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Delito de Opinião

Cavaco devolve 75% do dinheiro da campanha

Laura Ramos, 19.02.11

 

Evidentemente que é obrigatório.

Evidentemente que decorre da lei.

Evidentemente que talvez nem merecesse ter destaque.

Mas merece.

Porquê?

 

Simplesmente porque não gastou e podia tê-lo feito.

 

Declarou que o estado da Nação não lhe permitia uma campanha perdulária. E não a fez.

Recomendou aos seus apoiantes, urbi et orbi, uma intransigente contenção nos actos de aplauso e nas reuniões de propaganda, e cumpriu.

Anunciou que não faria outdoors. E não fez.

Escolheu jantares em locais sem brilho, quase inóspitos, a lembrar os tempos da crise de meados de 80 (quando nos afundávamos também num duplo perigo de ruína financeira e de alienação partidária). E arrancou as palmas mais sentidas quando se referiu ao respeito pelos portugueses e à elementar exigência de moralidade nos gastos que era requerida aos poderes públicos (sim, eu vi toda esta insidiosa perseguição ao voto, galopante...).

 

Não há autoridade sem exemplo.

Mas neste caso, infelizmente tão isolado, tivemos uma pequena lição.

Não gostam do termo, ó subalimentados do bom senso?

Pois é... mas isto não é demagogia: - é dinheiro sonante que voltou aos cofres do Estado e não nos vai ser arrancados dos bolsos.

 

- Já agradeceram?

Está tudo explicado: 1/8C+(D-d) 3/8xTI MxNA

Fernando Sousa, 24.01.11

Hoje, 24 de Janeiro, é o dia mais deprimente do ano, segundo uma fórmula matemática concebida por um cientista britânico da Universidade de Cardiff. Vem hoje no PÚBLICO. A descoberta é do psicólogo Cliff Arnall e está claramente resumida na fórmula 1/8C+(D-d) 3/8xTI MxNA. Mais informações aqui. O dia mais feliz será 20 de Junho, pelo que vamos ter de nos armar, até lá, de muita paciência. Apesar de tudo, bom dia a todos!

Aviso ao sistema:

Fernando Sousa, 23.01.11

Nas presidenciais de 1976, a abstenção foi de 24,53 por cento; nas de 1980, de 15,61 por cento; nas de 1986, de 22,01 por cento; nas de 1991, 37,38 por cento; nas de 1996, de 33,71 por cento; nas de 2001, de 50,29 por cento; nas de 2006, de 38,47 por cento. Nas de hoje, a percentagem esperada dirá sobre o desinteresse do eleitorado e as consequências a tirar disso, e não valerá alegar problemas informáticos. Não haverá um Estado falhado mas seguramente um sistema a caminho disso. E um eleitorado que se vai apercebendo que há que mudar de rumo.

O dever de Manuel, Manuela, noras e noros

Fernando Sousa, 23.01.11

O senhor Manuel e a senhora Manuela, reformados, donos de uma antiga mercearia, vivem sozinhos na moradia em frente. Não recebem, em regra, visitas de ninguém; só uma vez ou outra, mas sempre, sempre de quatro em quatro anos ou noutras datas eleitorais. Hoje a casa deles encheu-se de filhos, filhas, noras e noros, todos vieram votar. De dentro - sente quem passa à porta -, vem um muito agradável aroma de cozido à portuguesa, outra forma de amar Portugal. Acabam de sair, em grupo, sorridentes e vestidos a rigor. Vão na direcção das suas secções de voto. Vão cumprir um direito, que entretanto passou a dever e que ameaça tornar-se uma obrigação. Mas isso pouco importa, porque pelo menos hoje a família está junta. Amanhã voltarão mais tranquilos às suas solidões.

Lusíadas

Laura Ramos, 22.01.11

Com o dedo na ferida:

 

«Porque os candidatos não prestam; porque a campanha foi pobre, caricata e falha de ideias; porque o papel do Presidente é irrelevante; porque o regime tem os dias contados – embora se possa dizer que há anos que nos anunciam que o regime tem os dias contados; porque, enfim, qualquer pretexto serve para se exibir uma hipotética superioridade intelectual (...)

