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Delito de Opinião

Onde estão as feministas?

Pedro Correia, 18.10.22

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Fez anteontem um mês que Mahsa Amani, jovem curda 22 anos, foi morta num estabelecimento prisional iraniano. Havia sido detida pela imoral Polícia da Moralidade, acusada de um enorme pecado: não tinha o véu a cobrir-lhe parte do cabelo.

É assim que as mulheres são tratadas no Irão dos nossos dias. Como se ali vivessem mergulhadas nas trevas medievais. 

Mahsa não foi a primeira, nem a décima, nem a centésima vítima da repressão do totalitarismo islâmico que vigora em Teerão desde 1979, com a complacência de muitas bempensâncias do Ocidente. O simples facto de os trogloditas iranianos serem anti-americanos primários é quanto basta para lhes merecer simpatias junto de círculos académicos e jornalísticos na Europa Ocidental - incluindo Portugal

 

Acontece que aquele cobarde homicídio funcionou como um rastilho de revolta que se revela torrencial.

Qual a diferença desta vez? Vem resumida num excelente título da BBC: «As gerações mais jovens estão a iniciar uma revolução.»

Sem temor reverencial face aos aiatolás barbudos que odeiam as mulheres

 

Os esbirros do regime pensaram que tudo se resolveria como sempre: com repressão impiedosa contra quem se atreveu a reclamar nas ruas. Enganaram-se: os protestos alastraram a todas as províncias do Irão. O simples facto de uma mulher ousar tirar o véu que os clérigos lhe impõem a todo o momento no espaço público já é uma forma de dizer não.

Como escreveu o Guardian, algo nunca visto estava a concretizar-se: iranianos de várias idades e condições sociais começaram a arriscar tudo pelos protestos.

Os gritos de revolta inicial contra a brutal teocracia misógina transformaram-se num imparável coro contra a tirania. Em vaga espontânea e crescente, provocando amplos movimentos grevistas nas indústrias de extracção de petróleo e gás natural, fundamentais para o regime. Sem medo. Apesar da impiedosa reacção da camarilha que ocupa sem legitimidade o poder em Teerão há 43 anos. E que já provocou pelo menos duzentas vítimas mortais - incluindo 23 menores.

 

Enquanto isto acontece, e suscita manchetes em todo o mundo, surpreendo-me com o silêncio cúmplice de tantas vozes em Portugal.

Onde estão as nossas feministas?

Por que motivo tantas mulheres com acesso às tribunas de opinião nos espaços mediáticos portugueses, designadamente nos jornais e nas televisões, ainda não esboçaram sequer um sussurro de protesto contra a vaga repressiva que se abate sobre as principais vítimas da violência governamental no Irão, que são mulheres também?

Algo vergonhoso - e que as desacredita para sempre. Até para as indignações selectivas devia haver limites, mas pelos vistos não há.

Violência

Maria Dulce Fernandes, 08.06.20

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É imperativo combater a violência. 

É necessário combater todo o tipo de violência, porque há violências bem mais violentas do que a violência física,  passe o pleonasmo. 

É importante a manifestação e o protesto. Mas também é importante não desrespeitar as fracas leis com que a sociedade dos homens se cose.

Incentivar à violência redunda neste tipo de aberrações. As intenções podem ser boas, as mensagens também, mas os receptores seguramente não são.

Porque há quem não entenda e exacerbe a violência ao estado de triste vergonha.

A (in)utilidade do protesto pacífico

João Campos, 02.06.20

A propósito do texto desta tarde da Maria Dulce Fernandes. Muito poderia ser dito sobre descrever-se motins violentos como terrorismo, mas deixarei de lado essa divagação. Do texto ficou-me sobretudo uma das últimas frases; julgo que não terá sido exactamente isto que a Maria Dulce queria dizer, mas acabou por ser isto que disse:

Não é possível apagar um crime hediondo praticando milhares de outros que tais, igualmente injustificáveis e desprezíveis. 

Não é, de facto. Mas motins violentos e homicídio - George Floyd não foi vítima de outra coisa - não são igualmente injustificáveis e desprezíveis. Nunca serão. 

