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Se pudesse, em quem votaria Vladimir Putin na eleição presidencial de amanhã nos Estados (cada vez menos) Unidos da América?
Nós, europeus, temos sérios motivos para fazermos esta pergunta. E para não hesitarmos na resposta.
Esta é, desde já, uma das fotografias do ano. Pela negativa. Com a sua presença ontem em Kazan, saudando cordialmente Vladimir Putin, António Guterres avalizou a chamada "cimeira BRIC", que segundo o déspota do Kremlin pretende instaurar uma "nova ordem (sic.) internacional". Inutilizando a que emergiu em 1945 e possibilitou a criação da própria Organização das Nações Unidas, de que o antigo primeiro-ministro português é secretário-geral.
Não sei o que mais detesto nesta imagem. Talvez a vénia em jeito subalterno. Talvez o sorrisinho obsequioso. Talvez apenas a frívola gravata cor-de-rosa. Faltou a Guterres a coragem moral de usar gravata negra, em alusão implícita às centenas de milhares de vítimas do ditador russo.
Imagem que infelizmente me recorda outro local e outros protagonistas. Com local e data: Munique, 1938.
COGUMELOS NUCLEARES NAS CIDADES DOS EUA
«Convém levar a sério, de uma vez por todas, Vladimir Putin. Convém ouvir o que diz o próprio Trump neste debate com Kamala Harris: estamos a enfrentar uma potência nuclear, uma superpotência, e estamos completamente tranquilos como se nada se passasse. O que diz Putin - e é capaz de ter muita razão - é que estas armas de longo alcance (que não têm tanto longo alcance quanto isso) dentro do território da Rússia faz[em] da NATO parte do conflito. Muda a natureza e muda a essência deste conflito.
Portanto, quem quiser entrar em guerra com a Rússia, faça o favor. O Reino Unido quer entrar em guerra com a Rússia? Tenha a bondade. Basta um míssil Sarmat para destruir o Reino Unido. Basta um!
A utilização destes mísseis pode ser interpretada pela Rússia como um primeiro passo para um ataque preventivo, a resposta é nuclear estratégica, aliás disse-o [o MNE russo] Lavrov, não é na Europa: é directamente para os Estados Unidos. E os Estados Unidos não estão minimamente interessados, em ter, a um mês das eleições, cogumelos nucleares nas suas cidades! Nem certamente o Reino Unido. Nem certamente a França, muito menos o Presidente Macron, que nem consegue nomear um primeiro-ministro.»
A UCRÂNIA JÁ PERDEU E O OCIDENTE ESTÁ A PROVOCAR MOSCOVO
«O que é absolutamente ridiculo é pensarmos que se pode provocar sistematicamente uma potência nuclear, provocar a maior potência nuclear, que já fez o upgrade da sua capacidade bélica, ao contrário do Ocidente...
A questão é sabermos se é apenas a Ucrânia que vai sair derrotada desta guerra ou se sai a NATO toda! E os Estados Unidos têm a percepção disso.
Esta operação [em Kursk] foi o maior erro estratégico operacional que a Ucrânia, assessorada pelo Ocidente, pôde fazer. Os resultados estão à vista em Kursk. E no Donbass a situação é catastrófica para as forças ucranianas. Neste momento a Ucrânia está numa situação de emergência. O risco neste momento não é se a Ucrânia vai perder - é quando a Ucrânia vai perder, como vai perder e onde é que param os russos. Esta é que é a realidade dos factos.»
Major-general Agostinho Costa, ontem à noite, na CNN Portugal. O mesmo que em 25 de Fevereiro de 2022 proclamava na pantalha: «Os russos já estão em Kiev!»
Cada qual a seu modo, quatro mulheres mandam hoje na Europa: a alemã Ursula Von Der Leyen (ontem reeleita por larga margem para novo mandato como presidente da Comissão Europeia, muito acima dos 360 votos necessários), a maltesa Roberta Metsola, recém-reeleita presidente do Parlamento Europeu, a estónia Kaja Kallas, nova chefe da diplomacia comunitária, e Giorgia Meloni, que desde Outubro de 2022 chefia o Governo de Itália, terceira maior economia do euro.
