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Delito de Opinião

Mais um mau serviço do PR, do Governo e dos partidos políticos

Sérgio de Almeida Correia, 19.03.25

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(créditos: EFE/EPA/JOSE SENA GOULAO)

Por diversas vezes, nomeadamente em artigo publicado no Público em 10/02/2022, chamei a atenção para o que estava a acontecer com o voto nos círculos da emigração e com os problemas atinentes aos sufrágios remetidos por via postal e ao voto presencial em eleições legislativas.

Os eleitores que residem no estrangeiro podem escolher entre uma das duas modalidades: nos temos do art.º 79.º, n.º 4, da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, “[o]s eleitores residentes no estrangeiro exercem o direito de voto presencialmente ou pela via postal, consoante optem junto da respe[c]tiva comissão recenseadora no estrangeiro até à data da marcação de cada a[c]to eleitoral.” O art.º 79.º-F desse diploma esclarece que a “opção entre o voto presencial ou voto por via postal por parte dos eleitores residentes no estrangeiro é feita junto da respe[c]tiva comissão recenseadora até à data da marcação de cada acto eleitoral.”, não podendo essa opção ser alterada “entre a data da marcação e a de realização de cada a[c]to eleitoral.”

O voto por correspondência têm funcionado mal. Ou não funciona de todo. A consequência tem sido o desperdício de centenas de milhares de votos. O tempo necessário para a preparação e envio dos boletins é excessivo, a burocracia envolvida é pesada e os envelopes com os votos demoram uma imensidão a chegar a Lisboa, acabando uma grande parte, quando não a maioria, por chegar depois de decorrido o prazo de recepção para que possam ser contabilizados. 

A opção que os eleitores recenseados anteriormente fizeram pelo voto por correspondência podia ser agora mudada para o voto presencial se o pudessem fazer até à data da marcação das eleições, isto é, salvo melhor opinião, até à publicação no Diário da República do decreto presidencial que fixa a data do acto eleitoral. 

Entre a data do anúncio do PR de que iria dissolver a AR e convocar novas eleições – 13 de Março – e o dia escolhido – 18 de Maio – havia 66 dias, o que permitiria, se o diploma fosse publicado até 55 dias antes (prazo limite a respeitar nas situações de dissolução, face ao art.º 19.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia da República) da data agendada para as eleições, que houvesse uma janela de cerca de dez dias, prévia à suspensão de acesso informático ao sistema de recenseamento eleitoral, pois que só através deste sistema, a funcionar junto dos consulados portugueses, seria possível proceder à escolha da opção pelo voto presencial. 

Com a rejeição do voto de confiança pedido pelo governo de Luís Montenegro, e a subsequente dissolução da Assembleia da República e a marcação da data das eleições para 18 de Maio p.f., tudo se precipitou e a possibilidade de muitos poderem optar pelo voto presencial, para que desta vez o seu voto fosse contado, fechou-se num espaço de tempo muito curto, inviabilizando-se o exercício desta opção. 

Será por essas razões – atraso no envio dos boletins de voto, encerramento quase imediato do sistema de recenseamento e morosidade da chegada dos sobrescritos a Lisboa – mais do que certo que muitas centenas de milhares de eleitores não exercerão o seu direito de voto e muitos milhares de votos se perderão, ficando impedida a sua contabilização, aumentando-se os valores da abstenção, distorcendo-se a vontade dos eleitores e o resultado final. 

Impunha-se que o Presidente da República, que apenas se preocupou com os partidos políticos concorrentes e o tempo necessário à preparação e apresentação das listas de candidatos, tivesse também pensado nisto quando anunciou ao país, em 13 de Março p.p., a data para as eleições legislativas de 18 de Maio. 

E do Governo, através do Ministério da Administração Interna e da Secretaria de Estado das Comunidades Portugueses, esperava-se que, através dos postos consulares e dos canais próprios, de imediato procedesse à difusão de informação, alertando os emigrantes e potenciais eleitores para a necessidade de procederem com urgência às operações de recenseamento e de actualização dos cadernos eleitorais, ainda que num curtíssimo período, de modo a que não ficassem de fora no próximo acto eleitoral. 

Nada disto aconteceu. Os direitos e deveres cívicos dos portugueses residentes nos círculos da emigração foram pura e simplesmente desprezados e ignorados. 

