Prendas da Primavera
Pousa uma Poupa (Upupa epops) à janela e por ali fica, a espanejar-se, o tempo suficiente para eu sacar da máquina fotográfica. Há coisas boas que não acontecem com a frequência necessária.
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Pousa uma Poupa (Upupa epops) à janela e por ali fica, a espanejar-se, o tempo suficiente para eu sacar da máquina fotográfica. Há coisas boas que não acontecem com a frequência necessária.
Hoje apetece-me a Primavera.
Não aquela do calendário, que por sinal me diz que ela está quase a chegar. Esta Primavera moderna – que antes começava sempre a 21 de Março (ou assim me parecia…) mas agora tem data flutuante, como flutuante parece ser tudo hoje em dia – tanto pode assemelhar-se à sua própria definição como vestir-se de Verão tropical, ou de Inverno polar. É agora, em tempos de alterações climáticas, uma estação de humores variáveis em demasia, por vezes quase inexistente, e que ainda por cima trará um avanço de hora que me desacerta o relógio interno.
O que me apetece da Primavera é o seu espírito. A mudança subtil, a renovação, o crescimento, a alegria do renascimento cíclico neste continuum a que chamamos vida – a minha, a nossa, a da natureza. A certeza de que nada é imutável, e a esperança de novas possibilidades, de outras perspectivas que abrem caminhos diferentes.
Haverá melhor lugar para sentir a Primavera do que um jardim?
Um jardim é a natureza à mão de semear. É o útil aliado ao belo: uma biblioteca viva, a preservação das espécies de mãos dadas com a estética, o apelo aos nossos sentidos. Lugar de descontracção, de sossego, ou de brincadeira e alegria, de meditação, de conversas, confissões e segredos.
E por falar em segredos, quem nunca namorou num jardim? Alguns têm recantos que parecem feitos para abrigar amores fora da vista dos outros. Ou, pelo menos, para uma conversa sem sobressaltos nem interrupções, seja para trocar confidências, transmutar sentimentos em palavras, ou deixar a emoção correr em forma de lágrimas.
No princípio era o jardim
A relação entre jardins e espiritualidade é ancestral. Por alguma razão chamaram Jardim do Éden ao paraíso original da tradição judaico-cristã: mais do que um simples espaço terreno para proporcionar sustento físico, é um símbolo da beleza e da comunhão entre o divino e o humano, onde a presença de Deus se manifestava de forma tangível. O Jannah, conceito muçulmano de céu ou paraíso, para onde os muçulmanos bons e fiéis vão depois do Dia do Juízo Final, é descrito como um jardim belo e tranquilo, onde corre água e são servidos alimentos e bebidas abundantes aos mortos e às suas famílias. Várias outras tradições religiosas, como é o caso do budismo zen, também valorizam os jardins como lugares de comunhão com a natureza, transcendência e paz interior, ideais para a meditação, a contemplação e a oração. Concebidos para reflectir a beleza e a simplicidade do que é natural, com arranjos minimalistas e simbólicos, a harmonia dos jardins que habitualmente apelidamos de “japoneses” tornou-os extremamente populares, e hoje em dia estão espalhados por todo o mundo. Sou uma admiradora confessa destes jardins e nunca perco a ocasião de os visitar, mas o meu preferido – talvez porque concentra todas as virtudes de um jardim zen num espaço mais reduzido – continua a ser o primeiro que visitei, e onde já estive mais vezes: o Kyoto Garden, em Londres.
O próprio acto da jardinagem pode ser visto como uma prática espiritual de ligação à terra, uma forma de colaborar com a natureza, cultivar o solo e participar no ciclo de vida. Actividade por vezes associada à subsistência, como acontecia (e ainda acontece) nos mosteiros, não são poucas as pessoas que dizem encontrar paz e significado na criação e manutenção de jardins, seus ou de outros, ou a cuidar de hortas.
