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Delito de Opinião

Motivo de orgulho

Pedro Correia, 08.10.14

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 Foto Daniel Rocha/Público

 

António José Seguro Seguro renunciou hoje ao lugar de deputado na Assembleia da República depois de ter decidido sair do Conselho de Estado. Tudo em consequência da recente eleição interna em que saiu derrotado.

Abandona a cena política amargurado, certamente. Mas tem desde logo um motivo para se orgulhar: lega ao PS o mais concorrido processo de participação eleitoral de que há memória numa força política portuguesa, alargando a escolha do líder (embora erradamente, a meu ver, designada de "candidatura a primeiro-ministro") a militantes sem quotas em dia e a cidadãos sem filiação partidária.

Este processo, em que se inscreveram 150 mil pessoas, torna-se a partir de agora não apenas património do PS como do conjunto da política nacional. Algo apenas semelhante ao já ocorrido no Partido Socialista Francês nas primárias de 2011, que mobilizaram quase três milhões de eleitores e serviram de trampolim para a chegada de François Hollande ao Palácio do Eliseu um ano depois, e nas primárias de 2013 do Partido Democrático italiano, ganhas pelo actual chefe do Governo, Matteo Renzi.

Nem o Partido Socialista Operário Espanhol, na sua campanha interna do Verão passado, foi tão longe.
Bastaria isto para ficar como marca positiva do mandato de Seguro no Largo do Rato. Estou convencido, aliás, que os restantes partidos em Portugal caminharão inevitavelmente na mesma direcção: precisam de abrir-se à sociedade, não podem continuar fechados sobre si mesmos. A começar pelo PSD.

Primárias

Sérgio de Almeida Correia, 29.09.14

1. Tirando o caso da Guarda, que não serei eu a explicar, e o facto de no dia 29 de Setembro às 00:08 ainda estar a receber "sms" do queixoso, dizendo que contava comigo, vá-se lá saber porquê, os resultados correspondem ao esperado.

 

2. Aquilo que foi divulgado até agora não permite, penso eu, fazer a separação entre o resultado da votação dos militantes e a dos simpatizantes. Isso era fundamental para se perceber até que ponto o partido estava com o secretário-geral demissionário e estabelecer a comparação com o que se pensava fora do círculo restrito dos militantes. Não sei se será possível vir a apurar esse dado; como também ignoro se o facto dos votos aparecerem misturados ainda é o resultado de uma estratégia destinada a criar e arrastar a confusão durante três meses ou uma consequência da pressa do processo. Aproximando-se este acto do seu final, seria bom desde já repensar todo o processo das primárias. O ideal era que isso fosse feito nos próximos dias, corrigindo para futuro os desfasamentos já identificados e mostrando aos portugueses que se as primárias vieram para ficar importa que sejam sempre sérias, rigorosas e não dependam de ajustamentos de conveniência. 

 

3. As primárias podem ser um primeiro passo para a emissão da certidão de óbito do sinistro "aparelho". Se a ideia era fazê-lo funcionar, o resultado agora verificado pode ter acabado com ele.

 

4. Se os resultados das recentes eleições para as federações podiam de algum modo dar um sinal da força que secretário-geral demissionário e da separação de águas dentro do partido, os dados hoje conhecidos desequilibraram decisivamente os pratos da balança a favor de António Costa, dos simpatizantes e da maioria silenciosa em que Seguro apostava. O resultado de António Costa, avaliado na sua globalidade, demonstra que praticamente todas as federações que apoiaram Seguro estavam erradas e não souberam ler os sinais que chegavam de todos os lados do país. Por conveniência ou teimosia.

