogo. Só então percebi que fora a noite de glória do Catamo! Neste meu dia não podia ter sido melhor!!! Bayete Catamo!!!,* disse ali no seu segundo golo, mesmo no final - na sequência de um inenarrável roubo do árbitro, a querer levar o Benfica ao título, uma escandaleira.
 
Ao acordar leio uma mensagem, amigo moçambicano desde Maputo, dizendo-me que ao ver o jogo do Geny se tinha lembrado daquele meu já antigo postal sobre o rapaz. Profético, profético... Enfim, apenas posso dizer, modesto: "sublinhem as minhas palavras!".
 
* Bayete - saudação destinada a um Chefe relevante no universo linguístico tsonga.

O meu livro Torna-Viagem

jpt, 01.04.24

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Torna-Viagem, de José Pimentel Teixeira (ligação com acesso ao livro no "sítio" de aquisição)
 

Escrevo em blogs há 20 anos - antes no ma-schamba e no Olivesaria, este um colectivo dedicado ao historial do meu bairro Olivais, depois também no sportinguista És a Nossa Fé. E agora no meu Nenhures e no colectivo Delito de Opinião. A um passo dos 60 anos, decidi publicar umas "memórias". "Presunção e água benta, cada um toma a que quer", e eu tomei a da ideia de talvez interessar a outros o que escrevi sobre o que vivi.

Retoquei uma centena de crónicas (de viagens e paragens), dois terços delas escritas em Moçambique, algumas sobre outros países onde trabalhei, o restante em Portugal no meu retorno após duas décadas de ausência. É uma espécie de "prova de vida"... Ao volume chamei-lhe "Torna-Viagem" e (auto)publico-o agora através da plataforma editorial Bookmundo. 

A impressão do livro é feita apenas por encomenda, tal como a sua venda. A quem tenha interesse bastar-lhe-á "clicar" nesta ligação directa ao livro, colocada no nome, e encomendar o Torna-Viagem

Os que quiserem "folhear" o livro poderão fazê-lo na minha conta na rede Academia.edu:  aqui, onde deixei capa, índice e os três primeiros textos.

Depois, como será óbvio, seguir-se-á o envio postal do(s) exemplar(es) comprado(s), processo que demorará alguns, poucos, dias. Ou seja, o livro não estará disponível nas livrarias físicas. Nem haverá futuros monos, sobras destinadas à célebre guilhotina de livros.

Finalmente, aqui replico a sinopse que apus no livro: Chegando agora aos sessenta anos deixo neste "Torna-Viagem" algo como se uma autobiografia. Faço-o através de uma centena de crónicas escritas durante as duas últimas décadas. Sessenta dessas agreguei-as na primeira parte do livro, à qual chamei "A Oeste do Canal", pois escritas sobre Moçambique, nelas ecoando viagens por aquele país afora, alguns pequenos episódios — trechos do real — que senti denotativos das transformações ali acontecidas, e memórias de personalidades que conheci durante os meus dezoito anos de permanência. Em algumas outras recordo momentos vividos em países onde trabalhei. E as restantes três dezenas formam a segunda parte do livro, na qual deixo excertos deste "Ocaso Boreal", a minha actual aventura de retornado pós-colonial defronte à "pátria amada".

O Pensamento "Woke"

jpt, 28.01.24

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Vejo o "E tudo o vento levou", que há muito não revia. Chega agora numa cópia restaurada há cerca de uma década, a avivar-lhe, mesmo que em mera televisão, algum do brilho fílmico que incendiou os cinemas aquando do seu aparecimento, fenómeno que foi. Lembro-me, vagamente, da primeira vez que o vi, petiz junto à minha mãe em cinema de grande tela - talvez o "Monumental", bem antes deste ser uma vulgata envidraçada de vendilhões do templo, talvez o "Império", também antes deste ser um templo de vendilhões.

