Cine-Espanha (7) - Negociador
Quando vi o Negociador pela primeira vez, sem leituras prévias ou comentários de quem já o tivesse visto, a história pareceu-me familiar. Mas não perdi muito tempo a tentar perceber porquê. O filme conquistou-me quase de imediato por aquilo que demonstrou ser: uma longa-metragem bem documentada, com uma estrutura que se via ser o resultado de muito e bom trabalho de investigação sobre a ETA e, em particular, sobre os vários processos negociais que envolveram governos democráticos e organizações terroristas. A atenção dada aos detalhes e a capacidade para destacar os aspectos mais sensíveis de uma negociação deste tipo são admiráveis.
Mais importante, o Negociador marca por uma inteligência e um bom gosto raros: pega num tema sério e melindroso como o terrorismo e olha-o com humor negro magnífico, sem incorrer em desconsiderações pelas vítimas e sem menorizar a complexidade do problema. De uma forma simples que não compromete o rigor que o tema exige, o filme expõe o ridículo do terrorismo etarra e dos processos negociais entre a ETA e os governos de turno. Por outras palavras, o Negociador enfatiza os momentos onde o absurdo da realidade supera a ficção. Destaco ainda que consegue abordar o terrorismo etarra sem tomar as dores dos partidos políticos – o que, dada a tensão que o assunto gera em Espanha, é louvável. Esta postura, mais do que cobardia política ou cómoda equidistância, é arte.
Depois de muito andar, percebi a razão de me ser familiar: o filme é uma adaptação livre de “ETA: Las claves de la paz - Confesiones del negociador” (Aguilar, 2011), um livro que li logo no ano em que foi publicado. Escrito pelo jornalista Luis Rodríguez Aizpeolea e por Jesús Eguiguren, presidente do Partido Socialista de Euskadi (País Basco), além de estratega e executante de um processo negocial com a esquerda abertzale e com o terrorismo basco, “ETA: Las claves de la paz” é uma janela muito impressiva para os bastidores de uma negociação que ocorreu entre 2000 e 2006. Em cerca de 300 páginas, explicam-se com detalhe os procedimentos e alçapões de uma negociação política com uma organização terrorista. Analisam-se também as divergências políticas existentes nos meandros do terrorismo basco, tal como os ciclos de vida de grupos armados como a ETA. Tratam-se ainda as relações de causalidade entre terrorismo e anti-terrorismo. Se descontada a hagiografia de José Luis Rodríguez Zapatero, apresentado como herói e único responsável político pelo fim da ETA, o livro é um testemunho imperdível.
Borja Cobeaga, realizador e argumentista de Negociador, colhe da experiência de Jesús Eguiguren os elementos necessários a filme sólido, sóbrio e plausível, dono de um humor que o El País classifica de dolente, negríssimo, brilhante, trágico e atroz. A semelhança entre Jesús Eguiguren e Manu Aranguren (Ramón Barea), respectivamente, negociador real e negociador ficcionado, resume-se a um espírito castiço e echado para adelante segundo o qual “o mais simples é o que melhor funciona”. Tudo o resto é um grande filme, feito por um realizador com uma filmografia ainda curta, mas que se agiganta com este Negociador.
Realizador e Guionista: Borja Cobeaga
Elenco: Ramón Barea, Josean Bengoetxea, Carlos Areces, Melina Matthews, Jons Pappila, Raúl Arévalo (protagonista em La Isla Mínima, mas aqui com um papel secundário).
Ano: 2014
Prémios Goya: 1 nomeação na 30ª edição dos prémios Goya (2016) – Melhor Guião Original. Perdeu para Truman (2015, de Cesc Gay), o grande vencedor dos Goya neste ano de 2016 – um filme que oportunamente trarei ao Cine-Espanha. Na opinião deste escriba, ainda que se trate de um filme simples e sem grandes ambições, Negociador merecia mais, muito mais, desde logo nas nomeações.