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Delito de Opinião

Duzentas e dezassete sondagens depois

Pedro Correia, 26.01.23

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Desde 2017, o PS não era destronado nas intenções de voto dos portugueses expressas em sucessivos barómetros e sondagens. Que há ventos de mudança no ar, fica evidente nestes números ontem divulgados na pesquisa da Pitagórica para a CNN Portugal e a TVI: o partido laranja lidera agora, com 30,6%, enquanto os socialistas baixam para 26,9% - uma queda abrupta de nove pontos percentuais desde o inquérito anterior. Sinal inequívoco de que a maioria absoluta obtida há um ano nas urnas por António Costa se esfumou sem remissão por efeito das incontáveis trapalhadas deste governo. Duzentas e dezassete sondagens depois.

Mais significativo ainda: segundo o mesmo estudo de opinião, 53% dos portugueses avaliam negativamente o desempenho do executivo Costa, que praticamente não precisa de oposição para naufragar em toda a linha. A cada passo vai cavando a própria sepultura. Tendo um prazo de validade já indicado por Marcelo Rebelo de Sousa: ou o partido ainda absoluto ganha juízo ou haverá eleições legislativas antecipadas em 2024.

Sinal inequívoco de decadência. Quando até o Presidente da República, que tem andado com o governo ao colo, já se confessa farto de assistir impávido a tão monumentais tiros no pé

Curtas

Paulo Sousa, 19.01.23

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Os últimos dias tem sido férteis na revelação de casos e casinhos que mais me parecem um destrunfar, como se de poupanças se tratassem, de coisas guardadas na gaveta para usar um dia contra alguém a quem se pretenda atacar.

Soubemos que Luís Montenegro, e um seu muito próximo colaborador, estarão envolvido em benefícios poucos claros e que, mesmo vindo a revelar-se no futuro legalmente estéreis, merecem uma avaliação política.

Numa democracia evoluída, estes dois casos seriam suficientes para o afastamento destas duas personagens.

E é aí que que me leva o raciocínio que motivou este postal.

Estes casos mostram o quão tóxico se tornou o PS no nosso regime. É tanto o nepotismo, o abuso, o favorecimento, a endogamia e a prevaricação do partido que governou sozinho o país em 22 dos últimos 28 anos, que estes dois casos acabam por parecer coisas banais e sem importância.

E ninguém o leva a sério?

Sérgio de Almeida Correia, 10.01.23

2.-brasil-1536x1022.jpg(créditos: Ponto Final)

Portugal deve enviar as suas forças especiais para estabilizar e reassumir a soberania do Brasil”. “Tiveram 200 anos de recreio e é hora de acabar com os fugitivos de Portugal para o Brasil e vice-versa para se fugir à extradição”, lê-se na publicação, que é acompanhada de uma imagem das Armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, que vigorou entre 1815 e 1823. (...) “[E]m respeito pela democracia, Lula da Silva deve ser nomeado Presidente do Governo local e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, nomeia o Governador-Geral do Brasil e assim a Polícia Judiciária Portuguesa deverá estar pronta e atenta para caçar os fora-da-lei e demais foragidos em polícia única nas duas margens do Oceano”.

 

Amigo de José Cesário e da conselheira Rita Santos, mandatário de Pedro Santana Lopes, eleito para a assembleia municipal de Proença-a-Nova, membro da Comissão das Relações Internacionais do PSDcontinua de vento em popa.

Não sei por que raio, em Portugal, tirando o PSD, ninguém o leva a sério. Mas talvez Montenegro o queira incluir na próxima lista de deputados, quem sabe se pelo círculo do "fim do mundo". Se, entretanto, é claro, não lhe derem outro destino, não o nomearem para a TAP ou o Presidente da República não o chamar para seu conselheiro.

Este país tem cada vez mais falta de humoristas capazes na política, mas olhem que este é dos bons. Em S. Bento, sempre nos faria rir. 

O complexo Silas

jpt, 04.01.23

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Lembrar-se-ão os sportinguistas - e os mais atentos às coisas do futebol: em inícios da época de 2019/2020 o Sporting despediu o treinador holandês Keizer e pouco depois contratou Jorge Silas, recebido como verdadeira solução pois crido como "the next big thing". E quem disto se recorda saberá, com toda a certeza, o que desde então foi acontecendo no clube.

Em Janeiro de 2022, após a ruptura entre o PS e os dois partidos comunistas que sustentavam os seus governos, houve eleições legislativas. Apesar das crises, económicas, sanitárias e políticas, e das previsões tão anunciadas pelas sondagens eleitorais, os socialistas ascenderam à maioria absoluta enquanto o PSD tinha um resultado descoroçoante para os seus apoiantes e surpreendente para a generalidade. A isso se seguiram dois factos inusitados: a conclusão da contagem de votos e concomitante empossamento da nova Assembleia da República, e o do governo dela emanado, foi atrasada em meses, algo devido à imprudente inépcia do Presidente da República que havia dissolvido o anterior parlamento sem acautelar a legalidade dos procedimentos eleitorais; e o peculiar presidente do PSD resistiu à tradicional demissão das lideranças políticas aquando de grandes derrotas eleitorais, marcando eleições internas para apenas quatro meses depois, nas vésperas do remanso do veraneio nacional. Ou seja, entre a dissolução parlamentar de 2021, a instauração do novo governo no início de Abril e a recomposição do maior partido da oposição passou um período da gestação humana. Entretanto iam chegando ecos e efeitos do que "lá fora" ia acontecendo: o estertor pandémico, a crise energética, a guerra russo-ucraniana, etc.

