Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Adriano Moreira: cem anos

Pedro Correia, 06.09.22

20626766_HqHuq.jpeg

 Retrato de Adriano Moreira na galeria dos antigos presidentes da Sociedade de Geografia de Lisboa

 

A 10 de Julho de 2015, um senhor vestido formalmente, de cabelos brancos e testa alta, ergueu-se da cadeira onde estava sentado, numa livraria do centro de Lisboa, e durante três quartos de hora prendeu a atenção de algumas dezenas de pessoas que o escutavam com uma notável lição de história, geografia, geopolítica - tudo a pretexto da literatura.

Eu estava entre os que tiveram o privilégio de o escutar nesse fim de tarde. E admirei a impressionante rapidez de raciocínio, a notável fluência verbal e a claridade de ideias deste homem então com 93 anos. 

A expressão francesa sagesse aplica-se por inteiro a Adriano Moreira, que nessa tarde em Lisboa discorreu sobre a «comunidade de afectos» que a CPLP é acima de tudo - e como a língua comum funciona como poderoso traço de união entre os Estados-membros. Ao contrário do que sucedeu com outras antigas potências coloniais europeias, como a Bélgica ou a Holanda, incapazes de gerar laços afectivos com os povos residentes nas paragens que tutelaram.

 

Adriano Moreira foi subsecretário de Estado da Administração Ultramarina (1958-61) e depois ministro do Ultramar (1961-62) com António de Oliveira Salazar, de quem chegou a ser apontado como um dos seus mais jovens e promissores delfins. Enquanto ministro, aboliu a lei do indigenato - uma das medidas de maior alcance social alguma vez decretadas nos então territórios ultramarinos.

A corte da ditadura fervilhava de intrigas contra aquele jovem governante com 40 anos recém-cumpridos que se atrevia a revelar protagonismo num regime em que tantos progrediam na penumbra.

Um dia, em Dezembro de 1962, Salazar chamou-o e foi sucinto: «Nós acabamos de mudar de política.» Adriano Moreira foi igualmente sucinto: «Então acaba de mudar de ministro.»

 

Nunca mais reassumiu um posto governativo. Correu mundo, escreveu livros, (Tempo de Vésperas, O Novíssimo Príncipe), radicou-se no Brasil após o 25 de Abril, regressou a Portugal, foi eleito deputado e presidente do CDS, mais recentemente destacou-se como conselheiro de Estado. Tendo exercido a advocacia, nunca escondeu qual era a sua paixão de sempre: o ensino. Deu aulas durante dezenas de anos e deixou um rasto de admiradores em todos os continentes: é um dos portugueses com maior vocação universalista.

«A minha mãe ensinou-me que Deus é companheiro e nunca me esqueci disso. Nunca ando sozinho, nunca ando sozinho», declarou este católico convicto em Maio de 2015, numa longa entrevista ao jornal i.

Pensa bem e diz o que pensa. Gostem ou não do que ele diz. Se em Portugal existisse Senado, ele seria o nosso primeiro senador. Festeja hoje um século de nascimento, continuando a ser um sonhador. Ouvi-lo falar com tão espantosa agilidade mental, como tive o privilégio de o escutar há sete anos, foi para mim também uma lição de vida. 

Contra a estupidez

Pedro Correia, 20.07.21

                                          

thumbnail_20210719_224920[1].jpg

 

Setenta e dois por cento dos portugueses defendem que as vacinas anti-Covid sejam obrigatórias e compulsivas. Assim revela uma sondagem credível, elaborada pela Universidade Católica.

Vejo estes números, confirmando que os nossos compatriotas aplaudem a contínua compressão e supressão de direitos constitucionais, enquanto me questiono se já terá sido descoberta alguma vacina contra a estupidez.

Vão chamar pequenos a outros

Como muitos portugueses vêem Portugal

Pedro Correia, 29.03.21

img_432x243$2016_02_16_19_22_43_514650.jpg

Portugal dos Pequenitos, em Coimbra

 

Há dois lugares-comuns na linguagem corrente entre nós - designadamente ao nível dos textos jornalísticos - que sempre considerei ridículos.