De famílias políticas diferentes, têm um traço comum: expressam intransigente apoio à Ucrânia, vítima da guerra de agressão que lhe move Moscovo.
Formam um contraste gritante com a ditadura russa, sistema sem mulheres, sistema de um homem só. Tenebrosamente só.
O contraste torna-se ainda mais evidente quando reparamos nos aliados internacionais de Putin. O Eixo Moscovo-Minsk-Pequim-Teerão-Pionguiangue é formado em exclusivo por homens. «De barba rija», como diria um major-general putinófilo que ainda pontifica numa canal televisivo.
Até nisto o caudilho do Kremlin navega contra a História. Rumo a um passado ancestral que nada tem a ver com o nosso tempo.
Marine Le Pen e Jordan Bardella, seu jovem delfim, cantaram vitória antes de tempo. Acabam de tombar com estrondo. Do primeiro lugar na primeira volta, há uma semana, ao terceiro posto do escrutínio de ontem - o definitivo. Isto deveu-se, claramente, à grande mobilização popular: dois terços dos franceses acorreram às urnas, a maior participação em mais de quatro décadas. Rejeitando obviamente o extremismo de direita.
Mas o maior factor para esta inapelável derrota da Reunião Nacional foi o apoio expresso que recebeu de Moscovo três dias antes da segunda volta. Ninguém duvida que a agressão russa à Ucrânia é hoje o factor que mais contribui para clarificar as opções políticas em todo o nosso continente, eleição após eleição.
Nesse sentido, Putin emerge como outro derrotado destas legislativas em França. Só por si, já é uma excelente notícia para a Europa.
Neville Chamberlain cumprimentando Hitler em Munique (1938)
É comum ouvir-se por estes dias, a propósito da política de canhoneira aplicada por Vladimir Putin na Ucrânia, um conceito desenterrado dos mais bafientos baús da História.
Que conceito é esse? O de "apaziguamento".
Em síntese, os defensores desta tese recomendam a atitude dos três macaquinhos da fábula: há que vendar os olhos, cobrir os ouvidos e emudecer perante sucessivas violações do direito internacional para não indispor os prevaricadores. Se for preciso inverte-se até o ónus da prova, transformando o agressor em agredido e o agredido em agressor. Como o Grande Irmão de Orwell, que instituiu um Ministério da Verdade para melhor disseminar as mentiras enquanto incentivava as massas a urrarem o mais cruel e acéfalo dos paradoxos: «Guerra é paz!»
Não há nada de original nisto. Quando escuto os apóstolos do apaziguamento recordo-me sempre do mais infausto e patético de todos os primeiros-ministros britânicos: Arthur Neville Chamberlain. Céptico perante os aliados, crédulo perante os inimigos. De uma granítica intransigência face às vozes que o alertavam contra os riscos do compromisso a todo o preço, sempre pagos mais tarde a custos elevadíssimos. E de uma benevolência sem limites face à ofensiva totalitária.
De tanto querer a paz, na sua indesmentível boa fé, facilitou o caminho aos promotores da guerra. Da mais sangrenta, devastadora e homicida das guerras.
Recordo em particular o acalorado debate na Câmara dos Comuns travado a 25 de Junho de 1937 -- em que, não por coincidência, foi invocado várias vezes o nome de Portugal.
Era a primeira vez que Chamberlain ali discursava sobre política internacional desde que fora empossado como chefe do Governo conservador britânico, no mês anterior. E logo ali ficou bem patente o seu anseio em levar à prática uma política de "apaziguamento" com as feras totalitárias que faziam da guerra civil espanhola terreno experimental para um incêndio muito mais vasto que não tardaria a deflagrar no mundo.
Comentando a aparente resignação de Berlim na sequência do recente afundamento de um navio alemão ao largo da costa espanhola, o antecessor de Churchill não hesitou em elogiar o regime de Hitler por «ter demonstrado um grau de moderação que devemos reconhecer». O massacre de Guernica, cometido pela tenebrosa Legião Condor, ocorrera dois meses antes...