E se houve alguns consulados que, não obstante essa breve janela temporal, procederam à difusão de avisos em redes sociais, os quais terão chegado a alguns eleitores, a maior parte não teve conhecimento do que se impunha e vai sujeitar-se, de novo, a ficar limitada a um voto por correspondência, se chegar a tempo, que não só de nada servirá como, nalguns casos, voltará a potenciar a fraude. 

A situação é tão triste, e ao mesmo tempo tão caricata, que ainda ontem, 18 de Março, em Macau, o Telejornal do único canal em língua portuguesa anunciou a possibilidade dos portugueses residentes na RAEM poderem realizar a opção pelo voto presencial hoje – quarta-feira, 19 de Março – ou amanhã – quinta-feira, 20 de Março –, quando se verificou que a suspensão do sistema informático de actualização dos cadernos terá começado às 00:00 horas de Lisboa, pelo que os portugueses que, face a essa notícia, quisessem exercer esta manhã a opção pelo exercício presencial do seu direito de voto nas próximas eleições, e tivessem assistido ontem ao jornal televisionado da TDM, bateram com o nariz na porta. 

Do Ministério da Administração Interna, cuja ministra mostrou ser politicamente inepta, muito pouco havia a esperar. De José Cesário, o secretário de Estado das Comunidades, que exerce o cargo pela quarta vez, era de admitir que ao fim de tanto tempo tivesse aprendido alguma coisa. E que nos últimos doze meses se preocupasse, face ao sucedido em anteriores actos eleitorais, em "dar corda aos sapatos". Não para ir aos bailaricos das comunidades, mas para contribuir para o inadiável processo de reforma, evitando a repetição do sucedido. Porém, não foi isso que sucedeu.

A vida deste Governo foi curta. Por culpa própria ou das oposições logo se verá. Só que em matéria de reforma das leis eleitorais, enquanto durou, voltou a impor-se a propaganda ao serviço público.

E quanto aos demais partidos, a começar pelo PS, estou convicto de que nenhum deles pensou no assunto.

Assim se perderam mais doze meses num processo inadiável, com as consequências que estão à vista de todos e que se confirmarão quando forem conhecidos os resultados do próximo acto eleitoral.

Siga a marcha.

Palácio de Belém: um reduto da misoginia

Pedro Correia, 06.02.25

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As mulheres continuam a ser elementos decorativos na República Portuguesa. Nem me refiro a velhos partidos que nunca tiveram lideranças femininas, como o PCP (fundado em 1921) ou o PS (fundado em 1973). Refiro-me ao próprio Estado. Em meio século de sistema democrático assente no sufrágio universal a Presidência da República só foi preenchida por homens. Nisto, apesar da retórica em contrário, a democracia actual pouco se distingue dos dois regimes das décadas precedentes. 

Desde 1976 tivemos dez escrutínios presidenciais. Com 54 candidatos - 49 presenças masculinas e apenas cinco femininas. Em sete desses escrutínios só concorreram homens: elas permaneceram à margem. 

Chocante disparidade.

 

O cerco misógino rompeu-se fugazmente em 1986, com a candidatura de Maria de Lurdes Pintasilgo. Seguiram-se 30 anos de estrito monopólio masculino enquanto Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva se sucediam no Palácio de Belém.

Em 2016 houve algo inédito: duas candidatas. Marisa Matias e Maria de Belém Roseira ousaram avançar. Cinco anos depois, a deputada bloquista tornou-se única mulher repetente numa corrida à suprema magistratura da nação. Num escrutínio em que também Ana Gomes marcou presença.

Com que resultados? Ana Gomes foi a que até hoje teve mais sucesso: obteve 13% dos votos, ficando em segundo lugar - largamente ultrapassada pelo vencedor, Marcelo Rebelo de Sousa (60,7%). O segundo melhor resultado de uma mulher em candidaturas presidenciais foi o de Marisa: 10,1% em 2016, o que lhe valeu um terceiro lugar (o vencedor Marcelo recolheu 52% e Sampaio da Nóvoa ficou em segundo, com 22,9%). Cinco anos depois, recandidata, baixou drasticamente a percentagem, ficando só com 4%. Um pouco menos do que os 4,2% de Maria de Belém em 2016.

