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Delito de Opinião

Outra derrota de Pedro Sánchez

Pedro Correia, 20.02.24

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Derrota copiosa dos socialistas espanhóis. Mais uma, neste domingo. Agora foi na Galiza. Como já tinha sido em Madrid, na Andaluzia, em Castela e Leão, na Extremadura, em Valência, em Múrcia, na Cantábria, em Aragão, na Rioja e nas Baleares. A nível territorial, o PSOE só conserva hoje a presidência por maioria absoluta de um dos 17 territórios autonómicos do país vizinho: Castela-A Mancha, aliás governada pelo maior opositor interno de Pedro Sánchez, Emiliano García-Page.

Um descalabro.

Já tinham sido derrotados nas legislativas de Julho de 2023, embora acabassem por formar governo traindo tudo quanto haviam prometido ao celebrarem um acordo pós-eleitoral com cinco forças nacionalistas, três das quais assumidamente separatistas. Sánchez, tentando manter-se no poder a qualquer preço, cedeu em toda a linha aos independentistas catalães e aos herdeiros políticos da ETA no País Basco.

O caderno reivindicativo destes parceiros de coligação, que não escondem a intenção de destruir o Estado espanhol, vai acumulando cada vez mais exigências: a frágil maioria do PSOE irá quebrar-se a curto prazo. Algo inevitável, quando uma deputada independentista proclama no plenário das Cortes, em Madrid: "Não podemos estar submetidos ao poder judicial." Alude à magistratura nacional espanhola, em linguagem de "povo colonizado" contra a potência colonizadora. Parece que vão a bordo de uma nave de loucos.

 

Neste quadro, as regionais na Galiza funcionaram também como sondagem à gestão política de Sánchez, indivíduo totalmente desprovido de escrúpulos. Basta lembrar que formou o governo anterior com a esquerda mais extrema após ter afirmado, durante a campanha, ser «incapaz de dormir à noite, tal como 95% dos espanhóis», se o Podemos chegasse a ter pastas ministeriais. Contados os votos, mandou a jura às malvas e abraçou-se a eles.

Agora vê o seu partido sofrer a maior derrota de sempre no noroeste peninsular. Com apenas 14%, o PSOE perde cinco deputados: restam-lhe nove. Atrás do Partido Popular (47,4%, 40 deputados) e do Bloco Nacional Galego (31,6%, 21 deputados). Houve ainda um deputado regionalista, eleito por Ourense. 

O PP atraiu 60 mil novos eleitores, em comparação com as anteriores autonómicas, em 2020, enquanto os socialistas viram fugir mais de 50 mil votos. Os extremistas mantiveram-se fora do parlamento regional: nem a ultra-direita do Vox (2,2%) nem os comunistas do Sumar (0,89%) nem o Podemos (0,26%) conseguiram representação. Todos naufragaram nas urnas, excelente notícia.

 

O cerco ao PSOE, cada vez mais evidente, está a suceder por via das sucessivas eleições regionais. Em 2021, em Madrid, o PP teve mais mandatos do que toda a esquerda: então, também aí, os socialistas registaram o seu pior resultado de sempre. Em 2022 sofreram uma inédita derrocada eleitoral no seu feudo andaluz. 

Sánchez, a partir de agora, vai dormir cada vez pior. Não por causa do Podemos, que quase desapareceu do mapa político devido a uma série de convulsões internas, mas das ligações perigosas ao supremacismo catalão - incluindo o partido que mantém comprovados vínculos com Moscovo.

Tem tudo para acabar mal. E não duvidem: vai acabar mesmo.

Um voo cego a nada

Pedro Correia, 17.01.20

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1

Oitenta anos após o fim da guerra civil, a "verdadeira esquerda" - como se intitulam os filo-comunistas da coligação Unidas Podemos agora coligados com o outrora odiado Partido Socialista - chega enfim ao poder em Espanha. Pedro Sánchez, com apenas 28% de votos recolhidos nas urnas e só com 120 assentos entre os 350 lugares do Congresso dos Deputados, decidiu coligar-se com os radicais de quem andou a demarcar-se durante toda a campanha eleitoral que conduziu às legislativas de 10 de Novembro.