Incapaz de ler os sinais da História, Chamberlain pedia «cabeça fria» no Parlamento britânico e recomendava aos próprios jornalistas que «medissem as palavras» para não ferir as susceptibilidades dos inimigos da democracia. E rematou assim, cego perante as evidências: «Se todos formos prudentes, pacientes e cautelosos seremos capazes de salvar a paz na Europa.»
O antigo primeiro-ministro liberal David Lloyd George respondeu-lhe da melhor maneira. Observando sem rodeios que Hitler violara já três acordos internacionais subscritos pelo Estado alemão. Ao inutilizar o Tratado de Versalhes (1919) reintroduzindo o serviço militar obrigatório. Ao rasgar o Pacto de Locarno (1925), invadindo e remilitarizando a Renânia. E ao transformar em letra morta o Acordo de Não-Intervenção na Guerra Civil de Espanha (1936), disponibilizando instrutores, armamento e aviação a Franco.
E Lloyd George retorquiu a Chamberlain: «Precisamos de cabeças frias, sim, mas também de corações fortes.»
Solidários com os que sofrem as agressões, não com aqueles que as praticam. E aprendendo sempre com as lições da História.
Volta e meia aparece por aí alguma gente, quase sempre anónima, a clamar contra a "partidocracia". Alegando que o nosso sistema partidário está contaminado por interesses oligárquicos.
Ora a pior oligarquia ocorre nas situações inversas - quando não há partidos. Ou quando existe apenas o partido do ditador, sem democracia representativa. Os opositores estão presos, exilados ou mortos.
Regime oligárquico é o do brutal ditador Putin. Também plutocracia e cleptocracia - tudo em simultâneo. Tomaram os cidadãos russos, vergados ao peso dessa tirania oligárquica, plutocrática e cleptocrática, terem uma "partidocracia" no país deles. Onde o anonimato é imperativo de segurança de quantos arriscam a liberdade e a própria vida, não um luxo de diletantes no conforto da Europa ocidental.
Arranjou três fantoches como figurantes nas listas eleitorais fingindo que competiam com ele - um dos tais enfeitado com a foice e o martelo, em entusiástico apoio à anexação de parcelas da Ucrânia. Mandou silenciar todos os que se atreveram a fazer-lhe frente: estão hoje no exílio, na prisão ou no cemitério. Fez-se reeleger Czar da Santa Rússia com fraudes maciças, sem campanha eleitoral digna desse nome, sem debates,, sem imprensa livre, sem fiscalização dos cadernos eleitorais, sem observadores independentes.
Entre avisos reiterados de que está disposto a utilizar o paiol atómico de Moscovo para desencadear a III Guerra Mundial. Como quem se mostra disponível para disputar uma amena partidinha de xadrez.
Vladimir Putin, o mais perigoso déspota do mundo actual. Septuagenário viciado no exercício do poder, que funciona para ele como uma droga dura: é senhor absoluto do Kremlin há um quarto de século, violando normas constitucionais internas e os pactos internacionais que a Rússia assinou. Acaba de ser "reeleito" com 88% dos votos, mas para o efeito tanto faz: podia ser 98% ou até cem por cento.
Como o New York Times escreveu em 1958, a propósito da monumental fraude ocorrida esse ano na eleição presidencial portuguesa que atribuiu a vitória nominal nas urnas ao almirante Thomaz, «Salazar poderia até ter escolhido como candidato o primeiro polícia de trânsito que lhe surgisse no caminho». O triunfo estava assegurado de antemão.
Seis anos mais no poder: agora a meta é 2030. Mas o tirano pode permanecer até 2036, quando tiver 84 anos - se gozar de vida e saúde até lá. Num sistema totalitário em que ele próprio vive como recluso, temendo sofrer o mesmo destino a que já condenou tantos opositores.
Repare-se que nem se dignou abandonar o búnquer do Kremlin para se deslocar a um local de voto. Permaneceu encerrado no gabinete, longe do povo que diz representar, e votou em si próprio por computador.
É desde já uma das imagens de 2024. Patético retrato do antigo oficial do KGB, hoje um caudilho que controla à mercê de um botão o maior arsenal nuclear do mundo.