A estreante Pintasilgo tombou para quinto e último na corrida presidencial de 1986: conseguiu apenas 7,4%. A igualdade de oportunidades, que tanto se apregoa na cartilha republicana, mal ultrapassa o patamar da propaganda. 

 

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Mariana Leitão rompe o cerco, candidatando-se a Presidente da República

Para 2026, prepara-se um cenário muito semelhante. Quase todos os nomes de que se tem falado ao longo dos últimos meses, com razão ou sem ela, são masculinos: Gouveia e Melo, Marques Mendes, António Vitorino, António José Seguro, André Ventura, Mário Centeno, Augusto Santos Silva, Aguiar-Branco, Passos Coelho, Paulo Portas, Durão Barroso, Santana Lopes, Sampaio da Nóvoa, Aristides Teixeira, André Pestana.

Daí a minha enorme satisfação por ver Mariana Leitão, líder parlamentar da Iniciativa Liberal, avançar com uma candidatura a Belém, naturalmente apoiada pelo partido. Conheço-a, gosto muito dela, sei que terá um bom resultado. E, desde já, abre uma fenda na muralha da misoginia dominante. Um trunfo a favor desta jogadora federada de bridge. De certeza que não se perturba por parecer carta fora do baralho: até sentirá um gosto muito especial nisso.

Os três almirantes

Pedro Correia, 04.02.25

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João Canto e Castro (1918-1919)

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José Mendes Cabeçadas (1926)

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Américo Thomaz (1958-1974)

 

Alguns evidenciam estranheza pelo facto de um militar liderar todas as sondagens para Presidente da República. Só demonstram ignorância histórica.

O regime republicano português produziu mais militares do que civis na cúpula do sistema. Tivemos até hoje 19 chefes do Estado republicano, dez deles oriundos das forças armadas. Em quase 115 anos de república, 62 decorreram com um oficial-general no Palácio de Belém - ou até um militar de patente inferior, como aconteceu com o carismático major Sidónio Pais (1917-1918).

Seis eram do Exército: Sidónio, Manuel Gomes da Costa (1926), Óscar Carmona (1926-1951), António de Spínola (1974), Francisco Costa Gomes (1974-1976) e António Ramalho Eanes (1976-1986). Um da Força Aérea: Craveiro Lopes (1951-1958). E três da Marinha: João Canto e Castro (1918-1919), José Mendes Cabeçadas (1926) e Américo Thomaz (1958-1974). Ocuparam o poder em todos os ciclos republicanos - o que teve início no 5 de Outubro de 1910, o que começou com o 28 de Maio de 1926 e o que surgiu no 25 de Abril de 1974.

Nenhum espanto se a partir de Março do próximo ano tivermos um almirante como Presidente da República. Se assim for, será o quarto. Antecedido por Canto e Castro (contra-almirante na chefia do Estado), Mendes Cabeçadas (capitão-de-fragata quando se envolveu no 28 de Maio) e Thomaz (contra-almirante como inquilino de Belém até 1970, quando ascendeu a almirante). 

A diferença entre qualquer deles e Henrique Gouveia e Melo é que este, se lá chegar, resultará da escolha do povo português por sufrágio directo e universal. Por consequência, adquire uma autoridade moral que nenhum dos outros teve. Novidade, apenas nisto.

Uma enorme e rematada estupidez

Pedro Correia, 18.05.24

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A acusação de "traição à pátria" ao Presidente da República era tão delirante que nem pode ser classificada de populista.

Tratou-se de uma enorme e rematada estupidez.

Marcelo Rebelo de Sousa talvez até deva agradecer o dislate de André Ventura, que nenhum jurista digno desse nome se atreveu a validar. E que cobriu de ridículo o líder do Chega perante a larga maioria dos portugueses.

 

As declarações do Presidente, mais papista do que o papa, a propósito das supostas "reparações" às antigas parcelas do nosso território ultra-periférico (como se diz em jargão eurocrático) são mais do que criticáveis. Eu próprio o fiz aqui, em tom jocoso. Daí a considerá-lo "traidor à pátria" e mobilizar 50 deputados para tentarem cavalgar a desbragada onda com horas extra de espaço noticioso é patetice tão grande que quase tresanda a desespero.