«Nem eu nem 95% dos espanhóis dormiríamos tranquilos com o Podemos no Governo», chegou a dizer Sánchez semanas antes da segunda ida às urnas para tentar ampliar a escassa percentagem alcançada nas legislativas de Abril - e de que saiu com uma margem de manobra ainda mais estreita. É uma frase que vai persegui-lo durante toda a legislatura, dure o tempo que durar, assombrando-lhe as noites no Palácio da Moncloa. Mal foram contados os votos, o líder socialista apressou-se a transformar em parceiros de coligação os mesmos que diabolizara com aquelas palavras tão duras.

 

2

Num parlamento atomizado como nunca, com 19 diferentes agrupamentos políticos agora ali representados, o Executivo de Sánchez só conseguiu ser eleito por maioria simples no segundo escrutínio, graças às abstenções de 18 independentistas republicanos da Catalunha e do País Basco em momentânea trégua com as instituições políticas de Madrid: recebeu 167 votos a favor e 165 contra no hemiciclo. Basta um deputado de uma das forças minoritárias mudar de campo para esta frágil maioria tremer - o que poderá acontecer já na votação do orçamento do Estado para 2020.

A margem pode ser pequena, mas o Executivo é indubitavelmente grande - ao ponto de ser o maior, em número de lugares, de toda a União Europeia. Ao todo, são quatro vice-presidentes, 22 ministros, 31 secretários de Estado e 22 subsecretários de Estado. Contando com Sánchez, somam 80 cadeiras. Prevendo-se que sejam acolitados por outra cifra recorde em Espanha: 182 assessores - o dobro do que havia no Executivo do PP, liderado por Mariano Rajoy.

O jornal El Confidencial fez as contas à factura, que promete ser bem pesada: mais cinco milhões de euros em salários governamentais até ao fim da legislatura.

 

3

Dispondo de uma maioria tão precária, Sánchez actua no entanto como se ostentasse maioria absoluta.

Numa das primeiras medidas, anunciou a nomeação da sua ministra da Justiça cessante, Dolores Delgado, para procuradora-geral do Estado - em óbvia colisão com o princípio da separação de poderes, contrariando não apenas a mais elementar ética política mas também toda a jurisprudência sobre a matéria firmada pelo Tribunal Constitucional espanhol e pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A mesma pessoa que andava há dois meses a fazer campanha eleitoral pelo PSOE, como quinta candidata socialista pelo círculo de Madrid, passa a dirigir um órgão que deve reger-se pela imparcialidade: nada bate certo aqui.

Sem surpresa, a nomeação não tardou a suscitar contestação aberta no Conselho Geral do Poder Judicial, a máxima instância de gestão e disciplina dos magistrados espanhóis, e a crítica frontal da presidente da Associação de Procuradores, que antevê a nova procuradora-geral a receber ordens daquele que até há poucos dias era seu superior hierárquico no Governo.

 

4

Eis uma decisão típica da «casta política» que o actual secretário-geral do Podemos, Pablo Iglesias, denunciava nas pantalhas quando era comentador televisivo. Os tempos mudaram: Iglesias, que se gabava de morar então num modesto apartamento, é hoje o feliz proprietário de uma vivenda com jardim e piscina na serra madrilena. E a sua companheira, Irene Montero, que ele em 2017 escolhera para líder parlamentar do partido, coabita agora com ele também no Governo: Pablo é o vice-presidente para a área social, ela é a titular da pasta da Igualdade. Tudo em família, como nas vetustas casas nobiliárquicas.