Alexei Navalny (1976-2024): assassinado aos 47 anos por ter ousado enfrentar o tirano russo
Infelizmente, era uma má notícia previsível neste ano que promete trazer-nos várias outras muito funestas. Alexei Navalny, o mais destacado e corajoso opositor de Vladimir Putin, foi assassinado na prisão junto ao Círculo Polar Árctico, nos confins da Sibéria, para onde fora desterrado pelo sanguinário ex-oficial do KGB que detém o poder absoluto em Moscovo esmagando direitos, suprimindo liberdades, rasgando todas as garantias constitucionais.
«Foi homicídio», declarou à Reuters o jornalista russo Dmitri Murátov, galardoado em 2021 com o Prémio Nobel da Paz. Nenhuma dúvida.
Todos quantos ousam enfrentar o tirano moscovita têm aparecido mortos - das mais diversas formas. E até vários dos seus antigos aliados e amigos: basta lembrar o "falecimento acidental" de Prigójin quando se fartou de ser pau-mandado do Kremlin na carnificina ucraniana, iniciada há quase dois anos.
Outros, muitos outros, foram vítimas de morte abrupta. Ou caem de varandas, ou bebem chá envenenado, ou recebem balas homicidas na própria casa onde vivem, ao estilo mafioso (como aconteceu com a jornalista Anna Politkovskaya, mártir da liberdade de imprensa em 2006). Ou são até abatidos a tiro nas imediações da Praça Vermelha (como aconteceu em 2015 com Boris Nemtsov, outro desassombrado opositor).
Ex-oficial do KGB, Putin tem reabilitado Estaline, que lhe serve de modelo
Navalny, com inegável robustez física e anímica, escapou uma vez à pena de morte extra-judicial que o carniceiro do Kremlin lhe decretara, ao mandar envenená-lo em pleno voo, em 2020.
A estrela da fortuna iluminou-o nesse instante. Mas ele teimou em desafiar o destino. No dia em que, por imperativo patriótico, decidiu regressar à Rússia, selou a sua condenação à pena capital. Detido, à margem de todas as regras civilizacionais. Torturado. Condenado a 19 anos de cárcere por delito de opinião. Tratado como lixo humano, partilhando cárcere com violadores e pedófilos. Empurrado para uma das cloacas do planeta, um local com 45 graus negativos para onde o czarismo e o estalinismo desterravam milhares de presos políticos.
Assassinado pela ditadura putinista, apostada em ressuscitar Estaline - desde logo no implacável esmagamento e destruição de quem se atreve a confrontá-la.
A mesma ditadura que conta com públicos e notórios apoiantes em Portugal - tão repugnantes como ela. Alguns, daqui a dois meses, andarão de cravo ao peito e punho no ar, celebrando o 25 de Abril. Enquanto aplaudem a censura russa, os bufos russos, a PIDE russa, o tirano russo, os crimes políticos do totalitarismo russo. Com inaceitável e vergonhosa duplicidade moral.
Comunistas russos veneram o busto de Estaline em Moscovo
«Se eu for presidente do Brasil e ele [Putin] vier ao Brasil, não será detido, de forma nenhuma.»
Lula da Silva, ignorando que o ditador russo é alvo de um mandado de captura internacional emitido pelo TPI, de que o Brasil é país signatário. E fazendo tábua rasa da independência do poder judicial brasileiro.
Quando recebemos o sopro da vida, é-nos informado que tem limitação. Só Deus saberá quando, mas é como dizem, Deus põe e o homem dispõe. Ou pelo menos deveria ser.
O homem é um homem. Um homenzinho pequeno, triste, mau e vingativo com o complexo de Deus. É incompreensível como lhe permitem os outros homens ser o dono do tempo de tanta gente.
A expressão “Ah, era uma questão de tempo” é a que mais se relaciona com os seus desmandos.
Nenhum homem deveria brincar a ser Deus. Ainda há homens justos no mundo ou será apenas uma questão de tempo?
https://areferencia.com/europa/os-mortos-de-putin/
(Imagem Google)
(créditos: Palácio do Planalto/Ricardo Stuckert)
Se outras razões não houvesse, para além da ausência de Vladimir Putin, a cimeira dos BRICS que está a decorrer na África do Sul está a revelar-se um verdadeiro fiasco.