Correu o Verão soalheiro, as gentes foram à praia já sem obrigatoriedade de máscaras e chinelos, e nisso com os ansiados turistas estrangeiros. Depois chegou o Outono, sem covid mas com inflação. Entrou-se no Inverno, e até já mudámos de ano. As atrapalhações do governo são evidentes, tantas que fazem esquecer inenarráveis factos passados como a incapacidade intelectual (assumida em tribunal) do ex-ministro Azeredo Lopes ou os sucessivos desastres do seu antigo colega Eduardo Cabrita... Pois trata-se agora da constatação de uma evidente falta de rumo (de "projecto" substantivo se se quiser dizer isso) governativo. E de graves casos de desmandos, como o do braço direito do Primeiro-Ministro Costa, obrigado a demitir-se, das aquaplanings do seu delfim "Pedro Nuno", e da óbvia fragilização dos ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros. E ainda nem sequer chegámos ao Dia de Reis...

Ontem na televisão (RTP3?) alguém do PSD - escapou-se-me o nome - repetia que neste momento os portugueses estão é preocupados com o custo de vida - com "o que levam para casa para pôr na mesa" - nisso enfatizando a despreocupação ou mesmo fastio desses mesmos portugueses com a oposição política e parlamentar. Quanto ao resto, e para além de uns dichotes - fogachos, como se diz na bancada -, nada dali se ouve. Nada se vê sobre modelos tácticos, planos "B", reforços no plantel, argúcia nas substituições, eficiência de "olheiros" (agora ditos "scouting"), associações com empresários, etc.

Não haja dúvida, passado tanto tempo, e antes das revoadas de "lenços brancos", é já altura de dizer ao presidente Frederico Varandas aquilo que é óbvio: Jorge Silas não está a vingar. É um erro de "casting".

Sou o José dos Olivais, tenho 58 anos e já fui emigrante...

jpt, 28.10.22

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Acabo de conhecer este episódio parlamentar. É o da "Ana dos Olivais" - uma historieta sobre uma imaginada "Ana de 25 anos" do meu bairro lisboeta, narrada como se exemplar por um deputado do PSD, Alexandre Poço, que assim a quis projéctil endereçado ao primeiro-ministro António Costa.
 
O breve episódio (na ligação estão as duas curtas intervenções) causa-me duas constatações: 1) Alexandre Poço, um ex-jotinha PSD agora já adulto deputado, e que foi conhecido por nós-vulgo através de uma fruste candidatura autárquica que quis "engraçadista", nem televisão vê. Pois se o fizesse em qualquer "filme de tribunal" americano teria aprendido o célebre mandamento: nunca fazer perguntas para as quais não se está preparado para a resposta. E como tal foi-se ele à bancada fazer uma pirueta retórica - um ademane engraçadista -, e em resposta levou "pela medida grande". Para melhor me fazer entender direi que Poço, a putativa "jovem estrela PSD", esteve para Costa como há dois dias Flávio Nazinho esteve para Harry Kane... Encomende-se o rapazola ao VAR ou ao gongo, a ver se se safa nos seus próximos atrevimentos no hemiciclo que, pelos vistos, imagina qual campo da bola ou ringue.
 
2) O episódio chamou-me a atenção por ter sido invocado o meu bairro. No qual cresci até aos 25 anos, ao qual voltei aos 50. Conheço alguma coisa do que se passa. Várias vezes botei sobre os Olivais: notando os maus efeitos de uma atrapalhada, pois voluntarista, reforma da administração autárquica; notando a ausência de políticas de "reanimação" urbana; vendo o predomínio de uma visão assistencialista de paternalismo clientelar; clamando contra o - de facto - boçalismo das lideranças que o PS implantou numa freguesia central da capital (com 32 mil eleitores, repito-me até à exaustão). E sublinhando, com a ênfase que me foi possível, que só aquilo que o PS perdeu nos Olivais nas últimas autárquicas foi suficiente para derrotar Medina (malvada a Sorte, pois a este lhe serviu para chegar a ministro, e sorridente como se vê nestas gravações...).
 
Mas notei também, e botei-o, a total irrelevância, a candura ignorante, das restantes candidaturas autárquicas, das atenções partidárias, sobre este meu bairro (o tal dos 32 mil eleitores sitos no centro da capital). Nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro, nada foi proposto, nada foi pensado e discursado, um vácuo completo. Mais surpreendente ainda num partido com traquejo, experiência de poder nacional e autárquico, como o é o PSD e que tinha uma candidatura municipal pujante. Nada mesmo, apenas umas candidaturas fundidas, uns candidatos mudos e quedos.
 
Avançaram alguma coisa no último ano? Ouviram o real, pensaram-no, projectaram algo? Que se saiba nada disso aconteceu, nada disso foi divulgado. Resta apenas este jotinha engraçadista, qual um galamba psd, a invocar o bairro e seu universo num destemperada patetice... Convirá perceber que não há pior, não há rumo mais eunuco, do que o engraçadismo (o que serve para o PSD deste jotinha e também para a IL, a qual, ou muito me engano, ou com Rui Rocha ainda mais perseguirá esse aparente trunfo). E, acima de tudo, convirá que o PSD (e não só) perceba que "o que é preciso é pensar a malta". Não é animá-la...
 