Não devia valer tudo para garantir lugar cativo nos telediários que adoram circo em sessões contínuas. Mas pelos vistos vale.

Quem vive na política assim, morre na política também assim. Porque há sempre outro demagogo ainda mais alucinado ao virar de uma esquina. Estes tiros acabam por fazer ricochete, como na velha história do aprendiz de feiticeiro, obviamente sem final feliz.

A logorreia de Marcelo

Pedro Correia, 19.04.24

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A 12 de Abril, confrontado pelos jornalistas a propósito de um eventual inquérito parlamentar ao chamado "caso das gémeas", que podem afectá-lo, Marcelo Rebelo de Sousa foi muito lacónico. «Estamos em campanha eleitoral», declarou, lembrando estar quase a esgotar-se o prazo para a apresentação de candidaturas às eleições europeias. Especificou que durante a pré-campanha e a campanha não se pronunciará «sobre iniciativas partidárias». Conduta apropriada num verdadeiro árbitro político, não no actual Presidente da República.

Cinco dias depois, quebrou o fugaz voto de silêncio. Promovendo à descarada a suposta candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu - segundo cargo mais destacado na hierarquia comunitária. «Tenho a sensação de que começa a ser mais provável haver um português no Conselho Europeu, no próximo Outono, em Bruxelas», declarou. Em aparente pressão sobre o poder judicial, sabendo-se que Costa é investigado pelo Ministério Público no âmbito da Operação Influencer.

No dia seguinte, 18 de Abril, voltou a nadar para fora de pé, esquecendo-se do tal argumento da pré-campanha para as europeias. Desta vez para sugerir que Carlos Moedas pode vir a suceder-lhe ao afirmar que o presidente da Câmara e Lisboa é «um dos políticos mais sofisticados da cena nacional». Ele espera «viver o suficiente» para ver o futuro brilhante que imagina para o autarca - porventura no Palácio de Belém.

Marcelo continua acometido de logorreia, já esquecido do que prometeu faz hoje uma semana: parece ter regressado aos tempos frenéticos em que rabiscava as suas elucubrações políticas da página 2 do Expresso ou atribuía notas na TSF aos protagonistas da nossa vida pública. 

Sobre as gémeas é que nem um pio. 

O descrédito das instituições.

Luís Menezes Leitão, 10.11.23

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"Remember, remember, the 7h of November". Nesse dia, depois de buscas ao seu gabinete e de se saber que iria ser autonomamente investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Primeiro-Ministro comunicou ao país o seguinte: "A dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com a suspeita de qualquer acto criminal. Obviamente apresentei a demissão ao senhor Presidente da República (…). A minha demissão foi aceite pelo Presidente da República. Porventura quererá ponderar a partir de que data produz efeitos a minha demissão".

Ontem o Presidente da República anunciou ao País que as eleições seriam a 10 de Março e que só para Dezembro aceitaria a demissão do Governo, para garantir a aprovação do Orçamento do Estado. O problema, no entanto, é que, segundo uma comunicação oficial do Primeiro-Ministro ao País, a demissão já foi aceite e portanto o Governo está demitido (art. 195º, nº1, b) da Constituição). Ora, quando o Governo é demitido, caducam todas as propostas de lei que apresentou ao Parlamento (art. 167º, nº6, da Constituição), incluindo naturalmente a do Orçamento do Estado. O que tem toda a lógica, pois não faz sentido que um Governo demitido condicione o Governo que lhe vai suceder, ainda mais durante todo o ano, que é o tempo da vigência do Orçamento do Estado, e com medidas altamente controversas, como a subida do IUC, que nunca deveriam vir de um Governo demitido.

O que o Presidente fez, segundo Reis Novais, foi uma fraude à Constituição. Eu acho mais do que isso. Acho que há um desrespeito flagrante da Constituição por quem tinha o dever de a defender, o qual coloca o País numa situação altamente complexa. Temos um Governo envolvido num escândalo de corrupção e um Primeiro-Ministro investigado no Supremo Tribunal de Justiça, que por isso se demitiu. Mas o Governo vai continuar na plenitude de funções durante meses, como se nada se tivesse passado. Se isto não é uma República das Bananas, não sei o que será uma República das Bananas. Numa altura em que deveríamos festejar os 50 anos do regime democrático, as nossas instituições caíram num descrédito total, não só aos olhos dos Portugueses, mas também da comunidade internacional.

