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Delito de Opinião

Certezas e incógnitas

Sérgio de Almeida Correia, 25.01.21

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(Créditos: Mário Cruz/EPA)

O filme das presidenciais terminou como começou. Sem surpresas, com muito verbo e pouca chama.

Que Marcelo Rebelo de Sousa iria ser reeleito não havia dúvidas a partir do momento em que António Costa resolveu, por sua alta recriação, endossar-lhe por antecipação o apoio do PS. Cumpre dar-lhe os parabéns.

As duas únicas verdadeiras dúvidas desta eleição resultavam do valor que a abstenção poderia atingir numa situação muito diferente da registada em qualquer uma das eleições anteriores – numa fase crítica da pandemia, com a economia em crise acelerada e o desemprego e o défice a aumentarem – e qual o número de votos e a percentagem que o candidato vencedor iria obter.

A abstenção ultrapassou ligeiramente os 60%, o que volta a ser um número extraordinário pela dimensão já que representa um universo de mais de seis milhões e meio de eleitores, mas que ainda assim poderia ter ascendido a valores superiores não fosse ter-se dado o facto de André Ventura ter ido a votos.

O candidato incumbente também conseguiu ultrapassar a fasquia dos 60%, contrariando várias sondagens e projecções, e cometendo o feito de vencer em todos os concelhos do país. Marcelo obtém cinco anos depois da primeira eleição mais oito pontos percentuais e aumenta significativamente o número de votos (mais 122 mil votos), tornando-se evidente que tanto ele como o regime saem amplamente reforçados com este resultado.

A percentagem de votos brancos e nulos continua a ser pouco relevante como reflexo de um qualquer sinal de descontentamento em relação ao regime, e a abstenção, pelas suas múltiplas e variadas razões, não permite outra conclusão que não seja a do desinteresse e alheamento de uma parte enorme do eleitorado pelo destino do país. É lá com eles. Se querem continuar à margem continuem, mas depois não se queixem das escolhas.

A candidata Ana Gomes tentou fazer o que lhe era possível obtendo, apesar de tudo, um resultado honroso. Meio milhão de votos permitir-lhe-ão assegurar a continuação no espaço público, eventualmente a participação numa próxima contenda. Não mais do que isso. Não passou a ter mais peso dentro do PS, não pode aspirar a federar a esquerda, o discurso continuará a ser feito de tiradas sem grandes consequências. O mais interessante, todavia, será o facto de não obstante a ausência de grandes apoios, sem uma máquina profissional organizada no terreno, ainda assim ter travado André Ventura.

O resultado de Ventura e da gente que conseguiu reunir-se em seu torno, que vai de descontentes comunistas à extrema-direita provinciana, congregando franjas do centro-direito e de estratos mais desfavorecidos atraídos pela mensagem xenófoba e demagógico-populista, é duplamente enganador. A votação obtida no interior e no Alentejo e Algarve, onde conseguiu o segundo lugar, à frente de Ana Gomes e cilindrando o candidato comunista, não pode passar despercebida e será um sinal de alerta para os partidos tradicionais.  De qualquer modo, a entrada de Ventura nos dois dígitos é uma consequência da abstenção, da ausência de verdadeira competição à direita e de candidatos fortes à esquerda.

Sem um programa de governo minimamente coerente, com um caderno de merceeiro cheio de gatafunhos e frases feitas para agradar à populaça que gostaria de ascender às tetas do regime; sem quadros capazes, entre bem-intencionados, artilheiros e cadastrados, os dois dígitos evaporar-se-ão rapidamente nas autárquicas e nas próximas legislativas. O simples facto de Ana Gomes, sozinha, e com uma esquerda polarizada, ter ficado à sua frente, é uma vergonha para o discurso machista e taberneiro que aspirava chegar à segunda volta. Quando muito, Ventura, na melhor das hipóteses, dará uma volta ao Marquês de Pombal se o seu amigo dos pneus conseguir ser campeão.

O candidato João Ferreira ficou dentro do que seria de esperar de um partido que nem sequer no Alentejo, no Algarve ou em Setúbal consegue segurar o seu eleitorado. Esmagado por Ventura. O PCP devia pensar nos frutos que tem colhido com a sua ortodoxia franciscana. Os votos de castidade, pobreza ideológica e obediência ao “centralismo democrático” mantê-lo-ão vivo apenas dentro das paredes da Soeiro Pereira Gomes enquanto houver alguém que de quando em vez limpe o pó aos ícones. Os milhares de euros gastos em campanha por João Ferreira e o PCP são obscenos para o péssimo resultado obtido. Os comunistas deviam pedir contas aos seus dirigentes. 

