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Delito de Opinião

Agora vamos ao que interessa

Sérgio de Almeida Correia, 25.01.16

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Se não tinha dúvidas quanto à vitória de Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto poderia acontecer logo à primeira, como foi, ou à segunda volta, todos os demais resultados correspondem, grosso modo, à leitura que fiz. Se, como referiu o Presidente eleito, nestas eleições não houve vencidos, houve todavia bons e maus resultados.

Começando pelos primeiros, é óbvio que o resultado de Marcelo Rebelo de Sousa foi bom. Não só por ter obtido uma votação expressiva, como também pela circunstância  da sua votação representar mais do dobro do candidato que ficou no lugar imediato. Apesar destes resultados ainda não serem os oficiais, não há dúvidas quanto à clareza da escolha e à legitimidade e autoridade com que o novo Presidente sai deste sufrágio. 

Em segundo lugar, merecem destaque os resultados conseguidos por Marisa Matias e Vitorino Silva. Aquele constitui mais um sucesso do Bloco de Esquerda, sinal do apoio social alargado de que goza e susceptível de reforçar o peso político do partido no actual contexto. De qualquer modo, o BE deverá estar ciente de que a sua capacidade de crescimento não é ilimitada, que deverá estar prestes a atingir o ponto de esgotamento das fronteiras do seu eleitorado natural e que o resultado obtido também é em muito fruto das excelentes prestações televisivas da sua candidata, pelo que a eventual ilusão de querer partir deste resultado para ganhos parlamentares ou aumentar a pressão sobre o Governo poderá ser ilusório e vir a revelar-se no futuro contraproducente. Já o resultado do popular Tino de Rans é uma surpresa por se ter destacado de todos os outros "pequenos" candidatos. Repare-se que sozinho e sem uma máquina partidária no terreno ficou a pouco mais de vinte sete mil votos de Edgar Silva, o candidato apoiado pelo PCP, e obteve sozinho praticamente os mesmos votos que os restantes candidatos que ficaram atrás de si. Voto de protesto, voto de gozo, seja lá o que for, Vitorino Silva levou mais de 150.000 portugueses a votarem em si.

Todos os restantes resultados foram a meu ver negativos. Os dos candidatos Paulo Morais e Henrique Neto são sofríveis. Os de Jorge Sequeira e Cândido Ferreira são consequência da impreparação dos candidatos, da necessidade de protagonismo dos seus egos e da vacuidade das propostas. Ficaram dentro das expectativas.

A leitura que deverá ser feita dos resultados de Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém e Edgar Silva terá de ser necessariamente diferente pelas circunstâncias que rodearam a apresentação das suas próprias candidaturas. Edgar Silva é hoje a imagem do fracasso das propostas do PCP e seus satélites. O número de votos que conseguiu é um sinal da sangria do eleitorado tradicional dos comunistas, do fraco desempenho do candidato e das argoladas nos debates. O rebanho dispersou, deixou de obedecer aos pastores e dificilmente voltará a ser reunido. O PCP é de dia para dia cada vez mais irrelevante e este resultado estará seguramente presente quando pensar em retirar a confiança política ao Governo de António Costa.

Deixei para o fim uma palavra sobre Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém. Qualquer um deles falhou o objectivo a que se propusera em termos insofismáveis. Não há segunda volta, nem volta a dar. Os números falam por si e dispensam explicações, já que qualquer cristão vê o que aconteceu sem necessidade de intermediação divina. Não sei é se no PS todos compreenderão a necessidade que houve de se chegar até aqui. Como também não sei se o que aconteceu foi o resultado de uma estratégia propositada de falta de comparência do PS às presidenciais para resolver problemas internos ou se simples miopia política. O resultado é objectivamente medíocre para o candidato Sampaio da Nóvoa e de nada lhe serviu ser apoiado por três ex-Presidentes. Por muito boa pessoa, voluntarioso e empenhado que seja, quando um candidato é politicamente medíocre e se apresenta com um discurso epistolar, vazio e cheio de lugares comuns, o que foi de estranhar é que não tivesse havido ninguém que lhe tivesse dito que o seu empenho podia ser mais útil noutras funções. Para o PS, que veladamente o apoiou, é também um mau resultado ficando por esclarecer que estratégia esteve na razão de tão canhestro apoio. Na hora de se despedir o candidato Sampaio da Nóvoa esteve bem, merecendo por isso uma palavra de apreço.