Não de todos: só da maioria

Pedro Correia, 10.03.21

O Presidente da República não tem de ser "de todos os portugueses": esta foi uma fórmula encontrada em 1976 por António Ramalho Eanes, num contexto histórico muito específico, quando o regime democrático estava a definir os seus contornos e o País escapara à tangente de uma guerra civil que só poderia ter consequências devastadoras. Isabel II é que é a soberana de todos os britânicos, Naruhito é que é o imperador de todos os japoneses. Eis uma das diferenças essenciais entre monarquia e república: um Presidente não pode, e em muitas ocasiões não deve, esconder as suas convicções. Em Portugal compete-lhe - isso sim - cumprir e fazer cumprir a Constituição: se necessário, contra uma parte dos portugueses. Só isto. Que é tudo.

A agenda está carregada

João André, 15.03.20

Marcelo anunciou que convocou um Conselho de Estado para quarta-feira para decidir se convoca um Estado de Emergência. Para daqui a 3 dias. Sobre uma emergência nacional. Certamente que isto foi porque é uma emergência, se fosse assim apenas, sei lá, urgentezito, talvez o convocasse para depois das férias... do Verão... que ainda tem que ir lavar a louça e ler uns 145 livros antes de se deitar e amanhã tem que passar a ferro. É pá, o pessoal tem coisas pra fazer, né? Não pode ser assim do pé pá mão.

Hipotético diálogo em 1384:

- Ó sô presidente, os castelhanos invadiram Portugal!
- Ó pá, isso não pode ser. Mandem selar o meu cavalo que tenho que ir aos paços convocar as cortes e decidir sobre o estado de emergência. Mas esperem, primeiro tenho que lavar aqui esta tina de mantos e capas e tenho de ir ali à biblioteca do mosteiro ler uns manuscritos. E vistas bem as coisas os nobres e o povo têm mais que fazer, né?, não os vamos chatear. Mandem antes uns correios para descobrir quando têm uns tempinhos para falar.
-...
(Nuno Álvares Pereira) - já os despachei de volta.

Marcelo no país que não tem voz

Pedro Correia, 06.08.18

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 Imagem da Sábado

 

Tenho, de antemão, bastante pena do Presidente da República que sucederá a Marcelo Rebelo de Sousa. Porque irá ser permanentemente comparado com o seu antecessor. De forma desfavorável, não custa antecipar. Por mais que isso custe aos escassos detractores do actual inquilino de Belém, incapazes de dar o braço a torcer no reconhecimento dos seus méritos.

Há quem sobrestime o papel das agências de comunicação na chamada "formatação de políticos". Acontece que nenhuma agência, por mais credenciada que seja, consegue aquilo que sucedia nas fábulas da nossa infância, capazes de transformar sapos em príncipes pelo efeito de um simples beijo. Isto não acontece, de todo, na vida real. Nenhuma agência de comunicação seria capaz de fabricar um candidato com a soma das qualidades de Marcelo. O actual Chefe do Estado - que, recorde-se, andou quatro décadas a preparar-se para a função que hoje desempenha - não necessita dos préstimos de agência alguma: basta-lhe a conjugação do seu instinto político com o talento que até alguns dos seus mais empedernidos adversários lhe reconhecem, tudo polvilhado com o lastro que foi acumulando em múltiplos terrenos, no plano político e no plano mediático.

Até em férias isto acontece. Viu-se neste fim de semana, o mais quente de sempre em Portugal desde que há registos credíveis sobre a temperatura atmosférica. Marcelo fora da agenda oficial, distante dos palcos institucionais, trocando a solene gravata pelo calção de banho, mergulhando nas águas convidativas das praias fluviais do País esquecido, forçando de algum modo os meios de comunicação a irem ter com ele. Só assim, neste Portugal tão assimétrico, onde o "interior" começa tantas vezes a 30 quilómetros do litoral, é possível vermos em horário nobre dos nossos noticiários televisivos regiões tão belas e tão ignoradas pela turba dos tudólogos urbano-depressivos. Como Tondela, Vouzela, Arganil, Oliveira do Hospital e Penacova.