Protestos pacíficos são muito bonitos e dão fotos catitas para as redes sociais, mas o mundo não muda com toda a gente a dar as mãos e a cantar a Imagine. Protestos pacíficos são, na verdade, uma forma muito eficaz de aparentar movimento sem sair do mesmo sítio, de mostrar apoio a uma causa sem grande convicção e, sobretudo, sem grande compromisso. Sem grande sacrifício. Marcha-se um bocadinho, sorri-se para as câmaras, proferem-se palavras de ordem estridentes e vazias, manifestam-se as melhores intenções do mundo - e, no final, vai cada manifestante à sua vidinha, e o mundo continua a rodar no mesmo sentido. Quem estava bem, continua bem; quem estava assim-assim continuará assim-assim; e quem estava mal, continuará mal.

Toda a gente sabe, afinal, que lugar está cheio de boas intenções.

(Por cá orgulhamo-nos de ter feito uma revolução sem derramar sangue. Esquecemo-nos - fingimos esquecer-nos, não dá muito jeito - é dos quase cinquenta anos de ditadura que aguentámos enquanto povo, mansamente, encolhendo os ombros, incapazes de partir a loiça. Bem vistas as coisas, não foi grande coisa a nossa revolta contra a tirania; salvo raríssimas excepções, limitámo-nos a esperar que o regime caísse de podre. Como teria de cair, inevitavelmente. Calhou terem sido quase cinco décadas; podiam ter sido seis ou sete.)

Mas divago. Colin Kaepernick protestou pacificamente contra a discriminação racial e a brutalidade policial nos EUA. Serviu de muito.

As imagens de violência que chegam das cidades norte-americanas são chocantes, de facto, e a sua fúria esconderá imensas injustiças e inúmeros aproveitamentos de uma indignação mais do que legítima. Mas de todas as imagens que vi até agora dos motins e da destruição causada impressiona sequer uma fracção do que choca o vídeo da morte de George Floyd, esmagado pelo joelho de um polícia e pela indiferença de outros dois ou três. Não houve ali a mais remota tentativa de "proteger e servir", como não houve qualquer esforço de praticar algo que se aproximasse de qualquer ideal de Justiça, por mais imperfeito que esse ideal pudesse ser. Houve, sim, um homicídio. Mais um.

Talvez os protextos violentos não mudem nada, mas desta vez ninguém poderá dizer que não ouviu.

Sobre este tema, e fazendo a ligação a um outro caso muito recente que, apesar de chocante e sintomático, felizmente não acabou com ninguém morto, recomendo as palavras de Trevor Noah.

 

 

Do amarelo ao encarnadinho

Pedro Correia, 22.12.18

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Esta frase ontem dita por um indivíduo aos jornalistas destacados no terreno - e que, somados aos polícias, suplantavam os manifestantes em número - resume o fiasco dos "coletes amarelos", versão tuga: «Eu sou solidário com eles... mas tenho de trabalhar.»

Há uma diferença enorme entre os indignadinhos de sofá, sempre prontos a clicar contra o "sistema", seja lá o que isso for, e aqueles que estão dispostos a sair à rua, consequentes com a revolta que dizem sentir. A verdade é que - isso ficou bem demonstrado ontem - não basta copiar o que lá fora se passa nem ser campeão das bravatas em redes sociais. Quando há que dar a cara, assumir a identidade, ter o incómodo de mergulhar no país real, esvai-se a ousadia oculta em pseudónimos na Rede.

 

Se fosse o próprio Governo a organizar este "protesto", não lhe teria saído melhor: duas dúzias de mabecos gritando slogans inconsequentes no Nó de Francos ou na rotunda do Marquês de Pombal, como se ali houvesse sedes de órgãos de soberania. Prejudicando afinal apenas o cidadão comum que diziam representar, enquanto desafinavam penosamente, tentando trautear umas estrofes do hino nacional perante as televisões.

Pretenderam imitar os franceses. Esquecendo que os gilets jaunes não desceram às praças e avenidas numa sexta de manhã, mas em sucessivas tardes de sábado - podendo assim agregar gente que trabalha durante a semana. E escolheram os locais mais emblemáticos das cidades - desde logo Paris - para centro nevrálgico dos protestos. O próprio Marcelo Rebelo de Sousa aludia ontem, ironicamente, à sua passagem episódica pelo Marquês de Pombal, ao fim da tarde, para «observar o que se passava», já que a vasta praça fronteira ao Palácio de Belém fora deixada em sossego apesar de reunir todas as condições para dar visibilidade a qualquer manifestação de rua.