Enfim, sou "o José dos Olivais, tenho 58 anos e já fui emigrante...". E não tenho paciência para estes jotinhas vácuos.

Arrumar a casa e gerir uma pesada herança

Luís Montenegro

Pedro Correia, 07.06.22

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As perspectivas de sucesso do PSD são cada vez menos risonhas: quatro anos de gestão errática de Rui Rio devastaram o partido. Fosse quem fosse o sucessor, teria sempre tarefa complicada. Os sociais-democratas, com o antigo presidente da câmara do Porto ao leme, perderam duas eleições legislativas e fracassaram na oposição ao poder socialista, agora muito mais robustecido.

O sucessor já tem nome e rosto: Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves, 49 anos, advogado. Distinguiu-se como líder parlamentar social-democrata entre 2011 e 2017, mas hoje está ausente do hemiciclo. Terá de relacionar-se com uma bancada escolhida por Rio, marcada pelo estilo que lhe foi impresso pelo dirigente cessante. Morno, cordato, quase amigável – precisamente o que agrada ao primeiro-ministro.

Missão nada fácil. E com reflexos óbvios na estrutura anímica do partido: a abstenção nestas directas do PSD rondou os 40%, com participação de pouco mais de 20 mil militantes, o que faz soar alarmes no estado-maior de Montenegro.

A seu favor, o forte apoio de quem votou – 72,5%, triunfo claro contra Jorge Moreira da Silva. Além de só haver eleições nacionais em Maio de 2024: serão as europeias. Até esse teste, não lhe faltará tempo para arrumar a casa. Devia começar por mudar a sede do partido, há décadas entrincheirado num palacete da Lapa lisboeta. E ampliar o universo eleitoral interno do PSD, imitando o ocorrido no PS em 2014. Nos tempos que correm, de progressivo desinteresse pela militância política tradicional, gestos como estes contam muito.

 

Em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa fez um rasgado elogio a Montenegro a pretexto da comemoração dos 43 anos do concelho de Espinho, cidade natal do novo líder laranja, enaltecendo-lhe as qualidades cívicas e humanas. Como se estivesse a sinalizar-lhe a rota. De Belém não faltará incentivo subliminar ao homem que se distinguiu como tribuno em São Bento e um dia disse a Costa: «Governar não é geringonçar.»

Resta ver como reagirá um partido desgastado por incessantes questiúnculas internas. E se os eleitores ainda olharão o PSD como força política indispensável e necessária. Olhando o que acontece noutros países europeus, nada está garantido.

 

Se quer afirmar-se como dirigente de futuro, Montenegro deve começar por assumir sem complexos o melhor legado do PSD como porta-voz dos sectores mais dinâmicos da sociedade – na edificação das autonomias regionais, no fim da tutela militar sobre as instituições civis, na liberalização da economia, na construção europeia.

Tem de abandonar a absurda posição de Rio, que deixou o PS ocupar o centro enquanto punha o PSD a fugir da direita. Cabe-lhe, acima de tudo, escrutinar o Governo com acutilância e competência. Em questões que mobilizam o cidadão comum. Como os computadores anunciados mas que nunca chegaram às escolas, os hospitais que não passaram de chamariz para ganhar votos, os médicos de família cada vez mais escassos, as habitações prometidas mas inexistentes.

Só assim um partido da oposição se torna útil.

 

Texto publicado no semanário Novo.

Primeiro a avançar num combate nada fácil

Luís Montenegro

Pedro Correia, 14.04.22

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À terceira será de vez? Os apoiantes de Luís Montenegro devem fazer esta pergunta na semana em que o antigo líder parlamentar social-democrata confirmou a candidatura às eleições directas para a presidência do PSD, marcadas para 28 de Maio. Avança com a convicção de que «Portugal precisa de uma oposição implacável com os desvios do Governo» e na certeza de que é necessária uma alternativa política a António Costa que «devolva ambição e esperança» num país empurrado para os lugares de baixo no campeonato europeu da prosperidade.

Nada é fácil neste combate. Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves, 49 anos, advogado de profissão, ambiciona suceder a Rui Rio numa das piores fases da história do partido fundado em 1974 por Francisco Sá Carneiro e Francisco Pinto Balsemão.

A última vez que os sociais-democratas passaram a barreira dos 40%, concorrendo isoladamente numa eleição para a Assembleia da República, foi há 20 anos. O errático consulado de Rio favoreceu a recente expansão de forças alternativas no espectro político português, à custa dos sociais-democratas, enquanto o PS celebrava a segunda maioria absoluta da sua história. Pior: o ainda líder laranja, único que registou dois fracassos eleitorais consecutivos em escrutínios parlamentares, tudo tem feito para retardar o processo de sucessão. Na melhor das hipóteses, só haverá nova direcção em plenas funções daqui a três meses, já em Julho. Com meio país de férias.

