Agora vamos ao que interessa
Se não tinha dúvidas quanto à vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto poderia acontecer logo à primeira, como foi, ou à segunda volta, todos os demais resultados correspondem, grosso modo, à leitura que fiz. Se, como referiu o Presidente eleito, nestas eleições não houve vencidos, houve todavia bons e maus resultados.
Começando pelos primeiros, é óbvio que o resultado de Marcelo Rebelo de Sousa foi bom. Não só por ter obtido uma votação expressiva, como também pela circunstância da sua votação representar mais do dobro do candidato que ficou no lugar imediato. Apesar destes resultados ainda não serem os oficiais, não há dúvidas quanto à clareza da escolha e à legitimidade e autoridade com que o novo Presidente sai deste sufrágio.
Em segundo lugar, merecem destaque os resultados conseguidos por Marisa Matias e Vitorino Silva. Aquele constitui mais um sucesso do Bloco de Esquerda, sinal do apoio social alargado de que goza e susceptível de reforçar o peso político do partido no actual contexto. De qualquer modo, o BE deverá estar ciente de que a sua capacidade de crescimento não é ilimitada, que deverá estar prestes a atingir o ponto de esgotamento das fronteiras do seu eleitorado natural e que o resultado obtido também é em muito fruto das excelentes prestações televisivas da sua candidata, pelo que a eventual ilusão de querer partir deste resultado para ganhos parlamentares ou aumentar a pressão sobre o Governo poderá ser ilusório e vir a revelar-se no futuro contraproducente. Já o resultado do popular Tino de Rans é uma surpresa por se ter destacado de todos os outros "pequenos" candidatos. Repare-se que sozinho e sem uma máquina partidária no terreno ficou a pouco mais de vinte sete mil votos de Edgar Silva, o candidato apoiado pelo PCP, e obteve sozinho praticamente os mesmos votos que os restantes candidatos que ficaram atrás de si. Voto de protesto, voto de gozo, seja lá o que for, Vitorino Silva levou mais de 150.000 portugueses a votarem em si.
Todos os restantes resultados foram a meu ver negativos. Os dos candidatos Paulo Morais e Henrique Neto são sofríveis. Os de Jorge Sequeira e Cândido Ferreira são consequência da impreparação dos candidatos, da necessidade de protagonismo dos seus egos e da vacuidade das propostas. Ficaram dentro das expectativas.
A leitura que deverá ser feita dos resultados de Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém e Edgar Silva terá de ser necessariamente diferente pelas circunstâncias que rodearam a apresentação das suas próprias candidaturas. Edgar Silva é hoje a imagem do fracasso das propostas do PCP e seus satélites. O número de votos que conseguiu é um sinal da sangria do eleitorado tradicional dos comunistas, do fraco desempenho do candidato e das argoladas nos debates. O rebanho dispersou, deixou de obedecer aos pastores e dificilmente voltará a ser reunido. O PCP é de dia para dia cada vez mais irrelevante e este resultado estará seguramente presente quando pensar em retirar a confiança política ao Governo de António Costa.
Deixei para o fim uma palavra sobre Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém. Qualquer um deles falhou o objectivo a que se propusera em termos insofismáveis. Não há segunda volta, nem volta a dar. Os números falam por si e dispensam explicações, já que qualquer cristão vê o que aconteceu sem necessidade de intermediação divina. Não sei é se no PS todos compreenderão a necessidade que houve de se chegar até aqui. Como também não sei se o que aconteceu foi o resultado de uma estratégia propositada de falta de comparência do PS às presidenciais para resolver problemas internos ou se simples miopia política. O resultado é objectivamente medíocre para o candidato Sampaio da Nóvoa e de nada lhe serviu ser apoiado por três ex-Presidentes. Por muito boa pessoa, voluntarioso e empenhado que seja, quando um candidato é politicamente medíocre e se apresenta com um discurso epistolar, vazio e cheio de lugares comuns, o que foi de estranhar é que não tivesse havido ninguém que lhe tivesse dito que o seu empenho podia ser mais útil noutras funções. Para o PS, que veladamente o apoiou, é também um mau resultado ficando por esclarecer que estratégia esteve na razão de tão canhestro apoio. Na hora de se despedir o candidato Sampaio da Nóvoa esteve bem, merecendo por isso uma palavra de apreço.
O resultado de Maria de Belém é a consequência da sua irrelevância política e da necessidade de protagonismo para que alguns a empurraram. Também do esforço de divisão protagonizado por esses mesmos que a apoiaram e que pensaram que com a apresentação da sua candidatura comprometeriam o partido e marcariam pontos internamente, ou nalgum outro templo. O resultado de Maria de Belém está ao nível de uma candidata a presidente de junta de freguesia e foi tão mau que só conseguiu mais quarenta mil votos que Tino de Rans. Para quem, diziam, representava a moderação e o equilíbrio contra a deriva radical do PS e tinha aspirações a participar numa segunda volta, não poderia ser pior. O que aconteceu poderá contribuir para o apaziguamento de conflitos internos do PS, dando mais espaço de manobra ao Governo e a António Costa. Quanto a Francisco Assis poderá descer à realidade de uma vez por todas, cumprir o mandato que tem para cumprir e deixar-se de alimentar sonhos próprios e de terceiros quanto à construção de um novo centrão, incolor e oportunista, proposta que foi rejeitada pelo eleitorado.
Ao não apoiar Maria de Belém, com o "segurismo" enterrado, António Costa poupou o partido a uma humilhação e pode concentrar-se daqui para a frente nas tarefas da governação. São estas as que interessam aos portugueses nos próximos quatro anos e que podem ditar a sua sorte, a dos portugueses e a do PS. E para já sabe que pode contar para o que der e vier com o novo Presidente da República. Para apresentar resultados não podia ser melhor.
Quanto ao PSD e à liderança de Passos Coelho os tempos que aí vêm não vão ser risonhos. Para o CDS/PP também não. O resultado de Marcelo Rebelo de Sousa dá-lhes jeito e o candidato por eles apoiado foi o mais votado. Mas é um resultado que de pouco lhes servirá. O Presidente da República vai descolar desses apoios com os quais, aliás, nunca se quis comprometer. PSD e CDS/PP estão a partir de hoje entregues à sua sorte. A muleta de Belém acabou.