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Delito de Opinião

Trapalhadas colossais

Sérgio de Almeida Correia, 01.06.24

(créditos: Macau Daily Times)

A cidade foi sacudida nos últimos dias por um conjunto de notícias, inicialmente rumores, relacionadas com a Escola Portuguesa de Macau (EPM). Más notícias na forma e no conteúdo.

Após anos de passividade, inércia e de uma gestão temerosa e sem rasgos, e pese embora alguns “casos” relacionados com a vida da instituição, aparentemente havia tudo, e estavam reunidas as condições, para se conduzir uma transição suave para a “Nova Era”.  

Seria legítimo esperar uma renovação atenta a nomeação de um novo responsável pelo Fundação da Escola Portuguesa de Macau (FEPM) e a chegada de um novo director com experiência e currículo adequados à função. Mas, como diz o povo, o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. 

Neste caso, as águas rebentaram demasiado cedo. E o parto arrasta-se destrambelhado com o novo rebento a levar palmadas na praça pública de parteiros e ajudantes sem se perceber, face à berraria do petiz, porque as dão.

A valente trapalhada que na semana finda deu à costa em todo o seu esplendor, com a "dispensa" de uma dezena de professores e uma técnica, começou com a inusitada escolha do presidente da FEPM, logo a seguir a ter sido “enfiado” no Conselho Consultivo da área consular de Macau.

Afastado, ao fim de mais de duas décadas, da rocha onde estava alapado desde 1995 na Associação dos Advogados, com um curto interregno de dois anos no início deste século, perdendo a posição de administrador-delegado de uma concessionária de jogo, com parceiros de negócio e clientes caídos em desgraça, logo alguém pensou ser necessário dar-lhe ocupação na pré-reforma que encetou à beira dos quase oitenta anos.

Obrigado a mais este serviço público, tratou de recrutar o novo director. Ao que transpirou, recomendado por um burocrata da 5 de Outubro que deixou sombra num dos piores governos de Portugal. Era o tal que enquanto ministro dizia não haver dinheiro para compensar os professores e, logo a seguir, indo apoiar o fedayin Pedro Nuno Santos na sua corrida ao estampanço, admitiu que a reivindicação, que sempre considerou ser “justa”, embora nada tivesse feito para lhe dar corpo, poderia ser satisfeita logo que a viu incluída na moção daquele à liderança do PS. Com a condição, óbvia, de que seria preciso o candidato socialista vencer as eleições legislativas de 10 de Março para se assistir a uma nova  multiplicação dos pães. 

Tirando esse facto, mais a dispensa em praça pública do anterior director, esquecendo-se que ao fazê-lo não se humilhava o dispensado, mas sim a própria EPM e quem o manteve em funções durante uma década, pensava-se que tudo iria acalmar com a preparação do próximo ano lectivo.

As primeiras declarações do novo director, com uma postura discreta, seguida algum tempo depois de uma entrevista bem conduzida à TDM, pese embora a ingenuidade de uma ou outra tirada e a assunção do discurso que lhe passaram adaptado à cartilha patriótica, fizeram-me pensar que melhor ou pior, com ou sem avental, estaria encontrado o rumo para se introduzirem as mudanças que tardavam.

Percepção cimentada quando me chegaram relatos comparando a postura do anterior director, que se fechava em copas no gabinete e não falava com ninguém, com a do actual, que circulava, cumprimentava os alunos, trocava impressões com as pessoas e ia tomando o pulso à escola.

Os episódios da semana finda mostram o quanto me enganei.

É evidente que as “opções de gestão” da nova direcção são perfeitamente legítimas. E toda a gente, alunos, pais, opinião pública em geral, sabia que, há muitos anos (esqueça-se o início trapalhão da EPM no mandato do último governador), as vistas curtas e os umbigos hipotecaram a existência de uma escola para o século XXI, com espaço, equipamentos modernos, potencial de crescimento, longe dos casinos, da poluição e confusão do centro da urbe. A EPM precisava de mudar. Para melhor, claro, e sem ser aos trambolhões.

Ao longo dos anos fui algumas vezes à EPM. Uma vez a convite dos Rotários, para falar aos alunos sobre a minha profissão. Uma outra a convite do Gilberto Lopes e da TDM para o defunto Contraponto. De todas as vezes disse o que entendia dever ser uma escola portuguesa na China. Não vejo hoje razão para pensar de maneira diferente: o que se está a passar deu-me razão e não posso assistir calado a esta desprestigiante tourada. 

Depois de uma afirmação de portugalidade, que com os anos, a dependência económica e a subserviência se tornou cada vez mais tímida, havendo pelo meio uma estória pouco edificante com uma bandeira que foi despejada e realojada no canto de um gabinete, certo é que a EPM cumpriu a sua função com os professores que tinha, formou gente capaz, interessada, socialmente útil e que se afirmou fora de portas com excelentes resultados académicos e profissionais. Mérito que se deve tanto aos alunos como aos professores que os acompanharam e aos seus pais. Pelo menos aos que se interessam e participam no dia-a-dia dos filhos e que serão quase todos.

Porém, quando se tomam “decisões de gestão” pouco transparentes em relação a professores, mais do que estimados, queridos e respeitados pelos seus alunos, passados e actuais, e que cumpriram no passado, no presente, e queriam cumprir no futuro com a nova direcção, colocam-se muitas questões.

Três dos que saem são doutorados, dizem-me, com vasta experiência de ensino local, conhecimento da sua realidade e do meio social onde se inserem os seus alunos – que é diferente da de qualquer outro local do mundo onde há escolas portuguesas –, e cujo trabalho se revelou crucial para o sucesso da EPM, dando inúmeras provas de competência profissional, com qualificações e qualidades humanas, e entrega perfeitamente altruísta ao seu múnus. Aparecerem agora, a pouco tempo de merecidas reformas, enfiados num saco de dispensas sem critérios conhecidos – “opções gestionárias” não é nada sem que se perceba em que consistem e qual a razão que está subjacente às escolhas feitas – levanta sobrolhos e dúvidas que sem transparência e esclarecimento razoável só servem para preocupar pais, alunos, a comunidade em geral, e uma vez mais deixar mal a EPM e a minúscula comunidade portuguesa.

