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Delito de Opinião

Pantalhas presidenciais

Pedro Correia, 05.06.25

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Duas estações televisivas, nos seus canais noticiosos, parecem já ter elegido os seus candidatos de estimação a Presidente da República.

A SIC/SIC N prefere Luís Marques Mendes.

A TVI/CNN-P escolhe Henrique Gouveia de Melo.

Na RTP, ainda não percebi. Talvez aguardem por Sampaio da Nóvoa.

A CMTV, que só se ocupa de crime e bola, parece simpatizar com Rui Costa.

Sim, não é futebol

Sérgio de Almeida Correia, 04.06.25

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Diz a presidente da Comissão de Honra de Marques Mendes, Leonor Beleza, que "[o] presidente da República não é um árbitro, não estamos no futebol aqui. Não tem o presidente da República como árbitro que enfrenta as diferenças ou as competições entre distintas equipas. O presidente da República é ele próprio um ator. É um ator de primeira grandeza, nos termos da nossa arquitetura constitucional. Ele não arbitra, ele participa.

Creio que Leonor Beleza tem toda a razão quando o afirma. O seu candidato, Marques Mendes, é um verdadeiro actor. Ele não tem experiência política. A sua experiência é cénica. A política foi uma peça na sua vida de actor.

E como actor tem estado no palco, há decénios, com prejuízos pessoais, diariamente sentidos na bolsa, sujeitando-se à luz forte dos holofotes, à provação de horas de maquilhagem, de tal forma que o pó de arroz, os trejeitos e as sombras já fazem parte da sua pele. Da sua personalidade.

É um actor habituado à novela política, experiente nos jogos de bastidores e nas deixas. Tão experiente que, não raras vezes, tem feito de ponto. Consoante o guião e o encenador adapta-se às circunstâncias.

E a melhor prova de que é um actor está em levar a palma à multiplicidade de sensibilidades dos apoiantes de Henrique Gouveia e Melo.

Marques Mendes conseguiu reunir na sua Comissão de Honra um painel tão ecléctico, tão garrido, tão animado, que desmente a ideia daquele outro candidato, o que vem da casta militar, quando transmite a ideia de que a política não é exclusivo daqueles "(palavrão) que fizeram um curso especial que é o curso da política".

Sim, Leonor Beleza tem razão. Marques Mendes não é um árbitro. Ele para o apito não tem jeito. E corria o risco de passar despercebido dentro do campo. Ou de engolir o apito na hora de exibir os cartões quando os jogadores começassem a encher o peito e a lançar-lhe uns perdigotos nas lentes.

Marques Mendes é um actor de primeira grandeza. Que ninguém tenha dúvida. Há anos que o mostra pública e religiosamente em horário nobre nas suas récitas e homilias. Tão depressa compungindo como irado, solidário e justiceiro, ora condescendente e tolerante quanto implacável e esquecido, surgindo perante o povo português com a sabedoria amestrada de um Sinhozinho Malta na hora de conquistar a viúva Porcina.

Não sei se alguma vez irá receber um Globo de Ouro ou um Grande Prémio do Teatro Português. Estará sempre a tempo.

O facto de ainda não ser o candidato preferido de José Sócrates dá-lhe pontos, mas o seu grande trunfo, e daí a oportunidade da tirada de Leonor Beleza, é Marques Mendes apresentar-se a eleições no seu papel de actor e apoiado por uma Comissão de Honra que parece o elenco completo de uma produção de Filipe La Féria para o Politeama. De Toy a Moedas, dos verdadeiros árbitros do chuto-na-bola ao Toni, de António Sala a Margarida Rebelo Pinto e à tropa, há lugar para todos. Até para abades.

E se no final a peça for um fiasco – não seria a primeira vez –, haverá sempre a possibilidade de se recuperarem as figurantes, pedir um subsídio à Solverde e abrir em Fafe, que tão carecida está, uma escola de samba.