O resultado de Maria de Belém é a consequência da sua irrelevância política e da necessidade de protagonismo para que alguns a empurraram. Também do esforço de divisão protagonizado por esses mesmos que a apoiaram e que pensaram que com a apresentação da sua candidatura comprometeriam o partido e marcariam pontos internamente, ou nalgum outro templo. O resultado de Maria de Belém está ao nível de uma candidata a presidente de junta de freguesia e foi tão mau que só conseguiu mais quarenta mil votos que Tino de Rans. Para quem, diziam, representava a moderação e o equilíbrio contra a deriva radical do PS e tinha aspirações a participar numa segunda volta, não poderia ser pior. O que aconteceu poderá contribuir para o apaziguamento de conflitos internos do PS, dando mais espaço de manobra ao Governo e a António Costa. Quanto a Francisco Assis poderá descer à realidade de uma vez por todas, cumprir o mandato que tem para cumprir e deixar-se de alimentar sonhos próprios e de terceiros quanto à construção de um novo centrão, incolor e oportunista, proposta que foi rejeitada pelo eleitorado.

Ao não apoiar Maria de Belém, com o "segurismo" enterrado, António Costa poupou o partido a uma humilhação e pode concentrar-se daqui para a frente nas tarefas da governação. São estas as que interessam aos portugueses nos próximos quatro anos e que podem ditar a sua sorte, a dos portugueses e a do PS. E para já sabe que pode contar para o que der e vier com o novo Presidente da República. Para apresentar resultados não podia ser melhor.

Quanto ao PSD e à liderança de Passos Coelho os tempos que aí vêm não vão ser risonhos. Para o CDS/PP também não. O resultado de Marcelo Rebelo de Sousa dá-lhes jeito e o candidato por eles apoiado foi o mais votado. Mas é um resultado que de pouco lhes servirá. O Presidente da República vai descolar desses apoios com os quais, aliás, nunca se quis comprometer. PSD e CDS/PP estão a partir de hoje entregues à sua sorte. A muleta de Belém acabou.

Notas pessoais sobre o novo Presidente da República

João André, 25.01.16

Em relação a estas eleições, não há muito a dizer. Marcelo Rebelo de Sousa foi fazendo uma campanha inteligente, cuidada, pensada ao mais pequeno pormenor, com aparições frequentes mas não excessivas - nem excessivamente prolongadas - e sempre a cultivar uma imagem de sageza, inteligência, reflexão e moderação. Esta década (ou à volta disso) de campanha que Marcelo leva trouxe-lhe um enorme dividendo político que os outros candidatos não puderam - ou souberam - quebrar na campanha (incluindo pré).

 

Marcelo venceu, tal como Marisa Matias. O primeiro porque venceu as eleições - elogo à primeira volta - e Marisa Matias porque excedeu expectativas e demonstrou ter bom peso político. Paulo Morais poderá ter atingido os seus objectivos de passar a sua mensagem. Para os outros as eleições terminaram num assim-assim ou derrota.

 

Há quem elogie a Marcelo Rebelo de Sousa a bonomia, a simpatia, o charme, a inteligência, a comunicação. A minha primeira impressão e aquela em que estou tão certo quanto possível é: não será pior que Cavaco Silva, possivelmente o pior Presidente da República que Portugal alguma vez teve (até nos tempos da ditadura poderão ter sido melhores, dado que não contavam). Marcelo não traz a bagagem de Cavaco Silva, não é movido a rancores e ao menos compreende para que significam as palavras ao comunicar.

 

Tenho no entanto reservas. A inteligência de Marcelo soube dizer-lhe que tinha de cultivar a imagem que tem. Marcelo será mais calculista que simpático. Nos primeiros tempos saberá ser calmo e tentará certamente manter a estabilidade política, mas vamos a ver o que se passa dentro de um ano ou dois, caso as políticas do governo não lhe agradem. Também no PSD não deverá haver líderes acomodados.

 

Marcelo disse as coisas certas no discurso de vitória, mas sinceramente não esperava outra coisa dele. Só que palavras poderão valer para pouco se os actos não estiverem de acordo com elas (a única coisa boa de cavaco é que era implincitamente claro nos seus discursos repletos de ameaças veladas). Vou esperar para ver, mas se como presidente fizer o mesmo que como comentador, já não estaríamos mal servidos. Como refiro acima, (quase) qualquer alteração seria uma melhoria.

