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Delito de Opinião

Jardins

Ana CB, 19.03.24

Hoje apetece-me a Primavera.

Não aquela do calendário, que por sinal me diz que ela está quase a chegar. Esta Primavera moderna – que antes começava sempre a 21 de Março (ou assim me parecia…) mas agora tem data flutuante, como flutuante parece ser tudo hoje em dia – tanto pode assemelhar-se à sua própria definição como vestir-se de Verão tropical, ou de Inverno polar. É agora, em tempos de alterações climáticas, uma estação de humores variáveis em demasia, por vezes quase inexistente, e que ainda por cima trará um avanço de hora que me desacerta o relógio interno.

O que me apetece da Primavera é o seu espírito. A mudança subtil, a renovação, o crescimento, a alegria do renascimento cíclico neste continuum a que chamamos vida – a minha, a nossa, a da natureza. A certeza de que nada é imutável, e a esperança de novas possibilidades, de outras perspectivas que abrem caminhos diferentes.

01 Primavera - Jardim de Akureyri.JPG

 

Haverá melhor lugar para sentir a Primavera do que um jardim?

Um jardim é a natureza à mão de semear. É o útil aliado ao belo: uma biblioteca viva, a preservação das espécies de mãos dadas com a estética, o apelo aos nossos sentidos. Lugar de descontracção, de sossego, ou de brincadeira e alegria, de meditação, de conversas, confissões e segredos.

E por falar em segredos, quem nunca namorou num jardim? Alguns têm recantos que parecem feitos para abrigar amores fora da vista dos outros. Ou, pelo menos, para uma conversa sem sobressaltos nem interrupções, seja para trocar confidências, transmutar sentimentos em palavras, ou deixar a emoção correr em forma de lágrimas.

02 - Jardim do Castelo de Sudeley.JPG

Nos dez jardins que rodeiam o Castelo de Sudeley, em Inglaterra, tranquilidade é algo que não falta, nem faltam recantos ideais para uma conversa fluida. Mas o mais intimista (e mais romântico) é sem dúvida o Jardim Secreto, um rectângulo de relva protegido por arbustos altos e coloridos, com um único banco estrategicamente colocado.

 

05 - Jardim do Palácio dos Ribera, Bornos.jpeg

Em Bornos, na Andaluzia, o jardim do Palácio dos Ribera também teve originalmente um jardim secreto, de que hoje só permanece uma piscina com nenúfares, resguardada por buxos. Neste jardim renascentista, que também tem um pomar, não há multidões e o sossego é dono do lugar.

 

 

No princípio era o jardim

A relação entre jardins e espiritualidade é ancestral. Por alguma razão chamaram Jardim do Éden ao paraíso original da tradição judaico-cristã: mais do que um simples espaço terreno para proporcionar sustento físico, é um símbolo da beleza e da comunhão entre o divino e o humano, onde a presença de Deus se manifestava de forma tangível. O Jannah, conceito muçulmano de céu ou paraíso, para onde os muçulmanos bons e fiéis vão depois do Dia do Juízo Final, é descrito como um jardim belo e tranquilo, onde corre água e são servidos alimentos e bebidas abundantes aos mortos e às suas famílias. Várias outras tradições religiosas, como é o caso do budismo zen, também valorizam os jardins como lugares de comunhão com a natureza, transcendência e paz interior, ideais para a meditação, a contemplação e a oração. Concebidos para reflectir a beleza e a simplicidade do que é natural, com arranjos minimalistas e simbólicos, a harmonia dos jardins que habitualmente apelidamos de “japoneses” tornou-os extremamente populares, e hoje em dia estão espalhados por todo o mundo. Sou uma admiradora confessa destes jardins e nunca perco a ocasião de os visitar, mas o meu preferido – talvez porque concentra todas as virtudes de um jardim zen num espaço mais reduzido – continua a ser o primeiro que visitei, e onde já estive mais vezes: o Kyoto Garden, em Londres.