Assinale-se ainda a continuação do desmoronamento do mito Marisa/Bloco de Esquerda. Podem queixar-se do PS, da falta de convergência e de unidade à esquerda, ou de qualquer outra coisa que lhes sirva, que o certo será sempre a falta de visão estratégica da sua direcção política. Quer antes, quer agora. O tempo do BE passou. E convenhamos que andar atrás de Ventura e da sua rapaziada não é grande cartão de visita para ajudar à eloquência do discurso ou dar lições de moral à esquerda.

Refira-se o bom resultado de Tiago Mayan Gonçalves que duplica os votos e a percentagem da Iniciativa Liberal de 2019. Esperemos pelas autárquicas e pelas legislativas para ver até onde poderão chegar perante o definhamento acelerado do CDS-PP.

Quanto ao simpático Vitorino Silva, o “Tino de Rans”, pois continuará a ser isso mesmo, embora agora com menos 30 mil votos.

A grande incógnita reside então em saber o que fará o Presidente da República daqui para a frente com 2,5 milhões de votos no actual cenário de pandemia, decisivo para o que nos espera, perante um Governo que dá sinais de errância e falta de consistência política, que vai abrindo brechas quase diariamente, por vezes pelas razões mais inexplicáveis e cada vez mais evidencia sinais de precisar de mudanças em várias pastas, das quais as mais urgentes serão seguramente o Ambiente, cuja gestão tem sido um fiasco, a Educação e as Infraestruturas e Habitação.

E também de que maneira influenciará futuras escolhas no PSD, o aparecimento de um novo partido ou admitirá antecipar eleições legislativas num cenário de reforço da sua legitimidade.

De um lacrau sabe-se com o que se pode contar. De Marcelo, como de Paulo Portas, nunca se sabe até que ponto o calculismo e o oportunismo políticos condicionarão a decisão futura.

 

(editado às 11:00 de Lisboa para correcção do número de votos conquistados por MRS em relação a 2016) 

Ir votar

Paulo Sousa, 23.01.21

Há dias fechei um puzzle das minhas memórias de infância. Lembro-me de ser bastante pequeno e ir com os meus pais votar. Naquele dia, e este é o pormenor mais detalhado da minha memória, lembro-me da nossa sombra no chão empedrado à frente das escadas do adro viradas para a Rua da Ameixoeirinha, a caminhar em direção à escola primária. Lembro-me que os meus pais me levavam pela mão, um de cada lado e eu no meio. Talvez tenhamos andado mais vezes assim, mas só me lembro de caminhar de mão dada com os dois, nessa disposição, nesse dia.

Esta é uma memória longínqua e anterior às memórias da minha escola primária. Estava sol, deixamos o carro à frente do salão Paroquial e seguimos a pé até à escola. Íamos votar. Para mim era apenas mais um domingo em que depois de irmos visitar os meus avós, fazíamos uma paragem antes de regressar a casa. Será que é uma memória sugerida? Acho que não.

Fechei o puzzle das minhas memórias quando entendi que essas terão sido também as primeiras eleições em que os meus pais participaram. Havia ali uma excitação pela coisa de ir votar. Olhando para esses tempos é normal que essas tenham sido as eleições para à Assembleia Constituinte, que fundou a nossa democracia e o nosso regime. Sem ter consciência disso, foram também as minhas primeiras eleições.

Votar tornou-se para a minha geração algo normal. Mas se nos dermos ao trabalho de nos observarmos por fora, olhando para o que se passa em dezenas de outros países, as eleições livres e justas constituem quase um milagre. Votando, conseguimos que quem está no poder saia de lá pacificamente, e isso não é coisa pouca.

Vale a pena ir votar. Mesmo quando os nossos governantes nos falham, o que infelizmente é frequente, podemos levantar o queixo e afirmar que fizemos a nossa parte. Amanhã, não tenham medo do vírus e vão votar. É muito mais importante, e tão pouco arriscado como ir ao supermercado comprar ração para o gato.

Votem em quem entenderem, com liberdade e consciência.

Eu vou votar no Tiago Mayan, pois graças a ele temos uma alternativa decente ao socialismo.

A campanha minimal

João Sousa, 21.01.21

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A comunicação social publicitou que Marcelo Rebelo de Sousa seria o candidato, após Vitorino Silva, com orçamento de campanha mais reduzido. Além disso, Marcelo prescindiu dos tempos de antena e só planeou fazer "campanha de rua" durante quatro dias por, veja-se lá, D. Marcelo I "O Justo" pretender "evitar expôr uma disparidade entre as imagens da sua história recente como Chefe de Estado e as dos outros candidatos".

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Campanha minimal? O que foi o primeiro mandato de Marcelo senão uma longa e dispendiosa campanha eleitoral?