Graças a ele, Marcelo. Atento às áreas deprimidas do rectângulo lusitano que necessitam mais que nunca de visitantes prontos a contribuir para a dinamização do frágil tecido económico local. Atento como nenhum outro ao país dos portugueses cuja voz não chega ao Terreiro do Paço.

Até em férias, o Presidente da República faz mais pelo combate à desertificação do interior do que mil discursos de cem ministros.

Vai ser árdua, a tarefa do seu sucessor.

Marcelo

Pedro Correia, 23.10.17

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O poder - o verdadeiro poder, não o que resulta da fugaz espuma da propaganda - exerce-se com êxito quando o seu titular reúne duas condições de base: autoridade natural e prestígio firmado em palavras e actos.

Marcelo Rebelo de Sousa tem dado provas, nestes dias dramáticos para largos milhares de portugueses, de ser o político mais poderoso do País. Não por inerência automática do cargo que exerce, mas pela pedagogia do exemplo de que dá testemunho prático. Se o exercício da política é um plebiscito quotidiano, ele continua a passar com distinção todos os testes.

De Belém, com afecto

Diogo Noivo, 26.01.17

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O conceito "pós-facto" já entrou no léxico diário. Trump é a epítome desse mundo detestável onde a realidade é torcida e retorcida com o intuito de servir agendas próprias, ignorando os interesses nacionais e, por definição, os factos. Cá, em Portugal, não temos disso. Ou se calhar temos, mas a coisa é menos grave porque é feita com abraços, afecto e votos de saudinha a quem passa.

O hacker Marcelo

Diogo Noivo, 26.12.16

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Depois de uma mensagem sobre a ginginha do Barreiro, a página oficial da Presidência da República lamenta a morte de George Michael. Por momentos, pensei que a página da Presidência tivesse sido alvo de um ataque informático com o fito de gozar com o Presidente. Mas não. Não há nada que um hacker possa fazer que Marcelo não faça sozinho.

"Quase ninguém sabe como se chama o Presidente de Portugal"

Pedro Correia, 22.08.16

 

Quando dava formação a jovens candidatos a jornalistas, costumava fazer testes de elementar cultura geral a esses estagiários. Entre outras perguntas, pedia-lhes que me dissessem o nome da capital das Honduras. E logo ali ficava evidente quem tinha leituras e saberes acumulados, mesmo sem alguma vez lhe passar pela cabeça visitar Tegucigalpa.

Testes deste tipo pelos vistos prosseguem, com as perguntas mais diversas e nas ocasiões mais inesperadas. Por vezes até em directo nas televisões.

Juan Carlos Monedero, um dos fundadores do Podemos e presença habitual nas tertúlias televisivas em Espanha, lembrou-se há dias de perguntar a um jornalista, seu parceiro de painel num acalorado debate no programa Espejo Público, da Antena 3, se ele sabia o nome do Presidente da República de Portugal.

Estupefacção em estúdio: ninguém parecia ter ouvido alguma vez falar em Marcelo Rebelo de Sousa. E a própria apresentadora do programa - Susanna Griso, uma das mais conhecidas jornalistas da televisão espanhola - acabou mesmo por dizer: "Quase ninguém sabe como se chama o Presidente de Portugal."

Este momento lapidar de Espejo Público funciona como espelho, sim. Da gritante ignorância espanhola em relação ao nosso país e da chocante incultura dos tudólogos que pululam nos estúdios televisivos. Tanto lá como cá.

Não é de todos: só da maioria

Pedro Correia, 05.07.16

O Presidente da República não tem de ser "de todos os portugueses": esta foi uma fórmula encontrada em 1976 por António Ramalho Eanes, num contexto histórico muito específico, quando o regime democrático estava a definir os seus contornos e o País escapara à tangente de uma guerra civil que só poderia ter consequências devastadoras.

Isabel II é que é a soberana de todos os britânicos, Bhumibol Adulyadej é que é o monarca de todos os tailandeses. Eis uma das diferenças essenciais entre monarquia e república: um Presidente não pode, e em muitas ocasiões não deve, esconder as suas convicções. Em Portugal compete-lhe - isso sim - cumprir e fazer cumprir a Constituição: se necessário, contra uma parte dos portugueses.

Só isto. Que é tudo.