Jardins para dar cor à vida
Independentemente da beleza que têm noutras épocas do ano, é na Primavera que a maior parte dos jardins estão no seu auge. A culpa é das flores e da explosão de cor com que os pintam. Depois dos meses cinzentos e frios, em que muito do que há na natureza fica em estado de hibernação, o renascimento de um jardim é um hino à alegria que reflecte o nosso próprio desejo de nos libertarmos do peso do Inverno. Queremos luz e festa, entusiasmo, energia. E é por isso que a função ornamental de um jardim é uma das suas facetas mais importantes.
No reino da originalidade
Certos jardins são como que uma bolha isolada da realidade que os rodeia. Passamos o seu limiar e somos transportados para outros lugares, outras eras, outros mundos. Recriam ambientes exóticos, utopias transformadas em realidade, ou nascem da excentricidade de quem os concebe, às vezes até por acaso. São oásis de fuga à rotina, portais para um universo onde as regras do comum não parecem aplicar-se.
Demonstrações de grandeza
Foram concebidos como símbolos de magnificência, destinados a exibirem ao mundo a riqueza dos seus promotores – monarcas, líderes políticos, nobres, comerciantes endinheirados. São os chamados jardins monumentais, de que existem inúmeros exemplos sobejamente conhecidos – como os de Versalhes, Schönbrunn ou Villa d’Este, só para citar alguns; ou ainda, entre os portugueses, o Jardim Episcopal de Castelo Branco, os do Palácio de Queluz, ou os do Solar de Mateus, em Vila Real. Estilos habituais nestes jardins são o renascentista italiano e o francês, demonstrativos das habilidades técnicas e da imaginação dos seus criadores. Locais de entretenimento e de socialização onde se cruzavam as elites intelectuais e artísticas, os jardins monumentais contribuíram ao longo dos séculos para o florescimento da criatividade e do intercâmbio de ideias.
Sejam modestos ou sumptuosos, concebidos por grandes paisagistas ou meramente nascidos como hobby de um qualquer cidadão anónimo, apenas frequentados pelos habitantes de um bairro ou visitados por milhares de turistas anualmente, os jardins são uma ponte entre as pessoas e a natureza, e revelam muito sobre a cultura de cada sociedade ao longo dos tempos. Mas o seu maior feito é, sem dúvida, contribuírem – imenso! – para a nossa felicidade.
A 20 de Março celebra-se A Chegada da Primavera
«A Primavera começa hoje, oficialmente, em Portugal. Noutros anos, só tem início a 21 de Março.
Os ponteiros do relógio irão ser adiantados no último domingo deste mês, quando entraremos no chamado horário de Verão, que irá prolongar-se até final de Outubro.
O equinócio da Primavera ocorre quando o Sol cruza o plano do equador celeste (a linha do equador terrestre que é projectada na esfera celeste). Acontece em Março no hemisfério em que nos encontramos. No hemisfério sul, o equinócio da Primavera acontece em Setembro, quando entramos no Outono.
Tenho saudades da Primavera tal como a conheci na minha meninice. Muitas andorinhas e outros passarinhos, um sol tímido que depois de almoçar irradiava um calorzinho bom, os cheiros eram mágicos por todo o lado, e acreditem, o verde tem cheiro, e o aroma a flores e a verde era inebriante. Sentávamo-nos a bordar à sombra de um caramanchão de farta folhagem, lanchávamos a merenda, jogávamos às escondidas e à apanhada e contávamos a alegria das cores primaveris. O regresso a casa era alegre, saltitante e chilreante como a própria Primavera.
Este é O Dia Internacional da Felicidade
«Haver um Dia Internacional da Felicidade pode soar um pouco infantil para os não iniciados. Mas a verdade é que nesta data não há apenas sorrisos e boas vibrações.
Comemoramos o Dia Internacional da Felicidade graças ao trabalho realizado pela ONU e à sua organização não-governamental Acção Pela Felicidade, composta por pessoas de 160 países. Este movimento visa espalhar a consciência de que o progresso não é só aumentar os resultados financeiros, mas também o bem-estar e a felicidade humana.
Em 2011, a Assembleia Geral da ONU adoptou uma resolução que assumiu como “objectivo humano fundamental” dar tanta prioridade à felicidade como às metas económicas.