Travou no último instante

Paulo Sousa, 12.01.21

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Marcelo Rebelo de Sousa disse hoje à RTP, à porta de sua casa, que estava muito irritado com as autoridades de saúde.

"Sinto-me muito irritado porque não me dão, por escrito, uma posição sobre se eu podia ir ao debate ou não. Portanto, não tendo uma posição, esperei, esperei. A primeira posição era que eu podia ir, a segunda é que não, verbalmente.” (…) “Estou à espera, quando chegar, como é natural, já não tenho tempo para ir ao debate”.

Reconheceu ainda que o Presidente tem de ser tratado como “qualquer cidadão comum”, mas considera que “merece uma resposta”.

Eu vi as imagens, e de facto o nosso PR estava irritado. Bem sabemos do seu talento em representar o típico gajo tuga. Cheguei mesmo a pensar que, num excesso de inspiração teatral, lhe ia sair uma daquelas clássicas: “Isto só neste país, pá!”. Mas não. Lá se conteve.

Uma aventura na Feira de Carcavelos

Sérgio de Almeida Correia, 07.01.21

Com o distanciamento que a ausência permite, a paciência que me vai faltando, e mais por uma questão de cidadania do que por genuíno interesse nos fulanos, lá vou acompanhando os “debates” (vamos admitir que sim, que são) entre os candidatos presidenciais que saíram em sorte aos portugueses.

Certamente que irei votar, se a tal me permitirem, embora não saiba muito bem em quem.

Em todo o caso, se há uma coisa para que os tais debates podem servir é para nos mostrar, a todos os níveis, o grau de indigência, despudor e impreparação de alguns feirantes.

O apelo serôdio, populista e demagógico é uma constante. Um tipo vê-os para ali a arengar, com som ou sem som, ora de braços no ar ou de dedo em riste, com ar irado ou pose de cura, e não se nota qualquer diferença.

É claro que estou a exagerar. E a ser injusto para com o candidato Marcelo, que com todos os seus defeitos, apesar de tudo, merecia ter outro leque de convivas.

Admiro-lhe o poder de encaixe, naquela sua postura evangelizante, e até um certo estoicismo na forma como recebe as críticas que lhe são dirigidas. E como ouve alguns dislates que não seriam tolerados nas mesas de matraquilhos de algumas tabernas que outrora existiam em Lisboa.

Há, todavia, um candidato que mesmo por qualquer razão inexplicável não consiga ir à segunda volta já mostrou todas as virtudes de se ter uma democracia consolidada. Refiro-me ao candidato Ventura.

Pode-se não gostar do estilo, ou da voz, naquela postura de contentinho aos pulinhos, endiabrado, cheio de certezas coladas a cuspo, entre a estatura tridimensional de um Marques Mendes e a pose de um forcado gingão do "tipo Chicão", mas o homem é um poço de qualidades. No debate com o candidato Marcelo isso pareceu-me evidente. De tal modo que me fez lembrar o engenheiro Sócrates na fase pré-empréstimos a fundo perdido.

É um gosto vê-lo e ouvi-lo naquele fervor nacionalista e patriótico que faria as delícias do Presidente Xi ou de Ali Khamenei. A forma como exibiu e agitou as fotografias que levou, e que confundiram tanto o candidato Marcelo como deverão ter divertido o tal de Mamadou, apresentando a França como um exemplo de presidencialismo (daria chumbo numa oral da FDL), fizeram-me lembrar um quinquilheiro simpático, de bigodes, usando umas gravatas verdes ou lilases berrantes, que combinava a preceito com uns sapatos de cor creme e um fato cinzento, que quando eu era miúdo vendia tapetes na Feira de Carcavelos.

O tipo, enquanto agitava o tapete colorido que queria impingir a quem passava, gesticulando e impedindo sempre um exame mais atento, não fosse dar-se o caso da peça ter um salpico do molho da bifana, avançava, qual Jerónimo, “com todo o respeito” para exaltar as qualidades do poliéster, que era “quase lã do Cáucaso”, e a excelência do “ponto industrial”, informando desde logo os potenciais interessados da falta de qualidade dos tapetes dos concorrentes e do modo como baixavam os preços e atacavam os seus produtos para o impedirem de vender a tralha que promovia.

Não desfazendo, se aquele senhor que o candidato Ventura admira conseguiu convencer um bando de montanheses, peludas e barbudos saídos das profundezas do Alasca, das cavernas do Colorado e dos bordéis do Nevada, a entrarem pelo Capitólio com bandeiras da Confederação, em “chewbacca bikini”, e desafiando a autoridade da polícia e as regras do jogo democrático, tão queridas ao deputado candidato, também será de admitir a hipótese deste se apurar para uma segunda volta.

E até para uma terceira. Basta que haja mais uma ronda de debates e a vacina não lhe chegue a tempo.