Começou bem

Sérgio de Almeida Correia, 03.06.25

"Por um lado, há uma certa ideia de casta política; que, por um lado, defende o cidadão que participe na democracia e na vida pública, mas são um conjunto de cidadões que fizeram um curso especial que é o curso da política."

"Imagine que tem um jogo de futebol de dois clubes e há um árbitro com a camisola de um dos clubes. Qual será a ideia de independência desse árbitro. A minha camisola interior só tem uma coisa lá a dizer que é Portugal, não tem mais nada."

"A primeira medida que implementaria seria começar a falar menos, e a falar só quando for necessário sobre coisas substantivas."

"Se calhar o melhor sistema, o que faria mais sentido, é que todas as pessoas que saem do contrato militar, ficarem numa reserva de forma voluntária mas com alguma recompensa por esse esforço. E essa reserva vai chegar ao número que é um objetivo."

"Eu sou pró-vida teria dificuldade em deixar passar uma lei que facilitasse o suicídio em vida, mas onde está a fronteira?"

"Portugal deve investir o que for necessário para a defesa de Portugal e de acordo com os aliados. Não podemos ficar desfasados."

Não faltou nada

Sérgio de Almeida Correia, 02.06.25

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(créditos: daqui)

E o grande momento concretizou-se. A plateia encheu-se.

Havia adscritos, numerários e supranumerários, maçons e ex-maçons, autarcas, empresários, condenados reintegrados no sistema, jotinhas, donas de casa, reformados, jovens, chefes de família, camaradas, reformistas, facilitadores de negócios, ex-ministros, reservistas, traficantes de influências, poliglotas, os falhados da política, germanófilos, gastrónomos e videntes.

E houve discursata. Profunda. Quase um programa de governo. A Constituição vai ter de mudar, claro.

Ele promoverá as mudanças necessárias, distribuirá raspanetes e lições como quem distribui vacinas.

E vai tomar decisões, muitas decisões. Quais, como, ninguém sabe. O que é preciso é ter bandeiras. Agitá-las muito. Saber ler o tele-ponto. Há-de melhorar, com a prática. Como a política. Não há clubes fechados. E se houver algum fechado a gente abre. 

O apoio não lhe falta. E também não faltou ninguém.

Fiquei satisfeito por saber que os convites chegaram a tempo. Mas para a próxima convém enviá-los mais cedo para que os convidados possam tirar os fatos dos roupeiros e colocá-los a arejar a tempo e horas.

Quando isto não acontece, como se viu, nalguns tecidos, sendo indiferente que se tratem de fardas, batinas, paramentos luxuosos, becas, togas, fatos de cerimónia ou vestidos de seda, independentemente de quem os veste, o pivete não sai com facilidade.

É sempre um problema nas lavandarias. O senhor Cambournac já o dizia à Mélita. Aquilo não sai com Miss Dior ou Vétiver. Não é como a traça nas lãs, que com métodos modernos se consegue manter à distância. Nada disso.

É há tecidos em que ao cheiro, com o tempo, se juntam pequenas manchas. Não há limpeza que os recupere. Nem cinquenta anos de arejamento resolvem o problema.

Nestes casos, eu só vejo uma solução: enviar os convites ainda mais cedo.

Eu sugeria que o fizessem antes das eleições autárquicas. Para se ganhar tempo enquanto se cumpre o calendário até Janeiro.

Seria muito desagradável chegar-se a uma tomada de posse com os convidados a tresandarem a cânfora, a naftalina, e com o cheiro a mofo entranhado na plateia a chegar ao discursante.

Qual deles preferem?

Dezasseis proto-candidatos à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa

Pedro Correia, 29.11.24

Entre os pré-candidatos, proto-candidatos, putativos candidatos e aqueles que adorariam candidatar-se à Presidência da República mesmo sabendo não ter a menor hipótese de lá chegarem, enumerei uma lista de dezasseis, que passo a reproduzir por ordem alfabética. Desta lista sairá quem vai suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. *

Espero que quem me lê aproveite para destacar o(s) candidato(s) da sua preferência. E também que digam quem são aqueles que em circunstância alguma terão o seu voto.