Depois das novelas da Casa de Portugal, dos atrasos nos subsídios, do queixume das rendas, da falta de apoios e das decisões inexplicáveis sobre festas populares, só nos faltava mesmo a EPM ser palco de lutas de perus e motivo de vergonha e achincalhamento para Portugal em Macau.

Todos perceberam que a alteração do modelo de gestão passou pela introdução de uma verdadeira liderança bicéfala, agora repartida entre o presidente da FEPM e o director. Este, com todos os seus méritos, caiu aqui de pára-quedas e foi rapidamente capturado por um pequeno grupo de marretas e avençados, pretensos conhecedores da terra e das suas especificidades, que, não obstante estar há muitos anos a perder protagonismo e poder, continua convencido que é o detentor das chaves dos segredos do Santo Graal.

O presidente da FEPM já sentiu necessidade de prestar declarações à TDM e perguntar o que pode a direcção do estabelecimento de ensino fazer se não puder seleccionar os docentes. E também referiu que não é com abaixo-assinados e barulho que se vai resolver o problema da escola. Adiantou ainda que deu esclarecimentos ao Ministério da Educação, cujo chefe de gabinete agradeceu, que a anterior direcção teria perdido a confiança da Direcção de Serviços de Educação e de Desenvolvimento e Juventude (DSEDJ), e que não há nenhum professor que venha por “alvedrio” do director.

A direcção da EPM pode, e deve, entre outras funções escolher professores competentes e que dêem garantias de bom desempenho em razão das suas qualidades profissionais e humanas. Deverá, contudo, fazê-lo com critério e transparência. Se tivesse havido não teríamos hoje o sururu que temos e ele não teria necessidade de sair em defesa do director da EPM.

Concordo que não seja com abaixo-assinados que se vão resolver os problemas da EPM. O presidente da FEPM aqui tem razão. Mas se há abaixo-assinados de antigos e actuais alunos e dos encarregados de educação em defesa de professores dispensados (não é por parte dos sindicatos que cá não existem, ou de outros professores, que se o fizerem vão para o olho da rua), é porque alguma coisa aconteceu.

Por outro lado, dar resposta e agradecer a recepção dos esclarecimentos prestados, como fez o chefe de gabinete do ministro da Educação, é uma regra de cortesia e boa educação. Como ele disse “até ver, está tudo bem”. Só que a resposta não significa adesão às justificações contidas nas respostas. O presidente da FEPM não está a falar para uma manada de serventuários e boçais numa qualquer assembleia geral.

A referência à perda de confiança da DSEDJ na anterior direcção é grave. A anterior direcção esteve lá durante uma década. Em termos escolares com bons resultados (dizem-no os rankings), pelo que o Governo de Macau terá de esclarecer este ponto. E também, se for verdade, por que razão não se agiu antes. Para bem de todos e para que a população possa confiar nos dirigentes da DSEDJ, certa que de futuro não se permitirá a manutenção em funções de quem não merece confiança, nem dá garantias de serviço público perante “um sem-número de situações que importa corrigir”. Quais? Que andaram a FEPM, o Ministério da Educação e a DSEDJ a fazer durante anos? A fechar os olhos? Estava tudo mal e agora vai ficar tudo bem? Que diz o Dr. Manuel Machado?

E quanto ao facto de nenhum professor, “destes que vêm”, e cito, vir por “alvedrio do director que diz: “eu vou mandar vir este porque é meu amigo"; não, não é isso”, fico muito satisfeito por saber que nenhum daqueles, ao contrário do que me afiançaram, chega por amiguismo, compadrio, concubinato ou outro tipo de relações. Trazer a amiga ou o namorado seria um caso de nepotismo. Vir por necessidade com a garantia de que “não tem competências inferiores” (mas têm mais, são melhores, dão garantias de continuidade?) é coisa bem diferente.

Seria bom esclarecer, em todo o caso, se as dispensas dos professores que saem não se devem a motivos disciplinares, quais são as razões que lhes estão subjacentes? Fastio? Birra? Inimizade com alguém da direcção ou da FEPM? Incompetência? Há relatórios sobre o seu trabalho? Foram-lhes dados a conhecer? Dizem-me que houve professores que andaram a assistir às aulas de outros. Muito bem. A que conclusões chegaram? Informaram os visados sobre os resultados dessas “avaliações”? Quantos foram objecto desse escrutínio? Se não se fez a todos, se for o caso, qual foi o critério?

Neste momento, com a falta de informação séria e credível sobre esta bagunça, o que sabemos é que foram “dispensados”, eufemismo de despedidos, cerca de uma dezena de professores, e mais uma psicóloga que há anos ali trabalhava, numa espécie de “dispensa colectiva” sem justa causa.

O director da EPM ficou agastado. Digo-o pelo tom usado com as questões que a imprensa lhe colocou. Só que tendo sido publicados anúncios a recrutar novos professores para os mesmos lugares, e acabando-se a contratar gente desconhecedora da realidade local, mal paga para o que lhes vai ser exigido, sujeitos a títulos blue card para aqui trabalharem, numa situação idêntica à de qualquer assalariado que chegue do Nepal ou do Paquistão, o que os colocará, pese embora as funções desempenhadas e a secular amizade luso-chinesa, numa posição humilhante, subserviente e dependente, permanentemente com uma espada de Dâmocles sobre as suas cabeças, limitar-se-ão a cumprir ordens sem fazerem perguntas sob pena de não lhes ser renovado o blue card no final do ano lectivo, integrando um rebanho de serviçais, à semelhança desses desgraçados das empresas de segurança que trabalham doze horas por dia sem direito a lamento.

