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Delito de Opinião

Quando um véu vale mais do que uma vida

Pedro Correia, 20.10.23

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O Hamas é financiado, treinado e armado pelo Irão, Estado teocrático e homicida.

Inimigo n.º 1 do Ocidente.

Inimigo n.º 1 do seu próprio povo.

Capaz de liquidar jovens indefesas, como a curda Jina Mahsa Amina, ontem justamente distinguida (a título póstumo) com o Prémio Sakharov pelo Parlamento Europeu. Morta após três dias de cruel detenção pela polícia religiosa por se ter alegadamente atrevido a sair à rua com o véu islâmico mal posto.

É indispensável que as jovens portuguesas de 22 anos (idade da infeliz Jina, assassinada em Setembro de 2022) saibam que ainda existem ideologias totalitárias prontas a pôr um pedaço de tecido acima da vida humana.

Raras vezes um prémio foi tão merecido e comovente como este, extensivo ao movimento de libertação das mulheres iranianas. O Parlamento Europeu - que nele honra a prestigiada memória de Andrei Sakharov, outra vítima do totalitarismo - volta a ser digno de elogio.

 

Leitura complementar:

- Os barbudos que odeiam as mulheres (25 de Setembro de 2022)

- Onde estão as feministas? (18 de Outubro de 2022)

O Prémio Camões vai para Moçambique

jpt, 21.10.21

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Alguns patrícios perguntam-me a opinião sobre o Prémio Camões atribuído hoje à moçambicana Paulina Chiziane. Repito-lhes aquilo que sempre digo sobre este prémio:
 
1) trata-se de um produto político, que procura através da premiação anual sedimentar uma comunidade internacional assente na partilha linguística. Não vem grande mal ao mundo por isso, mas subalterniza critérios literários;
 
2) o costume de alternar a premiação entre Portugal e Brasil - polvilhando o ritmo com algumas atribuições a escritores africanos - sublinha essa secundarização de considerações literárias (porque não sucessivos prémios dados a escritores da mesma nacionalidade, por exemplo?).
 
Para além disso há as minhas inclinações pessoais:
 
 
 

Os melhores ficam à margem

Dois casos emblemáticos em Portugal

Pedro Correia, 30.03.21

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Em 1887, Eça de Queiroz concorreu com A Relíquia ao Prémio D. Luís, instituído por este monarca e atribuído pela Academia Real das Ciências de Lisboa. O júri, presidido por Manuel Pinheiro Chagas (oficial do Exército e historiador menor, um homem que havia sido ministro da Marinha e detestava Eça) excluiu aquele romance, conferindo o galardão à peça teatral O Duque de Viseu, assinada por Henrique Lopes de Mendonça, oficial da Armada, contista e dramaturgo, autor da letra do actual hino nacional.

Cento e trinta e quatro anos depois, A Relíquia é um dos títulos fundamentais da ficção portuguesa do século XIX enquanto o drama de Lopes de Mendonça jaz sepultado na poeira de velhas bibliotecas.

 

Em 1934, Fernando Pessoa concorreu com Mensagem à primeira edição dos prémios literários promovidos pelo Secretariado de Propaganda Nacional. O júri, presidido por António Ferro, elegeu A Romaria, de Vasco Reis (pseudónimo do padre franciscano Manuel Reis Ventura), como melhor livro de poesia do ano, atribuindo-lhe o Prémio Antero de Quental, enquanto relegava a obra de Pessoa para uma "segunda categoria" com valor pecuniário cinco vezes inferior. Ferro, que presidia ao júri por ser director do SPN, não votou: só lhe caberia escolha num eventual caso de empate. Três dos quatro restantes membros - Alberto Osório de Castro, Acácio de Paiva e Mário Beirão - optaram por Reis (pelo menos dois deles detestavam Pessoa e não guardavam segredo disso). A única mulher com voto, Teresa Leitão de Barros, ficou isolada ao enaltecer a «beleza literária» dos versos pessoanos.

Oitenta e sete anos depois, a Mensagem é um dos títulos fundamentais da poesia portuguesa do século XX enquanto a lírica de Reis desapareceu do mapa e hoje só é lembrada por este triste exemplo de miopia de um júri literário.