Ela adorava o filme, percebi depois e lembro agora, saudoso, que por venerar Scarlett, feita arquétipo de pessoa, suplantando-se entre a candura e a estratégia, numa franqueza ardilosa, símbolo da mulher adequado ao circundante, mais necessário de afirmar em tempos já tão distantes que a boa língua portuguesa sobrevivia sem patacoadas como "resilência"... Ao longo dos anos regressei ao filme algumas vezes, percebendo que - afinal - articula o dramalhão comercial com o desfazer dos aparentes estereótipos, pois não só desfraldando as fraquezas masculinas como escorrendo algum sarcasmo com o estertor daquela nada bela "Belle Époque" escravista. Num filme de guerra sem guerra, assim sem heroísmos encenados, nisso subreptícias justificativas...

Mas ontem nem pensei nisso. Sexta-feira à noite fiquei a ver o filme ao lado dela, Marília, enquanto o meu pai António ia lendo na sua poltrona, alheado como (quase) sempre da televisão. Tinham vindo passar o serão, agradados com a visita que lhes fizera de manhã no cendrário dos Olivais - onde acorrera por razões outras, - tendo-me demorado, ali, junto ao que deles me resta. Até me sentir qual o Anthony Hopkins no final do "O Pai" que vi há dias, que foi o sinal para partir, que nada é bom em demasia.

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Depois do tão esperado e obrigatório "After all, tomorrow is another day", a mãe foi-se deitar e fiquei, como é habitual, de conversa com o pai. Ele disse-me que estou a fumar demais e, como é óbvio, resmungou com a pepineira do "Gone With the Wind". Foi o (por mim ansiado) sinal para politizarmos. Precipitei-me para o controlo e puxei o filme atrás - coisa que ele nunca faz, estranhando estas novas tecnologias - até ao princípio. E logo concordámos no ditirambo contra este pensamento "woke", paupérrimo arremedo de reflexão. Tanto barulho fazem os seus "activistas" para expurgar a história, para tutelar mentes, para "analisar" o "abissal" mundo. E para apenas saracotearem coisas como esta: enfrentar um filme destes, com o impacto que teve, quase quatro horas de filme, num argumento com as camadas que tem, e julgam relevante e necessário anunciá-lo como "produto da sua época e retrata preconceitos raciais e étnicos", como se houvesse algo que não o seja. E é com esta pobre mentalidade que se agitam, ufanos na crença de que "para criar um futuro melhor é necessário primeiro conhecer e compreender a história"... Assim?

O pai abanou a cabeça, em desprezo, e nisso tanto concordamos na aversão a esta pobre gente adormecida, enlevada consigo própria, tanto que se dizem "Acordados", essa sempre dita "esquerdalhada". Avancei um pouco o filme e digo-lhe "vê esta cena, pai", o baile no qual a jovem viúva Scarlett dança pela primeira vez, assim quebrando as regras do nojo, com o galhardo Rhett. E ela, enquando rodopia, diz-lhe "Mais uma dança e perderei a minha reputação para sempre", ao que ele responde "Se tiver coragem, pode viver sem a sua reputação". E o  meu pai, o Camarada Pimentel, sorri, anui, nem preciso de lhe explicar o que quero dizer - até porque já cheguei à idade em que não só o compreendo como também ele me percebe. "Querem a história sem "grão", como o dos filmes antigos, a história como "cópia digital restaurada", atiro. "É isso", diz, aceita. E repete que estou a fumar demais. Depois vai dormir. Estando, claro, acordado mas nunca "woke"...

Os meus votos de Boas Festas!

jpt, 18.12.23

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Entre amigos encetei ontem as celebrações natalícias, esta época de congregação em comunhão benevolente. A nossa laica celebração do Advento consistiu num vasto repasto composto por uma maravilhosa moamba, acompanhada por funge de milho e de mandioca (ou xima, para falar como em Moçambique).
 
Tudo isto, e também o picante acompanhante - mas, de facto, nem necessário tal o ponderado equilíbrio dos condimentos -, foi cozinhado com extrema excelência por um tipo branco, português ("tuga", como dirão os mais agrestes), que nunca pisou África... Como dirá aquela Joacine Katar Moreira (e seus apaniguados identitaristas): este apropriar festivo da culinária africana é um caso típico da "desfaçatez" "racista" e do "extractivismo cultural" dos portugueses. E nem no Natal afrouxamos.
 