Isto demonstra que o elevador social funciona em Espanha para a esquerda radical. Mesmo aquela que, quando a direita governava, não hesitaria em qualificar de nepotismo esta inédita parceria conjugal num Conselho de Ministros do país vizinho. Por muito menos os dirigentes do Podemos fizeram ferozes críticas a Ana Botella, mulher de José María Aznar, ao assumir a presidência da Câmara Municipal de Madrid quando o marido já não liderava o Governo.

 

5

Sánchez - um tacticista puro, só preocupado com as manobras de curto prazo e os exercícios de contorcionismo político que lhe permitam sustentar-se no poder - anda agora de braço dado com os mesmos que, segundo ele, tirariam o sono a 95% dos espanhóis. Não lhe faltarão noites de insónia. Ao empossá-lo como presidente do Executivo, a 8 de Janeiro, o Rei Filipe VI ironizou: «Foi rápido, simples e sem dor. A dor virá depois.»

Palavras que se revelarão proféticas. Vejo esta coligação entre socialistas e comunistas - que inclui, como ministro do Consumo, o coordenador federal da Esquerda Unida, Alberto Garzón, autor do livro Por Qué Soy Comunista  - amparada pela fina flor do nacionalismo separatista e vem-me à memória um verso de Reinaldo Ferreira: «Um voo cego a nada.»

Há países e povos que parecem aprender muito pouco com as lições da História.

Ainda é cedo

Diogo Noivo, 08.01.20

George W. Bush foi eleito em 2000 com menos votos populares do que o seu adversário. Cedo surgiram comentários visceralmente indignados. Era anti-democrático, diziam. Recordo ler análises que encontravam a causa do problema na natureza capitalista do sistema, sempre favorável à direita.

A vaga de irritação repetiu-se em 2016, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Mais uma vez, os Estados Unidos da América entregavam o poder a um candidato que não obtivera a maioria do voto popular. O sistema eleitoral era perverso, pois desequilibrava a competição democrática. Trump era o poster boy de todos os males da democracia representativa, sempre favorável aos interesses instalados e contrária à vontade popular. Por cá, os suspeitos do costume rasgaram as vestes e por pouco não apelaram à revolução.

 

Ontem, Pedro Sánchez foi eleito presidente do governo espanhol no Congresso dos Deputados. Os votos a favor da investidura representam cerca de 10,9 milhões de eleitores e os votos contra cerca de 11,3 milhões. Não ouvi qualquer crítica. Será porque ainda é cedo – e nada terá que ver com a orientação política do partido de governo e das forças políticas que o respaldam. Estou certo que mais dia, menos dia alguém se imolará.

Um país sem corruptos

Pedro Correia, 19.11.19

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A 27 de Março de 2007, o Diário de Notícias saía para as bancas com esta manchete: «Portugal só tem oito presos condenados por corrupção.»

Passaram 12 anos, muita coisa mudou no País. Mas interrogo-me se neste capítulo concreto terá havido a mudança que se impunha. Sou capaz de apostar que não. Como se este canto mais ocidental da Europa, pelo efeito de alguma varinha de condão, fosse imune a tal delito que ameaça corroer as democracias um pouco por todo o continente.

Se um jornal dedicasse hoje novamente atenção a este assunto, talvez concluísse que estamos na mesma - ou ainda pior. E haveria assim motivo para nova manchete, semelhante à que reproduzo aqui. Na expectativa de que os actos dos políticos se adequassem às palavras que costumam proferir em campanhas eleitorais e a corrupção deixasse de parecer um crime impune.

 

ADENDA: Hoje, em Sevilha, o tribunal condenou por corrupção dois antigos presidentes do PSOE que lideraram o Executivo da Andaluzia. Manuel Chaves e José Antonio Griñan, os condenados, foram também ministros do Governo central - e Chaves chegou a vice-presidente do Executivo, com Zapatero. A sentença condena igualmente a antiga ministra socialista do Fomento, Magdalena Álvarez. Foi o maior processo por corrupção aberto até hoje em Espanha.