 

Lembro-me sempre destes dois casos cada vez que oiço falar na atribuição de prémios. Tantas vezes os juízos contemporâneos acabam por distinguir e enaltecer a incompetência. Muitas vezes estas escolhas são condicionadas por inaceitáveis preconceitos estéticos ou mesquinhas animosidades pessoais. Assim os Mendonças e os Reis são levados em ombros enquanto os talentosos ficam à margem, como autores sem préstimo nem valia.

É verdade que o tempo acaba por repor a escala de valores, conduzindo cada qual ao lugar que merece. Mas não é menos certo que isso costuma suceder tarde de mais. Eça e Pessoa - figuras incontestáveis do património cultural português, com leitores em todo o mundo - nunca recuperaram por completo destas humilhações que lhes foram infligidas pelos referidos grupúsculos de pequenos e médios literatos. O segundo nem sequer viveria um ano mais: o resto da sua obra acabaria por ser póstuma, aliás à semelhança do que ocorreu com Eça, exceptuando Os Maias, já concluído em 1887 e lançado logo no ano seguinte.

 

Serão casos isolados? Nem por isso. Pelo contrário, ambos ilustram um velho mal português: acontece asneira quando o critério de julgamento e o poder de decisão são confiados aos medíocres.

O que, para nossa desgraça, acontece quase sempre. Não só na literatura, mas em tudo o resto.

Premiando sempre os mesmos

Pedro Correia, 17.07.20

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Foto: Nuno Ferreira Santos / Público

 

Mário Cláudio acaba de vencer pela terceira vez o Grande Prémio de Romance e Novela instituído em 1982 pela Associação Portuguesa de Escritores. Pelo romance Tríptico da Salvação. Não discuto o mérito da obra, que desconheço. Interrogo-me apenas se faz sentido atribuir três vezes mais prémios a Mário Cláudio do que (por exemplo) a José Saramago, que só foi distinguido em 1991, com o Evangelho Segundo Jesus Cristo. E, em complemento, questiono se este passou a ser um prémio de consagração ou de carreira, de que os jovens romancistas ficam quase por sistema excluídos. Não era assim quando Mário Cláudio o venceu pela primeira vez, em 1984, com Amadeo. Mas já seria em 2014, quando voltou a receber o prémio, por Retrato de Rapaz

Entre os autores duas vezes contemplados com este Grande Prémio figuram Vergílio Ferreira (1987 e 1993), António Lobo Antunes (1985 e 1999), Agustina Bessa-Luís (1983 e 2001), Maria Gabriela Llansol (1990 e 2006) e Ana Margarida de Carvalho (2013 e 2016). Mas só Mário Cláudio mereceu até agora um terceiro tributo. Quer isto dizer que é ele o romancista mais digno de mérito em Portugal? Duvido muito. Dir-se-á antes que é o típico escritor que escreve para ser premiado - e neste campo tem alcançado assinalável sucesso, como se comprova pelo facto de também haver recebido o Prémio Pessoa, em 2004. Honra doméstica que Saramago - o nosso único Nobel da Literatura e o mais universal dos escritores portugueses desde Fernando Pessoa - nunca mereceu. 

Saramago devia ter um problema qualquer com os júris literários nacionais, que costumam ser atacados pelo vírus da endogamia. Só isso explicará que os seus melhores romances nunca tenham merecido o Grande Prémio da APE. Refiro-me logo ao da primeira edição, que distinguiu Balada da Praia dos Cães, título menor na obra de José Cardoso Pires, em vez do Memorial do Convento. E também à de 1984, que consagrou Mário Cláudio pela primeira vez, esquecendo O Ano da Morte de Ricardo Reis. E à de 1995, que entre o lapidar Ensaio Sobre a Cegueira e A Casa da Cabeça de Cavalo, de Teolinda Gersão, optou por este. 

Sinal de menoridade cultural num país tornado ainda mais diminuto pela irrelevância numérica das suas elites literárias? Se não é, parece. Mas também não é assim, premiando sempre os mesmos com tão cansativa redundância, que estas elites se alargarão.

Prémio Camões: Mário de Carvalho é uma omissão chocante

Pedro Correia, 29.05.19

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Chico Buarque: justa distinção

 

1

Chico Buarque é o galardoado este ano com o Prémio Camões. Acho muito bem. Pelo menos três álbuns dele são discos da minha vida. Sei de cor dezenas de canções que ele compôs. E confesso-me admirador da ficção que tem publicado: vai fazer três anos, cheguei até a analisar no DELITO um desses livros, Leite Derramado, de que muito gostei.