10 - Kyoto Garden, Londres.JPG

Kyoto Garden, Londres

 

20 - Jardim Japonês, Buenos Aires.JPG

Jardim Japonês, Buenos Aires

 

15 - Jardim Pierre-Baudis, Toulouse.jpeg

 Jardim Pierre-Baudis, Toulouse

 

O próprio acto da jardinagem pode ser visto como uma prática espiritual de ligação à terra, uma forma de colaborar com a natureza, cultivar o solo e participar no ciclo de vida. Actividade por vezes associada à subsistência, como acontecia (e ainda acontece) nos mosteiros, não são poucas as pessoas que dizem encontrar paz e significado na criação e manutenção de jardins, seus ou de outros, ou a cuidar de hortas.

 

Jardins para dar cor à vida

Independentemente da beleza que têm noutras épocas do ano, é na Primavera que a maior parte dos jardins estão no seu auge. A culpa é das flores e da explosão de cor com que os pintam. Depois dos meses cinzentos e frios, em que muito do que há na natureza fica em estado de hibernação, o renascimento de um jardim é um hino à alegria que reflecte o nosso próprio desejo de nos libertarmos do peso do Inverno. Queremos luz e festa, entusiasmo, energia. E é por isso que a função ornamental de um jardim é uma das suas facetas mais importantes.

25 - Lystigarður, Akureyri.JPG

Em muitos países onde os rigores invernais são mais fortes, este amor pelos jardins é bem visível. Em Akureyri, a maior cidade do norte da Islândia, situada uns meros 50 km a sul do Círculo Polar Árctico, o encantador Jardim Botânico (Lystigarður) congrega mais de 7 mil espécies diferentes de plantas, das quais apenas 430 são nativas do país. Caminhos ondulantes, imaculadamente limpos, rodeiam canteiros com flores coloridíssimas, arbustos e árvores, zonas arrelvadas, pequenos lagos, e bancos para descanso dos visitantes.

 

30 - Rococo Gardens, Painswick, Inglaterra.jpg

Na região inglesa das Cotswolds, perto de Painswick, os Rococo Gardens são outro exemplo de jardim ornamental exuberante. Concebidos no séc. XVIII, espelham a alegria de viver da classe média-alta dessa época, quando a extravagância e a frivolidade reinavam. Têm uma atmosfera teatral, com elementos arquitectónicos que pouco mais são do que decorativos, secundados por uma profusão de flores de cores pastel. Um jardim repleto de pormenores deliciosos e surpreendentes.

 

35 - Kew Gardens, Londres.JPG

Os Jardins Botânicos Reais de Kew, situados na periferia de Londres, têm um valor tão grande como paisagem histórica que estão desde 2003 classificados como Património Mundial pela Unesco. Criados em 1759 pela Princesa Augusta, ilustram de forma ímpar os períodos característicos do paisagismo nos séculos XVIII a XX, com ambientes que reflectem as tendências artísticas da época, oriundas tanto da Europa como de regiões mais distantes.

 

No reino da originalidade

Certos jardins são como que uma bolha isolada da realidade que os rodeia. Passamos o seu limiar e somos transportados para outros lugares, outras eras, outros mundos. Recriam ambientes exóticos, utopias transformadas em realidade, ou nascem da excentricidade de quem os concebe, às vezes até por acaso. São oásis de fuga à rotina, portais para um universo onde as regras do comum não parecem aplicar-se.

40 - Jardins Monte Palace, Funchal.jpg

O Jardim Tropical Monte Palace é um pedacinho de paraíso na ilha da Madeira. Estende-se por uma área de 70.000 m2 e é povoado por milhares de espécies diferentes de plantas exógenas, em pacífica coexistência com as muitas outras que são típicas da floresta Laurissilva da Madeira. Está estruturado em vários ambientes diferentes entre si, todos igualmente encantadores. Os espaços mais exuberantes são o lago central, dominado por um grande espelho de água habitado por estatuetas e animais e alimentado por uma cascata copiosa, e os jardins orientais, onde a água e a vegetação densa predominam, decorados com esculturas, bancos, lanternas orientais em pedra, pagodes em várias versões e lagoas com peixes Koi.