O aprendiz de feiticeiro

Pedro Correia, 11.11.19

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1

Pedro Sánchez sai das urnas mais fragilizado do que havia saído há seis meses, nas legislativas espanholas de 28 de Abril. Tendo ascendido ao poder por uma votação parlamentar negativa, em Junho de 2018, foi incapaz de transformar essa soma conjuntural que o impulsionou para o Palácio da Moncloa numa coligação governamental - experiência aliás inédita no país vizinho desde a guerra civil, terminada há 80 anos.

O líder socialista, chefe do Executivo em exercício que continua a governar com o orçamento do seu antecessor, o conservador Mariano Rajoy, apostou tudo em novas eleições legislativas, fazendo os espanhóis regressar às assembleias de voto. Foram cálculos egoístas, que levaram em conta o básico interesse partidário em vez do interesse nacional: Sánchez nunca pretendeu gerar consensos para a formação de uma maioria sólida e contava com trunfos acessórios - a sentença condenatória do Supremo Tribunal sobre os líderes separatistas da Catalunha e a exumação dos restos mortais de Francisco Franco - para crescer em votos e mandatos.

Afinal, nem uma coisa nem outra: este tacticismo de vistas curtas só deu fôlego às franjas mais radicais do independentismo catalão e ao nacionalismo identitário e populista, entrincheirado no Vox.

 

2

Se era difícil governar Espanha em Abril, mais difícil se tornará a partir daqui. Com o seu irresponsável aventureirismo, Sánchez sai agora das urnas com menos 0,7% (baixou para 28%) e menos três deputados no Congresso (tem só 120 em 350). Perdeu a maioria absoluta no Senado, deixou fugir mais de 800 mil eleitores e encontra agora um parlamento muito mais pulverizado e tribalizado. As forças soberanistas e regionalistas, somadas, passam a ter 40 assentos parlamentares - equivalendo ao quarto maior bloco no Congresso de Deputados.

Imediatamente à sua esquerda e à sua direita, encontrará partidos mais debilitados. O Podemos (socialista revolucionário) recua: tem menos sete deputados, menos 2,2% - representa agora só 9,8% dos eleitores - e menos 800 mil votos. O Cidadãos (centrista liberal) sofre uma hecatombe: baixa de 15,9% para 6,8%, vê o grupo parlamentar reduzido de 57 para 10 lugares e perde 2,5 milhões de eleitores nestes seis meses.

Enquanto o Partido Popular progride (cresce de 16,7% para 20,9%, atrai mais 700 mil eleitores, conquista 23 novos lugares no Congresso e outros 24 no Senado, recuperando 33% dos assentos parlamentares em relação a Abril) e o Vox ascende a terceira força política em Espanha, com mais cinco pontos percentuais (tem agora 15,1%), 52 deputados (mais 28) e 3,6 milhões de votos (um milhão acima do que obtivera no anterior escrutínio), tornando-se já o primeiro partido em Múrcia e Ceuta, enquanto regista um crescimento espectacular na chamada "cintura vermelha" de Madrid, que sempre votou à esquerda.

 

3

Mal chegou ao poder, Sánchez apressou-se a rumar à Catalunha para dar face ao líder separatista catalão Quim Torra, como se fosse seu homólogo, e no debate televisivo de há uma semana absteve-se de criticar o dirigente máximo do Vox, Santiago Abascal, na secreta esperança de que este travasse a progressão eleitoral do PP. Abriu a caixa de Pandora e terá de enfrentar as consequências - infelizmente com péssimas expectativas para o país, nosso principal parceiro comercial, numa altura em que a Comissão Europeia antevê um anémico crescimento económico espanhol para 2020: apenas 1,5%.

O jornal digital El Confidencial - o mais lido em Espanha - faz uma síntese perfeita neste título: «Uma Espanha ingovernável, sem centro e com Vox como terceira força». Cada vez mais se confirma: o tabuleiro político de longo prazo não é propício aos aprendizes de feiticeiro.