Em 2016, quando foi anunciado o Nobel da Literatura a Bob Dylan, na caixa de comentários de um texto meu elogiando tal escolha, deixei esta observação: «Em português, elegeria sempre Chico Buarque.»

2

Recordo isto só para que fique bem claro: aplaudo o prémio a Chico, como aplaudi o de Dylan. Nada contra, tudo a favor.

Mas registo omissões nesta lista de premiados que já leva três décadas - algumas das quais considero chocantes.

Do lado brasileiro, destaco as três que me parecem mais gritantes: Nélida Piñon, Adélia Prado e Luís Fernando Veríssimo. Tanto mais que entre os distinguidos do Brasil figura pelo menos um, Raduan Nassar, que não tem obra nem currículo para merecer o Camões: publicou quatro títulos em 21 anos, não tem um original editado desde 1994 e a obra completa deste autor não excederá 500 páginas. Ele próprio, aliás, não escondeu a sua admiração no discurso de agradecimento, em 2016: «Tive dificuldade para entender o Prémio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri.»

Também eu tive.

 

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Graça Moura: esquecido pelo júri

3

Quanto aos portugueses, o essencial do cânone está cumprido. Alguns até fora do cânone mais óbvio, como esse singular poeta das pequenas emoções quotidianas que foi o Manuel António Pina. 
Faltou Fernando Assis Pacheco, que já não foi a tempo: este prémio não é concedido a título postúmo. Vasco Graça Moura, infelizmente também já falecido, é uma omissão escandalosa. E (só por factores cronológicos) talvez seja ainda um pouco cedo para o meu amigo Francisco José Viegas, autor daquele que considero o melhor romance português da primeira década deste século: Longe de Manaus.

 

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Mário de Carvalho: prémio já tarda

4

Por mim, não hesitaria em atribuir o Prémio Camões a Mário de Carvalho, de longe o melhor romancista (mas também contista e ensaísta) português vivo, autor de obras-primas como Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde e Era Bom que Trocássemos umas Ideias Sobre o Assunto. Omissão que também já começa a ser escandalosa. 

Caramba, alguém julgará que Pepetela (premiado em 1997) merece mais que ele?

5

Fora dos trilhos canónicos, daria sem pestanejar o galardão a Vasco Pulido Valente, para mim o mais brilhante - desde logo porque controverso, iconoclasta - ensaísta, historiador e cronista português contemporâneo.

Muito mais merecido que certas "glórias" efémeras das letras lusófonas, condenadas num futuro pouco distante a dissolver-se como bolhas de sabão. 

 

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Vasco Pulido Valente: se pudesse, votava nele

Chico

jpt, 21.05.19

Conheci Chico Buarque no gira-discos da minha irmã - eu menino, 8 ou 9 anos (mana terei eu dito, confessado, já nestes meus tantos 54s, que tu és "o meu amor"?). Deram-lhe agora o Camões - e o meu querido magnífico Nataniel Ngomane participou nisso, e é assim ainda mais belo. Não sei da justificação do júri, nem verdadeiramente importa, tantas as imensas canções que me (nos) fizeram a vida. Terá sido, creio, até certo disso, ao "escritor de canções", libertados os jurados das algemas dos "estilos" por via do rumo do nobel.

E é também lindo por ser Chico um alvo dos polícias da mente da agora. E, ainda por cima, rio-me, por ser ele, enquanto ficcionista, tão .... reaccionário. Tão ... Buarque de Holanda.

Vénia, poeta-cantor. Bebamos do teu cálice.

E

é uma obra vida vasta Deixo (mais para os mais novos) uma hora e meia excepcional. Entre tantas outras ...

 

Queen Margot

jpt, 01.03.19

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Há alguns meses, a propósito do affaire Robles (não sei se estais recordados ...) aqui deixei um elogio do uísque que me cabe em sorte nesta fase da vida, o Queen Margot, o uísque do Lidl, aí vendido a meros 7 euros a garrafa, aqui a 11. Recebo agora mesmo uma mensagem de um amigo, a avisar-me que a marca acaba de ganhar um belo prémio no World Whisky Awards, certame uísqueiro em Nova Iorque - não, não foi escolhido o "melhor do mundo", mas foi seleccionado para a ronda seguinte, batendo no seu segmento (baratucho, popular) os mui afamados Cutty Sark, Grant's, JB, Johnnie Walker, etc. - que normalmente custam o dobro.

