Progresso, palavra traída e pervertida
Execuções na guilhotina em Paris (1794)
O progresso. Se há palavra malbaratada, desvirtuada, pervertida, vilipendiada, é esta: a palavra progresso - sempre pronta a ser usada e abusada por todos os vendedores de ilusões. Alguns dos maiores torcionários de que há memória usaram-na em discursos e até em livros. Em nome do progresso, matou-se e torturou-se. Sob a bandeira do progresso, o homem é constantemente empurrado com excessiva frequência de regresso às cavernas. Invoca-se o progresso como se fosse um dogma, pratica-se o retrocesso como se fosse inevitável.
Nada há de tão perverso na política como esta novilíngua destinada a iludir as mais legítimas aspirações dos povos. Georges Jacques Danton, um dos próceres da Revolução Francesa, chegou a enaltecer a guilhotina como conquista civilizacional e símbolo de um futuro radioso. «O verbo "guilhotinar", notai, não se pode conjugar no passado. Não se diz: "Fui guilhotinado".»
Palavras proferidas na véspera da sua morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da guilhotina, na sequência de uma conspiração liderada pelo "Arcanjo do Terror", Louis Saint-Just, que costumava proclamar: «Ninguém pode governar inocentemente.» Provavelmente tinha razão: o próprio Saint-Just viria a ser executado a 28 de Julho, aos 26 anos, acusado de ser "inimigo do povo". De nada lhe valera o brilhantismo das suas intervenções enquanto mais jovem deputado eleito para a Convenção Nacional.
Por deliberação da Assembleia Nacional, a decapitação pela guilhotina tornou-se, em 23 de Março de 1792, o único método autorizado de execução da pena capital, aplicável a qualquer cidadão: ninguém gozava de imunidade legal. Há muitas formas de iniciar uma democracia: em França foi assim.
A guilhotina, espantosamente, vigorou durante 185 anos. Até 1977, ao ser executado um tunisino acusado de torturar e matar uma antiga amante. Só quatro anos depois a pena de morte seria suprimida na pátria de Voltaire, Zola e Sartre. Aquele instrumento de suplício chegou quase aos nossos dias.
Iniciada em 1789, a primeira grande revolução moderna não se limitou a tomar a Bastilha e a derrubar o trono: também devorou os seus filhos. Esteve muito longe de ser a última. Porque nenhuma engenharia social inflamada por cartilhas ideológicas é capaz de alterar o cerne da natureza humana.