 

O primeiro é aludir-se a Portugal como se estivéssemos ausentes do continente europeu. Não passa um dia em que não escutemos alguém referir-se à vontade de «viajar para a Europa» ou de ver as equipas portuguesas de futebol «disputar competições na Europa».

Como se o Minho ou o Algarve, por exemplo, não fossem Europa. Como se Lisboa ou Freixo de Espada-à-Cinta não fossem Europa. Como se o campeonato nacional de futebol não se disputasse em solo europeu.

Como se não fôssemos aliás, duplamente europeus - enquanto um dos mais antigos Estados-nações do continente, com fronteiras estáveis desde 1249, e membro de pleno direito da actual União Europeia desde 1986.

 

O segundo é afirmar-se que Portugal «é um país pequeno».  Outra inverdade, como agora se diz.

À escala europeia, vivemos num país de média dimensão. Superior, em área geográfica e até em população, a muitos outros.

Duplicamos o tamanho da Suíça, da Holanda, da Dinamarca e da Estónia. Triplicamos o da Bélgica e da Albânia. Temos um território mais de quatro vezes superior ao da Eslovénia. E superamos claramente em área geográfica vários outros países: Irlanda, República Checa, Áustria, Sérvia, Lituânia, Letónia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Moldávia, Macedónia do Norte e Chipre. Já sem mencionar os micro-Estados.

Nesta dimensão, estamos ao nível da Hungria - a que nunca ouvi chamar "país pequeno".

 

O mesmo pode concluir-se ao nível da população: Portugal tem mais habitantes do que a Hungria, precisamente. Mas também da Suécia, da Áustria, da Suíça, da Bulgária, da Bielorrússia e da Sérvia. Duplicamos a da Dinamarca, da Finlândia, da Eslováquia, da Noruega, da Irlanda e da Croácia. E estamos num evidente patamar acima destes: Bósnia, Albânia, Lituânia, Moldávia, Eslovénia, Letónia, Estónia, Islândia e Chipre.

Em número de habitantes, podemos equiparar-nos à Grécia e à República Checa. E temos apenas dez países à nossa frente, num conjunto de 44 Estados

Não faltam países pequenos, à escala europeia: Albânia, Eslovénia, Montenegro e Macedónia do Norte - todos com menos de 30 mil km². Já para não falar em Chipre ou Luxemburgo, abaixo dos 10 mil km². Ou dos micro-Estados: Andorra, Malta, Liechenstein, São Marinho, Mónaco e a Cidade do Vaticano. 

 

Gostava que perdêssemos este vício de nos diminuirmos cada vez que mencionamos o povo que somos e a geografia em que nos inserimos. Em suma, quando falamos de nós.

Mas talvez seja pedir de mais. Às vezes convenço-me de que transportamos uma carga genética propícia à autoflagelação. Como dizia o outro, não somos herdeiros dos aventureiros e dos exploradores: somos herdeiros dos que cá ficaram.

Brave

Maria Dulce Fernandes, 03.11.20

20201103_114613.jpg

 

Será a nossa índole lusitana que nos torna brandos, serenos, ou até mesmo frouxos?

Somos contestatários por natureza, mas o nosso espírito combativo foi-se dissipando suavemente através de décadas de vida tranquila e anafada e temperatura amena.

Pode efectivamente a pena ser mais poderosa do que a espada, mas os cartazes e palavras de ordem da nossa discórdia, projectados nas muitas manifestações ruidosas e infrutíferas, foram apenas fogo de vista, dejectados e votados ao esquecimento em poucos dias, por mais acesa que tenha sido a controvérsia gerada.

Um José Júlio da Costa, hoje em dia, limitar-se-ia a sair para a rua sem máscara. Perdeu-se aquele fogo que consome as entranhas, a raiva que arma o braço, a fúria que prime o gatilho. Perdeu-se bem. Dirigimos os sons e as fúrias noutros sentidos, mais ineficazes mas muitíssimo mais ruidosos. Somos pacíficos. Demais, talvez.

Com uma eleição presidencial quase à porta, debruçamo-nos sobre o assunto com o característico encolher de ombros de quem acha que já sabe o resultado e se está nas tintas para ele. Vamos, como temos ido, ao sabor da maré. Reclamações virão posteriormente. E muitas. Nisso somos excelentes, somos mestres.