'Postal' Zandinga

Diogo Noivo, 25.07.19

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"Face ao desaire [nas eleições legislativas de 28 de Abril], o Podemos depende do PSOE para ser relevante. Iglesias, que recusou apoiar um governo de Sánchez em 2016 e que sempre viu no PSOE um dos pilares da “casta”, encontra agora nos socialistas a chave para um Executivo “progressista” e de “esquerda”. A anunciada intenção do PSOE em governar sozinho, recorrendo a apoios parlamentares pontuais, não agrada a Iglesias, que tudo fará para entrar no governo – inclusive bloquear soluções."

A Espanha desavinda, Jornal Económico, 3 de Maio de 2019

Anatomia de uma hecatombe (II)

Diogo Noivo, 19.02.19

A fotografia foi-me enviada por vários amigos. Li o texto e rapidamente conclui que era uma manipulação, um fake com alguma graça, mas obviamente falso.

Acontece que, afinal, é verdade: no seu livro de memórias políticas (a primeira vez que uma obra do género é publicada por um Presidente de Governo em exercício de funções), Pedro Sánchez diz ao mundo que a sua primeira decisão como Chefe do Executivo espanhol foi a de mudar o colchão e renovar a pintura do seu novo quarto no Palácio da Moncloa. Quando se juntam, a pobreza de espírito, a falta de noção do ridículo e a soberba redundam sempre num absurdo que provoca vergonha alheia.

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O aparatoso declínio do PSOE

Pedro Correia, 25.10.16

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 Um partido em sério risco de desmembramento

 

«Quando Marx pode mais que as hormonas, não há nada a fazer»

Julián Marías

 

1

O Partido Socialista Operário Espanhol, reunindo de emergência o seu órgão máximo entre congressos, decidiu no sábado viabilizar um novo Executivo do Partido Popular, liderado por Mariano Rajoy, com um “mandato imperativo” aos seus deputados, que deverão abster-se na votação de investidura.

Com esta decisão do seu Comité Federal – assumida por 139 votos favoráveis e 96 contra – o PSOE demonstrou uma responsabilidade institucional que há muito tardava, rompendo enfim um bloqueio de 300 dias sem formação de governo após duas eleições legislativas em que o PP conseguiu triunfar, embora sem maioria absoluta - a 20 de Dezembro de 2015 e a 26 de Junho deste ano.

Um bloqueio que se devia à intransigência do ex-líder socialista, Pedro Sánchez, apesar de o seu partido contar com apenas 85 deputados no Parlamento espanhol – menos 52 do que os 137 do Partido Popular. Uma diferença inultrapassável, fosse qual fosse a aritmética política. E que transformou em utopia o cenário de umas terceiras legislativas, que deviam ocorrer em vésperas do Natal.

 

2

Desde que perdeu a eleição parlamentar de 2011, após a fracassada governação de Rodríguez Zapatero que quase conduziu Espanha a um resgate financeiro de emergência idêntico ao ocorrido em Portugal, o PSOE foi resvalando até ao limiar da luta pela sobrevivência política em que se encontra agora.

A viabilização de um novo Governo de centro-direita, mais do que um tardio gesto de responsabilidade, aliás avalizado pela maioria dos eleitores socialistas, constitui portanto uma reacção instintiva à hecatombe que se avizinhava: uma sondagem muito recente divulgada pelo jornal El País, historicamente afim aos socialistas, atribuía uma votação quase irrisória ao PSOE, ultrapassado largamente à direita pelo PP e à esquerda pelo Podemos – amálgama de organizações da esquerda radical, que em diversas zonas do país mantém estreitos vínculos às forças nacionalistas e separatistas.