Enfim, e digestão feita, aproveito para a todos (até aos tais "identaristas") desejar Boas Festas, um Feliz Natal - pouco perdulário - e um Saudável 2024! Bem Hajam!

Futebol

jpt, 09.12.23

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O ano passado adormeci três ou quatro vezes enquanto via jogos do Sporting. Afligi-me com isso, atribuindo o acontecido à crescente vetustez, já ascendida aos então 58 anos, isto da sonolência insone, do desmemoriar, da tensão alta, mais o pingo no nariz, a mão trémula, a corcunda descendente, as cáries viçosas, o lacrimejar involuntário, as unhacas recurvadas, a plural variz túrgida, a azia constante - a gástrica e a existencial -, o pesadelo com a "Mitra", o "ai se fosse no meu tempo" quando passam as beldades cinquentonas, as notícias dos (sobrinhos-)netos já adultos, o timorato ao volante, o "Sô Doutor" médico de família num "vá lá à Champalimaud inspeccionar os pulmões", e mais a vasculha da próstata e de restantes vísceras, o já entrever ao longe, desbotado o olho de águia (salvo seja...) que sempre foi o meu e, talvez mais do que tudo, o omnipresente "já não vale a pena"..., seja lá diante do que for.
 
Hoje percebi o quanto estava errado. Desperto estava, e bem, a ver um jogo do Sporting, deslocado à sempre Cidade-Berço, reduto dos vimaranenses. Saiu na rifa um penalti fajuto contra "nós", apesar de toda a parafernália videográfica... Passei logo ao Aston Villa-Arsenal, num "que se lixe tudo isto". O Villa veio a ganhar, para meu gáudio, (quase)sempre a defender o "abaixo de cão". Depois jantei com amigos uns bons bifes à moda açoriana, feitos por quem sabe. Bebeu-se um belo tinto "Grous". Entretanto o telefone disse-me que o Sporting perdeu, coitados. Os velhos que se preocupem com isso.
 
Pois nós, os novos, somos audiência de espectáculos a sério.

No Metropolitano de Lisboa

jpt, 17.10.23

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Nos Restauradores entro no Metro, desço ao cais e fico estuporado pois - ainda que soando algo baixo - reconheço acordes dos Doors, a L.A. Women logo julgo. Sai-me palavrão, peludo - e ainda pior, logo de seguida, ao ouvir a canção interrompida com anúncio a um qualquer cartão ("Viajante"?). São-me palavrões mudos, para mim mesmo, isto de ver os velhos Doors resumidos a "música de metropolitano", que nem de hotel.... E lembro-me, eu puto, do programa musical de António Victorino de Almeida, dizendo que a população de Viena (Viena!!!!, sim, Viena...) votara contra a música ambiente no metro...

Fogo!, que menosprezo, os velhos Doors metidos a música ambiente do Metro lisboeta... Que desplante, o da empresa... Não os ouço há quanto tempo?!, nem nas minhas fileiras do spotify, dizendo-os desengraçados, ao Morrison um histriónico até piroso e - até mais do que tudo - nestes meus já 59 anos não tocando naqueles seus produtos há para aí 40 anos, vade retro, satanás, disse mesmo que ateu, avesso àqueles químicos, depois descrente do vegetal psicotrópico.

Agora, é já noite, e deparo-me comigo, nas mãos tenho este "Uma Oração Americana e Outros Escritos", editado pela Assírio e Alvim (ainda assim escrita), que comprei em Dezembro de 1981... Já tocou, bem alto, e eu cantei, o "Everybody loves my baby, everybody loves my baby, she get high, she get high, she get high, she get high, yeah"!

