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Delito de Opinião

Ronaldo, o belo psicópata

João André, 14.09.20

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Quando Ronaldo alcançou na semana passada os 101 golos em jogos internacionais (apenas a 8 do recorde absoluto de Ali Daei), lembrei-me deste artigo de 2019 sobre Federer, Nadal e Djokovic. E lembrei-me dele essencialmente porque numa carreira da selecção já com 17 anos, Ronaldo marcou 46 dos 101 golos desde 2016 (e 2020 mal conta para isto), ou seja, depois dos 30. Se recuarmos a 2013, quando tinha 28 anos quando atingiu o que seria o pico para a maioria dos jogadores na sua posição, marcou 64 golos (e ainda houve o período em que não jogou muito pela selecção), ou seja, mais de 60% dos golos.

Podemos escrever muito sobre os motivos: a forma como a selecção melhorou em pessoal e em orientação técnica, podemos referir a ética e as qualidades únicas de Ronaldo, a sua inacreditável capacidade física mesmos aos 35 anos e até a forma como soube adaptar o seu jogo, minimizando-o mas tornand-se mais focado e excepcionalmente eficaz a marcar golos. Eu prefiro referir a sua fome e aquilo que nos diz.

É comum referir a forma como Ronaldo trabalha imenso, tem cuidado com o seu corpo e a vontade que continua a ter de vencer. Falar disso como se fosse excepcional é no entanto errado: não creio que o seja. Ronaldo é um ser humano excepcional, mas as suas características mentais provavelmente são comuns a vários outros desportistas, alguns dos quais poderão não passar da mediania mas só atingirão tal nível precisamente devido a esse desejo e dedicação. Gosto sempre de me lembrar de António Pereira, que conseguiu um recorde nacional e o 11º lugar nos Jogos Olímpicos de 2008 nos 50 km marcha e que se preparava apenas após passar pelo menos 8 horas por dia na sua profissão de electricista e que teria recebido como apoio apenas um par de sapatilhas oferecidas pela sua autarquia (cito de memória). Talvez a sua dedicação e fome não fossem menor que a de Ronaldo, mas os seus meios, especialmente físicos, eram-no certamente.

No entanto Ronaldo tem um aspecto que o distingue: apesar de continuar a vencer troféus e a arrecadar prémios individuais, a sua fome de mais não diminui. É comum ver equipas de enorme qualidade a perderem capacidade de vencer à medida que os seus jogadores "enchem a pança" e, apesar de a sua qualidade desportiva não ser menor, deixarem de conseguir competir como no passado. Alex Ferguson durou imenso como treinador (manager seria mais correcto) do Manchester United precisamente porque sabia ser necessário renovar a equipa (além de tomar decisões difíceis quando necessário). Ronaldo é dos poucos jogadores que nunca parecem satisfeitos com o que alcançaram e querem sempre mais, mesmo que seja do mesmo.

Federer, Nadal e Djokovic têm vindo a dominar o ténis nos últimos 15 anos, mais ou menos. E têm cada um mais Grand Slams que qualquer outro jogador. Independentemente de como eles sejam vistos por cada observador no que diz respeito às suas posições nas listas dos melhores de sempre, não há quaquer dúvida que a sua fome de títuos é verdadeiramente inacreditável. É verdade que cada um teve períodos de seca. Federer abrandou para passar mais tempo com a família, Djokovic para fazer o mesmo e reencontrar a sua fome de títulos e Nadal por motivos físicos, mas cada vez que qualquer um deles entra no court, os seus adversários sabem que estão a lutar para sobreviver e que qualquer erro será severamente punido.

No artigo acima, refere-se que um psicólogo desportivo considera os 3 como psicópatas, mas "em bom". Não entro nos detalhes, porque farei asneira num campo que não domino, mas a ideia é interessante, porque de facto, além das características físicas, aquilo que muitos dos grandes desportistas da história parecem partilhar é uma fome insaciável e uma capacidade de punir quaisquer lapsos de concentração.

Ronaldo parece ser um deles. A forma como é determinado a vencer todo e qualquer troféu, todo e qualquer jogo, todo e qualquer duelo individual, toda e qualquer jogada, evidencia uma pessoa com algum tipo de diferença na forma como o seu cérebro funciona. Parece ser alguém que quer esmagar o adversário, não porque tenha prazer na humilhação, mas porque retira prazer na forma como vence tudo. Num artigo que li, outros jogadores da selecção comentam como ele tem essa atitude competitiva mesmo a jogar ténis de mesa ou cartas. O recente "hagio-documentário" sobre Michael Jordan, The Last Dance, apontava para o mesmo tipo de comportamento pela antiga estrela dos Chicago Bulls.

Por isso mesmo, ainda que os seus dotes físicos estejam em declínio, a sua mentalidade levá-lo-à a procurar sempre mais. Talvez um dia isso o leve a procurar objectivos dolorosamente fora do seu alcance, talvez um dia vejamos Ronaldo a arrastar-se pelos campos em busca de duelos que possa vencer, nem que seja um raro golo ou um raro drible. Não o creio: Ronaldo demonstrou já ser inteligente o suficiente para saber que terá que se retirar. E, seja como for, há sempre outro tipo de desafios para focar a sua determinação.