Mais do que ser detestado pela esquerda, Cavaco Silva é tolerado pela direita. Uma direita que sempre o viu como um intruso, que não lhe perdoa as origens, que se envergonha do seu "provincianismo" e da sua proverbial "falta de cultura".»

 

Constança Cunha e Sá

 

Jean-Claude Duvalier em Portugal?

Fernando Sousa, 22.01.11

Depois de um dia sem se saber dele, o antigo ditador Jean-Claude Duvalier, que há quase uma semana voltou ao Haiti depois de 25 anos de exílio, reapareceu numa conferência de imprensa para pedir a "reconciliação nacional" num país que ainda não sabe como sair das presidenciais de Novembro. Acho que na segunda-feira podíamos convidá-lo a vir cá. Bom... é só uma ideia...

Um despropósito

Fernando Sousa, 21.01.11

A Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico típico nalguns casos de sequestro. Leva os reféns, cujo número naturalmente é variável, a desenvolverem simpatia pelos sequestradores, cuja classe também varia. No pico da doença, defendem-nos mesmo. Mas neste instante nacional não deve vir a propósito, até porque vivemos em liberdade. Né? Deixem.

O Ranking da Fífia

Rui Rocha, 20.01.11

Como se sabe, o número de clubes que acede às competições europeias depende do lugar ocupado no ranking da UEFA. Na corrida eleitoral a coisa também é parecida. Dizem as sondagens que o único lugar disponível nas Champions será para Cavaco Silva. É muito provável que o candidato não tenha estofo para os grandes desafios de uma liga de campeões.  Percebe-se que Cavaco não tem fio de jogo. A estratégia e o sistema táctico deixam muito a desejar. As exibições não entusiasmam os seus próprios adeptos. Mas, o campeonato que termina no próximo dia 23 está a ser marcado pelas faltas de comparência. E Cavaco tem ganho muitas partidas sem ter sequer de sujar os calções. É certo que tem lama no equipamento. Esta não resulta, todavia, de cortes de carrinho, à flor da relva, forçados pelo arreganho político dos oponentes. Foi-lhe atirada por hooligans que integram as claques das equipas adversárias e que invadiram o campo. Assim, apenas o acesso à Liga Europa fica em discussão. Aqui tem o nome de Segundo Lugar. E, tal como no futebol, é um prémio de consolação. Vale de bem pouco se não permitir ao candidato passar da fase de grupos que, nas presidenciais, se chama Primeira Volta. Passar à Segunda Volta já poderia ser considerado um resultado político interessante. O problema é que superar a fase de grupos também depende de pontuação. E o sistema apresenta algumas originalidades. Os cadidatos da segunda circular política só conseguiriam aceder à Segunda Volta se marcassem poucos pontos no Ranking da Fífia. Ora, os eventuais challengers insistem em apresentar-se como sparring partners de Cavaco. Ontem, o melhor que Alegre encontrou foi uma comparação entre as actuais eleições e aquelas em que participou Humberto Delgado. Só passaram cinquenta e dois anos. Confirma-se. Para Alegre, o tempo voa. Parece-lhe que foi ontem. É um caso nítido de Destino Delgado. Contra um Alegre desfasado no tempo, surge um Nobre  perdido no espaço. Coisa de quem, tendo viajado pelo mundo todo, tem dificuldade em saber exactamente onde está. Ontem berrava que só o impediriam de chegar a Belém se lhe dessem um tiro na cabeça. O acto em si seria impossível porque ninguém sabe onde Nobre a tem. Em Portugal não é certamente. Pois aqui não se faz política assim. Talvez fosse avisado que alguém dissesse a Nobre que não estamos na Venezuela. O lema de ambos parece ser atrás de fífias, fífias virão. Até ao desastre final. As campanhas eleitorais servem para ganhar eleições. Quando isso não é possível, deviam servir para os apoiantes não se sentirem frustrados quando as eleções acabam: "fizemos tudo o que pudemos". Alegre e Nobre parecem empenhados em levar esta ideia ao extremo. O nível geral é tao baixo que quando a campanha acabar até os seus apoiantes vão ficar contentes. Apesar dos maus resultados.