Breves notas sobre os resultados

Tiago Mota Saraiva, 25.01.16

Marcelo Rebelo de Sousa ganhou, como se esperava. Teve mais votos que Cavaco em 2011 e, provavelmente, conseguiu ir buscar votos a todos os partidos. Fez um discurso de unidade nas antípodas do do anterior Presidente da República. Saberá ser popular.

 

Sampaio da Nóvoa é, na verdade, uma surpresa. Teve uma percentagem maior do que a maioria das sondagens lhe deram e do que Alegre em 2011. Não atingiu o objectivo de uma segunda volta, mas não sai desta eleição politicamente morto.

 

Marisa Matias é a grande surpresa da noite. Não conseguiu apenas consolidar uma parte muitíssimo significativa dos votos do BE, como terá conseguido penetrar no tradicional eleitorado comunista (veja-se, por exemplo, os resultados das autarquias comunistas de Constância ou Almada). As notícias de uma fuga de votos do eleitorado do BE para Marcelo eram manifestamente falsas.

 

Maria de Belém não foi alvo de um assassinato de carácter, como os seus apoiantes repetiram. Belém revelou-se. Não conseguiu conquistar o eleitorado socialista como pretendia, enfraqueceu o segurismo e demonstrou a fraca expressão eleitoral que a poderosa ala direita do PS tem. Desaparecerá sem fama nem glória da vida política, podendo levar para casa a sua pensão vitalícia.

 

Edgar Silva não deve ser visto como o culpado do mais fraco resultado eleitoral de um candidato com o apoio do PCP. Viu-se pouco o Edgar que trabalha com os que nada têm e que intervém junto do lumpén, para assumir uma postura institucional de porta voz do partido. A sua candidatura demonstrou que o eleitorado do PCP não é estanque, nem é alheio aos discursos políticos das candidaturas de Marisa Matias e Sampaio da Nóvoa.

 

Tino de Rans não é uma surpresa. Repete, com menos vigor, o resultado de José Coelho das eleições de 2011. 

 

Paulo de Morais e Henrique Neto são figuras instrumentais para o sistema ao lançarem a suspeita de corrupção sobre todos sem concretizar acusações. Foram duas candidaturas com discursos semelhantes, mas sem brilhantismo. Morais destacou-se no resultado, ainda que fique aquém do que o próprio pensava poder alcançar.

 

Jorge Sequeira era o único candidato sem qualquer relação passada com algum partido político. Teve 0,3% dos votos expressos.

 

Cândido Ferreira nem em Leiria, de onde provinha, conseguiu votação significativa. Cumpriu o seu papel de manter dúvidas sobre a licenciatura de Nóvoa, como se o ex-reitor não as tivesse esclarecido de imediato. Fica a dúvida sobre como terá conseguido o número de assinaturas necessárias.

Parabéns, Senhor Presidente

Sérgio de Almeida Correia, 25.01.16

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(Foto TVI) 

Num tempo de acentuada crise dos valores e da cidadania, perante um país empobrecido e carente de esperança, cansado de caixeiros-viajantes trapaceiros e de amanuenses para todo o serviço, Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu obter a maioria absoluta que lhe garante ser o Presidente da República. Independentemente das críticas que possam ser feitas à volatilidade de algumas das suas posições políticas no passado, Marcelo Rebelo de Sousa é um homem bem formado, com preparação académica e política, com uma carreira profissional de indiscutível mérito, com provas dadas em relação ao seu comprometimento cívico e com conhecimento do mundo e da vida. Tem, ainda, a seu favor o facto de ser senhor de um indiscutível carisma e de argúcia e perspicácia política, que nem sempre funcionaram para o seu lado, mas que poderão agora vir a ser indispensáveis para um bom desempenho. O resultado que obteve, apesar de uma abstenção grande e pela qual não é responsável, foi suficientemente bom para evitar uma segunda volta, poupando os portugueses ao espectáculo deprimente a que vinham assistindo, assim se evitando maiores rupturas e o aprofundamento de crispações recentes.