Se não for pedir muito, espero ainda que possam justificar o que os leva a assumir tais opções de apoio ou rejeição, desde já, na próxima corrida ao Palácio de Belém.

 

Eis a lista:

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ANA GOMES

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ANDRÉ VENTURA

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ANTÓNIO GUTERRES

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ANTÓNIO JOSÉ SEGURO

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ANTÓNIO VITORINO

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AUGUSTO SANTOS SILVA

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CARLOS CÉSAR

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HENRIQUE GOUVEIA E MELO

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JOSÉ MANUEL DURÃO BARROSO

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JOSÉ PEDRO AGUIAR BRANCO

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LUÍS MARQUES MENDES

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MÁRIO CENTENO

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PAULO PORTAS

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PEDRO SANTANA LOPES

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RUI MOREIRA

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RUI RIO

 

* Da lista não constam Leonor Beleza e Pedro Passos Coelho, que já se auto-excluíram de viva voz.

Ele anda por aí

Pedro Correia, 16.07.24

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Nos últimos dias, Durão Barroso mostrou-se muito por aí. Tem a idade de Santana Lopes, mas parece mais bem conservado. Começo a pensar que estamos perante um proto-candidato à Presidência da República em Janeiro de 2026 - terá ele então 69 anos. «Curioso número», parafraseando Mota Amaral.

Não sei o que pensam sobre o tema, mas eu fixaria este nome desde já.

A história repete-se

Pedro Correia, 08.12.23

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«Nas próximas presidenciais uma segunda volta é, assim, praticamente inevitável. Não era esse o seu objectivo, mas Nobre e Alegre abriram um caminho que não se volta a fechar.»

Ricardo Costa (Expresso, 29 de Janeiro de 2011)

 

«Eu acho que as próximas presidenciais vão ser a duas voltas. Nós estamos pouco habituados a isso porque a última vez que houve presidenciais a duas voltas foi em 1986.»

Ricardo Costa (SIC Notícias, 9 de Outubro de 2023)

De volta

Pedro Correia, 03.07.23

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António José Seguro regressa, após longo interregno. E a dizer coisas acertadas. Como estas: «Não basta batermos no peito para dizer que somos desta ou daquela ideologia. É importante que a prática esteja de acordo com os valores e princípios dessa ideologia e, sobretudo, com os resultados.» Palavras que podem ter vários destinatários. Entre eles, António Costa.

Em Maio, Seguro já tinha avisado: tenciona voltar aos palcos políticos. As dúvidas dissiparam-se: vai mesmo andar por aí.

É um nome a ter em conta na próxima campanha presidencial.

Presidenciais (19)

Pedro Correia, 26.01.21

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FALAR DO QUE INTERESSA

Na noite das presidenciais ouvimos vários discursos. Alguns verdadeiramente lamentáveis, como o do zangadíssimo Rui Rio, que reclamava para o seu partido os louros da vitória de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto zurzia em jornalistas e comentadores, e o de Ana Gomes, que aproveitou o momento para um deplorável ajuste de contas com António Costa, que a ignorou olimpicamente durante a campanha. Ou o de Catarina Martins, que sorria com ar enlevado como se não acabasse de ter visto a sua candidata sofrer uma humilhante derrota nas urnas. Ou o de André Ventura, que parecia ter tocado a estratosfera do alto dos seus 11,9% - percentagem muito inferior à que obteve quando se candidatou pelo PSD à Câmara Municipal de Loures.

A melhor intervenção, de longe, foi a última. A do vencedor. Marcelo foi sereno e sóbrio, sem triunfalismo de qualquer espécie, na mensagem escrita que dirigiu aos portugueses. Está consciente das imensas dificuldades que o aguardam num mandato que ninguém pode invejar. Talvez por isso, foi o único a abordar em pormenor o tema mais preocupante: este duríssimo combate à pandemia, com a grave crise sanitária contrariando todo o optimismo que o Governo andou a impingir-nos, enquanto a crise económica e social vai espreitando ao virar da esquina. Em 30 de Setembro, quando terminarem as moratórias de crédito entretanto prorrogadas, isto tornar-se-á muito evidente.