Enquanto escutamos, por exemplo, "Happy", de Pharrell Williams, guardemos um minuto neste 20 de Março para considerar o que realmente nos faz felizes e como poderemos consegui-lo.»
O que é a felicidade? É amor, é saúde, é alegria e é conforto. Em podendo ser feliz assim e em podendo ajudar a tornar feliz quem nos rodeia e quem necessita, somos ricos de felicidade.
Hoje é O Dia Internacional de Contar Histórias
«Quer a história tenha palavras, imagens, sinais ou expressões, todas as formas de contar histórias são ainda mais apreciadas neste dia.
As pinturas rupestres confirmam que já os nossos mais remotos antepassados aprenderam a desenvolver a arte de narrar histórias, o que se foi acentuando à medida que as gerações se sucediam.
Cada género de narrativa tem um lugar específico na vida de qualquer de nós.
Este Dia Internacional de Contar Histórias partiu de uma iniciativa sueca, em 1991. A tendência ganhou ritmo e rapidamente se expandiu a nível internacional.
O Dia Internacional de Contar Histórias é um pretexto adicional para lermos ou contarmos as nossas histórias favoritas.»
O que eu gosto de contar histórias! Narrei incontáveis livros ao meu irmão mais novo, alguns deles com a batota apressada da adolescente que quer fazer coisas, muitas coisas, sem saber bem o quê. Li muitas histórias às minhas filhas, sempre as minhas favoritas, as tradicionais e incontornáveis, as clássicas, aquelas histórias cujo final feliz puxava sempre uma lágrima emotiva e um suspiro de satisfação. Leio histórias aos meus netos. Leio as clássicas, que já não lhes dizem muito. A locução sem imagens foi destruída pelo audiovisual. E agora as histórias são outras, diferentes e iguais. É assim a paridade. Mas não desisto nem nunca irei de contar a nossa história, rica e plena de peripécias e essa ouvem sempre com atenção.
(Imagens Google)
A acácia, reparei hoje, já tem umas folhas comoventemente pequenas; as glicínias já ostentam seus mal desenvolvidos botões; os carvalhos cerquinhos começam a colorir-se de verde; o raizeiro de uma das tílias já rebentou com uma tímida folhita e na faia, na albizia, no castanheiro da índia, no plátano, na árvore de Júpiter e em todas as outras, indo lá espiolhar, já se percebe que estão em sentido, à espera que o Instituto das Florestas e da Conservação da Natureza decrete a chegada da Primavera. Agora, as couves galegas é que estão num estado aflitivo: muitas amarelas e as outras sem pujança. E isto é preocupante porque um coração amantíssimo como o meu é sensível aos ciclos da Mãe Natureza e suas belezas, mas ainda mais a um caldo daquelas humildes verduras com feijão e alguma pouca carne a adubar.
Após uma sequência de trocas e mensagens não entendidas, inadvertidamente acabei por ter uma ameixieira de jardim (Prunus cerasifera) nas cercanias da minha casa.
Além do formato despido de personalidade e do trabalho que dá a podá-la no final do Outono, as suas folhas são de uma cor que só poderia pertencer a um catálogo de cores frias. Não é uma árvore bonita.
Mas como a vida é feita de equilíbrios, é possível encontrar beleza mesmo quando menos contamos.
Assim, todos os anos no início de Fevereiro, esta árvore desperta-me um entusiasmo que lhe garante a permanência por mais uma temporada, e isto acontece por ser a primeira a anunciar a Primavera.
À excepção dos citrinos, que têm um ciclo próprio, apenas as nespereiras concorrem com a precocidade desta ameixieira de jardim. Por isso e desde ontem, que aqui à volta se tornou oficial: a Primavera vem aí! E nunca ansiamos tanto pelo fim de um Inverno.