A ausência de Putin indicava, desde logo, que a bazófia do cobardolas russo não era suficiente para que pudesse confiar nas autoridades sul-africanas. Sem garantias de que poderia exibir-se em segurança e sem ser detido, o carniceiro do Kremlin enviou Lavrov, o seu amestrado serventuário, cão de fila para todo o serviço, optando por discursar em modo de pré-gravação e retransmissão audiovisual no habitual registo distópico sobre a comunidade internacional, fazendo eco de lamúrias e lamentações pelas consequências de uma catástrofe provocada ao seu povo e à Ucrânia por si próprio.
A África do Sul, integrando o Tribunal Penal Internacional, com as linhas da sua política externa claramente definidas, e objecto de reajustamento pelo presidente Cyril Ramaphosa, após o afastamento de Zuma, não poderia dar-se ao luxo de condescender com a Rússia, não cumprindo um mandado de detenção internacional para satisfação do senhor Putin, o que traria problemas acrescidos a quem já tem muitos para resolver, colocaria em causa o desenvolvimento do país e em risco a sua respeitabilidade internacional.
Por outro lado, se é verdade que o presidente chinês se deslocou à cimeira, o facto de não ter discursado, estando previsto que o fizesse, entregando o seu discurso a um subalterno, suscitou de imediato muitas dúvidas e questões, designadamente em Hong Kong, as quais ainda aguardam esclarecimento.
Atendendo à posição proeminente da China nesse fórum e no mundo actual não é normal que fosse o ministro do Comércio chinês, Wang Wentao, a ler o discurso do presidente Xi, pelo que algo de muito grave deve ter acontecido para que a substituição tivesse ocorrido e ninguém apresentasse justificação para ela. De tal forma foi inesperado que, embora o presidente Xi não discursasse, uma porta-voz do MNE chinês, Hua Chunying, divulgou na rede Twitter que o presidente tinha discursado, assim contribuindo para a disseminação de "fake news" à escala global e com chancela oficial.
A situação económica do país e a crise de confiança instalada na China, seja por razões atinentes ao colapso do sector imobiliário ou à gigantesca dívida dos governos locais e das empresas estatais, não pode ser razão suficiente para a mudança. Daí, também, as palavras do antigo embaixador do México na China quando escreveu na mesma rede social que "[u]ma ausência sem aviso prévio, especialmente num fórum multilateral (ao qual a RPC raramente falta), depois de todo o trabalho de base com a Índia, é verdadeiramente digna de notícia. A ser verdade, algo está certamente errado".
As dezenas de países que pelas mais variadas razões gostariam de se associar aos BRICS – Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Indonésia, Irão, México, Emirados Árabes Unidos, Congo, Comores, Cazaquistão ou Nigéria, por exemplo – mostra como será difícil um novo alargamento. E que a ocorrer bloqueará de vez qualquer hipótese de sucesso do grupo. Por agora, depois de muitas promessas, os BRICS navegam entre a simples propaganda, as declarações de intenções grandiloquentes, as peregrinas propostas de Lula e Dilma e muita incerteza.
A disparidade de interesses políticos, económicos e ideológicos entre os actuais membros – China vs Índia, Índia vs. Rússia, África do Sul vs. Rússia – e os que ali pretendem entrar, mostra com toda a evidência que embora o grupo tenha muitas hipóteses de vir a ser uma verdadeira plataforma comercial alternativa e um dinamizador de relações bilaterais entre os seus membros, tudo o mais que anseie corresponder a uma acção concertada e de carácter mais global estará condenado ao fracasso.
«Para captar os incautos de todo o mundo, o putinismo ergueu-se como defensor dos "valores morais tradicionais", e sobretudo da Cristandade.
Moscovo seria a Nova Roma da Ortodoxia, a proteger as suas ovelhas, onde quer que estivessem.
Mas os selvagens ataques à cidade de Odessa, mais monstruosos por se disfarçarem de "bombardeamentos cirúrgicos a alvos militares", conseguiram também destruir um símbolo maior da Fé.