Como aqui disse e pelas razões que tive oportunidade de expressar, não apoiei nenhum candidato presidencial na actual contenda, e embora não tenha votado em Marcelo Rebelo de Sousa não posso deixar de dizer que espero que seja possível, dentro de cinco anos, ver o titular do cargo recandidatar-se e melhorar o resultado agora obtido, pois será sinal de que terá sabido cumprir bem o seu mandato. A forma como se comportar nos próximos meses será decisiva para o futuro a curto prazo do país e para o reforço da confiança dos portugueses nas suas instituições e na democracia.

Depois de um interregno de vários anos, os portugueses podem, finalmente, voltar a ter no Palácio de Belém um Presidente da República que não os envergonhe quotidianamente na sua acção, que não se queixe do valor da reforma, nem das agruras do cargo, o que só por si deverá ser motivo de satisfação. Com o seu primeiro discurso pós-eleitoral, no qual me revejo, e no espaço que tão bem escolheu para o fazer, deu um merecido destaque à sua Faculdade de Direito de Lisboa, que também foi a minha, deixando um sinal positivo daquele que poderá vir a ser o seu primeiro mandato.

Que se assuma como um homem livre e sem complexos, que não depende, nem nunca dependeu, do clientelismo partidário, por também dele não precisar, e um referencial da democracia, no qual através da sua acção todos os portugueses se possam rever, é o que desejo. E espero, sinceramente, que Marcelo Rebelo de Sousa seja capaz de recolocar a Presidência da República no local de onde nunca deveria ter saído, devolvendo-lhe o papel, o prestígio e a dignidade que perdeu na última década. Unindo os portugueses, seguindo a história, honrando a memória. 

Declaração de voto

Tiago Mota Saraiva, 22.01.16


O nosso futuro próximo não é um mar de rosas. A pressão dos directórios europeus já nos fez pagar o BANIF e prepara uma batalha de imposição do seu orçamento cujas consequências ainda são difíceis de prever. O futuro Presidente da República fará sempre parte dessa batalha, seja seguindo a estratégia de quem manda na UE, seja na defesa do direito soberano de ser o país, e o seu povo, a decidir as suas principais opções estratégicas.
Depois deste período de campanha não me parece haver grandes dúvidas que dos dez candidatos, apenas três, escolhem a segunda opção: Sampaio da Nóvoa, Marisa Matias e Edgar Silva. Os outros sete ou não têm consciência desta dicotomia ou são ideologicamente afectos às escolhas dos mercados e das famílias políticas que mandam na UE.
Com os dados que temos das sondagens permito-me concluir duas coisas. Em primeiro lugar, Marcelo Rebelo de Sousa não aparece tão destacado que possamos dar como garantida a sua eleição à primeira volta. Curiosamente, os resultados de Marcelo nas sondagens são muito similares aos de Cavaco antes das eleições de 2006 e 2011 (em que obteve respectivamente 50,54% e 52,95%) - será interessante analisar, posteriormente, se o eleitorado de Marcelo não é praticamente o mesmo que o de Cavaco. Por outro lado, com o colapso de Maria de Belém, não parece haver grandes dúvidas que, a haver segunda volta, está será disputada entre Marcelo e Nóvoa.
Sendo assim o meu voto em Edgar Silva é óbvio e combativo. Além de ser do meu campo político, Edgar defende uma ideia para o país e para a presidência da república que é a que me está mais próxima.
Contudo o resultado de Edgar Silva nesta primeira volta pode vir a ter outra leitura. Apesar de haver diferenças entre eleições e de nas presidenciais se votar em pessoas, um resultado entre os 2-3%, como lhe é atribuído nas sondagens, penalizará o PCP. A escolha corajosa de levar a candidatura até ao fim - teria sido mais fácil se tivesse apoiado outra candidatura, mas correr-se-ia o risco de desmobilizar algum eleitorado, o que só beneficiaria Marcelo - poderá ter o reverso da medalha num momento difícil para a intervenção política do partido. Se Edgar Silva mantiver ou superar o eleitorado que tradicionalmente vota no candidato apresentado pelo PCP será um novo tónico na intervenção do partido e, sobretudo, nas batalhas que, a cada dia, terá de travar na Assembleia da República.