Mas claro, somos portugueses, simpáticos e afáveis.

Portugal não é the land of the free and the home of the brave, paraíso das amplas liberdades daqueles que nada temem.

 

Imagem retirada do Google 

Portugueses que nos honram

Sérgio de Almeida Correia, 21.09.20

21907479_UuwGv.jpeg

"Double portugais au Mans. Filipe Albuquerque premier et António Félix da Costa deuxième en LMP2"", titulava a notícia desta manhã. E não é caso para menos. O resultado fala por si num ano que está a ter tanto de estranho quanto de fantástico para o automobilismo e o motociclismo nacionais. A classe dos pilotos portugueses continua a brilhar mundo fora. Enquanto Miguel Oliveira ganhava lugares na Riviera de Rimini, depois de duas quedas nos treinos, partindo de 15.º para alcançar um notável quinto lugar e ser actualmente o primeiro dos pilotos da KTM no MotoGP, outros dois portugueses mostravam toda a sua classe nas 24 Horas de Le Mans na super competitiva classe de LMP2.

Para quem ainda tivesse dúvidas, caíram todas pouco depois da vigésima quarta hora no circuito de La Sarthe com a vitória de Filipe Albuquerque nas 24 Horas de Le Mans, no seguimento da pole position que fez para a corrida.

Com o António Félix da Costa, já campeão do mundo de Fórmula E, em segundo lugar na prova francesa deste fim-de-semana, Portugal passará a ter dentro de alguns dias dois campeões do mundo. Ao Filipe bastar-lhe-á alinhar à partida da última prova, no Barém (Bahrein), para inscrever o título de campeão do mundo de resistência no seu palmarés.

Para todos todos eles, mais do que um abraço de parabéns, segue daqui o meu obrigado pela classe que vão exibindo dentro e fora das pistas, e pela forma como, com o seu profissionalismo, honram o nome de Portugal.

Quem nos dera que fôssemos todos como estes.

21907480_TM1IW.jpeg

(créditos: Arhur Chopin, ACO)

Os criadores da mulata

Cristina Torrão, 02.02.20

Costuma dizer-se que o dinheiro, ou o poder, estragam o carácter. Na verdade, acontece o contrário: o dinheiro, ou o poder, mostram o verdadeiro carácter, aquele que foi recalcado. O adquirir de poder, ou de riqueza, abre novas possibilidades, surge a oportunidade de dar livre curso a desejos e práticas que muitos mantinham secretos.

Penso que se passa algo parecido com a libertação da xenofobia que alguns portugueses têm manifestado. Durante muito tempo, houve a convicção de que não existia racismo em Portugal. E a prova era que, em muitos países europeus, havia partidos de extrema-direita, notoriamente xenófobos, com bons resultados eleitorais, enquanto que, em Portugal, tudo continuava pacato. Confirmava-se: o nosso jardinzinho à beira-mar era um oásis.

O surgimento do partido Chega parece ter soltado a rolha que se mantinha sob pressão. Agora, sim, muitos mostram, sem pruridos, aquilo que lhes ia no interior. A melhor prova de que há racismo é o facto de este novo partido ter passado de 1,29%, nas últimas eleições, para 6,2%, nas últimas sondagens, muito à custa de uma simples frase do seu líder: mandou uma deputada negra regressar à "sua" terra. Ah, mas o homem foi provocado, coitado, a dita senhora deu-lhe cabo da paciência, precisava de uma lição. Enfim, um homem não é de ferro… (Isto faz-me lembrar outras coisas que não digo, para não me desviar do tema).

Quero, no entanto, fazer um parênteses para declarar que não estou a apoiar a proposta de Joacine Katar Moreira de devolver a África peças de arte que se encontram nos museus portugueses. Na verdade, não tenho competência para deliberar sobre esse assunto. Não sou, porém, contra a discussão de tal proposta, escutando vários pontos de vista, pois é algo que ocupa igualmente os governos de outros países europeus. O que eu veementemente condeno é a atitude do líder do partido Chega. Nada, no meu entender, a justifica. Mas o que mais me choca não é o comportamento condenável de um político (infelizmente, não é raro, entre políticos). O que mais me choca é a tal atitude ter ajudado a disparar as intenções de voto no seu partido.