Depois da campanha eleitoral, o paraíso

Rui Rocha, 18.01.11

Um grupo crescente de comentadores geme e suspira perante a falta de interesse da campanha eleitoral. E anseia pelo fim deste pesado fardo para que tudo possa voltar ao normal. Para estes, o nível rasteiro do discurso e da prática política é um episódio que se inicia na pré-campanha e termina no dia de reflexão. Depois, vota-se, se for o caso. E pronto. O inchaço vai diminuindo à medida que se perde o interesse no rescaldo do resultado eleitoral. E assim se acaba este espectáculo deprimente. Este grupo de excelentes políticos e todos os outros que os apoiam regressam ao seus afazeres correntes. E  os eleitores dedicam-se, entre outras, às nobres tarefas de pagar IVA a 23% (está tão crescido o IVA!) e de perceber como raio se compram os identificadores das SCUTS ou como se faz prova de rendimentos inferiores a 485€ mensais para beneficiar (aqui está um verbo bem aplicado) de isenção nas taxas moderadoras. Ora, o que me parece é que esta boa gente anda distraída. Acham porventura que depois das eleições o nível se torna mais mais elevado? Pois a mim parece-me que isto é sempre assim. De Janeiro a Janeiro. Que é como quem diz, um ano inteiro e mais um mês. E, portanto (não, Chico Lopes, não chamei por ti), o que existe durante o resto do tempo é défice de atenção. Coisa que tem, provavelmente, consequência em muitos outros défices. Pois o que tudo isto nos leva a concluir é que a fraca qualidade média dos políticos é culpa nossa. Porque somos, em geral, pouco atentos e exigentes . E com isto me calo, antes que algum político nos venha pedir uma indemnização pelo estado de orfandade em que os deixamos fora das campanhas eleitorais

O silêncio de Cavaco e o discurso alegrórico

Rui Rocha, 18.01.11

Os dois principais candidatos à Presidência da República chegaram ontem às suas zonas de conforto. Cavaco Silva recusou participar numa entrevista pré-agendada na Antena 1. É neste registo que o futuro ex-Presisdente provavelmente reeleito se sente à vontade. Cavaco aprecia, acima de tudo, o silêncio da sua voz. As cambiantes e tonalidades de um discurso que se ausenta no momento próprio são a figura de estilo da sua forma de dialogar. Como segunda escolha, Cavaco elege o recado, a mensagem por interposta pessoa, ainda e sempre a palavra que chega ao destinatário quando ele, Cavaco, não está presente. É sempre assim, a menos que o tema seja o Estatuto dos Açores. Fora desse caso, Cavaco é um candidato pré-cozinhado que, por sua vontade, nunca participará numa sessão de show cooking democrático. Os actos ficam com quem não os pratica. E com quem os aprecia. Manuel Alegre, por seu turno, é homem de palavras. Aqui, ali e em todo o lado. Sempre as palavras. Em defesa do hemisfério norte e do seu contrário. Sendo que para Alegre este não fica no hemisfério sul, mas a sul de qualquer hemisfério. Mais ainda quando o substrato partidário de apoio da candidatura não tem o mais mínimo denominador comum. A operação matemática típica da campanha de Alegre é a divisão. O resultado é o lugar comum. O resto é zero. Nestas circunstâncias, o discurso é sempre Alegrórico. E aí temos a ideia de Esquerda. Tão vasta que acolhe Sócrates e Louçã. E outros acolheria se eles quisessem. Onde cabe um Estado Social do tamanho do coração de um Romeu apaixonado. Mas, onde  também cabe o Orçamento de Estado para 2011. Depois, não podia faltar a defesa da Pátria. Essa onde se verbera o FMI, mas se calam todas as derrapagens de Sócrates. No lugar comum de Alegre tem lugar o apoio ao Governo, mas não à sua política. Claro que sim. Está lá tudo e um par de botas. No centro da zona de conforto de Alegre está o discurso vazio sobre a Democracia. Ontem chegou lá. Mais concretamente ao exacto ponto onde a Democracia é colocada numa encruzilhada entre a vida e a morte. Nesse momento, o discurso torna-se fantasmalegrórico. Alguém devia explicar a Alegre que colocar os eleitores entre a espada e a parede, sem qualquer justificação, é a expressão acabada de um discurso totalitário. Impróprio da democracia que gosta de usar como bandeira. Para além do mais, é um prato requentado. E os portugueses já demonstraram, sempre que foi servido, que não o apreciam. Concluo, por isso, que quanto mais estes dois candidatos se aproximam das suas zonas de conforto mais se afastam dos eleitores. Ambos deviam saber que não se vota com comando à distância.