 

Os promotores deste "fiasco amarelo" revelaram a sua inépcia, desde logo, na lista de putativas "reivindicações" que difundiram nas redes: querem, ao mesmo tempo, diminuir a receita fiscal e aumentar a receita pública. Tudo e o seu contrário: menos IRS, menos IRC, IVA mais baixo, salário mínimo a disparar, pensões de reforma e subsídios de desemprego mais elevados. Uma quadratura do círculo que equipara qualquer deles aos mais incompetentes membros da classe política que dizem abominar.

Sou capaz de entender porque não marcaram para hoje os tais protestos: faltam só três dias para o Natal. Imagino-os atarefados, a esta hora, na corrida às grandes superfícies, cartão de crédito na mão. Já não de amarelo, mas de encarnadinho - a cor do Pai Natal.

A Uber agradece

Pedro Correia, 26.09.18

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No conflito que opõe as frotas de táxis às novas plataformas digitais, os partidos que dizem estar sempre solidários com os trabalhadores já assumiram o seu lado. Colocam-se contra os novos proletários da Uber, da Cabify e da Taxify,  muitos deles assalariados precários, e mostram-se a favor dos patrões dos táxis, que há uma semana condicionam fortemente ou paralisam até grande parte do trânsito na cidade de Lisboa.

Pelo oitavo dia consecutivo, a capital tem hoje os seus principais corredores destinados aos transportes públicos transformados em parques de estacionamento de táxis. Prejudicando assim os cidadãos mais desfavorecidos - aqueles que utilizam os autocarros nas suas deslocações pela cidade. Uma evidente ilegalidade que conta com o zeloso patrocínio da Polícia Municipal, enquanto os partidos que menciono na abertura deste texto assobiam para o lado.

É uma luta obviamente condenada ao insucesso. Fazendo lembrar os protestos dos cocheiros quando começaram a generalizar-se os primeiros veículos a motor nas grandes urbes. Tentar travar a roda do futuro com argumentos proteccionistas do século passado é um absurdo. 

Muitos taxistas andam por aí, envergonhados, a furar o protesto dos patrões circulando com as luzes externas dos taxímetros desligadas. Faço sinal a um. Pára, abre o vidro e pergunta para onde vou. «Pode entrar. Tudo bem, desde que não passe pela Avenida da República, pelo Saldanha, pela Fontes Pereira de Melo ou pela Avenida da Liberdade. Se for aí, sou insultado ou posso mesmo ser agredido por aqueles que se dizem meus colegas.»

Escuto estas palavras enquanto o veículo se vai cruzando com diversas viaturas das plataformas digitais, que por estes dias não têm mãos a medir, com autocarros panorâmicos cheios de turistas e até com os já pitorescos tuk-tuks alfacinhas. Todo um mundo de ofertas rodoviárias que nada têm a ver com a visão petrificada dos donos das frotas de táxis e dos partidos que os apoiam.

Oito dias de protestos encaminharam milhares de utentes habituais de táxis para a Uber e a Cabify: é uma via que já não tem retorno. Por aqui se mede também a estupidez deste protesto. Enquanto os autocarros continuam sem acesso aos seus corredores, contribuindo para engarrafar ainda mais o trânsito. Lá dentro vão humildes cidadãos trabalhadores: os partidos que dizem apoiá-los voltaram a esquecer-se deles.

A manifestação dos taxistas.

Luís Menezes Leitão, 09.09.15

 

Tenho utilizado a Uber por toda a Europa e posso garantir a enorme qualidade do serviço prestado. Não vejo que ilegalidade possa haver nesse serviço. Antes da Uber, também já tinha contratado serviços de transfer através de agências de viagens, tendo o carro sempre à minha espera quando chego ao aeroporto, não sendo por isso obrigado a recorrer aos táxis. Haverá alguma diferença entre contratar um transfer por via de uma agência de viagens ou fazê-lo através de uma aplicação informática? Sinceramente não vejo.

 

Os taxistas dizem que os carros contratados pela Uber só têm seguro para ocupantes e não seguro de passageiros dos transportes colectivos, que são de montante superior. A questão é que o capital mínimo de qualquer seguro automóvel, que abrange sempre os ocupantes do veículo, é de 5 milhões de euros, e nunca ninguém em Portugal recebeu, que eu saiba, uma indemnização por acidente automóvel sequer de um décimo desse valor. A questão do seguro é por isso irrelevante para o passageiro.