Diz-se que os portugueses criaram a mulata, já em criança ouvia. E já nesse tempo, eu achava que havia algo de muito errado, nessa frase. Como Deus criou o homem (como sabem, o masculino serve para os dois géneros), o português criou a mulata - interessante, aqui, usa-se a forma feminina, embora seja inevitável que o garanhão luso tenha igualmente criado o mulato em proporções idênticas. Não estava mais de acordo com o funcionamento da nossa língua dizer que o português criou o mulato?

Mas ninguém fala no mulato, só na mulata. Porquê? Ora, porque a mulata é uma mulher lindíssima, sensual, que faz ferver o sangue dos homens. Quantos sonhos as mulatas já alimentaram, quantos poemas e canções já lhe foram dedicados… E quantos desses portugueses casaram com as mulatas que idolatravam? Bem, convenhamos que essa perfeição feminina transporta em si os genes negros… Por isso, não misturemos as coisas! A mulata serve para a diversão; casar é com a branca! Embora possa ser uma branca moreninha, assim com um tom de pele próximo do da mulata…

“Os portugueses criaram a mulata” - esta frase, que se diz com orgulho (não fôssemos nós um país de poetas) encerra, em si, um verdadeiro tratado sobre racismo e machismo. Hoje, fico-me pelo racismo, esse, que André Ventura ajudou a libertar. Acho que até lhe devíamos agradecer por, finalmente, nos mostrar a verdade. Espero que contribua para que deixemos de mentir a nós próprios.

Pensamento para o dia de hoje

Pedro Correia, 21.12.18

870x489_920x517_maxnewsworldfour658225.jpg

 

 

«Tão regrada, regular e organizada é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército do que uma nação de gente com existências individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporária, pratica a traição à Pátria de ter um gesto, um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa, porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua crítica.»

 

Fernando Pessoa, Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional 

Penso rápido (16)

Pedro Correia, 04.07.14

Numa pequena cidade de província, onde toda a gente se conhece. Um casal de idade já avançada vira uma esquina, depara com um senhor mais velho e segue-se este breve diálogo:

- Vossemecê está bem?

- De vez em quando vou p'ró hospital...

- A vida é mesmo assim.

Há uma certa maneira de ser, muito portuguesa, que se reflecte neste diálogo que testemunhei por mero acaso. A resignação e o conformismo, por um lado. Mas também a atenção aos outros, a palavra amável, uma sabedoria popular sedimentada ao longo de incontáveis gerações. Por vezes desgosta-me, por vezes comove-me. Mas sei que sentiria falta de tudo isto se vivesse noutro país, noutro continente, mergulhado noutra cultura. Porque também eu sou assim. Somos todos assim, de uma forma ou de outra.

Estado da Nação

Pedro Correia, 11.07.12

Na noite de 27 de Junho, num jogo concluído com um empate após prolongamento e que culminou com a lotaria das grandes penalidades, Espanha eliminou Portugal, qualificando-se para a final do Campeonato da Europa de futebol, que viria a ganhar goleando a Itália. Ficámos à beira do título sem conseguirmos lá chegar. Mas superámos todas as expectativas, que à partida eram muito baixas. E alguns dos mais exigentes críticos internacionais da especialidade não hesitaram em qualificar aquele Portugal-Espanha como o verdadeiro jogo da final do Europeu.

Indiferentes a essas expressões de admiração alheia, de imediato começámos a escutar um coro de críticas: é o habitual nestas ocasiões. Se em alguma coisa o português se esmera é nas contínuas sessões de autoflagelação. Após três semanas de silêncio dos Velhos do Restelo, enquanto se sucediam as vitórias da equipa das quinas no Euro 2012, as tais sessões ressuscitaram minutos após essa suadíssima meia-final disputada na Ucrânia. Motivo? "Apenas" ficámos em terceiro lugar entre as 16 melhores selecções de futebol da Europa. "Apenas" empatámos ao fim de 120 minutos com os campeões do Mundo. É português "apenas" o melhor treinador da actualidade. É português "apenas" um dos dois melhores jogadores da modalidade à escala planetária. "Apenas" são portugueses dois detentores do prestigiado Prémio Pritzker, de arquitectura. "Apenas" era português o vencedor do Nobel da Literatura de 1998. "Apenas" é portuguesa uma das mais bem cotadas pintoras da actualidade. "Apenas" é português o único cineasta ainda em actividade que iniciou a carreira no tempo do cinema mudo.