A importância de um Presidente

Rui Rocha, 17.01.11

Os Estados Unidos da América estavam profundamente divididos na sequência do ataque de que foram vítimas, em Tucson, a Congressista Democrática Giffords (ferida) e 19 outras pessoas (6 mortos). A discussão nacional estava extremada e, tendo começado em torno das razões que estão por trás deste tipo de violência, tinha-se já estendido a temas como a segurança individual e colectiva, as leis sobre porte de arma ou a reforma do sistema público de saúde. Com evidente aproveitamento político por parte de conservadores e liberais. Neste cenário, levantou-se a voz de Barack Obama, num discurso de elogio fúnebre às vítimas que serviu também para unir a nação em torno de valores essenciais. A mensagem foi simples, como sempre acontece nestes casos: 'existe vida para além da política e a política é mais do que a defesa de interesses egoistas'. Teve, todavia, impacto imediato. Obama prestou tributo às vítimas (que estavam a ser completamente esquecidas), dirigiu uma palavra de conforto aos familiares e amigos, realçou o exemplo dos que arriscaram as próprias vidas para evitar uma tragédia de maiores proporções e uniu a comunidade em torno do desígnio comum de honrar os mortos através do exemplo da união e da colaboração entre todos. Perante a adversidade, estabeleceu laços entre as pessoas, indicando um caminho de dignidade e respeito. Mais que um discurso político, Obama protagonizou uma oração em que invocou o sentido ético mais profundo dos americanos, num exercício de liderança de que resultou um consenso em torno da condenação da violência. A partir do discurso de Obama, o aproveitamento político da situação ficou completamente inviabilizado, esvaziando-se o potencial de tensão que o assunto assumira:

What we can't do is use this tragedy as one more occasion to turn on one another. As we discuss these issues, let each of us do so with a good dose of humility. Rather than pointing fingers or assigning blame, let us use this occasion to expand our moral imaginations, to listen to each other more carefully, to sharpen our instincts for empathy, and remind ourselves of all the ways our hopes and dreams are bound together.

Face a exemplos como este, percebe-se bem que a tão debatida questão da escassa importância dos poderes presidenciais na Constituição portuguesa é mais uma desculpa do que uma limitação. A verdadeira questão está na capacidade de interpretar, em momentos decisivos, o interesse último da comunidade e de apontar caminhos que não se deixem acorrentar pelos interesses tácticos. E isso está mais no poder da atitude do que no texto. Obama não falou do alto dos seus poderes. Falou ao nível das pessoas comuns e dos seus valores. Por isso foi ouvido. Da mesma maneira que teria sido ignorado se tivesse invocado apenas o seu poder formal. Perante isto diria que: a) é um erro desvalorizar a eleição e a função do Presidente da República. O candidato que for eleito tem, como ninguém, o poder de influenciar a história colectiva com um gesto, com um discurso ou com um exemplo. Ou de a condicionar irremediavelmente através dos seus actos, palavras e omissões; b)  não podemos prescindir de escolher, mesmo que tenhamos mais dúvidas do que certezas sobre a qualidade de todos e cada um dos candidatos. Tal como Isiah Berlin afirmou, '(...) reconhecer a validade relativa das próprias convicções, mas ainda assim defendê-las resolutamente, é o que distingue o homem civilizado do bárbaro. Pedir mais do que isso talvez seja uma necessidade metafísica profunda e incurável, mas permitir que isso determine a nossa prática é sintoma de uma imaturidade moral e política igualmente profunda, e mais perigosa'.

 

* O longo discurso de Obama (34 min.) constitui um documento histórico imperdível e pode ser visto aqui.