 

O que já não é irrelevante para o passageiro são os elevados preços dos serviços de táxi em comparação com os da Uber, tendo há meses inclusivamente surgido a proposta de uma tarifa única de vinte euros no aeroporto de Lisboa, dos quais um euro seria para pagar à ANA, para esta pagar à Câmara de Lisboa a abusiva taxa turística que ela quer cobrar na capital. Temos aqui um preço totalmente desproporcional ao serviço prestado para financiar os próprios prestadores e terceiros estranhos à actividade, o que constitui um grave atentado aos direitos do consumidor.

 

Argumentam ainda os taxistas que têm que ter alvará para exercer a sua actividade, pelo qual pagam elevados valores, não podendo, por isso, o transporte de passageiros ser exercido por pessoas que não tenham esse alvará. Bem, há uns anos atrás, Marcelo Rebelo de Sousa andou a conduzir um táxi por toda a cidade para fazer campanha à Câmara de Lisboa, e não me parece que o assunto tenha preocupado quem quer que fosse.

 

 

O que esta história da Uber e dos táxis demonstra é a existência de um excesso de intervenção do Estado na actividade económica, que impede a entrada de novos players no mercado, e funciona como uma barreira à inovação e à criatividade. Tal só demonstra o acerto da posição de Ronald Reagan, quando afirmou neste discurso: "In this present crisis, Government is not the solution to our problem. Government is the problem".

 

É, por isso, um grave erro dos taxistas esperar que o governo proteja o seu negócio e inviabilize o da Uber. O progresso é imparável e os negócios evoluem através da concorrência e da inovação, e não através do proteccionismo. O dia em que os taxistas se manifestaram e apelaram ao governo contra a Uber foi precisamente o dia em que a Uber mais lucrou na sua actividade.

Emirates ou Emi-ratos?

Sérgio de Almeida Correia, 01.02.15

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Já não era a primeira vez que acontecia. Repetir esta miserável refeição num voo da Emirates não me parece que seja digno de uma companhia aérea que diz estar na primeira linha mundial. A não ser que os rankings só interessem se estivermos a falar de viagens em business ou em first class.

Quem paga todas as viagens do seu bolso, seja em que classe for, tem o direito de exigir. E de denunciar o que está mal. A Emirates, que tem óptimos aviões, elevadíssimos padrões de segurança, dá emprego a muitos portugueses e reclama ser uma das melhores companhias aéreas do mundo, oferece em classe económica num voo de 9 horas refeições miseráveis. O que vêem na foto foi servido num voo que saiu de Hong Kong para o Dubai no passado dia 21 de Janeiro, pelas 0h.35m. Um quarto de focaccia de frango, sequíssima, e um bolo de chocolate, intragável, tudo embrulhado em plástico. Sem guardanapos. E não há alternativa a quem não quer um menu especial. Ainda por cima o raio da focaccia era de frango (detesto aves).

Há dezenas de anos que viajo de Hong Kong para Lisboa e foi a primeira vez, em dois voos entre Setembro e Janeiro, que não me foi servida uma refeição quente à saída de Hong Kong num voo intercontinental. E a que foi servida em Janeiro era exactamente igual, e má, como a de Setembro. Péssima, por sinal. Depois, antes da chegada ao Dubai, lá veio a intragável omeleta. A alternativa eram noodles! E duas horas depois quando embarquei para Lisboa chegou o segundo pequeno-almoço, de novo com ovos e salsichas, na rota Dubai-Lisboa. E ainda faltava o almoço, com alternativa entre frango e carneiro. Ah, e pelo meio também me deram mais uma salada de frango, o que me põe os cabelos em pé em plena época da gripe aviária  e com um avião cheio de asiáticos. 

Como se isso não bastasse, não se consegue fazer uma reclamação através do respectivo site. E daquilo que sei, e ainda hoje aconteceu à saída de Lisboa com uma passageira que viajou para Melbourne via Dubai, de informações erradas a falta de resposta atempada, com horas perdidas ao telefone, aconteceu de tudo.

A Emirates pode ter o pessoal mais simpático e atencioso do mundo, mas tem um serviço de refeições em económica na rota HK-Dubai miserável, falha na planificação das refeições, e tem um site pouco amigo para reclamações. Daí esta reclamação pública, já que não me deixaram enviá-la privadamente. E refira-se, ainda, que embora a companhia, que opera com a TAP em codeshare, permita o transporte de 30kg  em económica, não autoriza os 30kg numa única mala, pelo que invariavelmente pede que sejam retirados haveres que fazem falta na hora do check-in, embora a mala esteja "apenas" com 27 ou 28 kg. 