Isto tem a ver com a pura incapacidade de valorizarmos o que é nosso. Mesmo quando é reconhecido, aplaudido e distinguido noutros países e noutros continentes. O nosso problema não é desvalorizarmos as derrotas, como alguns sustentam. Parece-me que o problema é precisamente o inverso: as boas notícias, para uma certa cultura dominante, tornam-se más notícias. Convivemos mal com os triunfos. Regresso ao futebol, pois é um tema emblemático: lá fora, apontam-nos como uma das três ou quatro melhores selecções da Europa; nós, pelo contrário, autoflagelamo-nos por não termos sido campeões.

E não suportamos o triunfo em ca(u)sa própria. Repare-se no que sucede com José Mourinho ou Cristiano Ronaldo: por mais provas públicas que dêem de talento e sucesso, encontrarão sempre detractores entre os compatriotas. O mesmo se aplica, noutros domínios, a um Lobo Antunes, um Siza Vieira, um António Damásio, uma Maria João Pires, uma Paula Rego, um Manoel de Oliveira.
O futebol serve de símbolo. Ou de metáfora. De um povo que olha para o copo e o vê sempre vazio. Mesmo quando tem água.

Publicado também aqui

Idiossincrasias nacionais

José Maria Gui Pimentel, 10.05.12


Somos um povo engraçado. Vivemos num país peculiar, único numa espécie de limbo muito seu. Por um lado estamos alojados na Europa ocidental -- um dos centros do mundo desde pelo menos o século XVI --, temos uma história rica e uma cultura quase milenar. Por outro, somos quase irrelevantes política e economicamente e a nossa história…bom, digamos que, no mínimo, não tão rica que valha por si só (como a da Grécia, por exemplo).

A esta combinação peculiar junta-se o facto de a nossa localização geográfica e a nossa dimensão nos tornarem imensamente permeáveis à cultura estrangeira, antigamente à francesa, agora à americana. Por isso, pelamo-nos por que nos visitem. Adoramos observar a reacção dos estrangeiros, o modo como, incautos, se vão surpreendendo crescentemente com a nossa história, cultura e gastronomia. E, como geralmente ninguém nos liga nenhuma, gostamos de receber bem (convenhamos que a reacção poderia bem ser a oposta), de impressionar e, por vezes, até de provocar com as nossas peculiaridades e pequenas proezas (algumas delas algo exageradas, nomeadamente aquelas que dizem respeito ao consumo de álcool). Por isto tudo, uma das coisas que mais delicia um português é ver um estrangeiro que vive ou visitou Portugal elogiar aquelas coisas que, sabemos, são boas e das quais, estamos convictos, ninguém no exterior tem ideia. Numa altura de crise, este pequeno prazer torna-se quase uma necessidade primária para o ego nacional. Isso explica a segunda, e desproporcionada, leva de entusiasmo com Anthony Bourdain e o seu “No Reservations”, agora que o programa foi transmitido nos EUA.

Eu vi. E gostei. Também gostei de ler num jornal dos EUA um artigo de um americano que vive em Cascais. Redescobri a nossa história pelas palavras generosas de Martin Page. E, eu que nem gosto de café, li deleitado este artigo do El País que não só elogia o café português, como, mais importante, fá-lo em detrimento do dos nossos vizinhos. Resumindo, não há como negá-lo, sou português.

Somos os maiores...

Helena Sacadura Cabral, 14.02.12

 

"Os portugueses são os maiores. Segundo um estudo conjunto da Sociedade Portuguesa de Andrologia, Associação Portuguesa de Urologia e Lilly Portugal, 68% dos inquiridos nacionais têm sexo pelo menos duas vezes por semana. O nosso país surge assim acima da média dos restantes treze países inquiridos que também participaram deste tipo de estudo".

Está aqui, nesta intensa actividade corporal, uma das razões da nossa baixa produtividade. Estafamo-nos em casa e, claro, rendemos menos no trabalho...