Fico deliciado com a notícia. Rejubilo mesmo, ainda que sejam, objectivamente, más notícias: estou certo que com esta publicidade o Lidl vai meter um euro ou euro e meio a mais por garrafa. Não já, já. Mas daqui a uns tempos. Pelo sim, pelo não, amanhã lá estarei a abastecer-me, em registo de açambarcamento.

Moral da história? Não vale a pena ser Robles ...

Em nota de rodapé: informo os prezados leitores que o Clan's Special, o equivalente uísque da casa da cadeia Delhaize é muito mauzito, não justifica. 

De como um prémio pode ser uma forma de assédio moral

Inês Pedrosa, 29.11.17

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Atribuir a Maria Teresa Horta, em 2017, o quarto lugar ex-aequo do Prémio Oceanos, que é o mais importante prémio literário para literatura de língua portuguesa ( à excepção do Prémio Camões, claro - mas esse é um prémio de consagração pela totalidade da obra, e aliás é também escandaloso que Maria Teresa Horta ainda não o tenha recebido) representa uma forma de assédio moral, uma humilhação que a obra da autora de Minha Senhora de Mim e As Luzes de Leonor de forma alguma merece, e a que as regras mínimas da mais elementar educação deviam tê-la poupado. Não achavam Anunciações - a obra em causa neste prémio - digna do Prémio? Não a premiassem, e assumissem essa decisão. Dar-lhe um rebuçadinho para dividir com outro menino é que não é coisa que se faça a uma autora que, desde 1960, quando publicou a colectânea de poemas Espelho Inicial, até hoje, construiu uma obra ímpar, com mais de 40 livros publicados. 

Maria Teresa Horta é uma voz absolutamente singular, original e renovadora na poesia contemporânea de língua portuguesa; isso mesmo tem sido realçado por alguns dos mais notáveis poetas e críticos - como Ana Luísa Amaral, que se estreou na poesia em 1990 com Minha Senhora de Quê, glosando e dialogando com Minha Senhora de Mim (1967).  Escreve sobre o desejo das mulheres pelo corpo dos homens com um desassombro, uma exactidão e uma liberdade que abala todos os preconceitos e incomoda visivelmente muitas e mui solenes eminências pardas. Tem talento e tem leitores, dois pecados que só se admitem a um escritor do sexo feminino se aparecerem separados, com fumos de humildade e contrição, para exorcizar o poder que unidos representam. 

Os prémios podem ajudar a divulgação e a tradução dos livros, é certo, mas, em última análise, são fenómenos temporais e temporários; nenhum conjunto de jurados tem o poder de fazer entrar na posteridade, ou excluir dela, nenhum autor. Tolstoi perdeu o primeiro Prémio Nobel da Literatura, em 1901, para o escritor francês Sully Prudhomme, que ninguém hoje lê nem se sente tentado a publicar. Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras e Clarice Lispector nunca o receberam, e continuam a deslumbrar gerações sucessivas de leitores. Para quem se sente permanente e infinitamente grato à obra de Maria Teresa Horta, como é o meu caso, é indiferente que os seus livros cintilantes como relâmpagos sejam ou não reconhecidos por este ou por aquele grupo de inteligências críticas suas contemporâneas; mas que, ao cabo de 57 anos de um trajecto literário de raro pioneirismo e inovação se lhe ofereça um prémio de consolação e a meias com outro escritor, é simplesmente ofensivo.       

Dir-me-ão que o Prémio Oceanos contempla livros e não carreiras. Fraca e frequente desculpa, nesta nossa época de imorais relativismos, em que a literatura se tornou uma passarela de moda onde só brilha - e brevemente - a carne fresca. Mas mesmo assim, pergunto: leram Anunciações? A sério? 