 

45 - Jardins Majorelle, Marraquexe.jpg

Os Jardins Majorelle, em Marraquexe, foram criados pelo pintor francês Jacques Majorelle nas décadas de 1920-30, e mais tarde restaurados e desenvolvidos pelo estilista Yves Saint Laurent. O design meticuloso destes jardins é uma fusão ecléctica de estilos que combina elementos art deco, do artesanato berbere e da arquitectura mourisca. A paleta de cores vibrantes dos elementos construídos contrasta com o verde hegemónico das plantas e brilha sob o sol marroquino. Com palmeiras imponentes, cactos, buganvílias e uma variedade de plantas suculentas em harmoniosa coexistência, definindo cenários visualmente inesperados, estes jardins são uma mistura única de influências artísticas, botânicas e culturais, um oásis exótico e tranquilo no coração da cidade.

 

50 - Jardins do Arnado, Ponte de Lima.jpg

Em Ponte de Lima, os jardins do Parque Temático do Arnado são um patchwork de quatro estilos diferentes de jardins. Há um jardim romano, com piso de mosaicos e uma colunata de tijolo e pérgulas que rodeiam um lago ajardinado. No jardim barroco, o tema são as rosas, declinadas em várias cores, com canteiros delimitados por buxo ao estilo dos parterres franceses. O jardim labirinto desenvolve-se em torno de uma folly de metal, colocada numa zona mais elevada e ornamentada com jasmins, onde também crescem belos exemplares de ácer japonês. E no jardim Renascença há ciprestes e canteiros de azáleas e rododendros, e água que escorre por uma parede de pedra em socalcos. Aos jardins temáticos soma-se um horto botânico com uma estufa feita de ferro forjado cor de chumbo, que num dos lados está adjacente a dois lagos com nenúfares.

 

55 - Pátio dos cactos, Hervás, Espanha.jpeg

Num recanto do bairro judeu de Hervás, em Espanha, há uma surpreendente preciosidade: o pátio dos cactos. São mais de 6000 cactos de todos os géneros, que crescem nos suportes mais estranhos e originais que podemos imaginar, e cobrem completamente as paredes e boa parte do piso do minúsculo pátio de uma casa particular. É com imenso carinho e cuidado que o dono da casa conserva este invulgar jardim em miniatura, abrindo as suas portas aos visitantes.

 

Demonstrações de grandeza

Foram concebidos como símbolos de magnificência, destinados a exibirem ao mundo a riqueza dos seus promotores – monarcas, líderes políticos, nobres, comerciantes endinheirados. São os chamados jardins monumentais, de que existem inúmeros exemplos sobejamente conhecidos – como os de Versalhes, Schönbrunn ou Villa d’Este, só para citar alguns; ou ainda, entre os portugueses, o Jardim Episcopal de Castelo Branco, os do Palácio de Queluz, ou os do Solar de Mateus, em Vila Real. Estilos habituais nestes jardins são o renascentista italiano e o francês, demonstrativos das habilidades técnicas e da imaginação dos seus criadores. Locais de entretenimento e de socialização onde se cruzavam as elites intelectuais e artísticas, os jardins monumentais contribuíram ao longo dos séculos para o florescimento da criatividade e do intercâmbio de ideias.

58 - Jardins de Boboli, Florença.JPG

Os famosos Jardins de Boboli, em Florença, são um modelo exemplar de jardim renascentista italiano. Começados no séc. XVI e ampliados nos séculos seguintes, estendem-se por um plano inclinado com vistas amplas sobre a cidade, que lhes serve também de cenário. Cobrindo uma área de aproximadamente 45 mil metros quadrados subdividida de forma regular em socalcos, os espaços verdes são definidos por caminhos regulares e ornamentados por escadarias grandiosas, terraços panorâmicos, estátuas, grandes fontes, e cavernas artificiais decoradas com pinturas.