«É a minha, a vossa, a nossa principal missão: primeiro, conter e aliviar a pandemia; para depois podermos passar para o que tanto precisamos, a reconstrução», declarou o Presidente reeleito neste notável discurso de vitória, proferido na reitoria da Universidade de Lisboa. Em contraste com vários outros oradores da noite, que ignoraram o tema ou o remeteram para plano secundário. Como se houvesse hoje alguma outra prioridade na vida nacional.

Falar do que interessa, sem politiquices nem mesquinhos cálculos de tacticismo imediatos, consciente deste pesadelo bem real que assombra o quotidiano das pessoas concretas: isto explica por que motivo o recandidato fez a diferença neste escrutínio em que obteve mais 8,7% e mais 122 mil votos do que conseguira em 2016. Com um impressionante intervalo de dois milhões de votos para a segunda classificada.

Quem na cena política portuguesa persiste em não entender isto, vive num mundo paralelo, desligado da realidade. Faria bem em aprender alguma coisa com o professor Marcelo.

Presidenciais (18)

Pedro Correia, 25.01.21

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ALTOS E BAIXOS

 

POR CIMA

 

MARCELO REBELO DE SOUSA

Atinge o pódio dos melhores resultados eleitorais de sempre num Presidente da República em Portugal. Só ultrapassado pelos 70,4% da reeleição de Mário Soares em 1991 e pelos 61,2% de Ramalho Eanes em 1976. Não é proeza para menosprezar: com mais 122 mil votos contabilizados e mais 8,7% em comparação com a votação de há cinco anos, reforça a legitimidade política e prepara-se para assumir um papel ainda mais determinante no xadrez institucional português. 

 

ANDRÉ VENTURA

Começou por inventar um partido, depois reinventou-se a si próprio como candidato presidencial. Com meio milhão de votos, sai como um dos triunfadores da noite: nunca a direita mais radical havia chegado tão longe nas urnas. Esteve a escassa distância do segundo lugar global, mas atingiu-o na maioria dos distritos e destrona o PCP no Alentejo. Este escrutínio equipara-o a meio PSD e liquida o CDS: sai da marginalidade e entra no sistema que tanto diz abominar no seu discurso populista.

 

TIAGO MAYAN GONÇALVES

Talvez a maior surpresa: um perfeito desconhecido para os portugueses, ombreou com Marcelo e levou Ventura ao tapete nos debates televisivos. Protagonizando sem complexos uma direita liberal que há muito integra a cena política europeia mas só agora irrompe - com o atraso do costume - no xadrez partidário nacional. Foi recompensado: faz subir de 1,3% para 3,2% a votação da IL nas legislativas de 2019, passando de 67 mil para 134 mil votos. E já vale mais de 4% em Lisboa e Porto.

 

ANTÓNIO COSTA

O PS optou pela falta de comparência nestas eleições: foi uma dor de cabeça a menos para o primeiro-ministro, que assiste à vitória do candidato a quem concedeu apoio pessoal, com palavras inequívocas, e faz reduzir à expressão mínima a facção socialista que preconiza uma fusão a prazo com o BE. Essa facção foi a votos e ficou claro o que vale: 13%. Boas notícias para o chefe do Governo, que precisa muito mais de Marcelo Rebelo de Sousa do que de um Pedro Nuno Santos.

 

 

POR BAIXO

 

ANA GOMES

Colou-se ao argumentário do BE, em irmandade siamesa com Marisa Matias, procurando sempre captar mais votos radicais do que moderados. Incapaz de atrair socialistas, sem apoios de peso no Governo além de Pedro Nuno, fica muito abaixo de Manuel Alegre em 2006 (-8%) ou Sampaio da Nóvoa em 2016 (-10%). E atirou-se a Costa num ressabiado discurso da noite eleitoral. Resta-lhe o fraco consolo de ter roubado a Marisa o título de "mulher mais votada de sempre em presidenciais".