Agora toca, e eu leio, "As pessoas são estranhas quando nós o somos, / feias são as caras quando nos vemos só. / Toda a mulher que nos rejeita nos parece perversa, / as ruas são tortuosas quando estamos em baixo. / Quando nos sentimos estranhos, surgem-nos caras através da chuva, / quando nos sentimos estranhos, ninguém se lembra do nosso nome, / quando nos sentimos estranhos, quando nos sentimos estranhos, / quando nos sentimos estranhos." (Tradução de Manuel João Gomes). Pois é assim mesmo...

Enfim, afinal... obrigado Metropolitano de Lisboa. E, já agora, alguém por aqui tem aí alguma coisa...?

No Ginjinha Popular

jpt, 16.10.23

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Venho à Baixa, o que me é tão raro. Subo um pouco a avenida, numa entrega que me cumpre. Estanco diante deste magnífico Hotel Vitória - há quantos anos não olhava para ele. E noto-lhe mesmo uma bela característica, por nesta ala é agora o único sítio que não vai como loja gentrificada. E roubo esta pobre imagem enquanto entoo - por essa razão, suficiente - "Avante, Camaradas!".

Depois desço, à das Portas de Santo Antão, já apenas em breve passeio. Mas iro-me, cruzando estes pacóvios wine bar, pindéricos coffee and toistery,, miseráveis kebabes, explode-me a imprecação agourenta diante de uma "tapas de Sevilha" no centro da minha capital (!) - como se atrevem eles?, ainda se fosse uma tasca galega, de tonel à porta -, e já nem o "Inhaca" fronteiro ao Gambrinus encontro.

Mas, de súbito, deparei-me com uma ainda tasca lisboeta. Acorro à esplanada, a colher alento. Passa uma pequena tuna, de quase caloiros decerto, a trautearem - muito mal, coitadinhos - uma qualquer dos velhos Delfins. Sorrio, revitalizado.

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E, ao simpático empregado, cancelo a bica pedida, lembro-me do passado como era e chamo por uma imperial com um panado, isso que se comia e há que anos não lhe chego. Vem ele como deve de ser, carcaça já algo serôdia, carne encarquilhada, o travo a augurar uma leve e tão desejada azia. 

E assim estou aqui, feliz no Ginjinha Popular, este sem ademanes nem requebros. Pois, como se canta em Moçambique, "juro, sinceramente, palavra de honra, vou morrer assim". Português...

Slava Vida!

jpt, 14.10.23

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A primeira regra de um bloguista é evitar o resvalar para o intimismo. Não por mera auto-preservação. Mas sim por educação, bom gosto, decência até. Para quê mostrar as varizes e pústulas, o corrimento das desengraças e até desgraças próprias, reais ou imaginadas? Que interessa isso aos outros, decerto que embrenhados nos seus próprios correres (e corrimentos)? Sempre sigo isso, ainda que alguns amigos próximos percebam as minhas flutuações - e disso reclamem -, presentes no discorrer sobre as coisas várias.

Vinte anos de bloguismo! Como me esconder diante de tanto perorar? Confesso, com pesar, a presença de alguma amargura, a qual decerto transparece, coisa de homem frágil, não vitorioso. Essa que o grande Graham Greene - esse que escreveu o meu livro preferido, pois me desvendou o rumo ainda eu adolescente, o de futuro Fowler, o do "Americano Tranquilo", explicou, ao dizer num alhures do seu parco "Terceiro Homem": "Nunca nos habituamos a ser menos importantes para as outras pessoas do que elas são para nós". 

Acordo hoje, um sábado depois daquele ontem no qual finalmente acabou o longo, e assim tão maldito de preocupante, Verão lisboeta, e quando até, aleluia!, choveu... Ponho os óculos e vejo que no telefone tenho mensagens, educadas mas cálidas, dessas que resssucitam pois provenientes daquele que dizíamos "belo sexo". Assim me reforço no aventurar diante do malvado novo dia. Mas logo me deparo com um amistoso convite - de tipo que quase nem conheço, apenas leitor do meu bloguismo - para um almoço no afamado "Dom Feijão", para que possa eu conhecer um bibliófilo extremado. E não é qualquer ideia da (sempre tétrica) comezaina que me anima, mas sim a convocatória até excêntrica que assim tanto me acalenta...