 

72 - Jardins do Palácio de Hampton Court, Inglaterra.jpeg

Nos arredores de Londres, aninhados numa curva do Tamisa, os jardins do Palácio de Hampton Court ocupam mais de 240 mil metros quadrados e albergam o labirinto mais antigo do mundo, uma vinha que bateu um recorde e três colecções nacionais de plantas. Mandados construir por Henrique VIII em 1528, estes jardins relativamente modestos transformaram-se, desde essa altura, em luxuosos jardins de lazer com canteiros, estátuas e fontes. O seu extenso canal foi mandado abrir por Carlos II para preparar a chegada da sua noiva, Catarina de Bragança. No século XVII, durante o reinado de Guilherme III e Maria II, os jardins de Hampton Court tornaram-se famosos pela sua beleza e requintado desenho barroco. Data desta altura a criação do labirinto, do Jardim Privado, e do Jardim da Grande Fonte original. Os teixos deste jardim foram domados até adoptarem a sua peculiar forma de cogumelos, e mantêm-se de pé há mais de 300 anos.

 

79 - Jardins da Casa da Ínsua.JPG

Tal como a vemos hoje, a Casa da Ínsua, em Penalva do Castelo, foi construída no último quarto do séc. XVIII a mando de Luís de Albuquerque e Mello Pereira e Cáceres, um fidalgo cavaleiro da Casa Real que foi o quarto governador e capitão-general da capitania de Mato Grosso, no Brasil. Únicos, tanto como pela sua dimensão como pela originalidade e variedade de espécies botânicas, os jardins oitocentistas da Casa da Ínsua dividem-se em vários espaços, cada um deles concebido de acordo com estilo e finalidade diferentes. Há o francês, com os seus parterre geométricos e um lago com flores de lótus indianas, que florescem entre Junho e Julho e só vivem 48 horas. Há o inglês, mais selvagem, com muitos arbustos e árvores de grande porte – sequóias, cedros, paus-brasil. Há o dos aromas, com flores e um canteiro onde estão plantadas videiras das castas usadas para os vinhos Casa da Ínsua. Há um tanque com patos e um cisne, e há fontes, mesas e esculturas em pedra.

 

Sejam modestos ou sumptuosos, concebidos por grandes paisagistas ou meramente nascidos como hobby de um qualquer cidadão anónimo, apenas frequentados pelos habitantes de um bairro ou visitados por milhares de turistas anualmente, os jardins são uma ponte entre as pessoas e a natureza, e revelam muito sobre a cultura de cada sociedade ao longo dos tempos. Mas o seu maior feito é, sem dúvida, contribuírem – imenso! – para a nossa felicidade.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 20.03.23

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A 20 de Março celebra-se A Chegada da Primavera

«A Primavera começa hoje, oficialmente, em Portugal. Noutros anos, só tem início a 21 de Março.

Os ponteiros do relógio irão ser adiantados no último domingo deste mês, quando entraremos no chamado horário de Verão, que irá prolongar-se até final de Outubro.

O equinócio da Primavera ocorre quando o Sol cruza o plano do equador celeste (a linha do equador terrestre que é projectada na esfera celeste). Acontece em Março no hemisfério em que nos encontramos. No hemisfério sul, o equinócio da Primavera acontece em Setembro, quando entramos no Outono.

 

Tenho saudades da Primavera tal como a conheci na minha meninice. Muitas andorinhas e outros passarinhos, um sol tímido que depois de almoçar irradiava um calorzinho bom, os cheiros eram mágicos por todo o lado, e acreditem, o verde tem cheiro, e o aroma a flores e a verde era inebriante. Sentávamo-nos a bordar à sombra de um caramanchão de farta folhagem, lanchávamos a merenda, jogávamos às escondidas e à apanhada e contávamos a alegria das cores primaveris. O regresso a casa era alegre, saltitante e chilreante como a própria Primavera.

 

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Este é O Dia Internacional da Felicidade

«Haver um Dia Internacional da Felicidade pode soar um pouco infantil para os não iniciados. Mas a verdade é que nesta data não há apenas sorrisos e boas vibrações.