 

MARISA MATIAS

Permanece o mistério: porque arriscou recandidatar-se quando a sua área política já estava preenchida por Ana Gomes e a comparação com 2016 lhe seria fatalmente desfavorável? Neste escrutínio tomba de 10,1% para 3,9% e perde 300 mil votos - do quase meio milhão anterior para os 164 mil actuais. Tornando delirante o risonho discurso da líder bloquista, Catarina Martins, que ontem à noite parecia desembarcada da Terra do Nunca. Cheira a princípio do fim do Bloco.

 

JOÃO FERREIRA

Cumpriu um fraquíssimo tirocínio para a liderança do PCP. Em percentagem, obtém o segundo pior registo de sempre dos comunistas, superando por três décimas o péssimo resultado de Edgar Silva em 2016. Mas recolhe ainda menos votos, ficando-se pelos 180 mil. Ultrapassado por Ventura em Évora, Beja e Setúbal, sai pessoalmente muito fragilizado desta contenda, onde só se destacou por ser o candidato com campanha mais cara. Ainda conseguirá suceder a Jerónimo de Sousa?

 

RUI RIO

Vê a sua liderança ainda mais fragilizada e comporta-se como derrotado. Isto ficou ontem patente, quando celebrava o triunfo de Marcelo enquanto a sua linguagem corporal e a sua face carrancuda desmentiam tudo quanto dizia. Desancou comentadores, como se concorresse contra eles, e voltou a reclamar para o PSD um papel exclusivo ao centro - continuando a abrir todo o flanco direito ao aventureiro Ventura, de quem se tornou refém simbólico. Ainda não percebeu o que se passa. 

Presidenciais (17)

Pedro Correia, 25.01.21

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AS ESQUERDAS GOLEADAS

Três candidaturas presidenciais assumidamente "de esquerda", assim se proclamando perante o eleitorado com os chavões próprios de quem vê o mundo a preto e branco diabolizando a outra metade do hemisfério.

Estas três candidaturas, somadas, só recolheram 21% dos votos ontem expressos nas urnas. Menos do que Sampaio da Nóvoa isolado há cinco anos. O equivalente ao que Manuel Alegre obteve em 2006, também sozinho.

Quase quatro quintos dos portugueses que compareceram nas mesas de voto deixaram evidente a sua preferência por outras opções, situadas em território da não-esquerda. O das direitas, para usar o rudimentar léxico político importado da geometria. A direita social, a direita liberal, a direita autocrática. 

À luz desta lógica de arrumação política, as esquerdas personificadas em Ana Gomes, João Ferreira e Marisa Matias acabam de sofrer uma goleada histórica nesta eleição presidencial de que sai um claro vencedor: Marcelo Rebelo de Sousa, reforçando o seu triunfo de 2016 com mais cem mil votos e quase mais nove pontos percentuais do que alcançou há cinco anos.

Sendo também o primeiro Presidente, na história da democracia portuguesa, a vencer em todos os concelhos do País.

 

Nada fica igual: este escrutínio ocorrido no auge da gravíssima crise pandémica que só ontem causou mais 275 vítimas mortais produzirá efeitos sísmicos na política portuguesa. Forçando reconfigurações em vários tabuleiros, como se verá a curto prazo.

A primeira consequência é a morte do CDS, apesar da patética tentativa do seu ainda presidente de colar-se ao grande vencedor da noite. Merece exéquias dignas. Paz à sua alma. 

Mas muito mais vai mudar. Com legitimidade revalidada, Marcelo não perdeu tempo. No discurso de vitória, na Reitoria da Universidade de Lisboa, acaba de dizer com total transparência que um dos seus objectivos, no segundo mandato a iniciar em Março, será contribuir para uma «alternativa forte» ao actual Governo «para que a sensação de vazio não convide a desesperos e a aventuras».

Recado que segue direito para Rui Rio. O ainda presidente do PSD nunca poderá dizer que não foi avisado.