As histórias que venceram o Prémio Cervantes em 2016

Diogo Noivo, 05.12.16

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Eduardo Mendoza

Não queria incomodar nem tem feitio para isso. Só queria escrever uma boa história. Escreveu e fez de Los soldados de Cataluña o seu primeiro livro. Para início de conversa, não esteve nada mal. Começou por incomodar a censura franquista, que lhe impôs uma mudança de título – La verdad sobre el caso Savolta, na versão que chegou aos escaparates e que o celebrizou enquanto escritor. Mas, mais importante, esta boa história inaugurou uma nova etapa na literatura espanhola, sendo consensualmente descrita como a primeira novela da Espanha pós-franquista. Em 1975, aos trinta e poucos anos, Eduardo Mendoza consegue com o seu primeiro livro aborrecer o regime – que descreveu o texto como “estúpido e confuso, escrito sem pés nem cabeça” – e provocar uma ruptura no estilo literário espanhol. Tudo isto para quem apenas queria contar uma boa história.
Os anos sucederam-se e os livros também. A ironia fina e certeira, a sobriedade, e a erudição expressa em linguagem simples tornaram-se a marca distintiva da identidade literária de Eduardo Mendoza. Poucas vezes participou em discussões candentes – a reprodução no El País de um discurso sobre a independência da Catalunha é uma das raras e admiráveis excepções. Ao contrário de outros escritores espanhóis, omnipresentes e ferozes no debate político, Mendoza não quis reclamar o estatuto de intelectual público. O que interessa são as histórias e os livros.
Em 2015, quando se assinalaram os 40 anos de La verdad sobre el caso Savolta, a imprensa espanhola dedicou muitas e boas linhas à revisitação de um livro que, segundo o escritor Javier Marías, é um “marco, uma revelação, um grande êxito, uma novidade distinta, e por isso se diz que, na literatura, marcou o início da democracia e a defunção do Franquismo”. Para António Muñoz Molina, “Mendoza não escrevia para submeter a exame as faculdades intelectuais do leitor, nem para lhe mostrar os seus conhecimentos sobre o nouveu roman francês, ou o monólogo interior ou as obscuridades mais difíceis de William Faulkner; não escrevia para doutrinar politicamente o leitor, nem para jactar-se das suas audácias sintácticas e sexuais. Mendonza, como Marsé, embora com recursos muito diferentes, procura a forma de contar, com a maior eficácia possível, uma história que é muito importante para ele, tão importante que decidiu dedicar-lhe um livro longo e complexo que talvez não chegasse a ser publicado”.

 

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A obra criou uma ruptura e o autor também. Para Muñoz Molina, Eduardo Mendoza é imune à “arrogância despectiva”, à “postura jactante”, à “desqualificação frívola daquilo de que não se gosta”, vícios predominantes na cultura intelectual espanhola da época, inclusive da anti-franquista. Não é hagiografia. Tive oportunidade de conhecer Eduardo Mendoza na última feira do livro de Madrid. Quando soube desta oportunidade, hesitei. Conhecer pessoalmente alguém que admiramos pode facilmente dar azo a uma decepção descomunal. E, por outro lado, o homem mudou o romance espanhol e eu nunca mudei nada digno de registo. Hesitei, mas lá fui. E ainda bem, porque o gigante é de uma simpatia distendida e desarmante. Falámos dos livros dele, claro. Embora, curiosamente, Mendoza tenha falado deles como entidades independentes, com vida própria, nunca usando o pronome possessivo “meus”. As histórias têm que valer por si. Com alguma vergonha, disse-lhe que comecei a lê-lo pelos livros mais recentes, nomeadamente pela série do detective anónimo, razão pela qual ainda não tinha acabado o Caso Savolta, que aliás levava debaixo do braço. Eduardo Mendoza pede-me o exemplar e na dedicatória da praxe (que muito agradeço e estimo) não refere importância literária ou pessoal do livro, ou mesmo que se trata de um livro. É tão simplesmente uma velha história. Juan Cruz tem razão quando escreve que Eduardo Mendoza é um cavalheiro que não alardeia os seus triunfos nem as suas feridas.
Na semana passada, Eduardo Mendoza foi galardoado com o Prémio Cervantes, habitualmente descrito como o Nobel da Literatura para as letras em espanhol. Tenho quase a certeza que, ao receber o prémio, não dirá que é dele ou dos seus livros, mas sim das histórias que pôde contar.

À espera do Nobel da Literatura

Pedro Correia, 07.10.16

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 Amos Oz

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 John Le Carré

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  Rubem Fonseca

 

Aberta a época da distribuição dos prémios Nobel (apelido que a maioria dos jornalistas televisivos em Portugal continua a pronunciar erradamente com acento no o, quase emudecendo o e da sílaba tónica em sueco), faço desde já um desafio aos leitores do DELITO DE OPINIÃO: deixem aqui os vossos vaticínios sobre quem será o escritor que vai receber o galardão destinado a distinguir a literatura. Só o conheceremos no próximo dia 13, mas a gente arrisca. Ao contrário do outro, que só fazia prognósticos no fim.