 

5. António José Seguro não perdeu sozinho. Com ele perderam os analistas e comentadores que saíram em sua defesa perante a óbvia mediocridade da sua liderança, invocando o direito ao prémio de se apresentar às legislativas pelo simples facto de ter "aguentado" o partido durante quase três anos. Como se o PS ou o país, no estado em que estão e entregues a grotescos e reconhecidos carreiristas, ainda pudessem suportar o pagamento desse tipo de prémios. Uma carreira política não pode ser o resultado da contagem da antiguidade partidária, do pagamento de quotizações e do número de fretes assumidos até que chegue a hora de se sentar na cadeira do poder.

 

6. Com António José Seguro perderam também Passos Coelho e Miguel Relvas. A sua derrota é a machadada final no modo sonso de estar na política, distribuindo afectos e sorrisos, ou abrindo portas e agilizando negócios, sem um percurso académico, político, ético e profissional que não ofereça dúvidas e com os quais as pessoas normais se revejam e reconheçam o mérito.

 

7. Seria bom que o Congresso do PS fosse marcado para a data mais próxima possível, de maneira a que todo este conturbado processo das primárias atinja o seu fim e o PS estabilize, se reorganize e possa pensar nas questões que importam a todos, a tempo de poder propor uma alternativa política de mudança susceptível de ser devidamente avaliada, ponderada e discutida pelos portugueses até às próximas eleições legislativas.

 

8. O resultado de António Costa - esmagador perante aquele que foi até há 48 horas o discurso alucinado de Seguro e dos seus apoiantes - é também um golpe vigoroso contra a teoria do coitadinho e a rejeição de todos aqueles que supunham que era possível dividir o país entre a gente boa, honesta e trabalhadora vinda do interior e da periferia, pobre e desertificada, e os malandros ociosos que vivem à tripa-forra na capital. Ou entre os filhos do povo e os de boas famílias. Os portugueses, sejam simpatizantes do PS ou de qualquer outro partido, não são estúpidos, detestam que façam deles uns tontos e abominam a criação ou agudização de clivagens para justificarem os fracassos que só aos fracassados podem ser imputados.

 

9. A partir de hoje, a eleição do secretário-geral do PS será o cumprimento de uma mera formalidade que se destinará, fundamentalmente, para dar a conhecer aos militantes e aos portugueses as propostas do PS para o futuro. Quaisquer que sejam deverão fugir ao modelo eleiçoeiro do tipo "cem medidas por semana para animar a malta". Os portugueses anseiam por ter gente séria nos partidos e na politica como de pão para a boca e estão fartos de folclore. Seria bom que António Costa tivesse isto sempre presente na hora de escolher os seus futuros colaboradores. 

 

10. O elevado e sem precedente nível de participação neste processo - sinal de que as pessoas não estão tão alheadas da política quanto alguns insistem em fazer crer - deve levar o Presidente da República a reavaliar, em especial face ao non liquet dos casos que envolvem o primeiro-ministro e a sua descredibilização completa (Pinto da Costa disse-o com todas as letras a propósito do caso BES), as suas condições de governabilidade e se perante o estado calamitoso a que chegaram algumas áreas da governação se justifica a manutenção em funções do actual elenco governativo até que se cumpra o calendário eleitoral regular.

O António que se segue

Pedro Correia, 28.09.14

Foto Eduardo Costa/Lusa

 

1. Não vale a pena especular sobre quem terá contribuído mais para a eleição de António Costa como candidato do PS à chefia do próximo Governo. Militantes ou simpatizantes? Foram ambos. A diferença de votos em relação a António José Seguro, ao totalizar dois terços dos sufrágios, foi tão expressiva que dissipa qualquer dúvida.

 

2. Há que reconhecer: o processo de eleições primárias no PS foi o mais amplo do género desde sempre registado em Portugal e decorreu com irrepreensível civismo. Julgo tratar-se de um processo sem marcha-atrás, que funciona a crédito de Seguro. Embora a figura de "candidato a primeiro-ministro", em boa verdade, não exista no sistema constitucional português.

 

3. Os partidos que ainda não adoptaram esta solução para a escolha dos seus líderes terão rapidamente de adaptar-se às exigências dos novos tempos. A democracia, para se revigorar, não pode prescindir desta expressão da cidadania. Acabou o tempo em que os principais dirigentes partidários eram eleitos em petit comité.