Isto anda tudo ligado

Sérgio de Almeida Correia, 22.01.16

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(Foto de Pedro A. Pina, RTP) 

Eu já estava admirado com a sua ausência. Pensava que o homem se refugiara num retiro sabático no Copacabana Palace ou no Polana até depois das eleições, mas compreendo que não quisesse desiludir ninguém e eis que resolveu aparecer a tempo de dar uma mãozinha na recta final da campanha. Depois de ter pedido o apoio no Conselho Nacional do PSD ao candidato "independente" do partido e de ter conseguido a aprovação de uma recomendação desse mesmo Conselho Nacional para o voto no candidato "independente", eis que Miguel Relvas surge em força na recta final da campanha das presidenciais. Sei de fonte segura que o Prof. Marcelo ficou entusiasmadíssimo com esta aparição e prepara-se para logo à noite agradecer o empenho do apoiante.

Especialistas na arte de baralhar, partir e voltar a dar há poucos. Em Portugal é uma das profissões mais reconhecidas publicamente, mais bem pagas, e que para além de uma boa agenda telefónica, alguns contactos ao mais alto nível e muita lata, não exige especiais qualificações. Com as voltas que a banca dá, se o Prof. Marcelo for eleito ainda vamos ver o apoiante a ser recebido em Belém. Na qualidade de banqueiro, pois claro, que isso sempre dá outro estatuto.

O estertor da candidatura de Maria de Belém

Rui Rocha, 21.01.16

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Chego à notícia da TSF, alertado por um uma transcrição feita no Facebook pelo Luis Aguiar-Conraria:

“Estou disponível para comparar a minha folha de vencimentos”, Marisa Matias estará? “É que não se pode dizer metade das coisas”, deixou no ar Maria de Belém, antes mesmo de fazer contas às remunerações dos eurodeputados. Ora, são 8 mil euros de ordenado base, 4 mil em apoios e 304 por cada sessão em que participam, “metade do salário mínimo nacional só por participar numa sessão”, insurgiu-se a socialista.

 

Trata-se de uma afirmação tão confrangedora como reveladora. Se dúvidas houvesse, na ânsia de atacar Marisa Matias, Maria de Belém diz claramente ao que anda. Para a auto-proclamada única candidata socialista, o mecanismo democrático é uma mera formalidade. Marisa Matias foi eleita para o Parlamento Europeu pelo voto livre de cidadãos eleitores portugueses, acedendo por isso também a determinado nível de compensação pelo exercício de funções? Pois bem, Maria de Belém não pode ser menos. Não interessa se se candidatou, se foi ou não eleita, se cumpre as obrigações, se exerce as responsabilidades. Belém compara-se com Matias pelo único ângulo que lhe interessa: o do valor do tacho. E se não chega lá por remuneração directa, tem de aproximar-se por subvenção. A canga, essa estará sempre sobre o cidadão, eleitor e contribuinte, que deve suportar a obrigação de proporcionar-lhe sustento. Belém é,  disse-o Caeiro e tem aplicação universal, do tamanho do que vê e não do tamanho da sua altura. Pequenina, pequenina, portanto. Bem mais pequenina do que a sua própria constituição já de si tão franzina. Com tamanha transparência reveladora  da sua infinita mesquinhez, Belém decreta involuntariamente a derrocada da sua candidatura à Presidência.

Um desfile de antologia

Sérgio de Almeida Correia, 18.01.16

16679478_Khr7n.jpgNão sei se já todos se deram conta, mas este ano o corso saiu mais cedo. Dentro de dias terá lugar a primeira, porventura única, volta das eleições presidenciais de 2016. A campanha anda na estrada, e depois de uma barrigada de debates o país teme que o arraial em vez de terminar no dia das eleições só comece verdadeiramente na noite de 24 de Janeiro. O caso não é para menos. O painel de candidatos e o dedo de quem marcou a data das eleições a pensar numa antecipação do Carnaval fazem temer o pior.

Sem se saber o que aí vem, há pelo menos dois candidatos que se destacam dos demais pela sua "patusquice". Ver e ouvir as reportagens dos passeios de Vitorino Silva, aliás Tino de Rans, ou Jorge Sequeira são momentos irrepetíveis. São uma espécie de Praça da Alegria ou Preço Certo sem apresentadores, só com figurantes. Tudo em grande, sem conversa fiada, sem tempos mortos. A proximidade do calendário eleitoral com os desfiles do Entrudo tê-los-á inspirado e isso vê-se no ar alucinado que se esforçam por colocar nas suas intervenções. Os projectos são de tal forma delirantes que o sucesso é garantido. Têm o seu público, o seu palco e os seus bailaricos, onde exibem confiantes os seus dotes de dançarinos ou as cores garridas do último grito em óculos.

