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Delito de Opinião

Progresso, palavra traída e pervertida

Pedro Correia, 24.09.24

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Execuções na guilhotina em Paris (1794)

O progresso. Se há palavra malbaratada, desvirtuada, pervertida, vilipendiada, é esta: a palavra progresso - sempre pronta a ser usada e abusada por todos os vendedores de ilusões. Alguns dos maiores torcionários de que há memória usaram-na em discursos e até em livros. Em nome do progresso, matou-se e torturou-se. Sob a bandeira do progresso, o homem é constantemente empurrado com excessiva frequência de regresso às cavernas. Invoca-se o progresso como se fosse um dogma, pratica-se o retrocesso como se fosse inevitável.

Nada há de tão perverso na política como esta novilíngua destinada a iludir as mais legítimas aspirações dos povos. Georges Jacques Danton, um dos próceres da Revolução Francesa, chegou a enaltecer a guilhotina como conquista civilizacional e símbolo de um futuro radioso. «O verbo "guilhotinar", notai, não se pode conjugar no passado. Não se diz: "Fui guilhotinado".»

Palavras proferidas na véspera da sua morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da guilhotina, na sequência de uma conspiração liderada pelo "Arcanjo do Terror", Louis Saint-Just, que costumava proclamar: «Ninguém pode governar inocentemente.» Provavelmente tinha razão: o próprio Saint-Just viria a ser executado a 28 de Julho, aos 26 anos, acusado de ser "inimigo do povo". De nada lhe valera o brilhantismo das suas intervenções enquanto mais jovem deputado eleito para a Convenção Nacional.

Por deliberação da Assembleia Nacional, a decapitação pela guilhotina tornou-se, em 23 de Março de 1792, o único método autorizado de execução da pena capital, aplicável a qualquer cidadão: ninguém gozava de imunidade legal. Há muitas formas de iniciar uma democracia: em França foi assim.

A guilhotina, espantosamente, vigorou durante 185 anos. Até 1977, ao ser executado um tunisino acusado de torturar e matar uma antiga amante. Só quatro anos depois a pena de morte seria suprimida na pátria de Voltaire, Zola e Sartre. Aquele instrumento de suplício chegou quase aos nossos dias.

Iniciada em 1789, a primeira grande revolução moderna não se limitou a tomar a Bastilha e a derrubar o trono: também devorou os seus filhos. Esteve muito longe de ser a última. Porque nenhuma engenharia social inflamada por cartilhas ideológicas é capaz de alterar o cerne da natureza humana.

A palavra pervertida

Pedro Correia, 16.12.22

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O progresso. Se há palavra malbaratada, desvirtuada, pervertida, vilipendiada é a palavra progresso - sempre pronta a ser usada e abusada por todos os vendedores de ilusões. Alguns dos maiores torcionários de que há memória usaram-na em discursos e até em livros. Em nome do progresso, matou-se e torturou-se. Sob a bandeira do progresso, o homem é constantemente empurrado com excessiva frequência de regresso às cavernas. Invoca-se o progresso como se fosse um dogma, pratica-se o retrocesso como se fosse inevitável.

Nada há de tão perverso na política como esta novilíngua destinada a iludir as mais legítimas aspirações dos povos. Danton, um dos próceres da Revolução Francesa, chegou a enaltecer a guilhotina como conquista civilizacional e símbolo de um futuro radioso. «O verbo "guilhotinar", notai, não se pode conjugar no passado. Não se diz: "Fui guilhotinado".»

Palavras proferidas na véspera da sua morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da guilhotina, na sequência de uma conspiração liderada por Saint-Just, que costumava proclamar: «Ninguém pode governar inocentemente.» Provavelmente tinha razão: o próprio Saint-Just - apelidado de Anjo da Morte - viria a ser executado a 28 de Julho (10 do Thermidor do ano II, segundo o calendário revolucionário), com apenas 26 anos, acusado de "inimigo do povo". Com ele morria Robespierre - outro protagonista dos alvores da Revolução Francesa, outra vítima crepuscular da guilhotina.

De nada valera a Saint-Just o brilhantismo das suas intervenções enquanto mais jovem deputado eleito para a Convenção Nacional, em 1792, com a ardente apologia da revolução permanente. «Àqueles que o povo (não o voto, porque o voto é um acto de Estado, de subserviência) derruba, não devem ser conferidos quaisquer direitos», proclamou, entre apelos à execução sumária de Luís XVI, o monarca deposto três anos antes. Sem imaginar que viria a ser vítima da sua própria oratória, tão implacável, tão intransigente, tão incendiária.

Foi a primeira revolução de grande envergadura a devorar vários dos seus filhos - e esteve muito longe de ser a última. Nenhum discurso inflamado por cartilhas partidárias é capaz de atingir os abismos que moldam e condicionam a natureza humana.

 

Imagem.

Execução de Saint-Just e Robespierre, em 28 de Julho de 1794 (10 do Thermidor): a Revolução Francesa devorando os seus filhos

Penso rápido (44)

Pedro Correia, 26.08.14

O progresso. Se há palavra malbaratada, desvirtuada, pervertida, vilipendiada é a palavra progresso - sempre pronta a ser usada e abusada por todos os vendedores de ilusões. Alguns dos maiores torcionários de que há memória usaram-na em discursos e até em livros. Em nome do progresso, matou-se e torturou-se. Sob a bandeira do progresso, o homem é constantemente empurrado com excessiva frequência de regresso às cavernas. Invoca-se o progresso como se fosse um dogma, pratica-se o retrocesso como se fosse inevitável.

Nada há de tão perverso na política como esta novilíngua destinada a iludir as mais legítimas aspirações dos povos. Danton, um dos próceres da Revolução Francesa, chegou a enaltecer a guilhotina como conquista civilizacional e símbolo de um futuro radioso. «O verbo 'guilhotinar', notai, não se pode conjugar no passado. Não se diz: 'Fui guilhotinado'.»

Palavras proferidas na véspera da sua morte, a 5 de Abril de 1794: foi vítima da guilhotina, na sequência de uma conspiração liderada por Saint-Just, que costumava proclamar: «Ninguém pode governar inocentemente.» Provavelmente tinha razão: o próprio Saint-Just viria a ser executado a 28 de Julho, com apenas 26 anos, acusado de ser "inimigo do povo". De nada lhe valera o brilhantismo das suas intervenções enquanto mais jovem deputado eleito para a Convenção Nacional.

Foi a primeira revolução de grande envergadura a devorar os seus filhos - e esteve muito longe de ser a última. Porque nenhum discurso inflamado por cartilhas partidárias é capaz de alterar a natureza humana.

Penso rápido (11)

Pedro Correia, 28.06.14

Os especialistas alertam: em 2050, caso se mantenham os hábitos actuais, metade da população dos países desenvolvidos será obesa. Isto numa altura em que o planeta terá cerca de 40% por cento mais habitantes do que tem hoje, podendo totalizar 9,1 mil milhões. Haverá portanto cada vez mais gente a comer em excesso, por um lado, e cada vez mais gente a comer de menos, por outro. As assimetrias vão ampliar-se em progressão geométrica. Com os consequentes riscos para a saúde. E até para a estabilidade social. Porque o progresso, com ou sem aspas, é sempre uma arma de dois gumes.