Ajudar quem quer desistir

Cristina Torrão, 03.06.19

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Foto © Horst Neumann

 

O jornal católico que assino (na Alemanha), dedicou, há algumas semanas, uma edição ao suicídio (nº 18, 15-05-2019). Achei interessantíssimo, acima de tudo, porque informava como devemos reagir, caso desconfiemos que alguém que nos está próximo, ou que conhecemos, corre o risco de se suicidar. É um tema muito difícil de ser abordado e muitos de nós não o fazem pela simples razão de não saber como. Também há quem pense que o melhor é ignorar, pois receia que, ao referir o assunto, encoraje ainda mais a pessoa a levar a cabo as suas intenções.

No entanto, o contrário é válido: os psicólogos consultados foram unânimes a afirmar que ninguém deve ter medo de provocar o suicídio, pelo facto de o referir. É muito mais eficaz abordar a pessoa directamente. Por exemplo: «Sentes-te tão desesperado, que achas que deves desistir? Encaras a possibilidade de pôr um fim a tudo? Como te posso ajudar?»

Quem pensa em suicidar-se, costuma enviar sinais. Anda angustiado, sem esperança, desesperado; deixa de cultivar as suas amizades, ou de exercer os seus hobbies; queixa-se de ser um fardo para os outros; ou diz mesmo que pretende acabar com a vida. Quem assim age, precisa de quem o ouça, de quem o leve a sério e lhe providencie ajuda profissional. Ignorar, na esperança de que passe, é o maior erro.

Outro grande erro é tentar menorizar os problemas de quem sofre: “isso não é nada”; “há quem esteja bem pior”; “isso passa”; “tens de te animar”; “pensas que a minha vida também é fácil?”. Atitudes destas são de evitar ao máximo, pois a pessoa sente que não é levada a sério, o que a deixa ainda mais amargurada, mais fechada.

A parte mais interessante no tratamento deste tema, foi, para mim, uma entrevista a uma senhora que faz trabalho voluntário numa linha do tipo “SOS Voz Amiga”, da qual traduzo algumas passagens:

 

Imagine que está de serviço na linha e alguém telefona a dizer: “estou desesperado, vou matar-me”. O que faz?

 Em primeiro lugar, tento estabelecer um contacto, alcançar a pessoa em todos os sentidos.

 E como o faz?

 Pergunto: “Quer contar-me o que o deixa assim tão desesperado? O que está por trás disso?”. Depois, conforme o que me contam, valorizo a luta dessa pessoa, valorizo o seu sofrimento, a sua dor. Digo, por exemplo: “eu sei o que tem de aguentar; sei como é difícil levantar-se todos os dias e tentar viver normalmente, ignorando o sofrimento da depressão”. Com expressões deste género, consigo o contacto. O meu interlocutor ganha confiança em mim e solta-se. No decorrer da conversa, digo: “diz-me que não quer continuar a viver e eu consigo compreender. Mas o que seria necessário para que dissesse que tornaria a tentar? Pode sempre suicidar-se, no fim, terá sempre essa opção. Mas vamos primeiro ver: o que é ainda possível? Tem talvez um sonho na sua vida, alguma coisa que gostaria de fazer? Repare: luta todos os dias contra a sua depressão, sem avançar. Não concebe empregar essa energia para atingir algo com que sempre sonhou?”. Tento não dar conselhos, mas sim avaliar quais as possibilidades que a pessoa ainda tem, ir ao encontro dos seus desejos, dos motivos que a podem levar a mudar de ideias.

 Não relativiza.

 Nunca. A pessoa iria imediatamente sentir que não é levada a sério. Mantenho-me compreensiva e expresso as minhas emoções com sinceridade, por mais abalada que fique. Lembro-me de um caso de um homem que me disse que era o bastardo da família, que sempre fizeram questão de lho dizer, pois ele era o resultado de uma relação extra-conjugal de sua mãe. O seu pai [marido da mãe] arrancava-o da cama três vezes por semana, começou a fazê-lo quando ele tinha três ou quatro anos, metia-o no carro, levava-o para um sítio ermo e dizia-lhe que lhe dava um tiro e que depois se suicidava da mesma maneira. Nunca o fez, mas o homem revivia o cenário constantemente.

 Isso é horrível. Como reage?

 Com sinceridade. Digo: “Isso que me está a contar abala-me imenso; até me pergunto como tem conseguido sobreviver”.

 Nunca relativizar ou desvalorizar.

 Exactamente. E tento então ver onde estão as possibilidades. Pergunto: “como tem aguentado esse fardo? O que lhe deu força? A sua fé? A sua avó? Um amigo? Tem de haver alguma coisa.” Faço perguntas. E não dou conselhos, apenas sugestões, em função do que me dizem.

 E como é consigo? Como supera a desilusão, quando alguém desliga, a meio da conversa, deixando-a com a sensação de que não evitará o suicídio?

 Aceito, simplesmente. E procuro distanciar-me, digo-me: a decisão de desligar foi do outro. Tentei dar o meu melhor, fazer o que estava dentro das minhas possibilidades. Se não chegou, não há nada que eu possa fazer para alterar esse estado de coisas.

 

Acrescento que esta senhora teve uma formação de dois anos, antes de começar a atender pessoas em desespero.

 

Nota: a tradução é minha, do alemão; o publicado é um resumo da entrevista que li.

Um despropósito

Fernando Sousa, 21.01.11

A Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico típico nalguns casos de sequestro. Leva os reféns, cujo número naturalmente é variável, a desenvolverem simpatia pelos sequestradores, cuja classe também varia. No pico da doença, defendem-nos mesmo. Mas neste instante nacional não deve vir a propósito, até porque vivemos em liberdade. Né? Deixem.