Tomo a liberdade de antecipar desde já três escritores que a meu ver há muito mereciam receber o Nobel: Amos Oz, John Le Carré e Rubem Fonseca. Ainda vão a tempo, embora eu duvide do critério da academia de Estocolmo, que em 1978 - só para dar um exemplo - excluiu Graham Greene e Jorge Luis Borges.

Quem vos parece que vai ganhar?

Injúria póstuma a Graça Moura

Pedro Correia, 29.08.16

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 Foto Nuno Ferreira Santos / Público

 

Mais do que uma desconsideração intelectual, constitui uma injúria que um organismo público como a Imprensa Nacional Casa da Moeda utilize o nome de Vasco Graça Moura para atribuir um  prémio literário destinado a distinguir uma obra forçosamente escrita em acordês.

 

O grande poeta, ensaísta, ficcionista e tradutor já cá não está para zurzir os responsáveis daquela instituição com a verve que todos lhe conhecíamos e a paixão que sempre colocou nesta batalha de ideias. Mas até por isso é dever de todos os seus amigos e admiradores insurgirem-se contra o abuso que constitui a associação de Graça Moura a um prémio que exige a utilização das normas ortográficas que ele sempre combateu.

Não há outra leitura possível do artigo 10.º do regulamento do concurso, escrito na ortografia que o autor de Naufrágio de Sepúlveda abominava: “O autor premiado aceita que a INCM execute uma revisão literária dos originais, na qual sejam eliminadas todas as incorreções [sic] ortográficas ou gramaticais, e resolvidas as inconsistências com as normas de estilo adotadas [sic] para a publicação do Prémio INCM/Vasco Graça Moura.”

Como alertou Octávio dos Santos, num artigo no Público que chamou pela primeira vez a atenção para o caso, a administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, por ele contactada, confirmou por correio electrónico: "O texto vencedor será publicado de acordo com a ortografia do Acordo Ortográfico de 1990."

De resto, a tocante preocupação da INCM pelas "incorreções" [sic] devia começar pela própria redacção deste regulamento: onde se lê "usa" em vez de "sua" no artigo 9.º, n.º1 (curioso lapso, daqueles que em linguagem freudiana costumam merecer o rótulo de acto falhado).

 

Além do inaceitável paternalismo que revela, só lhe faltando vir acompanhado da antiga "menina dos cinco olhos", o artigo 10.º impõe carácter obrigatório à escrita acordística, fazendo tábua rasa dos mais elementares princípios de liberdade intelectual.

Como Octávio dos Santos justamente questionou: "Será possível que na INCM não exista quem conheça e tenha lido o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos nacional, que também reflecte e replica legislação e jurisprudência internacionais, e que dá inequivocamente a todos os artistas a prerrogativa de utilizarem e de verem respeitada a linguagem que eles quiserem?” 

Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Teixeira de Pascoaes, entre outros escritores que foram firmes adversários da reforma ortográfica de 1911, ficariam liminarmente excluídos deste concurso se por acaso cá estivessem e quisessem concorrer.

Um prémio justíssimo!

Helena Sacadura Cabral, 02.03.15

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Ontem, no dia em que se comemorava o 725º aniversário da Universidade de Coimbra, teve lugar na sua Reitoria a entrega a José Quitério do "Prémio Universidade de Coimbra" 2015.

Trata-se de um jornalista português que dedicou mais de quatro décadas da sua vida à cultura da gastronomia. 

O elogio do premiado foi feito por José Bento dos Santos, outro nobre da gastronomia portuguesa, actual presidente da Academia Internacional de Gastronomia.

Anteriormente, havia sido feita a leitura de um belíssimo e clássico texto do homenageado.

A unanimidade é muito difícil de se obter, em qualquer área da vida e em particular em Portugal, onde a inveja oblitera os nossos raciocínios.

Pois José Quitério conseguiu o feito de ter juntado à sua volta um conjunto diverso de personalidades que apoiaram a sua candidatura, proposta, aliás, pelo jornalista Fortunato da Câmara, que desde há semanas lhe sucedeu como crítico gastronómico do "Expresso".