 

4. Costa ganha por larga margem após uma campanha minimalista, em que nada prometeu e quase nada de concreto antecipou do seu futuro programa de Governo. Viu esta estratégia coroada de êxito: militantes e simpatizantes acabam de lhe passar um cheque em branco que ele preencherá como entender.

 

5. É uma vitória do PS histórico e uma espécie de desforra ao retardador da tendência sampaísta do PS, que perdeu para o guterrismo em 1992. Na altura, Seguro alinhou com o vencedor António Guterres enquanto Costa se manteve firme no apoio ao derrotado Jorge Sampaio. A tendência social-cristã eclipsa-se como nunca aconteceu nestes vinte anos de história do partido que se prepara para ter um terceiro lider chamado António.

 

6. Costa, que venceu em todas as federações socialistas excepto na Guarda, tem dois desafios fundamentais pela frente. O primeiro é unir e mobilizar todo o partido após uma campanha marcada por fortíssimas animosidades entre os dois candidatos. Parece ser o desafio menos difícil: a promessa de poder costuma congregar as hostes. E Seguro facilitou-lhe a tarefa ao abandonar o palco já esta noite.

 

7. Mais complexo é outro desafio que o ainda presidente da câmara de Lisboa, assumido apreciador de puzzles, tem pela frente: combater as tendências centrífugas no PS, à semelhança do que vem sucedendo nos partidos da sua família europeia. A atracção por novas forças partidárias, com protagonistas diferentes e um discurso mais radical, é um problema sério dos socialistas moderados.

 

8. Algumas figuras históricas do PS tenderão a empurrar Costa para entendimentos políticos à sua esquerda. Tenho as maiores dúvidas de que o caminho a seguir pelo novo líder acabe por ser este. O PCP, por exemplo, já separou as águas, reiterando a sua oposição a três pilares de uma futura governação socialista: manutenção de Portugal na União Europeia, no sistema monetário europeu e na Aliança Atlântica.

 

9. Com três dos quatro anos da legislatura decorridos, e depois de inúmeros vaticínios malogrados mês após mês sobre a iminente demissão de Passos Coelho da chefia do Governo, quem acaba afinal por sair antes do prazo inicialmente previsto é o líder do maior partido da oposição. Empurrado pelos seus pares, o que confere uma nota de amarga ironia ao percurso de um homem que exigiu vezes sem conta a resignação do primeiro-ministro, aparentemente convencido de que bastaria repetir este estribilho para que os seus desígnios se tornassem realidade.

 

10. À direita, Passos Coelho e Paulo Portas têm motivos para ficar preocupados. O novo rival, robustecido por este resultado, é muito mais temível do que o antecessor, que nunca encontrou uma linha de rumo clara na oposição ao Governo. Parafraseando o autarca lisboeta numa farpa que ele próprio dirigiu a Seguro no frente-a-frente da RTP, Costa deve sonhar ser primeiro-ministro desde pequeno. É uma ambição legítima -- e em política estas coisas contam. Mas ele, que aprecia citações, deve tomar esta em devida nota: "Tem cuidado com o que desejas porque pode tornar-se realidade."

Derrota assegurada

João Campos, 28.09.14

 

Há uns anos, um amigo emprestou-me o DVD do filme Alien vs. Predator, uma combinação improvável entre os monstros icónicos do filme de Ridley Scott (e da sequela de James Cameron) com a criatura do filme de John McTiernan (com Arnold Schwarzenegger) que surgiu na banda desenhada no final dos anos 80 e que já nos anos 90 deu origem a um videojogo muito popular e muito divertido - essencialmente por poder dar-se ao luxo de abdicar de qualquer noção de narrativa para apostar na atmosfera e no combate. O filme não correu tão bem, como de resto não podia correr, e antes de chegar à meia hora já eu desligava o leitor de DVD entre bocejos - tenho um fraco por aqueles filmes tão impossivelmente maus que se tornam bons de uma maneira muito retorcida, mas Alien vs. Predator é apenas e só mau, sem qualquer hipótese de redenção.