Na verdade, a delapidação generalizada da Catedral do Salvador e da Divina Transfiguração mostra bem a face do "protector". Fundada no século XVIII, foi declarada o maior templo da Nova Rússia em 1808. Jaz agora em ruínas, fruto da política de terra queimada do santo Kremlin.»
Nuno Rogeiro, na Sábado
Foto: Beata Zawrzel / NurPhoto
Ontem foi o dia 500 da guerra soviética que a Rússia de Putin trava em solo ucraniano. Uma invasão iniciada há quase 17 meses, em grosseira violação do Direito Internacional - desde logo a Carta das Nações Unidas.
Segundo a Comissão de Direitos Humanos da ONU, os esbirros às ordens do ditador moscovita - incluindo a tenebrosa legião Wagner, agraciada com quase mil milhões de euros do Estado russo, segundo confessou o próprio Putin - já assassinaram pelo menos nove mil civis na Ucrânia. Incluindo crianças e até bebés.
Crimes de guerra, crimes contra a Humanidade. Em cidades como Butcha, Irpin e Mariúpol, reduzidas a escombros. Atrocidades de todo o tipo. Desprezo absoluto pela vida humana. O déspota do Kremlin responderá perante a justiça por este genocídio premeditado na nação vizinha. Estou cada vez mais convicto disto.
Slava Ukraini!
Acossado pelas sanções internacionais, líder crepuscular de um velha potência em declínio, humilhado pelo mais repugnante dos seus barões da guerra, Vladimir Putin reage com a pulsão dos autocratas. Entrincheirado, dissociado da realidade, numa Rússia que ameaça fragmentar-se em estilhaços repetindo o humilhante fim do Império Austro-Húngaro após a declaração de guerra à Sérvia em 1914. Com uma demografia devastada pela fuga maciça de jovens (mais de um milhão terão abandonado o país neste último ano e meio) e pelo morticínio na Ucrânia, num país onde a esperança de vida à nascença é de apenas 67 anos para os homens, o ditador do Kremlin vive numa realidade paralela. Acreditando só nas suas efabulações, numa réplica do Hitler confinado ao búnquer de Berlim naquele agonizante Inverno de 1945, resta-lhe mandar matar. Seja quem for, não importa quando, não importa onde. Já o fez com opositores políticos, jornalistas, antigos rivais que deixaram de prestar-lhe vassalagem.
Pela enésima vez desde que decidiu anexar a nação vizinha, no seu delirante projecto de reconstituir o defunto império soviético, o antigo agente do KGB deu ordem para abater civis inocentes. Por terem cometido este pecado: estavam numa pizaria muito frequentada, à hora da refeição. Ontem foram onze, na cidade de Kramatorsk, no Leste da Ucrânia - incluindo três adolescentes. Registaram-se mais de 60 feridos, vários dos quais em estado grave. Atingidos por um míssil russo.
Outro míssil de Putin. Outro crime de Putin.
Entre as vítimas, encontravam-se as irmãs gémeas Anna e Iulia Aksenchenko - que fariam 15 anos em Setembro. Já não festejarão o aniversário.
Mais dois nomes inscritos num extenso memorial de mártires. Mais nódoas de sangue no vasto cadastro de crimes da Federação Russa.
Diálogo ontem à noite, na CNN Portugal:
Jornalista - Aqui neste mesmo estúdio, quando começaram os problemas entre o ministério russo da Defesa e o grupo Wagner, perguntei-lhe se havia ou não dissonâncias entre estes dois. E respondeu-me que não: «Isso são fantasias.» Enganou-se nesta análise?
Major-general Agostinho Costa - Não. Uma coisa é o que parece. Outra coisa é o que é. (...) Temos de analisar e não nos iludirmos pelas aparências. Então temos um golpe de Estado e o cabecilha do golpe de Estado vai passar férias para a Bielorrússia?
Jornalista - Mas também referiu que o grupo Wagner «é uma concepção de Gerassimov [comandante das forças armadas russas], é preciso ler a doutrina de guerra híbrida, e está a funcionar muito bem.» Está?
Major-general Agostinho Costa - Está.
Jornalista - Isto tem aparência de normal funcionamento?