Montenegro parte para esta corrida com a vantagem de ser o primeiro a declarar-se candidato. Mas também com o estigma de haver sido derrotado duas vezes por Rio em anteriores tentativas de liderar o partido. Além disso, não tendo integrado as listas de deputados, permanece ausente do palco parlamentar. As incógnitas no processo de sucessão acentuam-se com a perspectiva de enfrentar Jorge Moreira da Silva, antigo ministro de Passos Coelho, nesta corrida interna.

Ganhe quem ganhar, espera-o uma tarefa pouco invejável. A bancada laranja está reduzida a 77 parlamentares (menos dois do que os eleitos em 2019), contra os 120 socialistas. E o partido, batido nas urnas a 30 de Janeiro, vive há mais de dois meses numa espécie de vácuo, com uma liderança demissionária em câmara lenta. Vácuo preenchido por ocasionais declarações de Rio que roçam o patético, como quando se apressou a declarar que subscrevia quase por inteiro o discurso inaugural do socialista Augusto Santos Silva enquanto presidente da Assembleia da República, ou até o inaceitável, como quando alertou para possíveis efeitos perversos das sanções europeias à Rússia de Putin, responsável por crimes de guerra na Ucrânia.

Se olharmos para Espanha, percebemos que tudo podia ser diferente. Ali o líder do Partido Popular, Pablo Casado, anunciou a demissão a 22 de Fevereiro e no dia 2 de Abril já estava eleito o sucessor, Alberto Núñez Feijóo. O PSD, parceiro do PP nas fileiras do Partido Popular Europeu, devia aprender alguma coisa com os vizinhos espanhóis.

 

Texto publicado no semanário Novo

O homem que perdeu a pressa

Pedro Correia, 30.03.22

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Rui Rio conduziu o PSD à segunda derrota em eleições legislativas, consumada a 30 de Janeiro. Entra para a história do partido, mas pela negativa. Nunca antes um presidente social-democrata tinha somado dois fracassos consecutivos em escrutínios para a Assembleia da República. António Costa bem pode agradecer-lhe.

Neste século, dois dos maiores desaires do partido em disputas eleitorais têm o nome e o rosto de Rui Rio. Que entre 2019 e 2022 conseguiu fazer recuar ainda mais o grupo parlamentar laranja: eram 79 deputados, passaram a 77, contabilizados enfim os votos dos portugueses inscritos no círculo da emigração na Europa. Outra trapalhada em que o ainda presidente do PSD se envolveu, atrasando quase dois meses a posse do novo governo e a entrada em funcionamento da nova legislatura. Para afinal ver o seu partido derrotado em toda a linha também aí: o PS ganhou um deputado extra neste círculo. Reforçando a maioria absoluta: tem 120 lugares no parlamento.

Mais 43 do que o PSD.

 

Outra trapalhada, sim, mas talvez não a última. Porque Rio resiste a assumir as consequências do imenso fracasso que foi o seu mandato na Rua de São Caetano à Lapa. Dois meses após a derrota, insiste em manter-se entrincheirado na sede em vez de ter saído logo, por iniciativa própria, honrando a ética da responsabilidade.

Pelo contrário, adiou o mais possível o processo de substituição, que será ainda mais demorado do que já foi a contagem dos votos da emigração e a instalação da legislatura em São Bento.

O PSD só irá a votos a 28 de Maio - mais dois meses de espera. Mas todo o processo de sucessão só ficará concluído em Julho, mês de férias. Permanecendo até lá com uma Direcção moribunda: faz que anda mas não anda, encalhada em definitivo. Enquanto o PP espanhol - parceiro do PSD no Partido Popular Europeu - viu o líder, Pablo Casado, demitir-se a 22 de Fevereiro e terá o seu sucessor, Alberto Nuñez Feijóo, eleito já neste fim-de-semana.

Apesar da penosa agonia do seu mandato, sobra ainda a Rio energia suficiente para ir distribuindo a sua gente pelos lugares que restam, transformando o provisório em definitivo. Quando o próximo líder enfim tomar posse, encontrará um presidente do grupo parlamentar escolhido pelo antecessor e representantes no Conselho de Estado designados pela mesma via. Um deles, provavelmente, o próprio Rio. 

 

Este homem que agora parece não ter pressa alguma é o mesmo que em Outubro anunciou a intenção de adiar as directas no partido porque havia que preparar sem demora as legislativas e foi ao Palácio de Belém comunicar ao Presidente que a nova Assembleia da República devia ser eleita logo a 9 de Janeiro. Alegando que os problemas no País eram prementes e exigiam não desperdiçar mais tempo.

Cada dia que passa com ele ainda no posto de comando, é mais um dia de descrédito para o PSD. E um dia adicional de satisfação para Costa, que ontem deve ter voltado a sorrir quando ouviu Rio dizer: «Eleva a própria qualidade da intervenção do parlamento. Prestigia o parlamento, revejo-me praticamente em tudo Referindo-se ao discurso inaugural de Augusto Santos Silva como presidente da Assembleia da República. O mesmo Santos Silva que em Dezembro lhe deu uma ensaboadela pública, recomendando-lhe «sentido de Estado».

A repreensão produziu efeito, como se vê. O respeitinho é muito bonito. 