Ainda há felizmente, entre nós, casos como o de José Quitério, para nos darem fundada alegria!

Julgar prémios

João André, 10.10.14

E pronto, os Nobel estão quase todos atribuídos. Falta apenas o Nobel não oficial, o da economia. Como sempre, os prémios Nobel para a Paz e Literatura são discutidos por quase todos. Criticadas ou elogiadas as discussões. Já os prémios Nobel da Física, Química e Mediciona e Fisiologia são essencialmente ignorados nesta discussão pela sociedade em geral.

 

Pegando no post que o Rui escreveu abaixo, fui ver os nomes dos laureados com os prémios em Química, Física e Medicina dos mesmos anos dos vencedores do prémio da Literatura referidos. A lista é a seguinte:

 

Ano    Literatura Física Química Medicina
1902  T. Mommsen

 H. Lorentz

 P. Zeeman

 H.E. Fischer  R. Ross
1904

 F. Mistral

 J. Echegaray

 Lord Rayleigh  W. Ramsay  I. Pavlov
1915  R. Rolland

 W.H. Bragg

 W.L. Bragg

 R. Willstätter não atribuído
1919  C. Spitteler

 J. Stark

não atribuído  J. Bordet
1939  F.E. Sillanpää  E. Lawrence

 A. Butenandt

 L. Ružička

 G. Domagk

 

Pergunto então: que nomes serão reconhecidos pela maioria do público. Provavelmente, pensando um pouco, será possível identificar de imediato Ivan Pavlov, o dos reflexos pavlovianos. Hendrik Lorentz poderá ser conhecido, pelas equações que têm o seu nome. William Lawrence Bragg, que recebeu o prémio com o seu pai, talvez seja conhecido pelo seu trabalho com a cristalografia de raios X que permitiu decifrar a estrutura do ADN no laboratório Cavendish, enquanto Bragg era precisamente o director. Hermann Emil Fischer será conhecido através de uma das várias reacções que têm o seu nome. Depois destes, quem é conhecido? O meu desconhecimento da área da medicina provavelmente far-me-à falhar nomes óbvios, mas é um reflexo precisamente o ponto que pretendo ilustrar.

 

Se não conhecemos os nomes, como poderemos julgar a justeza da atribuição do prémio? Possivelmente poderíamos apontar vários cientistas que mereceriam o prémio e outros que o terão recebido sem grande mérito (Egas Moniz teria talvez sido um exemplo). O mesmo se passa na Literatura. Não conheço de facto nenhum dos nomes que o Rui referiu (Mommsen é-me conhecido, mas apenas de nome). Como posso julgar a sua escrita?

 

É-nos fácil criticar decisões destas. Prémios, como o Rui argumenta, são subjectivos. Nada nos diz que o nome venha a ficar para sempre como um farol a iluminar o seu campo de trabalho. Os prémios da Literatura, juntamente com os da Paz e da Economia (este menos) são mais fáceis de compreender pela generalidade da população. Os outros menos. Isso coloca-os como alvos fáceis. Não significa, no entanto, que sejam mais ou menos correctos. A nossa cultura geral, normalmente, não chega para o ajuizar. Não significa, no entanto, que os prémios sejam mal atribuídos ou que tenham a mesma validade se escolhidos por um «júri de província».

Carlos do Carmo é o primeiro português a conquistar um Grammy

Patrícia Reis, 01.07.14

Notícia do Expresso

A Latin Recording Academy anunciou hoje ter agraciado o cantor de "Um Homem na Cidade" com o Prémio à Excelência Musical - "Lifetime Achievement" no original em inglês -, uma distinção única que pretende celebrar a carreira de um artista.

 

Carlos do Carmo é o primeiro português a conquistar um Grammy

Carlos do Carmo tornou-se o primeiro português a ganhar um Grammy e logo numa das categorias mais consideradas, o "Lifetime Achievement", entregue apenas aos artistas pelo conjunto da obra que produziram ao longo da sua carreira e não devido ao êxito que lograram com determinada canção ou álbum.

O fadista português foi ontem informado pelo próprio presidente da Latin Recording Academy,  Gabriel Abaroa Jr., que havia vencido o Grammy, tornando-se assim no primeiro português a conquistar um galardão que também já foi entregue a Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Elvis Presley, Miles Davis, Bob Dylan, Billie Holiday, James Brown, Tom Jobim, David Bowie, Leonard Cohen, Johnny Cash ou, já este ano, Kraftwerk, Ney Matogrosso e Los Lobos.