Os factos e os esclarecimentos prestados, ou a falta destes, depois de termos sido informados de que alguns passaram, tal como o actual director da EPM, por Timor-Leste, o que não foi referido logo de início, sem subterfúgios, quando se falou em "experiência internacional", fazem-me temer que na escolha dos substitutos haja também critérios de combate ao isolamento. Essa será uma outra opção de gestão, tal como serem pessoas de confiança para o projecto educativo que se quer cimentar, embora isso não seja impeditivo de ser logo dito e assumido por quem escolhe. Aqui, pelo menos, não se correrá o risco de vir um magistrado jubilado para compor o parco pecúlio da sua reforma, tornando-o assalariado da EPM à socapa do Conselho Superior de Magistratura.

Apesar de tudo, espero que depois desta “entrada a pés juntos”, perfeitamente desastrada, em que o status quo se transformou num “status caos”, numa espécie de deslegitimação pelo procedimento, ao contrário do que Luhmann ensinara, tudo se possa compor e seja possível retomar a tranquilidade, colocando um ponto final na vergonha de andarem inspectores da DSEDJ a averiguar o que se está a passar na Escola Portuguesa, como se em causa estivesse uma rixa entre taberneiros.

Na EPM também não há o risco de acontecer o que sucedeu a outras instituições, transformadas em clube de amigos de direcções que se dedicam à distribuição de benesses e que não cumprem a sua função profissional, social e/ou cívica devido ao estado letárgico para que foram atiradas.

De igual modo, ninguém espera que a principal função da EPM passe a ser a organização de jornadas de convívio, excursões turísticas e visitas às exposições sobre a segurança nacional, até porque tem a concorrência de mais escolas e há uma que aí vem que pretende entrar no seu mercado.

Porém, não sejamos crentes ao ponto de acreditar que se correr mal logo se verá. Ninguém acredita que o presidente da associação de pais, dada a sua posição em relação ao presidente da FEPM, alguma vez venha dizer que não correu bem. E se nessa altura tiver a coragem de o fazer já será tarde. Porque o mal já estará feito. E nesse dia o presidente da FEPM dirá que nada teve a ver com o assunto porque as opções foram da Direcção da Escola.

O Dr. Acácio de Brito, que não tem culpa nenhuma da maldade que lhe fizeram, e é pessoa bem-educada, que se abasteça de uma boa dose de lavanda, alfazema e canela. Ele e o Dr. Alexandre Leitão, Cônsul-Geral de Portugal para Macau e Hong Kong. E que se rodeiem de algumas corujas. Discretas.

Chegaram a um local cujo clima chuvoso, quente e húmido, é propício ao aparecimento de lacraus. E de bufos, tipo cristãos-novos, ultimamente mais do tipo patriotas-novos, que deambulam e amesendam pelas imediações da EPM. Muitos. Alguns disfarçados de jornalistas, advogados, professores sem doutoramento (académico; possuem outros) e beatos. Quando menos se espera estamos rodeados deles. Sem aqueles apetrechos vai ser difícil mantê-los à distância enquanto por aqui andarem. E fazerem com tranquilidade o trabalho que a comunidade espera deles.

Consciência, consciência, quem és tu?

Maria Dulce Fernandes, 27.10.23

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"Os professores vão juntar-se à greve da Função Pública, na sexta-feira[...]"

 

Sinceramente, não sou contra algumas reivindicações dos professores, ou dos auxiliares de acção educativa. Têm o direito de lutar pelo que lhes é devido. 

Apenas se me afigura estranho demais estas greves serem quase todas às segundas-feiras, às sextas-feiras, em vésperas de feriados ou sempre que dê para fazer uma ponte e as crianças, cujos pais trabalham e não têm onde os deixar, podem ficar até cinco dias em casa sem orientação pedagógica. Depois lá se despeja o programa e quem alcançou, óptimo, quem não alcançou passa coxo, porque até ao quarto ano, salvo raras excepções, todas as crianças transitam.

Hoje fiquei com os meus netos. Feliz da minha filha que teve onde deixar as crianças. Mas se pensarmos em quantas famílias são prejudicadas por estas greves de fim de semana prolongado, já que por cada falta não justificada antes ou depois do fim de semana, o pai ou a mãe perdem três dias de vencimento, constatamos que ao que parece que os professores não querem apenas reivindicar justiça para a sua classe, querem também assegurar menos horas laborais.

Antigamente, as greves faziam-se com os funcionários presentes nos locais de trabalho. Não trabalhavam, mas estavam lá. Assim podiam contestar, dando o corpo ao manifesto e não a uma escapadinha a um local da moda. Afinal, onde é que pára a consciência?

(Imagens cnnportugal)

Momento patético de televisão

Pedro Correia, 18.06.23

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Pacheco Pereira, dizem, é historiador. Presume-se que um historiador seja rigoroso. Tudo ao contrário - lamento dizê-lo - do que foi a intervenção dele faz hoje oito dias, no programa de comentário político O Princípio da Incerteza, na CNN Portugal.

Falava-se nos cartazes exibidos na manifestação de protesto dos professores, no 10 de Junho, que visavam o primeiro-ministro e o ministro da Educação. Pacheco, cada vez mais próximo do Governo, considerou tratar-se de algo «praticamente obsceno», num acto de protesto «sem ponta por onde se pegue». E concluiu, severo e categórico: «Aquilo é de facto racista!» Ignoro se dizia o mesmo quando Passos Coelho, então primeiro-ministro, era recebido em sessões públicas com coelhos enforcados.

Sobre a autoria, que considerou anónima, também não vacilou: «Isto não é a Fenprof, isto é STOP. E Chega! Porque o Chega tem também um papel nas manifestações dos professores. No meio desta onda de radicalização, por estranho que pareça, as estruturas sindicais [da CGTP] e o PCP são dos menos imunes a essa radicalização completamente perigosa para a nossa democracia.»

É assim que se lançam os boatos. É assim que se espalha desinformação.

 

Sucede que os cartazes que mostravam uma caricatura grosseira e de mau gosto do primeiro-ministro não surgiram só no 10 de Junho: há muito que eram exibidos em manifestações de professores promovidas pela Fenprof.