Sentenças de Maniqueu

Pedro Correia, 11.02.22

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"A Ira" - fragmento d' Os Sete Pecados Mortais, de Hieronymus Bosch

 

No primeiro artigo que escreveu no Público desde a derrota do PSD - a segunda sob a liderança de Rui Rio em eleições para a Assembleia da República, algo inédito em quase meio século de existência deste partido - José Pacheco Pereira, bem ao seu estilo, não emite o mais remoto sinal de mea culpa. Sabendo-se que foi um dos principais conselheiros do ainda presidente laranja nestes quatro anos de liderança, poder-se-ia esperar isso dele. Mas seria exigir-lhe algo quase impossível: nada de autocrítica, como se estivesse carregado de razão desde o início. Mesmo quando os factos comprovam o contrário.

Diagnóstico dos clamorosos erros tácticos e estratégicos que culminaram no recuo do grupo parlamentar do PSD mesmo com o CDS riscado do mapa? Nenhum. Análise detalhada do ziguezagueante percurso do "partido que nada tem a ver com a direita" que Rio quis colocar rigorosamente ao centro para disputar eleitorado socialista? Omissão total. Pacheco prefere disparar contra velhos e novos ódios de estimação, elegendo agora a IL como "inimigo principal", em vez de dedicar um só parágrafo às causas directas deste enorme fracasso eleitoral do PSD, que o coloca 14 pontos percentuais abaixo do PS e com 41 deputados menos.

É um texto onde as idiossincrasias de Pacheco estão mais evidentes que nunca. A omissão de factos incómodos, a varridela apressada do que não lhe interessa para debaixo da alcatifa, as aversões de natureza pessoal camufladas de rigor analítico, o achismo elevado a sentença inscrita no granito. Eis um exemplo: «Os partidos que mais criticavam o "socialismo" estão muito mais contentes com o desastre do PSD e a eventual queda de Rio do que preocupados com a maioria absoluta do PS." Em que se fundamenta este raciocínio? «Muito mais contentes» mede-se como? Mero wishful thinking, nunca justificado na prosa conselheiral.

Tudo neste artigo, intitulado "Reflexões sobre a oposição e os seus dadas", transpira rancor, em alucinante selecção dos factos, adaptados aos processos de intenção do escriba. Pacheco questiona a inexistência de «linhas vermelhas» em relação ao Chega omitindo que foi Rio quem pactuou com este partido para formar a "geringonça" açoriana. E finge esquecer-se que quem desautorizou tais linhas vermelhas foi um dos vice-presidentes do PSD, David Justino, em declarações na CNN Portugal, a 26 de Janeiro. Falando desta forma: «Quem põe ou retira o Chega da equação é o povo português. Não é o dr. Rui Rio. São os eleitores. (...) Estou a ser realista e pragmático, porque nós não traçamos linhas vermelhas…» Quatro dias antes de o País ir a votos.

Mas Pacheco, naquele seu dualismo de Maniqueu, nunca critica os amigos. Só os inimigos. Que são cada vez em maior número, cada mais jovens e cada vez mais afastados do seu pequeno universo dicotómico, como este artigo comprova em linhas e entrelinhas. 

Quarenta e um

Pedro Correia, 10.02.22

Fechados enfim os resultados eleitorais, com a inutilização de mais de 80% dos boletins correspondentes ao círculo eleitoral da Europa, algo absolutamente inédito: 157.205 foram parar ao lixo.

Feita a conversão definitiva de votos em mandatos, confirma-se que o PS ficou muito acima do PSD: tem agora 119 deputados (mais onze do que em 2019), enquanto os sociais-democratas elegeram 78 (menos um do que tinham).

Quarenta e um de diferença. Só em 2005, quando José Sócrates concorreu contra Santana Lopes, a diferença foi ainda maior: mais 46 assentos cor-de-rosa do que cor-de-laranja na Assembleia da República.

Este é o segundo melhor resultado socialista de sempre.

Quatro vezes derrotado

Pedro Correia, 02.02.22

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Perdeu as europeias de 26 de Maio de 2019, com a mais baixa percentagem de que há memória para o partido. Perdeu o escrutínio legislativo de 6 de Outubro de 2019, com um dos piores resultados de sempre para o PSD. Perdeu as autárquicas de 26 de Setembro de 2021, com metade das presidências de câmara do PS. Acaba de perder a eleição legislativa de 30 de Janeiro, numa campanha em que se destacou por apresentar aos portugueses o seu gato Zé Albino, como se nada houvesse de relevante a debater no País.

É um coleccionador de derrotas: quatro anos a acumulá-las.

Na noite eleitoral, numa das intervenções mais patéticas de que me recordo, começou a falar alemão para evitar uma pergunta incómoda, congratulou-se por esta desastrada campanha do seu partido não ter gerado prejuízo financeiro e permitiu que os seus acólitos vaiassem os jornalistas ali presentes como adeptos a xingar o árbitro num estádio de futebol.

Talvez tudo isto possa ser resumido numa palavra: deprimente.

Acordo ortográfico e partidos políticos

Pedro Correia, 24.01.22

Li os programas eleitorais de quase todos os partidos. Em busca de alguns temas. Um deles é o acordo ortográfico.

Só no do CDS encontrei aquilo que gostaria de ler em vários outros: «Reverter o Acordo Ortográfico de 1990.» Consta das medidas previstas no compromisso eleitoral deste partido, nas áreas referentes a cultura e património. Escrito, aliás, na ortografia pré-acordística. Tal como o compromisso eleitoral da CDU. Que no entanto é omisso nesta matéria, pelo que percebi.