O Grammy é considerado o maior e mais prestigiado prémio da indústria discográfica, estando previsto que o troféu seja entregue a Carlos do Carmo no próximo dia 19 de novembro deste ano, no Hollywood Theater da MGM, em Las Vegas, Estados Unidos da América. Nesse mesmo mês estreará em Portugal um filme documental sobre a vida e a obra de Carlos do Carmo realizado por Ivan Dias.

Neste momento, e até ao final do ano, estará patente na Cordoaria Nacional, em Lisboa, a exposição "Carlos do Carmo 50 Anos" cuja inauguração sucedeu depois do lançamento do álbum "Fado É Amor", também ele publicado em jeito de celebração do 50º aniversário da sua carreira e onde contou com a colaboração de Mariza, Ana Moura, Carminho, Camané e Aldina Duarte entre outros fadistas das mais recentes gerações. 

Aos 74 anos de idade, Carlos do Carmo chega assim ao ponto mais alto da sua carreira. Filho de Alfredo de Almeida, que veio a ser proprietário da casa de fados O Faia, situada no Bairro Alto, e de Lucília do Carmo, uma das mais distintas fadistas do século XX, de quem viria a adotar o apelido, Carlos do Carmo nasceu em Lisboa a 21 de dezembro de 1939 onde ainda hoje vive.

A sua carreira teve início aos 9 anos de idade,  quando gravou um primeiro disco, mas os registos oficiais dão 1964 como o tiro de partida para um percurso carregado de canções que ficaram na história da música portuguesa.

São igualmente inúmeros os prémios e distinções que ao longo de uma carreira de mais de 50 anos distinguiram a sua arte de respeitar e, ao mesmo tempo, inovar o fado. Partindo do chamado fado tradicional, mas com uma bagagem musical onde podemos encontrar Frank Sinatra, Jacque Brel, Elis Regina ou José Afonso, Carlos do Carmo foi construindo um reportório de onde se destaca o álbum "Um Homem na Cidade" entre muitos outros espécimes da mais alta estirpe que gravou ao longo da sua carreira.

De entre as sua canções mais populares destacam-se interpretações como "Os Putos", "Um Homem na Cidade", "Canoas do Tejo", "O Cacilheiro", "Lisboa Menina e Moça", "Estrela da Tarde", "Duas Lágrimas de Orvalho" muitos deles escritos com José Carlos Ary dos Santos, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho.

Carlos do Carmo foi também um dos maiores defensores do património fadista. Com Rui Vieira Nery protagonizou a candidatura do fado a Património Imaterial da Humanidade, distinção que viria a ser atribuída pela UNESCO em novembro de 2011. Para a divulgação do fado "lá fora" também foi instrumental o seu papel no filme "Fados", dirigido pelo realizador espanhol Carlos Saura e estreado em 2007 com a sua participação e também a de Mariza, Camané, Carminho, Argentina Santos além de Chico Buarque de Hollanda e Caetano Veloso.

Entre as suas apresentações públicas mais relevantes contam-se espetáculos nalgumas das mais prestigiadas salas de todo o mundo como o Olympia de Paris, Ópera de Frankfurt, Royal Albert Hall de Londres, Canecão do Rio de Janeiro, Savoy de Helsínquia ou a Ópera de Wiesbaden. Em Portugal, atuou no Mosteiro dos Jerónimos, no Centro Cultural de Belém, no Grande Auditório da Gulbenkian, no Coliseu dos Recreios ou no Casino Estoril.


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:)

Patrícia Reis, 30.05.14

Egoísta ganhou o Grande Prémio de Design na edição anual dos Papies. Foi ontem de madrugada na Figueira da Foz. Os prémios que a revista tem recebido ao longo dos anos são todos o reconhecimento do nosso trabalho (isto só quer dizer que nenhum envolve dinheiro) e são uma benção para nós que estamos no atelier 004. Obrigada por saberem que nos esfolamos a trabalhar para termos uma revista como esta, há 14 anos, propriedade da Estoril-Sol. Obrigada a todos os que colaboram connosco (e são muitos!) Ao fim deste tempo, não sei como faremos melhor, mas faremos:)