Sucede também que não têm autor anónimo. Está identificado, deu entrevistas a vários órgãos de informação. Pertence não ao STOP, certamente não ao Chega. É um docente filiado - imagine-se - no Sindicato dos Professores da Zona Sul, da Fenprof. Contrariando em toda a linha a tese conspirativa desenvolvida na CNNP por Pacheco Pereira. Que devia pedir desculpa pelos vários erros, involuntários ou deliberados, que levou à antena no domingo passado.

Mas quem tiver essa ilusão é melhor aguardar sentado.

 

No mesmo programa, espantosamente, o presumível historiador fez o seguinte apelo após dizer o pior possível das tais caricaturas que ele considera racistas: «Eu gostava de ter um cartaz para a colecção da Ephemera. Agora não vão queimá-los e deitá-los todos fora! Guardem pelo menos um.»

Momento patético de televisão. 

Os patriarcas (7)

Pedro Correia, 11.08.21

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Se há peça jornalística inspiradora e gratificante que pude ler nas últimas semanas, é uma entrevista que hoje o Público divulga dando a palavra a um genuíno sábio: António Marcos Galopim de Carvalho. Geólogo, paleontólogo, escritor, pedagogo, divulgador do conhecimento científico.

O título já diz muito, com esta declaração do entrevistado: «Puseram-me numa prateleira e eu não quis lá ficar.»

Lição de vida, portanto. Num país em que pessoas muito mais jovens que ele se acomodam, desaparecem de circulação, desistem, entram numa espécie de estado vegetativo ainda em vida. 

Parabéns à Teresa Firmino, a jornalista que assina esta bela peça - exemplo de jornalismo que cumpre a sua vocação de serviço público. O professor Galopim de Carvalho bem merece este destaque. No dia em que cumpre o seu 90.º aniversário. 

 

Transcrevo, com a devida vénia, outras frases da saborosa conversa de quatro páginas em que este ilustre eborense desfia o novelo das memórias, partilhando-as com a esposa, Maria Isabel Fialho, alentejana como ele:

«No pós-profissional, tenho uma vida bastante feliz, trabalho muito. Continuo a escrever. Estou agarrado ao Facebook e, ao computador, convivo com o mundo inteiro.»

«Agora faço lições por videoconferência, dantes fazia nas escolas presencialmente. Portanto, tenho uma vida cheia. Tenho uma cozinha boa, gosto de cozinhar.»

«Escrever é uma necessidade. Como aquelas pessoas que não podem passar sem correr. Às quatro da manhã, que é quando me levanto, acordo cheio de ideias e cheio de vontade de escrever. Se não me deixassem fazer isto, estava muito infeliz.»

«Os professores da escola pública estão desmotivados, longe da família, a pagar um quarto. São instados à mediocridade. Defendo que devia considerar-se a educação. Tem de se rever toda a política de colocação de professores. Tem de se rever o vencimento dos professores.»

«Eu só sinto a idade a entrar no táxi e a sair do táxi. Estou aqui consigo e julgo que tenho 20 anos, sinceramente. Costumo dizer que mantenho a criança que fui, o adolescente, o homem adulto e o homem idoso que sou. Mantenho isso tudo em mim. A idade está na nossa expressão do olhar, está na nossa maneira de sentir.»

«[No meu aniversário] vou fazer eu o almoço. Posso dizer-lhe o que é o almoço: é um belíssimo ensopado de borrego, como aquele que se faz no Alentejo. Os netos adoram, os filhos adoram e todos nós gostamos.»

 

Galopim de Carvalho está aposentado há 20 anos. Recebeu inúmeras manifestações de apreço e honrarias. Até tem duas escolas em seu nome - uma em Queluz, outra em Évora. Algo raro num país que só costuma prestar tributo aos mortos. «É muito agradável ter isso em vida», confessa, sem falsas modéstias. 

A verdade é que este professor que formou imensos discípulos nunca se adaptou à passividade do sofá de reformado: mantém-se um cidadão atento e activo. De certa forma, constitui um exemplo para todos nós.

Seu admirador de longa data, amigo e colega do seu filho Nuno, deste local de veraneio onde passo uns dias de férias brindo à sua saúde, Professor. Fazendo votos para que o tenhamos cá por bons e felizes anos. Todos temos a ganhar com isso.

 

 

António Galopim de Carvalho, nascido a 11 de Agosto de 1931, festeja hoje 90 anos.

Oiçam este tipo

Paulo Sousa, 11.03.20

Ao ouvir esta excelente intervenção do Carlos Guimarães Pinto no âmbito das Convenções do Movimento Europa e Liberdade, lembrei-me da Escola da Minha Terra, de que já aqui vos falei, e das voltas que foram dadas até ser necessário o seu alargamento.
O caso que ele relata é de maior gravidade e por isso deveria causar mais vergonha aos nossos governantes. Mas isso só seria possível se a tivessem.
Recomendo que oiçam todo o discurso, mas este é o excerto em que CGP fala da escola da terra dele.

 

A escola da minha terra

Paulo Sousa, 22.01.20

Como disse ontem, frequentei a Escola Secundária de Porto de Mós, aquela que continua cheia de amianto.

O autocarro deixava-me à porta da escola mais de uma hora antes das aulas. Depois disso ia fazer uma segunda volta para a serra a recolher mais alunos. A escola ainda estava fechada e os cafés mais perto da escola ficavam logo cheios. Haviam os grupos que se juntavam atrás do pavilhão 3 ou 4 e haviam os grupos que se juntavam no café A ou B. Eram como uma extensão do espaço escolar. No meu grupo do café todos fumavam menos eu. Confesso que tentei repetidamente travar sem tossir mas apesar de muito empenho nunca consegui. Felizmente era um grupo de mente aberta e apesar de fazerem piadas sobre isso nunca me excluíram por não fumar.

O Instituto Educativo do Juncal (IEJ) foi inaugurado pouco depois disto e desde há mais de 30 anos, foram muitas as centenas de alunos que deixaram de ter de acordar de noite para ir à escola.

Desde o primeiro momento o IEJ conseguiu, e graças à liderança do seu fundador Dr. João Martins, ter um ambiente caloroso onde se aprendia quase em família. Já se sabe que são os clientes satisfeitos que fazem a melhor publicidade e, ano após ano, a procura aumentava. O quadro pedagógico era estável e sintonizado com a identidade da escola.