Sigo à lida doméstica - não vá a chuva atrapalhar-me o estendal... E toca o telefone. Uma tão bela amiga, que tantas vezes utopizei como cunhada, convida-me para o seu jantar (familiar) de aniversário. Um pouco depois, eu às voltas com outros afazeres caseiros, telefona um outro amigo, recente pois feito neste bloguismo, a ordenar-me que desça à rua para dele colher algo, apressadíssimo está. Acorro, ainda sem duche, e entrega-me ele um pacote de meia-dúzia de chamuças - pois chamucista me sabe, via os tais postais de blog - e duas cervejas, ucranianas. Comovo-me, insisto em que suba, ao que ele se nega dada a azáfama que hoje o recobre...

Sento-me à mesa, sozinho mas assim nada solitário, pois tão acompanhado. São já 12.15 horas, legítimo horário para que um cavalheiro, mesmo se desvalido, possa beber. Um copázio de Queen Margot enquanto desembrulho as chamuças... Depois abro esta Robert Doms, percebendo-a saborosíssima, para aquelas acompanhar. Na TV uma velha gravação dos clássicos Art Blakey e Horace Silver, enquanto leio o Simenon que o meu pai António tanto me recomendou - avisou, assim mostrando diante da minha distracção o quanto me conhecia. Estou na sua sala, quase nada mudei, tirando os quadros afixados. Olho, de cerveja na mão, para o meu Shikhani que vou vender e resmungo "Foda-se, vou vender os meus Shikhani, caralho, estou bem fodido!", pois "como desci a este ponto?", e sei que ele se preocuparia comigo, rodando o seu copo de genebra. Ou rum...

Mas logo me assoma a ideia, óbvia, de que um amigo recente veio das Avenidas Novas para me ofertar chamuças e cervejas ucranianas. E um outro, ainda mais recente, me chama para almoço interessante nas tais Avenidas Novas... E ainda tenho o jantar de gente querida. Sorrio, diante do Shikhani, percebendo-o afinal não a minha vida. E clamo, copo de (boa) cerveja ao alto, "Slava Ukraini"!!!

Ou seja, Glória à Vida!

Favas em Almada

jpt, 02.10.23

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Vou usar o barco para atravessar o Delta do Trancão. Chego ao cais em cima da hora, leio que está quase de partida, estugo o passo e acorro à bilheteira. Nela se arrasta um casal de decanos, em atrapalhadas delongas, informações descabidas, carteiras confusas, esmiuçar de trocos. Segue-se-lhes uma meã trintona, dotada de aquele tão típico ar de simpática geniquenta, sempre insuportável. A qual embrulha a aquisição do bilhete com o vasculho da carteira, perguntas sobre quaisquer outros assuntos e até sorrisos circundantes. Lá compro o bilhete, um minuto depois do cais ter encerrado. Não é grave, não estou apressado, a favada almadense por ora meu destino não fugirá e nem sequer estou atrasado, além de que no bolso trago um livro e tabaco, antevendo delongas.

Mas irrito-me com estes pequenos egoísmos, os dos "direitos adquiridos", naquilo do "estou à vossa frente, aguentem-se, atrasem-se ao meu ritmo...", a inexistência de qualquer cuidado com os vizinhos, esta forma de cidadania dos filhos de malteses e ratinhos, catarse dos destratos sofridos pelos antepassados. Por isso, e já só diante dos torniquetes, resmungo, em monólogo pouco audível, "raisparta estas conversas na bilheteira". Mas o porteiro - que agora é dito e fardado de "segurança" - ouve-me, sorri, e completa-me "é esta estrangeirada!...". Sigo-lhe que "não, estes chatos até eram portugueses". Ele riu e insiste "mas a estrangeirada fala muito...". Agora sou eu que sorrio e vou lá fora fumar. Mais sorrio por o compatriota suavemente irónico com a tal chata "estrangeirada" ser negro. E como este pequeno desabafo afinal me mostra que isto está muito melhor do que alguns o pintam.