 

É, portanto, um pouco como as primárias do PS, a decorrer hoje após não-sei-quantos dias de campanha, de debates televisivos (como se entre duas cabeças desprovidas de sinapes activas como as de Seguro e Costa pudesse haver qualquer coisa de remotamente interessante a debater) e de sabe-se lá mais o quê. Aliás, todo este processo - que acompanhei a uma distância algo forçada, mas nem por isso menos higiénica - traz-me à memória o péssimo filme de Paul W. S. Anderson. Não alguma cena em particular, entenda-se, mas sim a tagline promocional que se podia ler nos cartazes do filme, que ganha toda uma nova leitura perante a evidência de que, com toda a probabilidade, o próximo primeiro-ministro do país será Seguro ou Costa: "Whoever Wins, We Lose". Muito adequado, sem dúvida.

Uma certeza

Sérgio de Almeida Correia, 25.09.14

A de que no dia 28 de Setembro acabam os sms com que militantes e simpatizantes do PS inscritos para as primárias são diariamente bombardeados. Na JS isso talvez funcionasse, mas não me parece que seja dessa forma que se convençam eleitores que sabem o que não querem. A começar pelos sms. E quanto aos mortos, que eu saiba, já não têm baterias para ler as mensagens a recordar-lhes o dia do voto.

Karánsebes, até há bem pouco tempo a batalha mais estúpida da história

Rui Rocha, 24.09.14

Será talvez o dia 17 de Setembro de 1788. Um exército composto por cerca de 100.000 homens fiéis ao Imperador José II está estacionado nas imediações da cidade de Karánsebes. Combate-se a enésima guerra entre os impérios austro-húngaro e otomano. O exército dito austríaco é, a bem da verdade, uma sociedade das nações. Integra, para além de austríacos, contingentes das diversas nacionalidades e regiões que compõem o Império. A maior parte do efectivo não fala alemão, circunstância que, como se verá, trará trágicas consequências. Antecipando a evolução do exército no terreno, vários batedores partem do acampamento com a missão de detectar a presença do inimigo. O certo é que turcos nem vê-los. Encontram, isso sim, um grupo de saltimbancos que vende schnapps. O calor do Verão despede-se por estes dias e puxa pela sede. Os batedores compram vários barris e vão bebendo para entreter o tempo enquanto esperam pelo grosso do exército. As horas passam e chega finalmente ao local um contingente de infantaria composto por lombardos, eslavos, austríacos e romenos. E se é uma lei da vida que o sol, quando nasce, é para todos, não é menos verdade que a sede também não escolhe gargantas. Se os batedores têm para beber, os de infantaria não querem beber menos. O problema é que, e mantemo-nos ainda no domínio das leis imutáveis que regem as humanas existências, o consumo de álcool raramente permite aclarar critérios e decisões. Os de infantaria querem a sua parte, os batedores recusam e barricam-se à volta das barricas. O que vale por dizer que se barricam duas vezes. Argumento puxa argumento, empurrão leva a empurrão, até que, de uma das partes, um soldado dá um tiro, instalando-se definitivamente a confusão. Com borracheira, porrada, algaraviada e tiro à mistura, uma parte dos contendentes, provavelmente a menos sóbria, presume que chegaram os turcos. Rompem a gritar Turcii, Turcii, Turcii, o pânico instala-se, correm em todas as direcções. Um oficial austríaco vai de gritar Halt, Halt, Halt, coisa que até se compreende pois impõe-se, nestas circunstâncias, uma voz de comando curta e directa. Mas o diabo é tendeiro. Os lombardos, eslavos e romenos não percebem alemão e, ali onde o oficial diz Alto, percebem Alá, grito de guerra do inimigo. O caos é total, mas as coisas vão ainda piorar. Aproxima-se do local novo contingente de tropas do exército austríaco. Perante a confusão que vê ao longe, um oficial de cavalaria convence-se de que os seus companheiros de armas estão a ser atacados pelos otomanos. Sem demora, ordena uma carga, de sabre em riste, contra aqueles que acredita serem os inimigos. Esta mesma carga é observada, entretanto, desde um outro ponto próximo, por um contingente de artilharia que também integra o exército austríaco. Nenhuma dúvida, pensa outro oficial: a cavalaria turca está a investir contra os nossos. Diligente, manda abrir fogo contra cavalos e cavaleiros. Completamente aterrorizados, os soldados disparam, investem e carregam já contra tudo e contra todos. Na debandada final, uma última humilhação. O cavalo do próprio José II espanta-se e o Imperador vê-se subitamente a exercer o império, de cócoras e encharcado, no meio de um riacho. Várias horas depois, fazem-se as contas. O exército austríaco sofre dez mil baixas provocadas exclusivamente por fogo amigo e sem os otomanos terem mexido uma palha. Durante anos e anos, esta foi justamente considerada a batalha mais estúpida da história. Só alguns séculos depois se realizaram os debates entre os candidatos às primárias do PS.