Depois temos um outro par que ainda não se percebeu bem para que editoras vende enciclopédias. Paulo Morais engasgou-se com a cassete da corrupção. De cada vez que se apresta para dizer alguma coisa pensa-se que será desta. Em vão. A cassete está-lhe atravessada, encravou, e dali só saem slogans de campanha encimados pela melena farfalhuda, como há dias comentava uma eleitora. Quando instado a pronunciar-se sobre o que faria se eleito diz coisas tão profundas e tão documentadas que poderiam ser assumidas por aquele senhor que corre desabridamente pela linha lateral de Alvalade gesticulando e berrando contra a pressão sobre os árbitros e a corrupção. Já o médico Cândido Ferreira tem sido senhor de uma lucidez aterradora. Da afirmação de que é o candidato melhor colocado à esquerda para passar à segunda volta até ao apoio aos suinicultores, assegurando que a ser eleito será um presidente "que sofre com os valores do povo" e que está ao lado deste contra o Intermarché e a GNR, revela-se a cruzada que se antevê em Belém. Um sofrimento diário. Com todos os "consensos importantes à direita" que conseguiu gerar ainda iremos ver Assunção Cristas em Alcanena a comandar a distribuição das febras assadas aos insurgentes.

Num outro nível surge a candidata com iniciais cervejeiras: 2M. Como a velha Mac-Mahon. Salas cheias, quanto mais pequenas mais apinhadas. Com o "Podemos de cá" e o apoio de Pablo Iglésias, depois de sabermos que Marisa é uma extraterrestre que "tem algo de mágico", e que ao contrário das pessoas normais não caminha, avança, o povo aguarda ansioso por saber se plana sobre a água, se faz milagres e se será capaz de gerar uma aparição numa segunda volta. Se isso acontecer espera-se a sua canonização antes de estarem todos grossos e o corso se desfazer.

Ainda a pedalar para se chegar ao pelotão da frente anda Henrique Neto. Desprendido, confiante, corre o risco de fazer o papel de lebre. Aquilo que diz e a forma como o faz levaram já muita gente a questionar se ele saberá que é candidato em Portugal, e não na Islândia.

Num outro país anda há muito Edgar Silva. O candidato que trocou a Bíblia pela leitura de "O Militante" quer os votos dos "amantes da liberdade" e promete ser o "provedor do povo" em Belém. Enquanto essa semente não germinar e não começar a formar-se a fila dos queixosos, mostra estar tão preparado para convencer o seu rebanho como para distribuir velas que alumiem o voto dos camaradas mais inseguros.

Os que sobram são uma espécie de santíssima trindade com lugar cativo no altar da comunicação social. Há um vidente ungido por três ex-Presidentes que dá toques na bola e anuncia "o novo tempo" que irá levá-lo para Belém num andor. A falta de jeito para saltar para o andor é tão grande que alguns se benzem só de o verem a olhar para os papéis.

Uma outra candidata, de seu nome simplesmente Maria, segue formosa e comedida a estrela de Belém. Fá-lo à revelia dos anciãos, distribuindo sorrisos e biscoitos, amparada pelo apóstolo João e por um Assis que com ela aguardará, ansioso, a chegada do Messias. Todos de tabuleiro na mão e senha para o café junto à entrada do refeitório de um lar de idosos de Sernancelhe.

A encerrar o cortejo vem Marcelo "O Casto", que vai percorrendo o país em discreta caravana levando consigo um atrelado de chouriços e torresmos dos mais variados produtores e uma foto de Maria João Avillez na mão direita. Protege-se dos raios solares sempre que pode para os eleitores não pensarem que esteve de férias em Chamonix, e de caminho conta parábolas anotadas e actualizadas, amassa o pão, promete aos fiéis minhotos Ronaldo e Messi juntos na equipa do Braga, confia numa vitória no Europeu de futebol e em mais dois ou três, no mínimo, prémios Nobel durante o seu mandato se for o escolhido. Dizem alguns que na ponta do cajado se vê um mundo de bâmbis coloridos, mas as velhinhas quando põem os óculos dizem que só vislumbram Passos Coelho, Relvas e Montenegro, cada um com o seu chapéu com as cores dos canais de televisão generalistas e vestidos com fatos-de-treino dos principais patrocinadores: uma empresa de sondagens (credível), uma fábrica de sabonetes e um galego que costuma vender baralhos de cartas na estação do Entroncamento.