Comemoramos o Dia Internacional da Felicidade graças ao trabalho realizado pela ONU e à sua organização não-governamental Acção Pela Felicidade, composta por pessoas de 160 países. Este movimento visa espalhar a consciência de que o progresso não é só aumentar os resultados financeiros, mas também o bem-estar e a felicidade humana.

Em 2011, a Assembleia Geral da ONU adoptou uma resolução que assumiu como “objectivo humano fundamental” dar tanta prioridade à felicidade como às metas económicas. 

Enquanto escutamos, por exemplo,  "Happy", de Pharrell Williams, guardemos um minuto neste 20 de Março para considerar o que realmente nos faz felizes e como poderemos consegui-lo.»

 

O que é a felicidade? É amor, é saúde, é alegria e é conforto. Em podendo ser feliz assim e em podendo ajudar a tornar feliz quem nos rodeia e quem necessita, somos ricos de felicidade.

 

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Hoje é O Dia Internacional de Contar Histórias 

«Quer a história tenha palavras, imagens, sinais ou expressões, todas as formas de contar histórias são ainda mais apreciadas neste dia. 

As pinturas rupestres confirmam que já os nossos mais remotos antepassados aprenderam a desenvolver a arte de narrar histórias, o que se foi acentuando à medida que as gerações se sucediam.

Cada género de narrativa tem um lugar específico na vida de qualquer de nós.

Este Dia Internacional de Contar Histórias partiu de uma iniciativa sueca, em 1991. A tendência ganhou ritmo e rapidamente se expandiu a nível internacional.

O Dia Internacional de Contar Histórias é um pretexto adicional para lermos ou contarmos as nossas histórias favoritas.»

 

O que eu gosto de contar histórias! Narrei incontáveis livros ao meu irmão mais novo, alguns deles com a batota apressada da adolescente que quer fazer coisas, muitas coisas, sem saber bem o quê. Li muitas histórias às minhas filhas, sempre as minhas favoritas, as tradicionais e incontornáveis, as clássicas, aquelas histórias cujo final feliz puxava sempre uma lágrima emotiva e um suspiro de satisfação. Leio histórias aos meus netos. Leio as clássicas, que já não lhes dizem muito. A locução sem imagens foi destruída pelo audiovisual.  E agora as histórias são outras, diferentes e iguais. É assim a paridade. Mas não desisto nem nunca irei de contar a nossa história, rica e plena de peripécias e essa ouvem sempre com atenção.

(Imagens Google)

Primavera

José Meireles Graça, 22.02.23

A acácia, reparei hoje, já tem umas folhas comoventemente pequenas; as glicínias já ostentam seus mal desenvolvidos botões; os carvalhos cerquinhos começam a colorir-se de verde; o raizeiro de uma das tílias já rebentou com uma tímida folhita e na faia, na albizia, no castanheiro da índia, no plátano, na árvore de Júpiter e em todas as outras, indo lá espiolhar, já se percebe que estão em sentido, à espera que o Instituto das Florestas e da Conservação da Natureza decrete a chegada da Primavera. Agora, as couves galegas é que estão num estado aflitivo: muitas amarelas e as outras sem pujança. E isto é preocupante porque um coração amantíssimo como o meu é sensível aos ciclos da Mãe Natureza e suas belezas, mas ainda mais a um caldo daquelas humildes verduras com feijão e alguma pouca carne a adubar.

Haja esperança

Paulo Sousa, 04.02.21

Após uma sequência de trocas e mensagens não entendidas, inadvertidamente acabei por ter uma ameixieira de jardim (Prunus cerasifera) nas cercanias da minha casa.

Além do formato despido de personalidade e do trabalho que dá a podá-la no final do Outono, as suas folhas são de uma cor que só poderia pertencer a um catálogo de cores frias. Não é uma árvore bonita.

Mas como a vida é feita de equilíbrios, é possível encontrar beleza mesmo quando menos contamos.

Assim, todos os anos no início de Fevereiro, esta árvore desperta-me um entusiasmo que lhe garante a permanência por mais uma temporada, e isto acontece por ser a primeira a anunciar a Primavera.