Presidenciais (16)

Pedro Correia, 24.01.21

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NO PIOR MOMENTO

Para que não restem dúvidas, a minha objecção a este insensato calendário eleitoral da corrida ao Palácio de Belém - com ou sem pandemia - já há dez anos me levava a escrever isto:

«É absurdo as eleições presidenciais continuarem a realizar-se em meados de Janeiro, o mês mais frio. Sei do que falo: andei na estrada em Janeiro de 2006, acompanhando como jornalista a caravana eleitoral de Manuel Alegre, que se viu impedida de se deslocar a certas regiões - a Bragança, por exemplo - devido a fortes nevões. Um deles deixou-nos bloqueados no Marão: lá tivemos de regressar imprevistamente ao Porto às tantas da noite, com a agenda por cumprir.

São absurdas estas corridas presidenciais com as festas de Natal e de Ano Novo de permeio. Que dispersam as atenções e distanciam os eleitores dos candidatos, fomentando a abstenção. O primeiro calendário eleitoral, em Junho de 1976, fazia bastante mais sentido. E até o segundo, no início de Dezembro, em 1980. Janeiro é que não faz sentido algum.»

 

Palavras publicadas no DELITO DE OPINIÃO a 13 de Janeiro de 2011

O que fizeram os decisores políticos perante este problema, que ultrapassa largamente uma simples questão formal? Nada.

Como de costume em Portugal, a inércia apodera-se do processo de decisão, neutralizando-o. Medidas que noutros quadrantes são resolvidas com rapidez, tendo em vista o combate à abstenção e a aproximação entre eleitos e eleitores, por cá são empurradas com a barriga. Durante anos. E o maior especialista em adiar soluções, como temos visto ao longo destes meses, chama-se António Costa.

 

Chegou mais um processo eleitoral, anunciado com cinco anos de antecedência. O País vive desde Março debaixo de sucessivos estados de emergência, agrilhoado pelo coronavírus que matou mais de mil pessoas só na semana passada. O Governo, como barata tonta, manda-nos ficar em casa em nome do cumprimento dum dever cívico e manda-nos sair de casa em nome do cumprimento doutro dever cívico. Tudo ao mesmo tempo.

Como nada quiseram alterar, mantendo a rigidez do calendário com o fervor de Moisés agarrado às Tábuas da Lei, vivem hoje horas angustiantes. Se a abstenção atingir níveis nunca vistos em Portugal, isto representa o maior descrédito das instituições políticas precisamente quando Costa exerce por inerência as funções de presidente do Conselho da União Europeia. E enfraquece ipso facto a legitimidade do próximo mandato do inquilino de Belém. No pior momento.

Já falta pouco para sabermos. Mas não auguro nada de bom.

Presidenciais (15)

Pedro Correia, 23.01.21

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O DIA DOS ATRASADOS MENTAIS

Eis que chega o chamado "dia de reflexão". Em que as figuras tutelares do Estado nos tratam como atrasados mentais. Coitados de nós: precisamos de espremer as meninges durante 24 horas, em recatado silêncio, para ponderar em que quadradinho haveremos de inscrever um xis. 

Apetece mandá-las "reflectir" para o raio que as parta. E perguntar-lhes, já agora, se este dia importantíssimo também foi concedido aos mais de 240 mil eleitores que optaram por antecipar o voto presencial, exercendo o dever cívico no domingo passado. Sou capaz de apostar que não. Sendo assim, haverá motivo para invalidar tais votos não submetidos ao crivo prévio do "dia de reflexão"? 

Mandam as anacrónicas normas ainda em vigor que todas as acções de promoção das candidaturas estejam interditas nestas 24 horas de solene pasmaceira. Como se fosse possível apagar o que ficou escrito na vasta galáxia digital. E de novo pergunto: sendo assim, por que raio não vigorou isso também no dia 17 de Janeiro, quando dezenas de milhares de portugueses já votavam?

Enfim, perguntas retóricas. Sabendo à partida que não terão resposta. O que esperar afinal dum Tribunal Constitucional, duma Comissão Nacional de Eleições e dum Ministério da Administração Interna que autorizam, permitem e validam a presença nos boletins de voto dum candidato que nunca o foi?