Elevação

Pedro Correia, 16.09.14

 

Na presente corrida eleitoral no PS, asseguram-nos isentíssimos comentadores, há o candidato que insulta, ofende e agride. E há o outro.

Na presente corrida eleitoral no PS, asseguram-nos isentíssimos "analistas políticos", há o candidato que recorre aos argumentos mais rasteiros para fugir ao debate de ideias. E há o outro.

Na presente corrida eleitoral no PS, asseguram-nos isentíssimos opinadores, há o candidato sem elevação nem nível. E há o outro.

 

Espreitei dois blogues que apoiam o outro.

Chamam gajo ao candidato que combatem. Mas não só: chamam-lhe também bandido, sacana, rufia, canalha, pulha, porco.

Insultos, ofensas, agressões. Argumentos rasteiros. Enfim, um modelo de elevação.

Em tempo oportuno, algumas ideias para discussão

Sérgio de Almeida Correia, 16.09.14

Agora que o processo das primárias do PS se aproxima do seu epílogo, e concretizada que está a inscrição de mais 7000 "simpatizantes", num universo global que atingirá cerca de 250.000 cidadãos, gostaria de aqui deixar algumas palavras antes de serem conhecidos os resultados finais:

1. Tal como muitos outros que se preocupam com o declínio da participação e dos níveis de militância nos partidos políticos, que em meu entender conduzem a uma deslegitimação dos partidos e uma desqualificação da própria democracia, desde há muito que também defendo a abertura dos partidos a não militantes.

2. No entanto, essa abertura deveria ser concretizada em termos suficientemente amplos de maneira a abranger o maior universo possível de cidadãos, mas ao mesmo tempo de modo a que, mantendo-se a separação de estatutos entre militantes e não militantes, não se despromovesse os primeiros em prol dos segundos dentro de uma instituição que daqueles depende.

3. Quanto ao processo em curso devo dizer que o considero incorrecto quer quanto ao tempo e ao modo como foram conduzidos, quer, ainda, quanto às consequências que o mesmo acarretará qualquer que seja o resultado que se venha a registar.

4. Em relação ao tempo, considero que o actual secretário-geral do PS teve três anos para avançar com a sua concretização e regulamentação sem ter tido necessidade de fazê-lo em cima do joelho, mais como reacção, por despeito, à situação desencadeada por António Costa, do que como consequência de uma acção convicta, devidamente maturada e oportunamente preparada.

5. Reprovo, igualmente, a excessiva prolação do processo de inscrição, no que não podia deixar de ser entendido por qualquer observador independente como uma tentativa de melhor controlar o processo de "arregimentação" de "simpatizantes".