 

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 Pedro Sánchez: pura incompetência política

 

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Fundado pelo sindicalista Pablo Iglesias em 1879, o PSOE é um dos mais antigos partidos europeus. E o único que resta dos que firmaram os pactos de transição em 1977 e 1978 que permitiram a refundação da democracia espanhola após quatro décadas de ditadura. A UCD de Adolfo Suárez dissolveu-se há 30 anos, a Aliança Popular de Fraga Iribarne transfigurou-se no final da década de 80 no actual PP e o Partido Comunista de Santiago Carrillo tornou-se uma curiosidade microscópica, sem qualquer relevância na Espanha contemporânea.

Os socialistas assumiram-se nestes 40 anos como uma força pendular na sociedade espanhola, tendo exercido funções governativas durante mais tempo do que os restantes partidos somados (UCD e PP). O seu líder mais carismático, Felipe González, rompeu com a orientação marxista num congresso extraordinário em 1979 e já enquanto primeiro-ministro, em 1986, desafiou a ala esquerdista do partido ao fazer ingressar o país na NATO.

A moderação de González fez alargar a base sociológica do PSOE, tornando-o um partido com verdadeira implantação nacional, que chegou a ocupar a presidência da maioria dos executivos autonómicos - incluindo a Catalunha, com José Montilla, entre 2006 e 2010, e o País Basco, com Patxi López, de 2009 a 2012.

Tudo isso mudou. Hoje está reduzido a dois feudos regionais: Andaluzia e Extremadura.

Em Madrid tornou-se a quarta força política. Em Barcelona, a quinta.

 

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Sánchez é um caso clamoroso de incompetência política que apenas pôde manter-se ao leme da Calle Ferraz devido à manifesta cobardia da maior parte dos quadros socialistas – incluindo o que resta do seu baronato regional – que só despertaram ao ver o partido quase reduzido a escombros. Incapazes de fazer frente ao líder, preferiram desgastá-lo ao longo destes meses com relatos de "fontes anónimas" impressos nos jornais.

Em apenas dois anos, o medíocre Sánchez perdeu todas as eleições, por esta ordem cronológica: municipais, regionais, autonómicas na Catalunha, legislativas de 2015 e 2016.

As duas derrotas mais recentes ocorreram a 25 de Setembro nas autonómicas da Galiza e do País Basco. No primeiro caso, o PSOE perdeu quase 45 mil votos, baixando de 18 para 14 deputados no parlamento regional, dominado por uma inequívoca maioria absoluta do PP; no segundo, viu fugir-lhe cerca de 86 mil votos, e desceu de 16 para nove deputados, com o Partido Nacionalista Basco saindo triunfador das urnas.

Nem assim renunciou ao cargo. De desastre em desastre, preparava-se para levar o partido ao naufrágio maior: a terceira eleição legislativa em doze meses, que tornaria ainda mais irrelevante o PSOE na sua estonteada fuga para a frente.

As bases, representadas no Comité Federal, acabam de dizer-lhe: basta. Aconteceu aquilo que previ aqui, há quase três meses: “Sánchez sairá da pior maneira, empurrado pelos barões regionais do partido, com Susana Díaz à cabeça. Já recebeu um solene aviso dos seus pares, mais sintonizados do que ele com a vox populi: não haverá terceiras legislativas. Tal cenário seria catastrófico para os socialistas espanhóis, que vão recuando a cada novo teste eleitoral.”

 

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Juan Negrín e Indalecio Prieto nos anos 30: as lições da história 

 

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É triste verificar que alguns líderes políticos só abandonam a cena ao serem empurrados, quando a ética da responsabilidade lhes impunha a demissão ao fim de duas ou três derrotas. No caso de Sánchez foi preciso esperar por sete para o empurrão surgir.

Empurrado, mas não convencido. Alguns dos seus apaniguados garantem que violará a disciplina de voto no Congresso dos Deputados, onde mantém assento: incapaz de aceitar a regra da maioria, ameaça votar não. E não tardou a tuitar esta mensagem: “Rapidamente chegará o momento em que a militância recuperará e reconstruirá o seu PSOE.”