Sei que terei de voltar a voar na Emirates, além do mais porque me inscrevi num programa de milhas. Também sei que há alternativas e que um destes dias os mando dar uma curva. Gosto de viajar na executiva da Emirates, mas uma grande companhia aérea tem de ser boa em tudo, a começar pela classe económica ou turística que é onde viaja o grosso dos seus passageiros. Uma companhia aérea que não percebe isto arrisca perder para a concorrência. E ela anda por aí.

 

Adenda: Os problemas com o peso só ocorreram à partida de Lisboa. Poderá ter sido um problema pontual, mas dentro de dias poderei confirmar esse ponto.

Meninos e meninas: nós aqui, elas lá

Ana Lima, 03.09.13

Nada tenho contra os antigos alunos do Colégio Militar, nem contra os actuais ou os futuros, nem mesmo contra a instituição em si. Não conheço bem as razões do protesto, para além do que se tem sabido através da comunicação social (por exemplo, aqui). Suponho até que a "acção de luto" poderá ter sido bem pensada e, com os meios de que dispõem, chegará a muitas pessoas (eu própria contribuo para tal com este post). 

Mas a verdade é que não gostei de ver isto:

 

(por baixo da faixa preta está o nome de António Sérgio, que pensou tanto a questão da educação e que, por coincidência, nasceu no dia 3 de Setembro, há exactamente 130 anos). 

Enxovalhos

Helena Sacadura Cabral, 12.06.13
"A austeridade destrói o País. 'Troika' fora de Portugal." Foi com estas palavras inscritas em pequenos cartazes que o Presidente da República foi recebido esta manhã no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde está de visita, numa iniciativa organizada pelo Bloco de Esquerda e PCP, juntamente com os partidos do grupo da Esquerda Unitária (Syriza, Die Linke, Izquierda Unida, Front de Gauche).
                               (in Diário de Notícias)

Percebo, mas confesso humildemente que tenho mixed feelings relativamente a este  tipo de manifestações. Com efeito, quando sai para o estrangeiro, quer queiramos quer não, quer gostemos quer não, o Presidente da República personifica o país. Assim sendo, desagrada-me vê-lo ser recebido de forma hostil, porque, no fundo, sinto que é Portugal que está a ser maltratado. E quando são portugueses em funções oficiais no estrangeiro a faze-lo, ainda me causa mais incómodo. Percebo a "razão", mas aceito com dificuldade o "modo" de actuação, sobretudo, na presença de estrangeiros
Quando as coisas se passam internamente o enxovalho é mais pessoal do que institucional. Posso ter dúvidas sobre o processo, posso mesmo entender que preferia que assim não fosse, mas não questiono, nem censuro quem se manifesta, desde que o faça ordeiramente e sem violência. Porque a paciência tem limites e estes, entre nós, há muito que foram ultrapassados. 

Não foi só fumaça

André Couto, 15.02.13

(A partir dos 30 segundos.)

A minha vénia a todos aqueles que demonstraram que há esperança para além de toda a representação eleita, na qual a sociedade tende a não se sentir representada. Obrigado a todos os cidadãos e cidadãs, anónimos ou não, que saíram da sua zona de conforto e demonstraram que, ainda que o Povo pouco ordene nos dias que correm, talvez as coisas mudem num futuro mais ou menos próprio. Que o Povo seja sereno, mas não durma...

(E o futuro próximo promete que não foi só fumaça.)

É esguichar, minha gente!

André Couto, 26.11.12

 

Atirar calhaus aos Polícias não está com nada.
Os projecteis batem nos escudos e não no lombo dos decisores políticos eventualmente merecedores da "mensagem". Por outro lado dão lugar a que os decisores políticos, os tais destinatários da "mensagem" frustrada, mandem distribuir bordoadas pela malta e apagar da memória colectiva os dados que o Banco de Portugal divulgou naquele dia. (Desculpem mas sentia-me mal por ser o único português que não tinha mandado o seu bitaite.)