A liberdade de imprensa, o Expresso e Fernando Nobre

Rui Rocha, 16.01.11

Tal como certos heróis de banda desenhada, o jornalismo português gosta de se apresentar com uma capa e uma espada. A capa faz-se de imparcialidade e de neutralidade. A espada é a da verdade. Ora, isto não passa de uma encenação e de um embuste. Creio não dar novidade a ninguém, muito menos aos jornalistas, quando afirmo que não existe uma informação neutra. A comunicação faz-se menos pelo valor literal da mensagem do que pela intencionalidade do emissor, pelas variáveis do contexto e pela predisposição do receptor. Não há aspirante a jornalista que não aprenda isto nos bancos da Universidade e que não o constate no primeiro dia de trabalho numa redacção. Por isso, a afirmação recorrente da imparcialidade e da neutralidade não corresponde a um estádio de maturidade do jornalismo, antes revela as suas fragilidades, limitações, impreparações e  dependências. O jornalismo português não é suave. É menos que isso. É um jornalismo que não saiu do armário. Que não se assume. Em Portugal, a liberdade de imprensa parece ser entendida como um direito que existe na medida em que possa oferecer em troca uma aparência de imparcialidade. Ora, isso não é uma liberdade. É um negócio em que os parâmetros limitam à partida o direito de expressão. A liberdade de imprensa é bem outra coisa. Consiste na possibilidade de se tomar posição sobre um tema ainda que esta parta de uma visão do mundo assumida, de um contexto ideológico de base. Todavia, a liberdade de imprensa assim entendia implica uma responsabilidade. A de que esse pré-conceito seja explícito. Que os destinatários da informação possam saber qual o pressuposto de partida em que esta foi produzida. Este ponto leva-nos a uma velha questão. A de saber se a imprensa deve declarar qual a proposta política que apoia num período eleitoral. Como se intui do que já vai dito, inclino-me para uma resposta afirmativa. Mais ainda num mundo em que existe uma óbvia ansiedade pela informação, como refere Wurman. E em que, como afirma Shirky, passámos da escassez de informação para um mundo dominado pela sua abundância. Perante a finitude dos recursos para tratar informação, são necessários referenciais que nos permitam catalogá-la e processá-la. Parece-me ser responsabilidade de quem coloca informação ao dispor da comunidade partilhar com transparência os referenciais em que se coloca. Creio que a democracia também é isto. Todas estas considerações se compreenderão melhor a partir de um caso concreto. Tomo para exemplo a reclamação de Fernando Nobre relativamente ao (não) tratamento que lhe foi dado pelo Expresso. Nobre reclama que na última edição o Jornal não lhe fez qualquer referência. Numa primeira análise, espanta que o mesmo jornal que coloca na edição online a referência ao assalto da casa de Manuel Alegre, não tenha um centímetro quadrado da edição em papel dedicado à campanha de Nobre. Todavia, o que me parece verdadeiramente criticável é que o Expresso não clarifique perante os seus leitores uma opção editorial que parece agora evidente. Ainda posso perceber que se discuta se um meio de comunicação deve ou não apoiar um candidato. O que é incompreensível é que quando apoia, ou na situação inversa, quando o considera irrelevante, não o diga... expressamente. É, antes de mais uma questão de maturidade democrática e de respeito pela liberdade de imprensa e pelos leitores.