Como se nada disto merecesse ser levado a sério. E se calhar não merece mesmo.

Presidenciais (14)

Pedro Correia, 22.01.21

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A CULPA FOI MINHA

Não sei se alguém chegou antes de mim, mas eu terei sido dos primeiros. Em Maio de 2015, numa série de textos aqui publicados e que acabaram por ser reunidos em livro, lancei no DELITO a pré-candidatura de Ana Gomes ao Palácio de Belém. Nessa prosa que lhe dediquei, enumerava prós e contras da embaixadora na corrida à Presidência, concretizada cinco anos depois. 

Alguns pontos favoráveis: «Seria a primeira chefe do Estado português do sexo feminino - e a primeira em regime republicano - desde a morte prematura da Rainha D. Maria II, em 1853. Xanana, de quem se tornou amiga, decerto não se importaria de viajar de propósito a Portugal para abrilhantar os comícios de campanha da ex-embaixadora portuguesa em Jacarta.»

Alguns pontos desfavoráveis: «A palavra voa-lhe por vezes mais veloz que o pensamento, como quando se apressou a invocar causas "sociais" para o morticínio no Charlie Hebdo. Alguns socialistas, que nunca integraram o seu clube de fãs, assumiriam sem hesitar qualquer outra opção de voto. Os cristais de Belém sofreriam eventuais danos irreparáveis nos momentos em que a voz dela se elevasse aos patamares característicos de Bianca Castafiore.»

 

Podem elogiar-me ou criticar-me à vontade: assumo toda a responsabilidade pelo que escrevi. Entretanto, permitam-me destacar esta frase premonitória: «Alguns socialistas, que nunca integraram o seu clube de fãs, assumiriam sem hesitar qualquer outra opção de voto.»

Assenta que nem uma luva a quase todas as actuais figuras gradas do PS - começando, naturalmente, por António Costa.

Presidenciais (13)

Pedro Correia, 22.01.21

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Puro marketing político: João Ferreira tem andado a distribuir exemplares da lei fundamental portuguesa a criancinhas e jovens, martelando até ao limite a palavra "Constituição" nas suas intervenções públicas. 

Que eu tivesse reparado, nenhum dos jornalistas que acompanham a exígua caravana deste candidato se lembrou de anotar este dado factual: a Constituição tão exaltada por João Ferreira, na sua versão actual, é muito diferente do texto original de 1976 - único que o PCP aprovou no hemiciclo de São Bento. Depois disso houve sete revisões constitucionais que contaram sempre com a assumida objecção do partido da foice e do martelo. 

O texto agora celebrado pelo representante comunista nas presidenciais é, portanto, aquele a que o PCP se opôs nas sucessivas alterações. Introduzidas em 1982 (diminuição da carga ideológica da Constituição, fim do Conselho da Revolução, criação do Tribunal Constitucional), 1989 (abertura do sistema económico, fim das nacionalizações "irreversíveis"), 1992 (incorporação do Tratado de Maastricht, adesão ao euro), 1997 (reforço dos poderes do parlamento e do Tribunal Constitucional, luz verde a candidaturas independentes nas autarquias), 2001 (ratificação do Tribunal Penal Internacional), 2004 (reforço da autonomia regional, limite dos mandatos dos titulares de cargos políticos executivos) e 2005 (luz verde ao referendo do tratado constitucional europeu). Votando contra as seis primeiras e abstendo-se na mais recente.

O auto-proclamado "candidato da Constituição" apregoa, portanto, aquilo que o seu partido rejeitou. O que não deixa de ter graça, sem diminuir o mérito da sua iniciativa pedagógica: mais vale distribuir exemplares da Constituição do que exemplares do Avante!, um jornal onde nunca faltou quem escrevesse que «as políticas de Estaline terão sido as mais correctas e as únicas que podiam garantir a construção do socialismo e defender as conquistas revolucionárias» .