O PSD faz alusão ao assunto no ponto 9 do seu programa para as legislativas, na epígrafe "Cultura e conhecimento: uma ambição renovada". Inscrevendo isto: «A tentativa da uniformização ortográfica não constituiu qualquer vantagem face ao mundo globalizado, pelo que o PSD defende a avaliação do real impacto do novo Acordo Ortográfico.»

Parece-me muito bem. Mas vertem o programa em acordês: 165 páginas nesta insuportável grafia que admitem rever. 

E é só. Nada encontrei nos restantes, entre linhas e linhas e linhas de prosa quilométrica. Por vezes tão mal redigida que dá vontade de devolver os seus escribas ao ensino básico.

Nada muda para que tudo mude

Pedro Correia, 28.11.21

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Foto: José Coelho / Lusa

 

Na noite em que desperdiça a enésima oportunidade de pugnar pela unidade do PSD optando por disparar contra dirigentes distritais e concelhios após novo triunfo tangencial para a presidência do partido em eleições internas que não desejou nem convocou, Rui Rio abriu uma garrafa de champanhe. É caso para isso, na óptica de quem nele apostou. Os laranjinhas estão mais perto de concretizarem o desígnio que o líder vem acalentando há quatro anos: regressar ao poder, agora de braço dado com o PS. António Costa é potencial aliado, não adversário - daí as palavras cautelosas que Rio sempre utiliza quando alude ao primeiro-ministro. O mesmo que durante estes quatro anos o desprezou com desdém olímpico.

O PSD é partido com vocação para o exercício do poder - e este impulso prevalece sobre qualquer outro, como demonstra o escrutínio de ontem, em que participaram 36 mil militantes, com o presidente em funções a vencer por uma diferença de 1700 votos. Teve 52%, contra os 48% de Paulo Rangel. Em Janeiro de 2018 vencera Santana Lopes com 54%. Em Janeiro de 2020 vencera Luís Montenegro com 53%. Agora diminui um pouco mais a margem do triunfo, parecendo satisfeito por liderar meio partido. Quem o conhece bem diz que só assim se sente «picado» - e apenas picado salta com espírito guerreiro para o recinto de luta.

O homem que em 2008 não se sentiu suficientemente «picado» para concorrer à liderança social-democrata no auge do poder socrático e em 2019 perdeu por larga margem as legislativas contra o PS de Costa vai certamente guardar outra garrafa de champanhe - desta vez para celebrar nas eleições de 30 de Janeiro a nível nacional. Pode ser que vença, mesmo saindo derrotado. 

Rangel foi perdendo firmeza e segurança à medida que se escoavam as escassas semanas de campanha contra um adversário que sempre recusou enfrentá-lo cara-a-cara e classificava esta pugna interna de «balbúrdia»«tempo perdido». Tanto quanto me recordo, foi a primeira vez que algo semelhante sucedeu no PSD: um líder rejeitar o debate com um companheiro de partido. Talvez aqui tenha funcionado a lógica adoptada há um ano pelo grupo parlamentar social-democrata quando tomou a iniciativa de propor o fim dos debates quinzenais no parlamento com o primeiro-ministro: havia que «deixá-lo trabalhar».

Não se abre novo ciclo: vai prosseguir o anterior. Nada muda para que tudo mude - era este o lema de Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina. Um homem que se desligava das paixões terrenas contemplando os astros. Questiono-me em quem votaria se vivesse neste Portugal de 2021.

A chico-espertice como método

João Sousa, 26.11.21

Um apoiante de Rui Rio (ou talvez um funcionário do call-center ao qual Rio delegou a sua campanha?) achou por bem criar um perfil no Facebook, supostamente de Passos Coelho, onde este expressaria o seu apoio em Rui Rio. Passos Coelho já veio a público declarar não ter nada a ver com o assunto. A maior ironia é que Rui Rio foi muito mais esforçado na sua oposição ao governo de Passos Coelho do que alguma vez foi na oposição (qual oposição?) ao governo de Costa.

Rio Strikes Again

jpt, 21.11.21

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Ontem almocei uma magnífico cozido à portuguesa, emanado das mãos de mago de um grande amigo. Éramos seis à mesa. Acoplados à prolongada e cuidada mastigação vários assuntos vieram à baila, alguns deles relevantes para todos nós, alguns outros nem tanto. Apesar da máscula companhia não foram abordadas "questões de saias", de negócios ou de futebóis. Mas apesar da vigência desses implícitos critérios  convivenciais aflorou-se um pouco a outra questão sempre aziaga, isso da coisa pública, tendo sido abordada a actual necrose da geringonça e os paliativos que urgem. E nesse âmbito, ainda que à mesa inexistissem militantes ou até meros eleitores do PSD, urdiram-se argumentos sobre a actual contenda social-democrata e proferiram-se preferências sobre os assuntos internos daquela agremiação.

E nisso ouvi algumas vozes, nada esquerdistas, defendendo, ainda que com pouco ênfase, a preferência pela continuidade de Rio. Pois homem sério e decidido, e com o património pessoal de ter presidido à câmara do Porto com sucesso. Sobre a matéria nada ajuizei, não só porque me sinto excêntrico ao debate mas, acima de tudo, devido à já referida excelência do repasto, que muito monopolizava a minha atenção - acompanhado de um adequado tinto "Cara a Cara", robusto o q.b. para este tipo de comezaina e suave o necessário no seu custo.