6. Registo, ainda, a incapacidade quanto a este processo de um controlo efectivo das inscrições, de maneira a evitar-se que militantes de outros partidos pudessem participar nas primárias, cumulando o seu estatuto de militantes de outras forças com o de "simpatizantes" do PS. O factos dos cadernos serem divulgados não garante a não inscrição de militantes de terceiros partidos, sendo que teriam de ser estes a controlar que os seus próprios militantes não se inscreveriam neste processo das primárias. Trata-se de um controlo que será exercido, se for exercido, por terceiros, externamente, o que para mim é inaceitável.

7. Acrescente-se que a participação dos não militantes e a abertura do partido à sociedade poderia processar-se em termos tais que não fosse a decisão dos "simpatizantes" a impor-se à dos militantes. Pode ser que a vontade de uns e de outros se mostre coincidente, mas se não for, isto é, se a dos "simpatizantes" divergir e se impuser à dos militantes, qual será a consequência disto, como é que estes reagirão e avaliarão o seu estatuto?

8. Tal como defendi em várias reuniões que tiveram lugar no Algarve, numa delas com a presença de Jorge Seguro Sanches, o processo das primárias, desde logo para escolha dos candidatos às câmaras municipais, que a ter tido lugar nos termos por mim defendidos até poderia ter evitado mais uma humilhante derrota para o PS em Faro, entendo que a participação dos não militantes num processo do tipo das primárias não deveria ser decisivo quanto à escolha dos candidatos dos partidos, única forma de proteger o estatuto de militante (dos vivos, é claro).

9. A participação de não militantes num processo de abertura do partido à sociedade deveria ter lugar, primeiro, através da apresentação de um conjunto de nomes por parte do partido - candidatos -, susceptível de incluir militantes e independentes, que depois seria colocado à apreciação dos não militantes e que permitiria uma ordenação das escolhas que resultassem dessa consulta.

10. Aos militantes ficaria depois reservada a decisão final, num processo exclusivamente interno em que participariam os dois ou três nomes mais "votados" pelos não militantes, devendo aqueles decidir qual o nome que o partido deveria então apoiar e propor ao eleitorado.

11. Se fosse escolhido um candidato diferente daquele que tivesse obtido maior número de votos na consulta junto dos não militantes, os militantes assumiriam o risco e a responsabilidade da escolha, cabendo-lhes sempre a última palavra. Assim, tal como o processo está delineado e irá ocorrer, nada garante que não venha a surgir uma cisão entre a vontade do partido e a dos "simpatizantes".

12. Finalmente, lamento que num processo tão participado não tenha sido possível concretizar o voto electrónico, que apesar das críticas é utilizado em países como a Alemanha, o Canadá ou a Austrália, entre nós também por pelo menos um clube desportivo, e que também não seja permitido, nem aos militantes nem aos outros que se inscreveram, votar no local onde estiverem no dia do escrutínio, que poderá não ser o mesmo em que se inscreveram, mediante a apresentação do seu documento de identificação e do cartão de militante. Já nem falo do voto por antecipação. Na era da informática, num país e num partido que até foi responsável pela concretização do passaporte electrónico, do cartão do cidadão e de um Citius que até há pouco funcionava e serviu de exemplo e modelo para outros países, é pena que não se tenha aproveitado esse saber e experiência num processo como o das primárias.

As questões não são tão simples quanto a pressa de colocação no terreno deste processo possa aparentar. Perdeu-se uma boa oportunidade para se criar um processo que pudesse inovar e servir de modelo a outros partidos. Apesar disso, espero que não se perca a hipótese de discuti-lo e de melhorá-lo, levando a discussão sobre matérias que a todos interessam até onde mais gente possa inteirar-se das questões e manifestar-se. Porque esta é uma discussão que diz respeito a todos os partidos e a todos que se preocupam com a saúde da democracia, independentemente dos calendários eleitorais e das regulares lutas de capoeira onde muitos - e não só de Lisboa - ainda se revêem.