Só se ganha a um Chico Esperto, seja este o Ministro da Administração interna por si, ou o Primeiro Ministro que o desautoriza, se se for mais esperto que ele.
Parecendo que não, o leite entranha-se na roupa e o cheiro não é agradável, para além do desconforto que causa dado o frio.
Queria ver um Chico Esperto a justificar uma carga policial porque os "gandins" estavam a esguichar leite da vaca para cima da Autoridade. Até a CGTP se sentiria orgulhosa e ajudaria no transporte dos animais. Isto não esquecendo a satisfação das "vaquinhas ordenhadas todas umas atrás das outras", como o nosso Presidente da República tão superiormente retratou há uns anos...

(PS. Para este último ponto googlar "cavaco silva vaquinhas" e abrir o primeiro resultado.)

"Queríamos queimar a Merkel viva"

Pedro Correia, 13.11.12

 

Ontem, 17.50, manifestação anti-Merkel junto ao Centro Cultural de Belém.

Reportagem em directo da SIC Notícias. Mostra imagens dos manifestantes: são poucas dezenas, vários estão de cara tapada, alguns envergam máscaras de Carnaval.

 

Diz a jornalista:

- Boa tarde. Os manifestantes mantêm-se aqui neste local. O ambiente está calmo. Não há palavras de protesto neste momento. A única imagem de protesto é esta fogueira que continua a arder aqui no centro dos manifestantes. É uma fogueira feita com os cartazes que foram trazidos para esta manifestação e à volta da qual os manifestantes se juntam neste momento. (...) Vamos tentar perceber quem são estas pessoas que se mantêm aqui junto a este jardim e também a esta fogueira. Ao contrário do que aconteceu durante esta manhã, a esta hora são sobretudo jovens que aqui permanecem. Eu do meu lado esquerdo tenho sobretudo jornalistas.

 

(vira-se para a direita)

 

- Vou tentar falar com este senhor. Muito boa tarde. Diga-me quem é o senhor, porque está aqui e o que o leva a estar até esta hora, aqui, neste jardim de Belém.

- Pois, sou cidadão português, trabalho desde os 14 anos, e independentemente daquilo que faça, tenho 50, trabalho há 36 anos e 'tou a ver tudo aquilo por que trabalhei, não é?, com uma segurança que sempre toda a vida me garantiram e que agora me estão a roubar. Para além disso, 'tou-me a juntar aqui ao resto do pessoal jovem que não tem futuro.

 

(a jornalista tenta falar com alguns jovens, mas viram-lhe a cara)

 

- Há muitos jovens que não querem falar. Esta jovem aqui vai falar comigo... Eu queria só saber o que a traz até aqui e que idade é que tem.

- Tenho 16 anos.

- E vem aqui porquê?

- Porque acho que isto é um...

 

(a jovem ri-se muito e não diz mais nada)

 

A jornalista insiste, com outra pessoa:

- Este jovem. Posso falar consigo e saber o que o traz até aqui?

- As medidas que têm sido impostas ao País... o que temos passado nestes últimos meses.

- E qual é a sua situação? Está a trabalhar? Está desempregado?

- Estou desempregado. Estou a acabar o 12º ano, à procura de emprego e a lutar por um país melhor.

- E lutar por um país melhor é fazê-lo desta forma, acendendo esta fogueira e aproveitando este momento em que vem aqui uma líder internacional?

- Não, não é desta forma.

- Não concorda com este protesto?

- Concordo e não concordo. Há maneiras e maneiras de fazer...

- O que é que não concorda?

- Maneiras agressivas... Nós não temos que picar os polícias nem os polícias têm que nos picar a nós. Nós estamos aqui só para nos manifestarmos, mas não temos que picar os polícias.

- Sente que da parte de alguns dos presentes tem havido esse incentivo à violência?

- Sim, mas não muito. Portugal sempre foi um país pacífico quanto a isso. Essa pergunta nem se faz dentro de Portugal porque em Portugal é tudo muito pacífico.

 

(começam a ouvir-se algumas vozes cantando Grândola, Vila Morena; quatro manifestantes erguem punhos)

 

A jornalista faz um breve ponto da situação:

- E pronto, o ambiente é este e tem sido assim durante toda a tarde. Não há momentos de violência a registar. Aquele que pode ser considerado o maior incidente da tarde terá sido quando estes manifestantes chegaram até este local e retiraram as baias. O Corpo de Intervenção foi obrigado a criar uma linha de segurança precisamente com os próprios agentes, mas desde então não tem havido conflitos com a polícia e também não há detidos a registar e esta fogueira apenas aqui como símbolo desta luta e algumas vozes que se levantam aqui nos jardins de Belém em protesto contra a visita de Angela Merkel e também contra estas medidas de austeridade impostas pelo Governo português.