E onde é que o PR me coloca?!

Helena Sacadura Cabral, 12.06.16
Eu sei que há frases infelizes e momentos menos bons. Sobretudo, quando se improvisa. Esta distinção que o PR resolveu fazer entre povo e elites deixou-me, confesso, um bocado abalada.
Explico-me. Estudei sempre em escolas e Universidade públicas. Nesta última tive durante cinco anos direito a uma bolsa distribuída aos melhores, de cerca de 1200 alunos da instituição. 
Dei explicações para pagar aquilo a que a esta não chegava. Fui "sebenteira" - isto é, fazia as sebentas que os professores não faziam - para ter direito aos livros grátis. Tomava os eléctricos de operários às 6 horas da matina para ter direito a uma viagem de retorno sem pagar. 
E sem quaisquer férias, durante todo o curso, ofereceram-me um emprego uma semana depois de o terminar, que aceitei cheia de orgulho.
Depois de tudo isto, alguém me clarifica onde é que o Presidente me coloca, depois das afirmações que fez? Vê-me como povo ou como elite? 
Eu sei que sou povo e me identifico com ele, continuando a trabalhar aos 80 anos para manter a minha dignidade e independência, mesmo depois de tudo o que me tiraram. Mas não esperava que, alguma vez, o homem que chefia os destinos do meu país criasse em mim a dúvida sobre "quem" sou, só porque tive a ambição de tirar um curso superior e de muito ter labutado por ele!

 

O sectário-geral

Pedro Correia, 25.04.16

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 Foto: Lisa Soares/Global Imagens

 

Por uma vez, a cortesia institucional cumpriu-se. O final do discurso de hoje do Presidente da República no Parlamento foi sublinhado com aplausos vindos de quase todo o hemiciclo. PSD, PS e CDS aplaudiram de pé, enquanto a generalidade dos deputados bloquistas e comunistas bateram palmas sentados nos respectivos lugares - incluindo Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. O mesmo sucedeu em relação aos convidados - com destaque para os capitães de Abril (Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho, Sousa e Castro e Martins Guerreiro, entre outros), o conselheiro de Estado Francisco Louçã e o eurodeputado Marinho e Pinto.

Todos? Todos não. Numa das galerias alguém decidiu permanecer sentado no final do discurso, enquanto todos se levantavam em seu redor. Alguém que permaneceu com cara de chumbo, sem o menor respeito pelo Presidente de todos os portugueses eleito ainda há bem pouco pela maioria dos eleitores que se deslocaram às urnas - incluindo largos milhares com as quotas sindicais em dia.

Refiro-me a Arménio Carlos. Secretário-geral da CGTP. Sectário-geral. Hoje mais que nunca.

Os partidos mal educados.

Luís Menezes Leitão, 10.03.16

Se há algo que caracteriza as instituições é o respeito pelo cerimonial e pelo formalismo. O Parlamento não é propriamente uma tasca e especialmente uma cerimónia de posse do Presidente da República deve ocorrer com a máxima elevação. Mas parece que, seguindo a influência do Podemos espanhol, que acha que o Parlamento é um lugar para se fazer figuras tristes, o Bloco de Esquerda, o PCP e o seu apêndice PEV decidiram ficar sentados e não aplaudir a tomada de posse do Presidente da República.

 

Trata-se de algo que só é de facto concebível em países como o nosso, em que o respeito pelas instituições anda pelas ruas da amargura. Na América, pode o Congresso ter uma maioria fortemente contrária ao Presidente. Mas quando se ouve o Sergeant at arms anunciar a sua chegada ("Mr. Speaker, the President of the United States") todos os congressistas se levantam em uníssono e aplaudem vigorosamente a chegada do Presidente. Todos sabem distinguir o respeito pelo cargo das discordâncias que tenham em relação à pessoa que o ocupa.

 

Em Portugal, os partidos da extrema-esquerda manifestamente não sabem fazer essa distinção elementar. Por isso não se dão ao respeito, preferindo como criancinhas fazer a sua birrinha no Parlamento. Só que isso é um péssimo indício de uma absoluta falta de sentido de Estado. E assim os portugueses bem podem perguntar como é que estes partidos podem ser sustentáculos de um Governo. Que garantias temos de que à primeira birra o Governo não cairá?