Já afastado, continua a comportar-se como se ainda aspirasse disputar o poder a Rajoy num escrutínio do qual sairia inevitavelmente um PSOE ainda mais enfraquecido, transformado em parceiro menor da extrema-esquerda. No fundo, o sonho da direita espanhola.

 

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Instala-se agora o fantasma do fraccionismo no partido, com a facção moderada a enfrentar aqueles que defendem uma aproximação dos socialistas ao Podemos. Nada de novo na história do partido, que durante a guerra civil (1936-39) assistiu ao choque das tendências internas – nomeadamente entre os reformistas como Indalecio Prieto e os ultra-radicais como Largo Caballero, auto-intitulado “Lenine espanhol”, contando estes com aliados como o titubeante Juan Negrín, apanhado entre dois fogos.

Hoje novamente fragmentado em inúmeros feudos internos, sem uma liderança firme, dividido entre o constitucionalismo que lhe serviu de bandeira nos anos em que foi mais forte e a pulsão populista proporcionada pelo ar dos tempos, com ocasionais flirts separatistas na Catalunha, o PSOE luta por sobreviver enquanto grande partido nacional. Com González, chegou aos 202 parlamentares. No período pós-Zapatero foi baixando sucessivamente: 110 deputados em 2011, 90 em 2015, 85 este ano.

A nível europeu, só o quase desaparecido PASOK grego se afundou tanto em tão pouco tempo.

A incapacidade de aprender as lições da história origina erros trágicos na política, algo que o aparatoso declínio dos socialistas espanhóis bem demonstra. Como se estivesse escrito nas estrelas: os prenúncios eram evidentes e nenhuma advertência foi escutada em tempo útil.

Anatomia de uma hecatombe

Diogo Noivo, 03.10.16

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A pressão exercida pelos barões socialistas forçou Pedro Sánchez a demitir-se das funções de secretário-geral do Partido Socialista Obreiro Espanhol (PSOE). Esta não é a verdade dos factos, mas é a verdade para alguma imprensa portuguesa. Vamos por partes.

No dia 20 de Dezembro de 2015, o PSOE, capitaneado por Pedro Sánchez, obteve o seu pior resultado eleitoral de sempre em eleições legislativas, o resultado mais baixo desde 1977. Deste acto eleitoral não saiu um governo e, como tal, foi necessário repetir eleições. No dia 26 de Junho de 2016 os espanhóis voltaram às urnas e o PSOE bate o seu próprio recorde: perdeu 5 deputados e cerca de 156 mil votos. Nova derrota histórica. O seu adversário directo, o Partido Popular (PP), reforçou a vitória obtida em Dezembro, conseguindo mais votos (aproximadamente mais 600 mil) e mandatos (mais 14), isto apesar de ser a força política associada à austeridade, à subserviência a Bruxelas e, pior, a casos de corrupção e de branqueamento de capitais. Por outras palavras, mais do que uma derrota histórica, o resultado dos socialistas a 26 de Junho de 2016 foi uma humilhação sem paliativos.

No plano local o cenário não é mais ameno. Nas eleições celebradas recentemente na Galiza e no País Basco, o grande derrotado foi o PSOE. Na Galiza perdeu 5 mandatos, na Euskadi perdeu 7 mandatos e 40% dos votos, e em ambas é ultrapassado pelo Podemos. Importa recordar que, entre 2009 e 2012, o PSOE governou o País Basco.