 

(parecia não haver notícia, mas cinco minutos depois era retomado o directo no mesmo local)

 

De novo a jornalista:

- Vou tentar falar aqui com esta senhora. O que a traz aqui?

- Traz-me aqui a indignação. O estado em que está o nosso país. E os nossos governantes. É isso.

- Mas identifica-se com este protesto? Eu estive aqui durante o dia, notam-se bastantes diferenças entre a manifestação da manhã, com pessoas de mais idade, agora estes mais jovens, alguns de cara tapada. A senhora identifica-se com estes protestos?

- É assim: eu identifico-me porque... derivado à situação em que o nosso país se encontra. Hoje não trabalhei, mas tive que dar uma grande volta porque está tudo cortado.

- Teve dificuldade em chegar até aqui?

- Muita dificuldade. Tive que vir a pé. Demorei imenso tempo.

 

(a câmara foca outra mulher, de óculos escuros apesar de ser já noite, com um grande cartaz onde se lia "Angela Merkel assassina")

 

- A senhora identifica-se com este tipo de protestos, com esta fogueira que se acendeu aqui?

- Esta fogueira é um símbolo porque nós queríamos era queimar a Merkel viva. Portanto a fogueira faz sentido. Nós queríamos era queimá-la viva!

- A senhora trabalha ou está desempregada?

- Trabalho. Trabalho, mas tenho um filho que não tem perspectivas de estudar nem de trabalhar e tenho de ser solidária com aqueles que estão sem emprego e estão a passar fome e na miséria.

 

Eram 18.05. Terminava assim, com este remate incendiário, a reportagem em directo da SIC Notícias no jardim junto ao CCB. Uma reportagem muito impressiva e mais esclarecedora do que prometia. Quinze minutos inolvidáveis de televisão.

Mais democracia, mais cidadania

Pedro Correia, 22.09.12

Todos vimos em directo, nos canais de televisão. António Ramalho Eanes - talvez o político mais impoluto que conheci até hoje em Portugal -, João Lobo Antunes, Manuel Alegre, Mário Soares, Bagão Félix, Leonor Beleza, Jorge Sampaio, Vítor Bento e todos os outros conselheiros de Estado foram insultados e vaiados, à chegada e à saída ao Palácio de Belém, por uma multidão que lhes chamava "chulos" e "gatunos".

"Quis ver os desavergonhados que se estão a aproveitar do nosso país", dizia uma senhora entrevistada por uma equipa de reportagem televisiva, enquanto um cavalheiro também presente na vigília da praça Afonso de Albuquerque berrava: "A democracia tem que acabar."

Uma coisa são as críticas - duras, indignadas, veementes - ao Governo. Outra é arrasar por igual todos os políticos, defender o fim das instituições democráticas e menosprezar os mecanismos constitucionais. Confundir tudo numa amálgama de impropérios onde só falta pedir um "pulso forte" para "endireitar o País" é meio caminho andado para desembocarmos numa situação muito pior do que a actual.

Os protestos de rua são inteiramente legítimos. Mas a rua não substitui o voto, por mais genuína que seja a indignação colectiva. E a insensatez dos insultos aos conselheiros de Estado está nos antípodas da cidadania. Ao contrário do que gritava o tal cavalheiro, a democracia não deve acabar. Deve melhorar, isso sim. E ser aprofundada. Sempre com mais cidadania, nunca com menos.

Também aqui

Sonhos húmidos

Ana Margarida Craveiro, 12.09.12

Parece que há muita gente a sonhar com um quotidiano semelhante. Se os gregos (as generalizações, sempre as generalizações) se revoltam, porque não nós? Não fiquemos adormecidos, camaradas!

 

 

Vejo multiplicarem-se os apelos a manifestações antitroika, fora com a Merkel, e por aí fora. Pelos vistos, não se importam de correr o risco de ficar sem salário no mês seguinte, o que seria inevitável se o financiamento do Estado português pela malvada troika fosse interrompido. Num mundo perfeito, não há consequências, há o sentimento, e o que sentimos é muito forte, e por isso nos manifestamos. Suspiro.