Por estes dias as apostas estão em alta, por isso espero que não defraudem as expectativas até ao fim da jornada. E embora já tenham sido anunciadas as estrelas para os Carnavais de Torres e de Loulé, ainda há quem tenha esperança de vê-los numa segunda volta. Com as sambistas trintonas já atarefadas a espalharem os cremes, são muitos os candidatos que só pensam nas selfies e na distribuição de panfletos aos foliões. Por ora, a pensar no fartote que aí vem, a rapaziada das matrafonas vai esfregando as mãos, enche as mamas e testa o rímel.

TV Marcelo avariou

Tiago Mota Saraiva, 09.01.16

 

Reconheço-lhe a inteligência. Apreciava ouvi-lo como um contador de estórias - ainda que tantas vezes efabuladas. Sempre prezei menos a sua acção política, não porque esteja nas minhas antípodas, mas porque fez da intriga e da dissimulação um instrumento central da sua forma de intervenção.
A estratégia de Marcelo está a fazer desta campanha eleitoral um momento novo, em que a direita parece órfã. Depois de secar a hipótese de outra candidatura proveniente do PSD ou CDS, Marcelo convenceu-se que devia fazer toda a campanha como se perfilhasse ideais de esquerda para mendigar os votos que lhe faltam.
Ora esse contorcionismo só podia ser bem sucedido se fosse honesto ou se não tivesse contraditório. Ou seja, implicava que Marcelo declarasse a dissidência do campo político em que toda a sua vida militou ou que os seus adversários abdicassem de o confrontar.
A coisa até não correu mal no início. A comunicação social sempre lhe foi simpática e ninguém ousava confrontar o candidato que parecia fazer um passeio triunfal para Presidente da República. Contudo a estratégia verificou-se insustentável assim que houve algum confronto com os outros candidatos.
O desempenho do "professor" no seu território, a televisão, foi muito mau. Marcelo perdeu todos os debates com os candidatos mais directos. Ao seu contorcionismo ideológico opunham-se-lhe citações e declarações passadas. Em resposta, Marcelo colocou-se na posição confrangedora de desmentir o que era factual, chegando a renegar as intenções de uma petição que havia encabeçado recentemente.
Parece-me difícil que a sua estratégia traga frutos eleitorais em algumas franjas de esquerda, mas estranho o total silêncio da direita. Será admissível ignorar o que diz o candidato, confiar-lhe o seu voto, ainda que tenha a certeza que regressará às suas posições originais?

E agora as presidenciais

Sérgio de Almeida Correia, 05.10.15

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O resultado foi mau se olhado para as legislativas. Mudando a perspectiva, isto é, com a mira nas presidenciais, este resultado até foi um alívio. Por várias razões.

Uma coligação PSD/CDS-PP com 38,6%, em Outubro, terá mais facilidade em enfiar os seus dois líderes pelo buraco de uma agulha do que em fazer eleger Marcelo Rebelo de Sousa, dentro de três meses, para Belém. Mesmo com três voltas. O professor devia pensar nisto.

Na banda do PS fica-se com a segurança de que Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém vão ter de voltar a ponderar as suas candidaturas. O ideal seria, para já, manifestarem disponibilidade para retirá-las. Depois logo se verá.

A terceira razão é que se o PS quiser colocar um presidente em Belém vai ter de pedir a António Guterres para convencer Guilherme d'Oliveira Martins, ou alguém com idêntico perfil, a avançar. Os independentes nem sempre são fáceis de convencer mas o país precisa, como de pão para a boca, de alguém com prestígio, que não precise de desembarcar nas Desertas, levantar a voz ou fazer números de circo para ser ouvido.

É tempo de se voltar a ter um Presidente da República. E hoje, sem governo, é o dia ideal para se pensar nisso.