Rumo ao socialismo das pessoas.

Luís Menezes Leitão, 15.09.14

 

Há uma coisa que a campanha do PS tem de bom. É a capacidade de nos fazer rir até as lágrimas. É precisamente o que se passa com este vídeo "Rumo ao Socialismo das Pessoas", a fazer lembrar o velho slogan "Rumo ao Socialismo", que nos prometia os gloriosos amanhãs que cantam e afinal só oferecia miséria. Mas hoje este vídeo até poderia ser visto como uma metáfora contra o socialismo, representando um Estado que vem apropriar-se abusivamente dos ganhos que só o muito trabalho dos privados consegue produzir. Mas afinal o seu significado é mais prosaico. António José Seguro avisa-nos que foi ele que semeou e fez crescer o PS e agora António Costa o quer pôr à lapela. De facto temos que reconhecer que a perfidez de António Costa não tem limites. Como é possível querer cortar e pôr à lapela aquele cravo, que afinal estava a crescer tão viçoso? Devolva o cravo ao Seguro e já!

Pois é (3)

Sérgio de Almeida Correia, 11.09.14

Toda a gente, menos o Tozé, que anda ocupado a afundar os adversários, sabe que o tipo passa os dias à janela para ver se vê as braçadas do Prof. Marcelo e fuma o seu cigarrinho. Porque lá dentro não deixam fumar. Essa é que é essa. E de quem é a culpa, de quem é? Pois, pá, do amigo do Sócrates, do equidistante do Luís Amado. Mas nesta coisa dos debates é preciso dizê-lo na hora, com convicção, com elevação e sem franzir o sobrolho. Por isso, o meu conselho é que se prepare para o próximo debate com outro António. Com o Cunha Vaz. Dado o aperto, pode ser que consiga um desconto.

Quando se lida com um especialista, com a nata da docência universitária do marketing politico, e não se tem esse nível de pergaminhos, capazes de garantirem quase 31,5% numas eleições europeias, ao fim de três anos de oposição e a um ano de legislativas, o melhor é fazer uma vaquinha para contratar quem saiba. Nem que seja só para elevar o nível da parte das bocas foleiras.

PS, ético e republicano, trazemos-te as quotas dos que morreram há mais de um ano.

Rui Rocha, 19.08.14
 

Em Santa Marta de Ribaterme, no concello de As Neves (Pontevedra), sai à rua, a cada 29 de Julho, uma procissão em que desfilam caixões com pessoas vivas lá dentro. Trata-se de crentes que estiveram às portas da morte e que, por suposta intervenção de Santa Marta, terão trocado as voltas a um desfecho funesto mais do que previsível. Agradecidos, os familiares carregam os caixões e os respectivos inquilinos durante mais de uma hora. Entretanto, os ex-futuros defuntos, deitados no féretro, acenam regularmente para demonstrarem que estão bem. Ou abanam os leques para suportarem o calor. No percurso, os participantes entoam um cântico de agradecimento que dá ainda mais solenidade ao momento: Virgem de Santa Marta, estrela do norte, trazemos-te os que viram a morte. Estranho ritual dirão alguns. Pois não, a verdade é que não é tão estranho assim se o compararmos com tradições enraízadas noutras paragens. Em Braga, por exemplo, mortos de morte morrida ou matada, com certidão de óbito passada e reconhecida, têm já as quotas em dia e, acredita-se, depois de participarem nas eleições da Distrital, tudo farão para não perderem a possibilidade de votar nas primárias do PS a 28 de Setembro. Se num sufrágio normal os eleitores votam em urna, pelo visto nas eleições internas do PS levantam-se das urnas para irem votar. E o caso é que, de acordo com o artigo 3º do Regulamento Eleitoral, nas primárias do PS, para ter direito a voto, não é preciso estar vivo. Basta ser militante ou simpatizante.