A Vida é Bela 2

Laura Ramos, 09.01.11

 

 

 

Eis um bom exercício, ao alcance do possível: acreditar que o eleitorado português, um dia destes, vai ser diferente.

Porque é aí, exactamente, que pode estar a chave da mudança: nas cabeças daqueles que votam.

- É importante termos decisores de topo esclarecidos?

Claro que é. Afinal não gravita tudo, invariavelmente, em torno do perfil do político que foi, ou daquele que vai ser eleito?

Mas muito mais importante do que isso é termos decisores de base rigorosos, perspicazes e...  pensantes.

Sempre acreditei que as verdadeiras transformações acontecem de baixo para cima, e não o contrário.

Tem muita razão, o Pedro Magalhães: são as novas gerações que vão determinar a mudança.

 

A Vida é Bela.

Valores nacionais?

João Carvalho, 20.06.10

Tenho seguido de forma intermitente os directos e os apontamentos televisivos em torno de Saramago, além dos blocos noticiosos e dos debates sobre este e sobre qualquer outro assunto. Correndo o risco de ser injusto por me ter escapado alguma coisa, posso dizer que praticamente não vi um homem de gravata preta. Mesmo entre políticos e autoridades oficiais, o símbolo tem andado muito arredado. Afinal, se não houver sinais simbólicos que nos unam, o que é que sobra ao nosso colectivo pátrio?

Dois dias de luto nacional decretados pelo Governo signficam o quê? Seja qual for o motivo e o nosso sentimento pessoal sobre a causa, sou do tempo em que luto nacional era luto nacional. É muito importante? Não, pelos vistos não deve ser importante respeitar os símbolos nacionais. Nem para quem está a exercer serviço público num cargo público e em lugar público.

Antes optassem pelo modelo négligé do Louçã. Mas guardo para mim que era bem melhor quando estes detalhes tinham uma carga simbólica que nos lembrava valores nacionais, superiores ao que distingue cada um de nós. No mínimo, todos lamentamos uma morte.

 

ADENDA — Antes de comentarem, junto já uma declaração que serve de exemplo e ilustra o que escrevi acima: acho inadmissível que a RTP, empresa pública paga pelos contribuintes, admita pivots em antena de gravata azul-cueca e coisas assim, nestes dois dias de luto nacional. É intolerável, tão manifesta falta de respeito. De respeito e de nível.

Estamos a festejar o quê?

João Carvalho, 13.06.10

Em 1820, Portugal enveredou por um regime constitucional. Foi melhor? Sem dúvida, porquanto o absolutismo era já incompreensível e a incompetência de D. João VI (que fazia do Rio de Janeiro a capital do Império, mas que cobrava cada vez mais impostos em Lisboa e que já nem devia lembrar-se da razão que o levara a mudar-se para o Brasil) ia afundando Portugal, não fôra ter sido obrigado a regressar. Contudo, o clima de guerra civil foi longo e sangrento e a nação ficou de rastos. Não vivemos melhor com a guerra na primeira fase, nem com o país de rastos na segunda.

 

Há cem anos, Portugal fez-se um país republicano. Foi melhor? Claro que sim, porque a monarquia estava a morrer. Tinha-se abandonado a ela própria, quase se arrastando a caminho do fim que já encarava como inevitável há muito e que praticamente aceitava como destino. No entanto, a Primeira República foi uma vergonha que conduziu o país ao caos, mesmo a provocar um Estado Novo autoritário que viesse dar um rumo à nação. Veio e deu. O problema é que ficou até apodrecer. Não vivemos melhor na bancarrota primeiro, nem com a guerra depois.

 

Há 25 anos, Portugal juntou-se à Europa. Foi melhor? É evidente que foi, por se saber que o isolacionismo tinha os dias contados e por a nossa pequenez estar condenada ao fracasso. Porém, os momentos alternados de euforia e de sacrifício puseram rapidamente a nu a impreparação para sustentarmos as nossas novas exigências e a incapacidade para ultrapassarmos as nossas velhas fragilidades. Por muita ajuda que nos tivessem dado para seguirmos bons exemplos, temos acumulado crises sobre crises que nos afastam da Europa e não será de comboio que iremos lá ter. Não vivemos melhor com o temor da falência, nem com o fantasma da revolta social.