Silêncios reveladores na candidatura de Defensor de Moura

Rui Rocha, 16.01.11

Defensor de Moura é um candidato presidencial a que sobram causas, lutas e bandeiras. Tantas são que não ouso sequer enumerá-las. Isso tornaria este post demasiado longo. Por outro lado, correria o risco de esquecer alguma. Sendo todas tão fundamentais, tal constituiria uma tremenda injustiça. Agora, não posso passar em claro que existe uma causa que Defensor invoca mas, na prática, não defende. Refiro-me à protecção dos animais. A pulga (que também deve ser protegida apesar de ser irritante) já me tinha ficado atrás da orelha aquando do vergonhoso despedimento da Águia Vitória. Não ouvi de Defensor uma palavra, numa situação em que se impunha que jogasse ao ataque. Acaso o candidato questionou os fundamentos da decisão? Inteirou-se sobre a existência de justa causa? Nada. Não mexeu um grão de alpista. Pareceu-me logo que esta coisa dos animais trazia água no bico. Todavia, como tenho propensão a acreditar em quem afirma ser o melhor amigo dos animais, incluídos nestes os que pagam realmente SCUTS que dizem virtuais, levei a coisa à conta de distracção. O homem estaria embrenhado noutras touradas. Hoje, todavia, não posso deixar a coisa em claro. Num momento em que nós, os leões, vivemos uma crise de dimensões bíblicas sem que se vislumbre uma arca, uma caixa ou um Banco onde nos possamos abrigar do dilúvio, Defensor não nos dirige uma única palavra de alento e conforto? É intolerável que nos deixe sozinhos, órfãos que estamos do Foissencourt. Perante isto, concluo que a defesa dos animais não encontra no candidato um Defensor empenhado. Trata-se de pura demagogia. Defensor devia saber que quem quer ser lobo ibérico tem que vestir a sua pele. Felizmente, restam todas as outras inúmeras causas de que é Defensor (poderia ter escrito 'de que Defensor é defensor', mas isso tornaria o post muito defensivo e hoje é um dia em que não me apetece falar mais em defesa, muito menos em meio-campo ou em ataque). Voltarei ao assunto logo que me lembre de alguma dessas causas. Por agora fica este protesto, sendo que mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Se for para fazermos festinhas ao pássaro que temos na mão, claro.

O significado político profundo da candidatura de José Coelho

Rui Rocha, 14.01.11

Umberto Eco é um entusiasta das listas. De tal maneira que organizou em 2009 uma exposição no Louvre dedicada ao tema. Para o pensador e escritor italiano, as listas são a forma adequada de encontrarmos alguma ordem perante o infinito. As ideias pré-concebidas são, elas própria, listas que nos permitem evitar a angústia de enfrentar o mundo sem qualquer referência. Nas nossas listas, um político é um homem de quem se pode desconfiar. Mas, para se desconfiar de alguém, é preciso que este se apresente sob uma capa de seriedade. A situação em que nos sentimos cómodos neste jogo é aquela em que os políticos proclamam que estão no combate de forma séria. O que permite aos adversários e aos eleitores fazerem a sua parte. Isto é, procurar demonstrar o contrário. Daí a invocação dos ideais, das batalhas, das bandeiras e a contrapartida dos ataques ao carácter, da procura de contradições e de outras estratégias aparentadas. A nós eleitores convém-nos, todavia, manter uma opção menos escrutinada para podermos votar nela sem demasiados problemas de consciência. O problema começa, porém, quando alguém como José Coelho se apresenta ao eleitorado sem ocultar as suas intenções. Afirmando-as, à partida, como não sérias de acordo com os nossos padrões. Coelho deixa-nos sem lista em que o possamos arquivar para nosso sossego. A estupefacção é maior quanto maior for a importância que atribuímos ao acto eleitoral. Admitir um Tino de Rans como candidato a uma Junta de Freguesia não incorpora a mesma transgressão à norma que está implícita  na existência de um Coelho que se propõe saltar para o poleiro da Presidência. É a esta luz que se entende o estilo da já muito debatida entrevista de Judite de Sousa. Judite suspeitava que Coelho não era sério e que queria escondê-lo. Daí a utilização da agressividade extrema. Completamente despropositada e chocante dirigida como foi a quem nada queria esconder. Todavia, extremamente útil ao propósito de Coelho que era precisamente promover o ridículo. É preciso dizer que Coelho não é exterior ao mundo político. O escárnio sempre funcionou como contraponto do poder. Neste sentido, um não pode viver sem o outro. Mas, é mais do que isso. À falta de ideais em que acreditem realmente, os políticos na luta por parecerem sérios, refugiam-se em fórmulas cada vez mais vazias. O discurso de José Coelho é, assim, tão legitimamente político quanto o de qualquer outro candidato. Com a diferença incómoda de não pretender ocultar a sua real vacuidade. O problema para o poder em geral e para a democracia em particular não é portanto o da transparência de José Coelho. Pelo contrário, ele reside em ser cada vez mais difícil os políticos a sério esconderem, apesar de tentarem, que são tão vazios e ridículos como ele. E para o jogo político cumprir o objectivo de vivermos sossegados era muito mais conveniente que a ocultação fosse credível.