Hoje à noite, após a derrota do United diante do Ranieri, da grande vitória tangencial, conseguida in extremis, da Inglaterra sobre os Springboks, e enquanto via pela primeira - e decerto que última - vez o pastelão insuportável "Blade Runner 2049", jantei uma feijoada de coelho caseira, daquelas de trás da orelha, coadjuvada por um não muito excitante tinto "Guarda Rios" - o qual, verdade seja dita, se justifica por se apresentar ao consumidor sob um preço que o torna apetecível. Após esta labuta recolhi aos aposentos para o sono do justo, antecedido por uma breve excursão pelos jornais desportivos, em azáfama de fim-de-semana.

E é neste entretanto, na diagonal sobre a imprensa, que reparo ter o presidente do PSD - o qual há dias anunciara não realizar campanha para as eleições internas do seu partido - lançado mais esta farpa ao seu competidor. Ou seja, anunciou ao país que o seu concorrente almeja o poder para distribuir postos estatais pelos amigalhaços e apoiantes. E também, como é óbvio, explicita-nos que o seu partido tem imensas dinâmicas que querem o mesmo, tanto que catapultaram este seu concorrente, prenhe dos tais ímpios desígnios, como hipótese viável para presidente do PSD.

Dou uma gargalhada, adio o leito, sirvo-me de um dedal do "Queen Margot", boto o postal. Apenas para avisar os meus convivas do repasto da véspera. Pode Rio ter as características e o passado que lhe reconhecem. Mas, aqui entre nós, que ninguém nos ouve, vai agora sem qualquer tino. Pois isto não é coisa que um  homem na sua posição possa dizer de um correligionário concorrente. Mesmo que seja verdade...

Rio & Rangel

jpt, 11.11.21

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Está o PSD em compita interna, a menos de 3 meses de eleições legislativas. Talvez não seja o melhor momento para tal iniciativa, mas dever-se-á às ondas de choque provocadas pela derrota dos partidos de esquerda nas recentes autárquicas e à imposição (apressada?) do presidente da República. A decisão sobre o próximo presidente do PSD compete aos seus militantes mas, como é óbvio, acaba por nos interessar a todos, se acreditarmos - como será normal - que algo influenciará os próximos resultados eleitorais e a próxima configuração de poder governamental. Já o botei aqui, independentemente das virtudes políticas (e pessoais) que Rui Rio tenha não encontro, nem no círculo dos meus conhecimentos nem no amplexo imprensa/redes sociais, locutores que exprimam entusiasmo pela sua actuação. Algo que não será razão suficiente para nele descrer - até porque depende exclusivamente deste meu pessoal ponto de (tomada) de vista - mas que será um pouco descoroçoante para quem espere uma "vaga de fundo" eleitoral. Enfim, para mim - que nem sequer votei PSD nas últimas legislativas - parece-me que ao longo destes anos Rio não conseguiu afirmar-se individualmente como líder de uma alternativa à governação de António Costa, nem terá conseguido catapultar o seu partido como alternativa colectiva - quem são as actuais figuras gradas daquele partido, que políticas sectoriais ali se defende, que documentos (abrangentes e súmulas) têm publicado, que "seminários/colóquios/congressos" temáticos têm desenvolvido, etc? Com que forças sociais (também ditos "grupos de pressão") têm abertamente debatido? Que reformas propõem, que status quo entendem inamovível? Em suma, que projecto substantivo para o país defendem (para além do "patois" para cabeçalhos de imprensa) que justifique a mudança governativa, para além daquilo que o eleitor comum possa presumir, na sua desinformada candura? Dito isto, também sobre Rangel não se pode dizer que se saiba muito mais - para além da já referida presumível expectativa assente nos historiais dos partidos. É certo que não lidera um partido há um punhado de anos, como Rio, e que há quase uma década está algo afastado da política interna, dado o seu cargo de eurodeputado, o que justificará muito mais do que em Rio o desconhecer-se-lhe tanto um discurso individual abrangente como a inexistência de um trabalho de coordenação (e até de liderança) de uma colectiva reflexão sobre o país. Para mais, e no meu caso, não tenho acompanhado a sua carreira política - como referi notei-o com atenção apenas há cerca de um ano e meio quando teve um conjunto de declarações e acções parlamentares muito pertinentes e aquilatadas sobre o conflito no Cabo Delgado, em Moçambique.

Botei este longo intróito para justificar o meu cenho franzido, e algo distraído, diante da actual situação do maior partido da oposição. Atitude que nem será de espantar, dado não ser nem militante, nem simpatizante nem mesmo eleitor habitual do PSD (partido no qual votei em 1999. E no qual teria votado em 2001, 2009 e 2011 se não fosse então epígono do actual presidente da República, inscrito numa cidade e residindo numa outra, no meu caso bem longínqua, cerca de 11 000 kms). Espero apenas que possam os militantes do PSD escolher o melhor possível para a participação optimizada desse grande partido democrático no processo político português, ainda para mais quando se anuncia uma crise económica internacional, que talvez venha a depauperar o nosso algo distraído país.

