Uma espreguiçadeira ao sol, calor, água fresquinha, o som das ondas a marulhar uns metros abaixo... O livro aberto em cima da barriga molhada era um excelente indicador de total relaxamento e de preguiça também.
Primeiro ouvi o grito. Depois o choro. Em seguida as vozes dos comentadores da insipiência que se avolumavam. Sentei-me meio arrelampada tentando focar a figura que corria na minha direcção com a criança nos braços, que chorava e gritava copiosa e desalmadamente.
Peixe-aranha, diz ele com a respiração entrecortada. Foi um peixe-aranha. Peguei-a no colo. O André do concessionário já tinha ido pelo nadador-salvador. Posso ver, neta? Não! Não mexas! Dói! Dói muito, conseguia perceber-se balbuciado por entre o pranto incontrolado.
O salva-vidas chegou rapidamente, já equipado com um recipiente com água muito quente. Falou-lhe mansamente e depois de uns goles de água fresca pela garganta e rosto, conseguiu que se acalmasse um pouco e explicou como seguir à risca as instruções de pé in - pé out. Estiveram neste preparo uns bons 20 minutos. Só depois conseguimos ver o arranhão e o inchaço. Parecia ter pegado de raspão!
A neta estava sentada no meu colo, embrulhadinha que nem um rebuçado mole e lambuzado, sequiosa e a recompor-se do SPT de todas as emoções.
Já não dói tanto, neta? Dói um bocado, mas tenho mais é uma sensação esquisita no pé. É natural, todo aquele calor de escaldão para sair a toxina, deixaram-te o pé, que já estava inchado, um bocadinho dormente.
Sabes avó, não sei como o peixe-aranha me mordeu. Eu estava distraída a brincar com o avô à beira-mar e não o vi chegar, mas não percebo como é que me mordeu sem eu o ver. Por exemplo, se um cão ou um gato me mordessem o pé, eu tenho a certeza que via, a não ser que fossem invisíveis. Bem, o peixe-aranha não é invisível, mas engana a vista. Enterra-se na areia apenas com os olhos de fora… E com a boca também avó, senão como é que pode morder? Pois, a questão é assa mesmo. O peixe-aranha não morde. Olha, avó, a ti não sei, mas a mim mordeu-me bem. Sabes que os peixes têm barbatanas? Sei. A barbatana dorsal é aquela que abre em leque na costas. Esse peixe, que é um patifório da pior espécie e tem uma espécie de veneno chamado toxina na barbatana, enterra-se na areia com a dita cuja aberta de modo a poder ser facilmente pisado por um pezinho incauto que ande a cirandar pela beira-mar. Eu não andava a cirandar, andava a molhar o meu avô e não fiz mal ao peixe-aranha para ele me picar. Pois não, calhou. Estavas a passar pelo sítio em que ele estava escondido e pisaste-o na altura em que ele tinha a barbatana aberta. Então foi mesmo por acaso. Foi, foi mesmo coincidência. Mas sabes, avó, “essa coincidência foi mesmo muito dolorosa e causou uma estranha impressão”.
E eu tenho a impressão que a minha neta nunca irá parar de me surpreender, coincidência ou não.
Amanhã acaba o Verão.