 

Quase dois séculos depois de nos bater o liberalismo à porta, festejamos realmente o quê? Celebramos o centenário da República? Comemoramos as bodas de prata da adesão europeia? Pois sim. Sentados à mesa do banquete em trajes menores. Não vivemos melhor se cada fatia de bolo que comemos é o mesmo que estarmos a comer um pedaço de nós próprios.

 

Geração após geração, eis o que nos habituámos a fazer: festejar o que nunca conseguimos ter. Triste fado é o nosso, que começa a cantar-se com o calor da alegria incontida dos primeiros copos e termina dolente em rimas de tragédia na bebedeira de madrugadas frias. Podemos dar um passo atrás para recomeçar e viver melhor? Talvez, mas é incerto que tivéssemos aprendido alguma coisa.

Basta vê-lo

João Carvalho, 30.01.10

Estamos assim: nós,  portugueses, somos considerados os europeus mais pessimistas. A nossa expectativa em relação ao futuro está praticamente no zero, talvez mesmo abaixo dos búlgaros, húngaros e romenos. Vá lá, que ainda somos considerados europeus, apesar de Portugal estar a tornar-se um território europeu marginérico (misto de marginal e periférico).

É certo que Vítor Constâncio diz que a proposta orçamental do governo «tem várias medidas inteligentes», mas nós sabemos que a maior parte das vezes o governo não mostra inteligência nem para tirar as medidas. E reparem que ele também sabe. Basta vê-lo (como o fotógrafo Daniel Rocha/Público o viu).

Das nacionais fraquezas

Ana Vidal, 02.10.09

Felizes uma ova

João Carvalho, 29.06.09

Os portugueses são pobres e desmobilizados, num país socialmente muito frágil; mesmo assim, apesar de pouco capazes de se mobilizar individual e colectivamente, são felizes. É a conclusão (?) do recente estudo Necessidades em Portugal – Tradição e Tendências Emergentes, de sociólogos do Centro de Estudos Territoriais do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.

OBJETIVO 1: ERRADICAR LA POBREZA EXTREMA Y EL HAMBRE por Diego SiquieresAs notícias que vi sobre aquele estudo deixam um bocado a desejar: dão conta dos baixos rendimentos de muitos agregados sem dizer quantas pessoas compõem esses agregados; referem casais jovens que acabam por se considerar relativamente felizes com alguma relutância, talvez pela idade e por se sentirem saudáveis, mas não concretizam a ideia de felicidade; e por aí fora.

Sou muito desconfiado em relação a estas conclusões abstractas de que os teóricos costumam gostar muito. Interessa-me mais o lado concreto das coisas. Registei alguns dados mais específicos.

A população pobre anda nos 20 por cento e o estudo ainda  encontrou privações que se alargam muito para lá dessa percentagem. Por exemplo: um terço dos portugueses em condições precárias e preocupados com a sua sobrevivência e 32,6 por cento sem conseguir aquecer a casa; muito mais do que os 20 por cento de pobres sem conseguir pagar uma semana anual  de férias fora e de regresso ao trabalho antes de concluídas as baixas médicas por causa da redução salarial; 57 por cento com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros.

Outros dados: a privação média ou alta atinge 35 por cento dos portugueses; os mais vulneráveis são os idosos, as famílias monoparentais e os menos instruídos; os mais jovens também já enfrentam situações de vulnerabilidade; as qualificações superiores não garantem emprego.

Posto isto, o tal estudo diz que as condições deficientes ou más determinam (numa escala de 1 a 10) um grau de satisfação de 6,6 (um dos mais baixos da Europa) e um grau de felicidade de 7,3.

Concluir que estamos satisfeitos e que somos felizes é aceitar com um encolher de ombros que temos notas positivas sem sequer  saber o que é satisfação e felicidade. Por isso é que não gosto de abstracções. Basta reler os dados concretos para ficar assustado. E para desmontar o cenário que o actual governo apregoava há um ano sobre o aumento da nossa qualidade de vida e a descida do número de pobres.

 

Nota — Sobre este assunto, vale a pena reler esta reflexão no DO, do Jorge Assunção, escrita há pouco mais de um mês.