Mãos ao alto

Rui Rocha, 14.01.11

A disputa eleitoral tem decorrido, como se sabe, em regime de aguaceiros. Estes com a particularidade de caírem sob a forma de água inquinada que vai enlameando o terreno. No fundo, essa é a consequência de uma falta de respeito latente pelos eleitores. Mas, tratando-se de patologia em que a dor apenas aflige, de forma directa,  o corpo da Democracia, só a sentem os que lhe estão muito próximos. Aqueles que a estimam de tal maneira que tomam por suas as dores democráticas. Todos os outros nos vamos distraindo dessa dor e esquecendo que ela é, por direito, também nossa. Este estado de indolência generalizado é o campo privilegiado para certos comportamentos oportunistas. Em política, a inimputabilidade não decorre de uma deficiência dos mecanismos de formação da vontade. Resulta sim de o agente crer que não será responsabilizado pelos seus actos. Ou pelas suas palavras. E por isso faz o quer e diz o que lhe vem à cabeça. Estava escrito na agenda política que ontem seria dia de insulto aos portugueses. Calhava a José Sócrates puxar em palco pelos cordelinhos da marioneta em que Manuel Alegre se quis transformar. O Primeiro-Irresponsável podia ter-se conformado com esse papel. Mas, já se sabe, Sócrates não resiste a uma oportunidade de afirmar a sua crença na disponibilidade dos portugueses para lhe aturarem todas as ofensas sem se despentearem. Por isso, não se limitou a segurar a mão de Manuel Alegre. Claro que não. Logo para inicio de conversa, proclamou o seu amor ao Estado Social e ao Serviço Nacional de Saúde. Estamos aqui, como é evidente, perante um amor canalha. Se virmos bem, no bolso do fato, Sócrates tinha ainda quente  a caneta com que assinou os diplomas relativos ao abono de família, às taxas moderadoras e aos serviços de saúde. Esses que constituem verdadeiras facadas no casamento entre Portugal e o Estado Social. Na vertigem do seu próprio dislate, Sócrates prosseguiu para prometer o julgamento da história aos que semearam a desconfiança e a dúvida, num momento crítico para o futuro do país. Pois só isto nos faltava. O latifundiário da desconfiança e da dúvida, aquele que a semeou no terreno fértil da incompetência e da irresponsabilidade, levanta as mãos, arrastando com ele as de Manuel Alegre, para clamar justiça. É preciso que Sócrates saiba que esse julgamento se fará. Com imputação proporcional de responsabilidades à culpa de todos os infractores. E que, apesar de distraídos, os portugueses lhe reservam um lugar especial no processo. Não o de juiz ou acusador que pretende arrogar-se, mas o de principal arguido. Aquele que, por demérito pessoal e intransmissível, lhe cabe. Quanto a Manuel Alegre, melhor será dizer-lhe que já pode baixar as mãos. Até que apareça Louçã para as puxar de novo para cima.

Do veneno e das suas formas de vida

Fernando Sousa, 11.01.11

 

Farto, farto, farto das presidenciais! Faaaaaaaaaaaarto!! Procuro e não encontro um único motivo, dos candidatos às políticas, que me leve ao trabalho de ir votar no dia 23. Outros irão, claro, uns levar as urnas, outros trazer as urnas, mas a maioria dentro das urnas, que é um lugar escuro, demasiado escuro, onde não me apetece ficar até às próximas eleições, quando a história se repetirá como uma maldição. Nem foram ainda convocadas e até já estou faaaaaaaaaarto das legislativas! Primeiro pedem-nos que paguemos pela crise, e a gente até nem tem outro remédio, agora pedem-nos que paguemos pela política, mas aqui ele existe, a menos que estejamos tão loucos como os que acham que não estão ou tão envenenados como a bactéria que se lambuza de arsénio do Lago Mono; sim, porque o veneno tem as suas formas de vida. No domingo da coisa vou de certeza ter mais que fazer. E à noite abster-me de saber até quem ganhou porque tanto se me dá.