À excepção dos citrinos, que têm um ciclo próprio, apenas as nespereiras concorrem com a precocidade desta ameixieira de jardim. Por isso e desde ontem, que aqui à volta se tornou oficial: a Primavera vem aí! E nunca ansiamos tanto pelo fim de um Inverno.

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Um milhão

Pedro Correia, 02.04.20

Acaba de ser ultrapassada uma barreira muito preocupante: há já um milhão de infectados pelo novo coronavírus à escala mundial. Com mais de 51 mil vítimas mortais também oficialmente registadas. Num caso e noutro, não custa nada a crer que as estatísticas reais sejam bastante superiores. Basta sabermos que em mais de metade dos países ou territórios afectados pela pandemia - que são quase todos - os testes continuam a escassear. E não faltam capitais do globo onde as certidões de óbito evitam qualquer alusão ao Covid-19, optando por mencionar "pneumonia" ou "infecção respiratória aguda".

É a Primavera mais sinistra de todas quantas guardamos na memória.

Página de um diário

Helena Sacadura Cabral, 21.06.15

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Lisboa, 21 de Junho de 2015

 

Entrámos hoje no Verão. Não é uma estação que me seduza. Nem agora, nem antes. É um período excessivo de pormenores dos quais não gosto: muito sol, muita gente, muito suor, muito álcool.

Sou mais das quadras intermédias, como o Outono ou a Primavera, embora esta me cative menos do que a primeira, que também possui alguns excessos. Sobretudo de vida, que desponta por todo o lado.

Dir-me-ão que o Outono tem um lado triste, de fim que se aproxima. É verdade. Mas tem aquele amarelo laranja das folhas caídas das árvores que atapetam as ruas - e pessoalmente me tocam fundo -,  que dão ao campo e às cidades uma uniformidade que nas outras estações se não descortina. Aliás, essa "tristeza outonal", que tantos referem, é o bálsamo indispensável para compensar os cúmulos estivais.

Muitas vezes me tenho perguntado o porquê desta preferência, quando a minha alegria atávica pouco parece ter de comum com tal tristeza. Começo a acreditar que é o balanço psicológico que tal determina e que a sabedoria popular tão bem explica, quando afirma que os opostos se atraem. É um facto, comigo. E não só no campo meteorológico...

Para que bate o luar na relva?

Laura Ramos, 20.03.12

 Claude Monet

 

O luar quando bate na relva
O luar quando bate na relva
Não sei que coisa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...
Se eu já não posso crer que isso é verdade,
Para que bate o luar na relva?

 

Alberto Caeiro

Jacarandás

Ana Vidal, 24.05.11

 

Contrariando olimpicamente a ancestral aversão nacional à alegria, os presságios de pestes negras, misérias pardas e um sortido rico de desgraças a bater-nos à porta (para não falar das que já se instalaram, abusadoras, nos nossos descoloridos sofás, pagos a prestações em tempos de vacas anafadas), as estatísticas e previsões de arrepiar os cabelos a quem ainda os tem, as escandaleiras para todos os gostos, as filas da segurança social, o galope do desemprego, o tédio de mais uma campanha eleitoral, as trapaças do costume, os gordos da Júlia, as tribais falácias e humilhações de condes de papelão e estrelas (de)cadentes, o fado choradinho de faca e alguidar, o copo-de-três mal medido, o cheirinho, o mata-bicho, a bica pingada, a lamúria das salas de espera dos centros de saúde, a fome envergonhada, a fome sem-vergonha de poder e lucro, o crédito mal parado, a justiça parada de vez, o imparável apertar de cinto... ah, eles aí estão, indiferentes a tudo, vestindo as ruas de um azul descarado e eufórico. Azul-alfazema, azul-Quénia, azul-violeta, azul-lavanda, azul-anil, azul-lilás. Eu chamo-lhe azul-Leonor, como me ensinou a minha avó. A minha cor favorita.

 

Os jacarandás floriram uma vez mais, exuberantes, talvez a lembrarem-nos de que ainda estamos vivos.