Acaba de ser ultrapassada uma barreira muito preocupante: há já um milhão de infectados pelo novo coronavírus à escala mundial. Com mais de 51 mil vítimas mortais também oficialmente registadas. Num caso e noutro, não custa nada a crer que as estatísticas reais sejam bastante superiores. Basta sabermos que em mais de metade dos países ou territórios afectados pela pandemia - que são quase todos - os testes continuam a escassear. E não faltam capitais do globo onde as certidões de óbito evitam qualquer alusão ao Covid-19, optando por mencionar "pneumonia" ou "infecção respiratória aguda".
É a Primavera mais sinistra de todas quantas guardamos na memória.
Cidade sem carros, aeroporto sem aviões, Abril sem Primavera, Portugal sem austeridade, Lacerda sem contrato, Maria João Bastos sem Amélie, Ministro sem gravata, Piupiu sem Frajola, neném sem chupeta, queijo sem goiabada, Romeu sem Julieta, tralalá, tralalá...
Lisboa, 21 de Junho de 2015
Entrámos hoje no Verão. Não é uma estação que me seduza. Nem agora, nem antes. É um período excessivo de pormenores dos quais não gosto: muito sol, muita gente, muito suor, muito álcool.
Sou mais das quadras intermédias, como o Outono ou a Primavera, embora esta me cative menos do que a primeira, que também possui alguns excessos. Sobretudo de vida, que desponta por todo o lado.
Dir-me-ão que o Outono tem um lado triste, de fim que se aproxima. É verdade. Mas tem aquele amarelo laranja das folhas caídas das árvores que atapetam as ruas - e pessoalmente me tocam fundo -, que dão ao campo e às cidades uma uniformidade que nas outras estações se não descortina. Aliás, essa "tristeza outonal", que tantos referem, é o bálsamo indispensável para compensar os cúmulos estivais.
Muitas vezes me tenho perguntado o porquê desta preferência, quando a minha alegria atávica pouco parece ter de comum com tal tristeza. Começo a acreditar que é o balanço psicológico que tal determina e que a sabedoria popular tão bem explica, quando afirma que os opostos se atraem. É um facto, comigo. E não só no campo meteorológico...
Agora que chegou a Primavera, por favor não se esqueçam de usar as golas dos polos bem levantadas para ser mais fácil identificarmos os pacóvios.
Claude Monet
O luar quando bate na relva
O luar quando bate na relva
Não sei que coisa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...
Se eu já não posso crer que isso é verdade,
Para que bate o luar na relva?
Alberto Caeiro
Não houve primavera como a de Odilon Redon, não há primavera como a de Ann Craven.
Cada um no príncipio do seu século, ambos desconformes à norma do seu tempo.
Odilon Redon, "Evocação de borboletas", 1911
Ann Craven, "Red miracle", 2007
Contrariando olimpicamente a ancestral aversão nacional à alegria, os presságios de pestes negras, misérias pardas e um sortido rico de desgraças a bater-nos à porta (para não falar das que já se instalaram, abusadoras, nos nossos descoloridos sofás, pagos a prestações em tempos de vacas anafadas), as estatísticas e previsões de arrepiar os cabelos a quem ainda os tem, as escandaleiras para todos os gostos, as filas da segurança social, o galope do desemprego, o tédio de mais uma campanha eleitoral, as trapaças do costume, os gordos da Júlia, as tribais falácias e humilhações de condes de papelão e estrelas (de)cadentes, o fado choradinho de faca e alguidar, o copo-de-três mal medido, o cheirinho, o mata-bicho, a bica pingada, a lamúria das salas de espera dos centros de saúde, a fome envergonhada, a fome sem-vergonha de poder e lucro, o crédito mal parado, a justiça parada de vez, o imparável apertar de cinto... ah, eles aí estão, indiferentes a tudo, vestindo as ruas de um azul descarado e eufórico. Azul-alfazema, azul-Quénia, azul-violeta, azul-lavanda, azul-anil, azul-lilás. Eu chamo-lhe azul-Leonor, como me ensinou a minha avó. A minha cor favorita.
Os jacarandás floriram uma vez mais, exuberantes, talvez a lembrarem-nos de que ainda estamos vivos.
Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.
Sophia de Mello Breyner