Na sexta-feira passada assisti a uma Assembleia Municipal que, de forma diferente do habitual, decorreu fora da sede de concelho. Há uns anos instituiu-se uma rotação esporádica destas sessões entre as diferentes freguesias do Município de Porto de Mós. Julgo que estas Assembleias Municipais Descentralizadas ocorram uma vez por ano e esta foi a primeira vez que visitaram a Freguesia do Juncal.
O público não aderiu em massa, longe disso. Pelo que já verifiquei noutros tempos, em que durante alguns anos me deslocava a Porto de Mós e não perdia uma, na generalidade o público não sente a vida autárquica como sendo coisa sua. Excepção feita nas campanhas eleitorais em que, ágil, se desloca às sessões de esclarecimento, vulgo porco no espeto com minis e vinho a gasto.
Antes de se deslocar a uma AM, para usar da palavra no designado “período antes da ordem do dia”, o público prefere cumprir a sequência natural das coisas e começa por apresentar as suas reclamações na respectiva Junta de Freguesia. Só depois de repetidos pedidos não terem resultado é que então, talvez, se desloque ao plenário municipal. Como resultado disso, ao se ouvirem os Presidentes de Junta, escutam-se as queixas mais representativas dos seus fregueses.
Pelo que me recordava doutros tempos, o padrão dos assuntos mais repetidos prende-se com buracos por tapar, equidistância na distribuição dos contentores do lixo e o estado de estradas e caminhos.
Desta vez, apercebi-me que o padrão se alterou. Em praticamente todas as intervenções dos Presidentes de Junta, repetiu-se a queixa pela falta de médicos e pelo deficiente estado do SNS.
O Presidente, Jorge Vala, explicou que existe no concelho uma Unidade de Saúde Familiar (USF), constituída por, julgo, três antigos Centros de Saúde, e também por diversas Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP). A maioria das queixas prende-se com este último modelo.
A regular abertura de concursos para colmatar a falta de médicos há muito que passou a ser apenas uma esfarrapada desculpa para a evidência de que este modelo não é capaz de atrair profissionais de saúde. Pelo contrário, há muito menos queixas do funcionamento das USF, onde o sistema de incentivo, assente em critérios objectivos de desempenho, leva a que quem ali trabalhe possa beneficiar de um significativo aumento salarial.
Fiz umas pesquisas e tropecei nesta avaliação custos-consequências comparativa das USF e UCSP. Respeita ao ano de 2015 e não sei se haverá alguma mais recente. Na generalidade comprova as vantagens do modelo USF relativamente ao das UCSP. Sobressai uma enorme diferença entre o custo por inscrito e o custo por utilizador. As UCSP têm mais utentes inscritos e assim, estatisticamente, podem diluir os seus custos por uma base mais alargada, o que explica o seu menor custo por inscrito.
Mas se observarmos ao número de pessoas que realmente as elas recorre a situação inverte-se, pois as USF, embora tendo menos utentes inscritos (também por serem poucas), compensam isso com o facto de serem úteis muito mais vezes. Assim conseguem um bem menor custo por utilizador.
Ao ver isto, recordei-me do que assisti há pouco tempo, uns dias antes de uma viagem sobre a qual aqui postei. Como ali conto, o meu companheiro caiu de bicicleta e ficou com um significativo golpe no nariz. Depois de uma lavagem com a água que transportávamos para hidratação, pedalámos ainda uns quinze quilómetros até chegar a uma destas UCSP. E é aqui que as duas histórias se juntam.
O senso comum de um leigo como eu dizia que a coisa se resolvia com uns pontos. Após demorado debate, os técnicos ali presentes acabaram por concluir que ele teria de ir para o hospital, pois podíamos estar perante uma situação grave. Não valia a pena argumentar que se fosse esse o caso ele não teria ali chegado a pedalar. Além disso, não sou entendido na matéria e, pior ainda, eu estava de calções, o que anula qualquer razão que se possa ter num debate.
Lá chamaram uma ambulância dos Bombeiros Voluntários e lá foi o João para o Hospital de Leiria. Valerá a pena lembrar que, entre a queda e a chegada ao Hospital, já tinham passado umas três horas. O médico que o assistiu nas urgências não se coibiu de reclamar pela falta de noção que fizera mobilizar uma ambulância e dois bombeiros, sobrecarregar as urgências, para simplesmente aplicar três pontos.
Atrevo-me a dizer que, a boa-vontade que terá faltado na avaliação que desencadeou toda aquela operação não se teria verificado se, em vez de se alimentar um aparentemente inócuo jogo do empurra (é verdade que se aproximava a regimental hora do “despegar”), houvesse ali aquele pequeno benefício material chamado incentivo pelo desempenho.
Ora, se o serviço prestado pelas USF é comprovadamente melhor, porque é que se insiste em manter as UCSP? A resposta mais provável é que isso obrigaria a fazer reformas e o governo maioritário de António Costa é incapaz de tal travessura.
Regressando à AM, perante tamanhas falhas de serviço, os Presidentes de Câmara não têm como acorrer à sua população nos pedidos desta natureza. Isso é especialmente difícil para um autarca do PS, porque se sentirá com menor margem para apontar para o verdadeiro culpado de não reformar, de não resolver, de não decidir.
Ora, tendo o meu Presidente da Câmara sido eleito por um partido da oposição, acaba por ter mais margem de manobra para se escudar em explicações à população. Apesar disso, imagino que por achar que não foi eleito para apontar culpados contratou no ano passado com uma seguradora o Plano de Saúde para Todos os munícipes que, não obrigando ninguém a nenhum pagamento, lhes permite aceder a um alargado leque de consultas de diversas especialidades no privado, com descontos significativos. Esta medida tem conseguido um elevado nível de satisfação.
Recordo um dos Presidentes de Junta que lembrou o que as estatísticas já comprovam: o facto de se estar a morrer mais cedo, por falta de assistência médica. Há gente a morrer antes da idade que a ciência dos nossos dias permitiria.
A redução da esperança média de vida já levou até a uma correcção da idade da reforma. A explicação oficiosa é que isso resulta da pandemia, mas os números mostram-nos que o aumento da mortalidade não-covid é uma realidade.
Constatar isto, que não deixa de ser uma forma de miséria, é triste.
António Costa insiste em desmentir a realidade, fazendo afirmações que não são mais do que tentativas de criar uma narrativa. Insiste e, sem temer o ridículo, volta a insistir. Quem é que ainda se lembra daquela segunda-feira, em que de entre o cerrado nevoeiro iria surgir não o Dom Sebastião, mas a solução de parte dos problemas do SNS? E os palermas aplaudem, em especial os beneficiários da ADSE (o SNS versão Premium). A ideologia que lhes sustenta a visão sectária do país, consome-lhes o humanismo, que se gabam de ter em abundância. São a manifestação de uma outra forma de miséria.
A miséria final vai para a oposição do PSD de Montenegro que, em vez de dar voz aos portugueses, em vez de tomar a iniciativa e de marcar conferências de imprensa ao lado das filas de espera, onde milhares de portugueses passam madrugadas para conseguirem uma consulta, continua apostada na velha regra de que para conseguir chegar ao poder lhe basta fingir-se de morto. Perante o que vejo, mais do que fingir-se de morto, o PSD de Montenegro, precisa antes de conseguir fingir que está vivo.