Muito antes do Ministério de Educação inventar as AEC's para o primeiro ciclo já o IEJ proporcionava aos seus alunos actividades extra-curriculares como o Basquetebol, Futsal, Voleibol, Ténis, Ténis de Mesa, Ginástica, Atletismo, Xadrez, Ciências Experimentais, Pintura, Laboratório de Matemática, Jornalismo, Teatro, Cinema, Culinária (havia alunos que aprendiam a cozinhar!!), Canto Coral, Banda, Italiano, Programação, Horta Pedagógica, entre outros que me estarei a esquecer.

Quando começaram a ser comparadas as classificações dos alunos das várias escolas, o IEJ obteve desde logo uma boa classificação. Ano após ano, os critérios foram sendo afinados de acordo com a sensibilidade do Ministério de Educação, e a boa classificação inicial acabou por não se conseguir manter.

Claro que a procura crescente de alunos fazia concorrência à Escola Secundária do amianto. Os país dos alunos sabiam que as aulas dos seus filhos não eram perturbadas pelas frequentes greves dos professores. O alivio dos pais era simétrico ao desapontamento sentido pela Fenprof.

Alguns anos mais tarde houve quem quisesse comparar os custos por aluno nestas escolas com as demais e os resultados que obteve foram novamente perturbadores para a Fenprof e para os defensores do status quo público. E não é que este tipo de ensino tinha o atrevimento de custar menos ao OE do que a chamada escola pública?

Não sei relatar em detalhe, mas algum tempo mais tarde foram feitas mudanças nas carreiras dos professores de modo a que em pouco tempo o corpo docente passou a ser como os da escola pública, ou seja, mudava com frequência e isso criou, como acontece em todo o lado, instabilidade na escola.

No governo da Troika, ainda antes da Geringonça, o valor assumido pelo estado por cada aluno baixou significativamente o que teve impacto imediato no dia a dia da escola. Era mais fácil cortar ali do que na escola pública.

A narrativa contra os directores que iam de Porche para a escola foi lançada já no tempo da Geringonça, e bem sabemos qual é a última palavra dos Lusíadas. Nessa altura o incómodo acumulado desencadeou o pogrom.

Se em algumas regiões as escolas em contrato de associação eram demasiadas, todas levaram por tabela. Não eram necessários quaisquer estudos pois a decisão já estava tomada. E o resto já sabemos. Ano após ano deixaram de entrar novas turmas, foram acabados apenas os ciclos em curso e algumas já fecharam.

Não fosse ter-se transformado numa escola profissional e o IEJ teria seguido o mesmo caminho.

O meu filho foi aluno do IEJ e agora anda na escola pública. Nos primeiros dias após a mudança chegou a casa espantado dizendo que em cada pavilhão havia 3 funcionários... e na secretaria havia mais de 10!! Isso era impensável no IEJ, onde tudo funcionava com muito menos gente. Lembrei-me novamente disso quando já este ano lectivo ano houve uma greve a denunciar a falta de pessoal não docente.

Se o bom senso fosse para aqui chamado tudo isto seria diferente.

Os zigue-zagues do PSD.

Luís Menezes Leitão, 05.05.19

Se o anúncio da demissão de António Costa foi uma jogada política vergonhosa, estes zigue-zagues do maior partido da oposição também não lhe ficam nada bem. E como é que se compreende que o líder do partido diga que não conhece um texto com esta importância? Não o pode receber por e-mail e ver no telemóvel? Será que os deputados do PSD andam em roda livre no parlamento e não prestam contas ao líder?

A direita acéfala.

Luís Menezes Leitão, 04.05.19

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Ao contrário do que aqui se afirma, esta foto não demonstra que a direita perdeu a cabeça. Na verdade, a direita em Portugal não perdeu a cabeça porque nunca a teve, estando há muito tempo completamente acéfala. Os actuais líderes do PSD e do CDS não são de direita: são de esquerda. É por isso que nunca resistem a estes cantos de sereia.

Gambito

jpt, 03.05.19

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A três semanas das eleições europeias e a alguns meses das legislativas, tanto se demita o governo ou apenas dramatize o que achar necessário os efeitos da aparente coalizão redistributiva parlamentar, o que acontece neste momento é um magnífico gambito de António Costa. E que dará para ganhar uma simultânea. Vénia ao PM, goste-se ou não dele.

(E percebe-se melhor o florentino Augusto Santos Silva, há dias a dizer a Maria João Avillez - que evidentemente deixou passar, sem apreender o que fora dito - "que se enganara quem pensara Rui Rio morto". Este um tenrinho, como está mais que à vista, e a dar imenso jeito ao poder ...)

Posto isto, antes que chegue a bola

Sérgio de Almeida Correia, 14.06.16

1. Tenho apenas a dizer que embora não simpatize com o estilo que normalmente exibe, nem com algumas das suas posições, António Ribeiro Ferreira está cheio de razão a propósito daquilo que escreveu no jornal i. Por me parecer pertinente e considerar ser essa forma de actuação, há muitos anos, um dos cancros da democracia portuguesa, que só tem contribuído para o seu descrédito e para cavar ainda mais o fosso entre as pretensas "elites" e os cidadãos, entre os partidos e o eleitorado, abaixo transcrevo  aquilo que de relevante interessa sublinhar sobre a novela da Caixa Geral de Depósitos (CGD):

"Chegados aqui, interessa então perguntar aos muitos e diversificados defensores de uma CGD pública o que andaram a fazer os sucessivos governos e gestores do Estado nos últimos anos. De 2011 a 2015, a CGD acumulou prejuízos de dois mil milhões de euros, tem oito mil milhões de créditos em risco, não pagou ao Estado os empréstimos concedidos em 2012 e precisa de um aumento de capital de quatro mil milhões de euros. Esta realidade sinistra não é muito diferente do que se passou no BPN, BPP, BES, Banif e também no BCP de Jardim Gonçalves. A justiça portuguesa e o Banco de Portugal condenaram os gestores privados do BPN, do BPP, do BES e do BCP e os deputados da nação promoveram comissões de inquérito ao BPN, BES e Banif. Agora que estão em causa um banco público, governos e gestores do Estado, assiste-se a uma verdadeira lei do silêncio, uma omertà que envolve órgãos de soberania, partidos políticos e, claro, muitos empresários portugueses. Agora que os contribuintes e ac[c]ionistas do banco público vão pagar uma fa[c]tura superior à que o Estado pagou pelo BPN e Banif, o silêncio é total da esquerda à direita."