Major-general Agostinho Costa - Reitero tudo quanto disse. Reitero tudo quanto disse.
Jornalista - Também referiu aqui que «o grupo Wagner corresponde, na Rússia, às forças especiais norte-americanas, é mais ou menos a mesma coisa». Foi isso que referiu neste estúdio. Arrepende-se de comparar o grupo Wagner a exércitos regulares?
Major-general Agostinho Costa - De maneira nenhuma!
Jornalista - O Wagner não é uma força regular.
Major-general Agostinho Costa - É uma força de assalto. É uma força especial de assalto. As forças de assalto têm várias missões. O Wagner, quando é enviado para o exterior, combate ao lado dos países para onde vai. Por isso é que tem tido este sucesso.
Jornalista - Há ou não, nestas últimas 24 horas, um dano reputacional para Vladimir Putin, bastante visível à própria opinião pública russa?
Major-general Agostinho Costa - Não o acompanho, não o acompanho.
Le Monde:
Chefe do grupo Wagner anuncia rebelião armada, Moscovo reforça medidas de segurança.
Al-Jazeera:
"Até ao fim da linha": chefe do grupo Wagner aumenta ameaças ao comando militar russo.
Associated Press:
The Guardian:
Rússia investiga chefe do grupo Wagner por "motim armado" após apelo a ataque aos militares.
Reuters:
Moscovo acusa chefe do grupo Wagner de motim, ele diz que as suas forças já entraram na Rússia.
BBC:
Televisão russa interrompe programação regular.
The New York Times:
Generais russos acusam chefe mercenário de tentar organizar um golpe.»
Le Figaro:
ABC:
Forças mercenárias do grupo Wagner marcham rumo à cidade de Rostov.
CBS:
Em conflito aberto com o Kremlin, os mercenários do grupo Wagner ocupam cidade russa.
El Confidencial:
Kremlin manda tanques para as principais cidades após ameaça de Prigójin.
El Español:
Rebelião do grupo Wagner põe Kremlin em alerta: exército toma Moscovo perante um possível golpe.
Ao fim de 15 meses, além de ter empurrado a Suécia e a Finlândia de uma neutralidade histórica para a adesão à NATO, Vladimir Putin transformou a Ucrânia num dos exércitos mais bem equipados de todo o continente europeu. A "conquista relâmpago" que previa como triunfal, semelhante à da anexação da Áustria por Adolf Hitler em 1938, só existiu na imaginação delirante do tirano russo.
Neste momento, drones de fabrico ucraniano já são capazes de atingir Moscovo - algo inimaginável em 24 de Fevereiro de 2022, quando o déspota do Kremlin deu ordem à sua infantaria e à sua artilharia para invadirem o país vizinho e ocuparem Kiev. E a próxima cimeira da NATO, na Lituânia, promete ser um dos momentos mais aglutinadores da Aliança Atlântica desde que foi fundada, em 1949. Não podia estar mais distante da organização em «morte cerebral» a que aludia Emmanuel Macron em 2019, investido em péssimo discípulo póstumo do general De Gaulle.
Que um «gangue viciado em drogas» seja capaz desta proeza, para usar o peculiar léxico do carniceiro russo em relação ao Estado soberano cuja soberania violentou, em flagrante atentado às mais elementares regras do direito internacional, só demonstra como Putin não se limita a ser um dos mais execráveis déspotas do nosso tempo.
É também de uma incompetência sem limites. Difícil haver pior.
A Finlândia ingressou hoje, formalmente, como 31.º membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Vladimir Putin, que não queria mais forças da NATO nas imediações do seu país, vê agora uma nação que partilha 1340 quilómetros de fronteira com a Federação Russa aderir à Aliança Atlântica com o apoio de 80% dos finlandeses. Duplicou, portanto, a área limítrofe entre os dois blocos: agora estende-se por 2500 quilómetros.
Consequência directa - mais uma - da brutal invasão da Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022. Terá sido uma brilhante jogada estratégica, mas não de Moscovo. Putin, que aprecia praticar hóquei sobre o gelo, não revela o menor talento para os sofisticados lances de xadrez.