Nesse sentido fico estupefacto quando leio as recentes declarações de Rio. Anunciara há dois ou três dias que não fará campanha interna na corrida eleitoral do partido. E agora, julgo que ontem, a apenas dois meses e meio das eleições legislativas, afirma ao país que o seu opositor Rangel "não está preparado para ser primeiro-ministro", algo que num partido com aspirações governamentais é um evidente "depois de mim, o dilúvio". Para além de contradizerem completamente o tal anúncio de inexistência de campanha interna que Rio fez na véspera, estas declarações feitas num partido da dimensão do PSD são letais, demonstram uma total falta de solidariedade interna, de conjugação partidária. E vêm do seu próprio presidente! Diante de uma coisa destas, do minar do caminho do próprio partido, não consigo perceber como é que haverá militantes do PSD que se conjuguem com Rio, tão "despreparado para ser presidente de partido" assim se mostra. Mas também o digo, diante disto, destas declarações entre gente que se conhece, e muito, não percebo como é que nós, eleitores comuns fora dos partidos, poderemos confiar em tais gentes, embrenhados em tal forma de fazer política. Como confiar em Rangel se o seu próprio presidente dele diz isto? Enfim, se Rio assim, tão rasteiro, e se Rangel assim tão "impreparado", o melhor é mesmo elegermos deputados de outros partidos... Está aí um cardápio à disposição, a cada um como cada qual...

Estranhos companheiros de caminho

Pedro Correia, 01.11.21

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António CostaRui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos revelaram convergência total na mensagem que dirigiram em separado ao Presidente de República: há que organizar eleições legislativas «tão cedo quanto possível». Rio e Santos foram ao ponto de defendê-las já para 9 de Janeiro. O que implicaria o início da campanha eleitoral a 26 de Dezembro e a impossibilidade de realizar debates televisivos. Além de inviabilizarem qualquer hipótese à oposição interna, quando ambos os partidos estão envolvidos em processos eleitorais intramuros - aparentemente já abortado, no caso do CDS, que se proclama anti-aborto. Outro pormenor: as listas eleitorais teriam de ser fechadas a 6 de Dezembro, 48 horas após a realização das directas previstas no PSD.

Uma campanha quase clandestina, em plena quadra festiva, só favorece Costa. Quanto menos escrutinado for, na óptica dele, tanto melhor. Quanto menos debates se travarem durante a campanha, perfeito. Quanto mais abalada por falta de democracia interna estiver a oposição à direita, isso é música para os ouvidos dele. 

 

Em entrevista à SIC, na sexta-feira, Rio insistiu na mesma tecla: legislativas já a 9 de Janeiro. Ou, o mais tardar, no dia 16. Sabe que isso favorece os socialistas, mas só surpreende os incautos: os seus quase quatro anos de desempenho à frente do PSD demonstram que, com ele, Costa pode permanecer descansado.

Quando Rio tomou a iniciativa de suprimir os debates quinzenais com o chefe do Governo na Assembleia da República, sob a alegação de que era importante «deixar o primeiro-ministro trabalhar»Costa passou ali a prestar contas menos 30% em relação ao período anterior e o próprio presidente do PSD teve a sua intervenção reduzida para cerca de um quinto do tempo de intervenção parlamentar.

 

O mesmo Rio que tem tanta pressa em ir a legislativas, trava a fundo nas eleições directas: qualifica-as de "balbúrdia" - algo impensável num democrata consequente. Contar votos no País sem contar votos no partido, em processo eleitoral regular e ordinário, no estrito cumprimento dos estatutos? Nem por um momento imagino o Presidente da República - a quem, nos termos constitucionais, compete em exclusivo a marcação do calendário eleitoral - a caucionar tão grave entorse à democracia interna num partido que se propõe como alternativa de poder.

Com esta sucessão de declarações, o presidente do PSD demonstra ter medo de enfrentar o seu competidor, Paulo Rangel - ainda por cima num processo eleitoral por ele mesmo desencadeado a 28 de Setembro, dois dias após a realização das autárquicas.

E quer chegar ao poder para quê? Para «dialogar» com o PS «em nome do interesse nacional».

Uma vez mais, de chapéu na mão, mendigando a esmola de uma atenção de Costa - algo que o líder socialista sempre recusou desde 2015, ao ponto de ter declarado categoricamente, há pouco mais de um ano: «No dia em que a sua subsistência depender do voto do PSD, este governo acabou.»

 

Impossível revelar maior arrogância. E, no entanto, é com um suposto interlocutor destes, assumidamente surdo aos rogos que lhe chegam da direita, que Rio insiste em «dialogar». A política gera insólitos companheiros de caminho. Mas não deixa de ser estranho que alguém insista em caminhar com quem o vem enxotando o tempo todo sem reservas nem remorsos.

Espero que tudo isto mereça análise e reflexão no PSD. A menos que o homem que suprimiu os debates quinzenais no parlamento consiga também pôr fim às eleições internas no partido para se agarrar desesperadamente à função simbólica que ainda exerce. Já vi tanta coisa que quase nada me surpreende.

 

ADENDA: Vice-presidente de Rio ataca violentamente Marcelo. Eis todo um padrão: a Direcção laranja só não endurece quando é o Governo a estar em causa.