 

2. É evidente que aquilo que o primeiro-ministro fez, embora com uma outra roupagem, foi um novo convite aos professores portugueses para emigrarem. Para se safarem como puderem fora de portas, para se internacionalizarem, para se exportarem, que a Pátria está de rastos e continua sem poder acolhê-los. Porém, se há alguém que não tenha qualquer autoridade para criticar o que por ele foi dito é Passos Coelho. Se achava bem na altura que os portugueses emigrassem, deverá hoje continuar a pensar o mesmo. Já quem então criticou o que o ex-primeiro-ministro e seus acólitos disseram sobre o mesmo assunto, independentemente da forma e do tom, só pode ter agora, perante o que António Costa disse, um único discurso: voltar a repudiar o convite.

 

A coerência devia ser tratada como uma coisa séria. Na política, a coerência devia contar para mais alguma coisa do que para armar fogachos e alimentar a politiquice caseira.

Os Cratos não têm vertigens

Rui Rocha, 04.10.14

Se bem percebo, o imbróglio da colocação de professores contratados deixou de ser uma questão técnica para tornar-se um problema político. Há, obviamente, uma diferença fundamental entre um erro grosseiro numa fórmula matemática e o não cumprimento desavergonhado de uma promessa assumida por um Ministro. Os 150 professores que tinham sido colocados e que agora viram a situação revertida sofrem naturalmente um prejuízo que Nuno Crato tinha garantido que não aconteceria. Na falta de uma correcção urgente da situação, Crato atira-se de forma deliberada para o abismo da mentira. Nada que surpreenda, no final de contas. A cara-de-pau com que tem gerido o Ministério da Educação, desdizendo e contrariando tudo quanto afirmara antes de ser Ministro, permite já uma conclusão definitiva: os Cratos não têm vertigens.

A vitória de Crato

Rui Rocha, 05.08.14

Os resultados da Prova de Avaliação de Conhecimentos mostram o que qualquer pessoa de bom senso já sabia. Existem, entre os que exercem a função docente e aqueles que a ela se candidatam, abundantes exemplos de profissionais dedicados, cientificamente formados e pedagogicamente competentes. Mas, a par desses, permanecem nas escolas ou tentam entrar nelas uns bons milhares de professores e aspirantes a professores que não reúnem os requisitos mínimos para ensinar. O momento crítico do processo era, obviamente, o da realização da primeira Prova. A partir daí, a evidência sobrepor-se-ia sempre à contestação. A realidade é que numa prova extremamente fácil, mil e quinhentos candidatos a professores chumbaram. E a verdade é que muitos dos que passaram à justa (alguns milhares mais) numa prova dessa natureza, não têm também competência para exercer a função docente. Mas o importante era, no meio da contestação, conseguir abrir a porta. Depois disto, a Prova deverá ser um processo irreversível. Aplicando-se, naturalmente, quer a questões de conhecimento geral, quer a aspectos pedagógicos e científicos. E não existe do ponto de vista do interesse dos alunos (que é o que deve prevalecer) qualquer razão para que a Prova não se faça quer a todos os docentes contratados, quer aos que já integram o quadro. Para lá de todo o berreiro e contestação, teremos mais uma vez, se assim for no futuro, a comprovação de que dez a quinze por cento dos docentes não dominam conhecimentos elementares. Uma prova aplicada periodicamente a todos os docentes, com a possibilidade de uma fase de recurso, garantiria uma educação sustentada em patamares mínimos de competência e introduziria um factor de justiça dentro da própria classe docente. Não faltam, na verdade, exemplos de pessoas competentes excluídas do sistema apenas porque o critério determinante é o tempo de serviço. O processo foi em muitos momentos mal conduzido e os objectivos de Crato foram, sobretudo, tácticos. A exclusão de candidatos por via da Prova reduz o peso dos números do desemprego docente. Mas, a verdade é que, por uma vez, os objectivos tácticos coincidem com o interesse dos alunos e do sistema educativo. Já não é pouca coisa, se nos lembrarmos que genericamente esses interesses foram sempre em sentido divergente, como aconteceu com o aumento do número de alunos por turma.

Desmistificar as fezes

Pedro Correia, 20.01.14

 

Uma caloira da Escola Superior Agrária de Santarém foi sujeita em Outubro de 2002 a uma "praxe" violenta que incluiu ser esfregada com excremento de porco e meterem-lhe a cabeça num bacio cheio de fezes. Denunciou o ocorrido numa carta ao ministro que tutelava o ensino superior e accionou judicialmente os responsáveis por tão edificantes práticas. O tribunal de Santarém acabou por dar-lhe razão em Maio de 2008, condenando seis ex-alunos daquela escola a multas entre 640 e 1600 euros. Um outro foi condenado por coacção.

Este caso - de que me recordei numa altura em que as praxes voltam a estar em questão a propósito da tragédia que vitimou seis estudantes universitários na praia do Meco - foi exemplar a vários níveis. Desde logo por culminar numa sanção judicial, embora pouco mais que simbólica, a autores de "praxes" degradantes e sexistas a que durante demasiado tempo as autoridades escolares fecharam os olhos, em nome de uma intolerável "tradição" académica. Também por constituir um acto de inegável coragem da ex-aluna da ESAS, que aliás se viu forçada a transferir a matrícula para o Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa.

Mas também foi exemplar por maus motivos. Quando um caso destes demora quase seis anos a ter um desfecho em tribunal, ficou tudo dito sobre o péssimo estado da justiça neste país que tanto gosta de proclamar a sua "modernidade" aos quatro ventos.