A proposta de suspensão da campanha eleitoral: patriotismo ou politiquice?

Rui Rocha, 11.01.11

Manuel Alegre manifestou ontem a sua disponibilidade para suspender a campanha eleitoral. O primeiro sublinhado que esta disponibilidade merece é o de constituir, se necessário fosse, um certificado de gravidade da situação que o país atravessa. Mas, a declaração merece ainda ser analisada do ponto de vista do seu mérito intrínseco. Há muito que as regras básicas de interpretação do texto abandonaram a visão de que este sai, como mensagem acabada, da cabeça e da boca do autor. À compreensão do texto não basta o seu valor literal. É preciso que se tenha presente, entre outras variáveis, o modo, a intencionalidade e o contexto em que foi produzido. Bem como os seus destinatários directos. Aquilo a que poderíamos chamar a estratégia do discurso. Estas variáveis são decisivas para que se tome posição sobre o valor da declaração de Alegre. Para percebermos, no fundo, se foi  uma afirmação de elevado valor patriótico e desprendimento de interesses pessoais, ou uma posição de baixo valor politiqueiro. Ora, a declaração de Manuel Alegre foi produzida antes de um comício, numa conferência de imprensa improvisada e informal. Para que se pudesse reconhecer à afirmação valor patriótico, o destinatário directo da mensagem deveria ter sido Cavaco Silva. E o contexto só poderia ser o de um contacto privado entre os candidatos, no âmbito de uma discussão franca. Em clima de confiança. Arremessada como foi, através da comunicação social, a disponibilidade de Alegre só pode ser entendida como politiquice. Utilizada com o objectivo de entalar o adversário e de o responsabilizar pelo que possa correr mal: ‘se Cavaco estivesse a fazer o que devia e não andasse a perder tempo em campanha eleitoral, o resultado seria outro’. E isto é evidentemente condenável uma vez que a mensagem quer aparecer sob a capa abusiva de desprendimento patriótico e utiliza como objecto de referência uma questão particularmente melindrosa que condiciona o futuro colectivo.

Eleições presidenciais: matriz de leitura da pré-campanha eleitoral

Rui Rocha, 09.01.11

O leitor, perante tanto ruído na comunicação, poderá sentir dificuldade em interpretar os factos principais da pré-campanha eleitoral.  Para tentar ajudar, proponho que siga os seguintes passos:

1 – Divida o mundo político em dois lados.

2 – Escreva ‘maus’ numa etiqueta amarela e ‘bons’ numa etiqueta azul celeste.

3 – Coloque a etiqueta azul celeste no lado que, de acordo com o seu critério arbitrário, considerar mais próximo das suas preferências. Coloque a etiqueta amarela no outro lado.

4 – Prepare dois cartazes, com o tamanho que considerar adequado, escrevendo em ambos a palavra ÉTICA (letras maiúsculas). Tenha presente que, nestas coisas, o tamanho do cartaz importa.

5 – Num dos cartazes, escreva também, em letra bem visível, a frase ‘Inadmissível Campanha Contra o Carácter’. No outro, escreva a frase ‘Saudável Escrutínio Democrático’.

6 – Sempre que alguém efectuar uma apreciação sobre um político de qualquer dos lados, deverá levantar apenas um dos cartazes (se puder, para não criar confusão, esconda o outro). Se o político se encontrar no lado onde colocou a etiqueta azul celeste, deve levantar o cartaz com ‘ÉTICA / Inadmissível Campanha Contra o Carácter’. Se o político se encontrar no campo oposto, deve levantar o cartaz com ‘ÉTICA / Saudável Escrutínio Democrático’.

7 – Nunca prepare mais que os dois cartazes referidos. Por exemplo, se utilizar um cartaz com a frase ‘Interesse do País’ poderá provocar graves perturbações. Da mesma forma, nunca divida o mundo em mais que dois lados. Um mundo com três ou mais lados constitui uma figura geométrica politicamente ingovernável.

Garanto, leitor. Se  seguir estas instruções e praticar um nadinha terá, em pouquíssimo tempo, uma ideia muito rigorosa de como tudo isto se passa.