Em suma, associando os resultados nacionais aos resultados locais, o PSOE foi de derrota histórica em derrota histórica até uma cada vez mais provável irrelevância final. Pedro Sánchez pegou num partido com vocação de governo, uma força política fundamental no processo de consolidação da democracia em Espanha, e levou-o à beira da irrelevância. No entanto, nada disto foi suficiente para que Sánchez assumisse publicamente quaisquer responsabilidades. A este rosário deprimente há ainda que somar episódios pouco edificantes como, por exemplo, o “Comando Luena”: César Luena, braço direito de Sánchez, organizou uma ‘tropa de choque’ para, nas redes sociais, denegrir e insultar todos aqueles que ousavam criticar a direcção socialista. Ou seja, derrotados nas urnas e totalitários na gestão interna do partido.

 

 

A ética de geometria variável

Pedro Correia, 04.08.16

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Pedro Sánchez conduziu o PSOE aos dois piores resultados da história do partido - o segundo mais antigo da Europa do seu espectro político, logo após o SPD alemão. José Luis Rodríguez Zapatero, o anterior presidente do executivo socialista, demitiu-se ao perder as legislativas de 2011 para o Partido Popular. O seu sucessor, Alfredo Pérez Rubalcaba, demitiu-se ao perder as europeias de 2014.

Sánchez, que já perdeu duas legislativas em seis meses e tentou em vão ser chefe do Governo, insiste em manter-se agarrado ao que lhe resta do poder interno. Indiferente aos apelos à razão lançados por iustres socialistas, como Felipe González, submete toda a estratégia do PSOE à sua luta pela sobrevivência: neste caso já não está em causa o interesse nacional nem sequer o interesse partidário, mas apenas o interesse pessoal. A ética da responsabilidade, que políticos como ele tanto apregoam, só é aplicável aos outros. Uma tese de geometria variável, bem adequada aos tempos actuais.

Sairá da pior maneira, empurrado pelos barões regionais do partido, com Susana Díaz à cabeça. Já recebeu um solene aviso dos seus pares, mais sintonizados do que ele com a vox populi: não haverá terceiras legislativas. Tal cenário seria catastrófico para os socialistas espanhóis, que vão recuando a cada novo teste eleitoral.

Em 2010, convém recordar, o PSOE e o PSC - partido "irmão" da Catalunha - tinham 169 dos 350 deputados no Congresso de Espanha. Nos tempos áureos de González chegaram aos 202. Hoje restam-lhes 85.

Lobos e cordeiros

Diogo Noivo, 02.03.16

Assinalam-se na próxima semana os 8 anos da morte de Isaías Carrasco. É normal que o nome não seja familiar. Não era um político célebre nem uma vedeta televisiva. Era tão simplesmente um portageiro espanhol. Em 2009 escrevi sobre ele no Público:

 

Isaías Carrasco foi vereador do PSOE em Mondagrón-Arrasate, um bastião do movimento etarra. Em dado momento, retirou-se da vida política e regressou à sua anterior profissão: portageiro numa via rodoviária basca. Esta actividade profissional impunha-lhe uma vida modesta. Decidiu, uma vez abandonado o cargo público, prescindir da escolta armada a que tinha direito. No dia 7 de Março de 2008, quando saía de casa acompanhado pela mulher e pela filha, foi assassinado a tiro por um comando da ETA.”

 

O assassinato de Isaías Carrasco foi a maneira vil e tirânica encontrada pela ETA de participar nas eleições legislativas que ocorreram naquele ano. Aliás, assassinatos selectivos e engenhos explosivos sempre foram para a organização terrorista ETA procedimentos equivalentes ao que representa o voto para os democratas.

Esta morte foi recordada no debate de investidura de hoje, em Madrid. O secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, viu-se obrigado a recordar a Pablo Iglesias que os etarras são terroristas e não, como afirmou o líder do Podemos nesse mesmo debate, “presos políticos”. Esta e outras intervenções de Iglesias põem em evidência que a prosápia popular (e populista) do Podemos oculta uma identidade política que não é compatível com os valores e princípios que fundam o Estado de Direito Democrático. Ao contrário do que por vezes se ouve e lê, o facto de um partido aceitar resultados eleitorais não faz dele uma organização com convicções democráticas.