E é ainda tristemente exemplar também por isto: segundo relatou na altura o Público, em artigo da jornalista Andreia Sanches, entre os testemunhos abonatórios dos sete réus incluiu-se um ex-professor da Escola Superior Agrária que foi a tribunal garantir que "é preciso desmistificar as fezes". Enquanto o então director do estabelecimento assegurou que ali era "normal a praxe com bosta".

Com professores assim, com "responsáveis" assim, não admira que algum do nosso ensino "superior" esteja como está. Uma bosta.

Dois pesos, muitas medidas

Sérgio de Almeida Correia, 03.12.13

Se havia ministro em quem acreditasse, em Junho de 2011, independentemente de um diferente posicionamento político-ideológico, que seria capaz de desempenhar um papel à altura das exigências do país era Nuno Crato. Com ele trazia a qualificação académica, a intervenção cívica, uma presença assídua na imprensa pensando com exigência questões pertinentes. Enfim, um conjunto de atributos e qualidades que à partida o distinguiam de alguns dos seus pares.

Volvido este tempo, em que se tornou patente o aumento da crispação dentro das escolas, a degradação do sistema de ensino, a desvalorização (a martelo) do papel da escola pública, dos professores e da comunidade educativa no seu todo, pensava eu que já estava tudo estraçalhado. Errado. Ainda faltava voltar a dar o dito por não dito pela enésima vez em matéria de avaliação de professores e de exames.

Quanto a esta última parte duvido que neste momento, para além dos visados, que têm sido tratados como bolas de golfe sujeitas às pancadas de um principiante da modalidade num driving range, alguém acreditasse na virtualidade de um modelo, qualquer que ele fosse, imaginado na 5 de Outubro.

O golpe de misericórdia acabou agora de ser dado. Inscrições obrigatórias, e pagas, ameaças várias, promessas sem fim, conferências de imprensa sem sentido e todo um rol de situações aparentemente sem solução, no final resumia-se a uma questão de números.

As proclamatórias declarações de princípio - e não apenas do ministro e do ministério mas também de alguns sindicatos - foram convertidas em números e sumariamente negociadas. Como na lota. Para quem deve, e continua a dever, quase tudo o que é hoje à escola pública e aos seus professores, e acompanha de fora, e longe, o permanente e surreal folclore negocial, torna-se difícil acreditar se será possível algum dia reconstruir o que se destruiu, restaurar a credibilidade das instituições, a estabilidade do sistema educativo e prestar um serviço capaz à comunidade. O espectáculo é deprimente.

Reformar todos viram que não foi possível. Mais difícil será amanhã um professor, com o sentido da sua missão, explicar a um aluno interessado, em termos que este possa entender e que um dia isso lhe possa ser útil, o que é uma questão de princípio. E, em especial, para que serve.

A prova de Crato e a longa marcha

Rui Rocha, 22.11.13

As principais reacções à divulgação do Guia da Prova para acesso a funções docentes tendem a ridicularizar o seu conteúdo e o reduzido grau de dificuldade que, pelos exemplos de questões apresentados, esta terá. Creio que quem assim faz apenas leu o texto mas não entendeu nem o contexto, nem o sub-texto. Vejamos. A realização da prova provoca uma enorme tensão entre os (candidatos a) professores e os seus representantes (se os têm), as instituições formadoras e o Ministério da Educação. Um cenário de contestação intensa colocaria Nuno Crato numa posição política muito delicada, obrigando-o eventualmente a recuar (com as consequências inerentes) ou a persistir com danos também evidentes. A apresentação pública de um modelo de prova facilitista esvazia uma boa parte do sentido da contestação. A coisa é tão fácil que mal se compreenderia na opinião pública que os professores se recusassem a responder: quem não sabe responder a isto não merece mesmo ser professor. E o receio de insucesso que muitos dos avaliados pudessem ter fica também adormecido, sendo provável que sintam menos resistência à participação. Uma prova fácil é, nas condições políticas actuais, a melhor garantia de que esta se realizará sem que surja uma contestação políticamente insuportável. E esse é o objectivo essencial de Crato nesta altura. O momento crítico do processo é o da realização da primeira prova. Se esta tiver lugar sem tensão significativa, a existência da prova deixará de ser contestada daí em diante. Mas, dirão alguns, sendo assim a prova não serve para nada. Errado. Ainda que tenha um baixíssimo grau de exigência, a prova deixará de fora um conjunto de candidatos que não têm um mínimo de condições para leccionar. E todos estaremos de acordo que isso será desde logo um benefício para o sistema de ensino. Mas há mais. O Guia publicado diz respeito apenas à prova de conhecimentos genéricos. Na verdade, não há uma prova, há duas. A segunda, destinada a avaliar conhecimentos específicos, realizar-se-á no final do primeiro trimestre do próximo ano. Ora, nada impede que a parte genérica da prova seja pouco exigente e que a parte específica tenha um grau de dificuldade mais elevado. Mas aí, o potencial de contestação estará esvaziado pela participação na primeira parte da prova. Mais, a(s) prova(s) terão periodicidade anual. Nada impede também que o grau de exigência vá aumentando de ano para ano. Quem ridiculariza esta primeira prova de Crato parece não entender o valor que uma longa marcha sempre tem para um antigo maoista.

Farinha Amparo

Ana Vidal, 13.11.13

 

Leio este post do Rui Rocha, depois leio esta notícia. E chego à triste conclusão de que não é possível levar a sério os níveis de exigência no ensino em Portugal, tão apregoados por um governo aparentemente bi-polar. Se a ideia é facilitar cada vez mais o acesso a cursos superiores e a sua conclusão rápida - e é verdadeiramente escandalosa a admissão descarada de que o objectivo é "aumentar o número de diplomados em Portugal e atingir as metas da União Europeia, de 40 por cento" - só posso concluir que a preocupação extrema com a formação dos professores não passa de uma cortina de fumo, ou, pior ainda, que os professores estão a ser muito convenientemente escolhidos para bodes expiatórios do inevitável fracasso de uma política de ensino que assenta num único eixo: trabalhar para as estatísticas. Lembro-me de um dichote popular antigo, que visava desvalorizar cursos de má fama de onde resultavam profissionais incompetentes: "Saíu-te o curso na Farinha Amparo?". Pois bem, este governo parece definitivamente apostado em voltar aos cursos da Farinha Amparo. Por este andar, ainda havemos de ter médicos formados em workshops.

