A propósito da divulgação não autorizada de fotos e vídeos sacados de um servidor virtual, penso ser assim que se diz, o jornal i colocou esta manhã na sua primeira página a pergunta que todos devem fazer: "Punha num servidor algures e de borla as fotos da sua intimidade?".
Não discuto o direito que cada um tem de tirar fotografias e de fazer vídeos em pelota, nas mais variadas posições e com os parceiros que muito bem entender, fazendo o que muito bem lhe apetecer. Isso faz parte da vida de cada um, da sua esfera privada, da sua intimidade.
Como não discuto que haja gente mais ou menos narcísica, que gosta de se admirar em fotos, em filmes, fazendo poses, dando cambalhotas ou exibindo as suas protuberâncias. E não faço distinção entre novos e velhos. Cada um é como é. E pode ter os gostos e hábitos que entender, mesmo que não sejam saudáveis na perspectiva de quem vê, desde que essa seja a sua opção, a escolha seja consciente e responsável e os seus gostos ou vícios privados não contendam com a minha liberdade ou não interfiram com a vida de terceiros. A mim, mesmo sendo um "conservador social-democrata liberal de esquerda não-marxista", seja lá o que isso for ou o rótulo que me ponham, nada me escandaliza. A vacuidade, a ignorância e a estupidez sim, incomodam-me. Mas quanto a isso também pouco posso fazer relativamente aos outros, ainda que em relação à minha pessoa tenha a obrigação de exigir mais e melhor, informando-me e procurando cultivar-me.
Se me perguntarem se acho bem que cada um faça o que lhe apetecer, acho óptimo, sendo-me indiferente o que fazem desde que não me perturbem. E se quiserem andar nus pelas nuvens e arquivar na rede os seus orgasmos para mais tarde recordarem é problema deles. Mas, respondendo à pergunta que o i sensatamente coloca, a minha resposta seria obviamente não, mesmo que no meu íntimo sentisse uma incontrolável necessidade de me fazer fotografar com Isabella Ragonese para não me esquecer de como era a diva e fazer sucesso junto dos amigos. A não ser, hipótese que admito, que confiasse cegamente nas novas tecnologias e tivesse interesse em entregar a guarda das minhas intimidades a terceiros que desconheço quem sejam, nem o que podem fazer com a minha informação.
Por muito retrógrado que seja, uma coisa é guardar artigos científicos na nuvem, outra será ser famoso e andar nu pela nuvem, quer dizer, pela casa, aproveitando para conviver com quem aparece, sem saber quem tem acesso à "casa", isto é, à nuvem, nem quando nem como, sempre com as janelas escancaradas e a luz acesa. E outra, ainda bem diferente, será ir para a janela em pêlo para ver a vista e aproveitar para mostrar as mamas e o rabo, fazendo de conta de que não há vizinhos, que na rua não passa ninguém, que ninguém boceja nas varandas ou que não aproveita o momento para tirar fotografias ao pôr-do-sol.
De qualquer forma, em conclusão, e porque me limito a expressar o que penso sujeitando-me naturalmente à crítica, e independentemente de há muitos anos ter escrito e defendido a introdução da cidadania digital, acabando com o anonimato na rede e tornando-a num espaço efectivo de liberdade e responsabilidade, entendo que todas as violações da privacidade devem ser severamente punidas, mas que quem quiser defender a sua terá de ser o primeiro a protegê-la, não se expondo ao voyeurismo alheio e não colocando a sua estupidez à mercê da intromissão de terceiros. Enquanto for possível andar nu e invisível pela Internet será difícil proteger a privacidade de quem nela se expõe, também a de cada um de nós, que é como quem diz a nossa própria liberdade. Ricos, famosos, exibicionistas e estúpidos incluídos, que nessa matéria, como em quase tudo nesta vida, não faço discriminações.
P.S. Penso que por aqui também respondo a quem há dias, a propósito de um comentário a uma entrevista de um companheiro de blogue, perguntava qual era o meu sentido da liberdade. Em termos resumidos é o que aqui fica.