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Delito de Opinião

Sessenta anos de emigração portuguesa na Alemanha

Cristina Torrão, 10.09.24

A 10 de Setembro de 1964, chegava à estação de Colónia, na Alemanha, o português Armando Rodrigues de Sá, de 38 anos, natural de Vale de Madeiros, distrito de Viseu. Como muitos outros, que partiam à procura de melhores condições de vida, era um homem simples e tímido. Não desejaria, decerto, tornar-se no centro das atenções, num país desconhecido. Mas os altifalantes da estação anunciaram o seu nome, uma multidão, que incluía autoridades, cercou-o, bombardeando-o com numa língua imperceptível, uma banda de música começou a tocar. Sem ainda bem saber o motivo para tal balbúrdia, passaram-lhe um ramo de flores para a mão e ofereceram-lhe uma motorizada Zündapp.

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Welt

Quis o destino que Armando Rodrigues de Sá fosse o milionésimo Gastarbeiter (“trabalhador convidado”, um eufemismo para “imigrante”), na sequência do Gastarbeiterprogramm, criado pelo Governo da República Federal da Alemanha, nos anos 1950, a fim de colmatar a escassez de mão-de-obra na reconstrução do país. A Itália foi, em 1955, a primeira nação com quem os alemães estabeleceram um acordo de recrutamento bilateral. Seguiram-se a Grécia e a Espanha (1960), a Turquia (1961), Marrocos (1963), Portugal (1964), Tunísia (1965) e a antiga Jugoslávia (1968).

A fim de se assinalarem os 60 anos da comunidade portuguesa neste país, o Grupo de Reflexão e Intervenção – Diáspora Portuguesa na Alemanha organizou uma exposição itinerante, inaugurada durante a festa portuguesa de Heinsberg a 7 de Abril passado. Os vinte cartazes que compõem a exposição abordam tópicos históricos como os conteúdos do acordo bilateral entre os dois países, a chegada do milionésimo trabalhador convidado Armando Rodrigues de Sá, as péssimas condições de vida e de trabalho dos primeiros emigrantes portugueses, o surgimento das primeiras associações portuguesas na RFA, o trabalho social da Caritas, das missões portuguesas e dos sindicatos alemães (informações obtidas no jornal Portugal Post, edição de Abril passado).

Também um livro foi agora publicado, com a chancela da Oxalá Editora (editora portuguesa na Alemanha), liderada por Mário dos Santos, que, em 1993, criou igualmente o Portugal Post, o único jornal português neste país. Há uns anos, o jornal mudou de mãos, sendo o seu director actual Tiago Pinto Pais.

Nas palavras da editora, “este livro é uma homenagem aos portugueses que fizeram da Alemanha o seu país de adopção, ou seja, a sua terra de trabalho, de vida, de construção de família e do seu presente e do seu futuro. São 23 histórias de portugueses de várias gerações que partilham a experiência pela qual passaram desde a sua chegada a este país”.

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Foi-me concedido o privilégio de fazer parte deste livro. A editora deu-nos algumas orientações, por exemplo, indicar as razões de saída de Portugal, qual foi a nossa primeira impressão da Alemanha, o que mais estranhámos, o que mais apreciámos, se alguma vez pensámos em regressar por não sermos capazes de continuar aqui, que relação temos hoje com Portugal, se pensamos permanecer aqui para sempre…

Certas coisas custaram-me mais a passar para o papel do que esperava, coisas em que evitamos pensar:

“As minhas raízes estão em Portugal, foi lá que nasci e cresci, o português é a minha língua materna. Por outro lado, já vivi na Alemanha mais tempo do que no meu país (…) Como nós emigrantes sabemos, chega-se a uma altura em que o nosso país, e quantas vezes a própria família, nos considera estrangeiros (…) Ficamos sem saber onde pertencemos (…) Sendo jovens, temos tendência para ver [a emigração] como uma aventura aliciante, sem fazer ideia de que, a partir do dia em que passamos a fronteira, nada mais tornará a ser como dantes”.

Não deixa de ser simbólico que o imigrante “um milhão” na Alemanha tenha sido português. No grupo de 1.106 trabalhadores estrangeiros que seguiam naquele comboio, apenas 173 eram portugueses. Os restantes 933 eram espanhóis. Mas foi Armando Rodrigues de Sá o escolhido, à sorte, na lista dos passageiros. Destino. Ou fado, pois claro.

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picture-alliance / dpa/dpaweb - Berliner Zeitung

Emigrantes

Cristina Torrão, 23.01.23

Tiago Pinto Pais, editor do PT-Post, jornal português na Alemanha, na edição nº 341, Novembro 2022:

Na sexta-feira passada calhou conhecer, no âmbito de uma actividade profissional prestada a uma empresa lituana com actividade em Berlim, um jovem português que se mudou recentemente para a capital alemã. A equipa com que participou na actividade em causa conta com 16 elementos, que se dedicam exclusivamente à gestão das obrigações de protecção de dados dos utilizadores de uma aplicação. Em Portugal, o Paulo era o único elemento da empresa em que trabalhava encarregado de garantir o mesmo, com a consequência, bem conhecida no país, de extensas horas de trabalho adicionais sem lugar a qualquer tipo de remuneração. Em Berlim, aufere o triplo do salário líquido face à remuneração que obtinha no Porto. Como tal, refere-se com relativa indiferença às rendas elevadas nas cidades alemãs porque, no final de contas, a remuneração líquida disponível após o pagamento de despesas de habitação continua a ser, em termos comparativos, muito superior àquela que restaria na cidade do Porto.

(…)

Seria bom conhecer um governo português que se preocupasse em promover o investimento e o crescimento, em vez de motivar os seus cidadãos a procurar melhor sorte noutras paragens. No final de contas, o malvado do Passos Coelho já deixou de governar o país há 7 anos…