A prova dos docentes

Rui Rocha, 12.11.13

Peço desculpa, mas até este momento não ouvi um único argumento válido contra a prova de avaliação dos docentes. E, antes de mais, devo esclarecer que em meu entender Portugal precisa de uma escola pública de qualidade. Só quem vive fora da realidade pode desconhecer o papel determinante que a escola pública tem no tecido social português. Em Portugal, a escola pública é, para além do mais, o suporte básico de vida de largos milhares de crianças e jovens. Só a escola pública lhes permite aspirar a uma vida diferente, só a escola lhes permite escapar a uma condenação de miséria. Tantas vezes, só a escola pública lhes permite comer. Acrescento que, mesmo num contexto de extrema dificuldade como o que vivemos, algumas medidas do presente governo são absolutamente criminosas. É evidente que mais do que 22 a 24 alunos por turma é uma enormidade que só com agudo sentido de hipocrisia Nuno Crato pode defender. E mais. Num país em bancarrota, é incompreensível que continue a existir dinheiro para uma frota automóvel pública colossal e que, em contrapartida, a falta de recursos seja invocada para justificar a existência de mais de 30 alunos por turma. Não é demagogia da minha parte. São opções da parte de quem as toma. Isto dito, regresso ao princípio. Não colhe o argumento de que a existência da prova descredibiliza as entidades formadoras. Muitas dessas entidades estão há muito descredibilizadas e a si próprias o devem. E, infelizmente, isso não sucede apenas relativamente às Escolas Superiores de Educação. Há muitas outras instituições que formam professores que não reúnem os requisitos mínimos para o fazer. Só a cegueira ideológica, o oportunismo político ou o corporativismo mais básico podem fazer calar esta evidência que se comenta e demonstra nas mais diversas salas de aula por esse país fora. Por outro lado, também não colhe o argumento de que a frequência de um curso com especialização em ensino torna a prova uma redundância. Vejamos. A conclusão de uma licenciatura em Economia atesta um determinado nível de conhecimentos. Mas, ninguém se escandaliza se, para preencher uma vaga numa empresa privada, esta submeter os candidatos a diversos testes e provas que avaliem o raciocínio numérico, verbal, diagramático e outras competências de um candidato. E não é o facto de a empresa escolher o candidato formado na Faculdade A em detrimento do licenciado pela Faculdade B que, só por si, retira credibilidade formadora a esta última. Pode-se discutir a natureza da prova. Mas reconheça-se que qualquer outra alternativa encerraria um nível de subjectividade bem superior (entrevistas, testes, dinâmicas de grupo?) do que uma prova de conhecimentos gerais e específicos corrigida de acordo com critérios objectivos. O sistema de ensino público deve viver para os alunos e com os professores, mas não pode estar ao serviço destes últimos. Independentemente das considerações que se possam fazer, o certo é que o sistema não está a absorver cerca de 50.000 professores anualmente. Se assim é, o fundamental é garantir o acesso dos mais preparados. A prova constitui uma garantia adicional de que será assim.  Aliás, o interesse dos alunos exigiria, levado às últimas consequências, que a prova fosse aplicada não só aos professores contratados, mas também aos do quadro. Para um país com recursos tão escassos como Portugal, é tão grave ter turmas sobredimensionadas como professores impreparados.

Reflexão do dia

Pedro Correia, 17.06.13

«Ninguém discute a legitimidade da greve [dos professores], mesmo em dia de real prejuízo para os escolares, embora se lamente que tenha sido necessário criar reféns tão alheios ao conflito. Poucos contestam o imenso capital de queixa acumulado por estes e outros actores contra os efeitos da política restritiva da escola pública. Mas o que os sindicatos não conseguirão será atrair, em vez de repelir, o cidadão para a sua causa. Com efeitos impossíveis de prever para o desprestígio da sua luta.»

Correia de Campos, no Público

Uma gestão desastrosa.

Luís Menezes Leitão, 17.06.13

 

Não me lembro de ter assistido a uma gestão mais desastrosa de uma greve como a que foi realizada pelo Governo. Desde o início ignorou o descontentamente existente na classe dos professores, julgando que tinha instrumentos à sua disposição para minimizar os efeitos da greve. Primeiro surgiu uma artilharia de comentadores, a tentar convencer a opinião pública de que a greve era ilícita ou imoral, tentando assim desmobilizar os professores. Depois o Governo ameaçou com a requisição civil, contando que o Tribunal Arbitral decretasse serviços mínimos, apesar de o ensino não estar legalmente tipificado como um dos sectores em que é possível essa designação. Perante a recusa do Tribunal Arbitral em decretar esses serviços mínimos, o Primeiro-Ministro ameaça alterar a lei, fazendo lembrar o Ministro da Guerra de Salazar, Santos Costa, que quando era acusado de estar a violar a lei, respondia que a lei estava na ponta da sua caneta.

 

Impossibilitado de decretar serviços mínimos, Nuno Crato lembrou-se então de convocar todos os professores para a vigilância, levando assim a que cada grevista tivesse nove suplentes. Mas mesmo com esta medida, a greve teve impacto e inúmeros alunos ficaram sem exames. O resultado foi pior de que se ninguém tivesse feito exame, levando a um enorme protesto dos alunos. Imagine-se como se sentirão alunos que viram os seus colegas com exame realizado, enquanto que eles não o puderam fazer, tendo necessariamente que fazer um diferente, o qual pode ser mais fácil ou mais difícil, discriminando uns estudantes em relação a outros.

 

Uma conclusão: para se ser Ministro da Educação não basta ter escrito um livro sobre o eduquês, por muito correcto que o livro seja. É necessário ter capacidade de gestão política, o que tem faltado totalmente a este Governo.