Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Delito de Opinião

Meninos?

jpt, 08.09.23

esteiros-soeiro-pereira-gomes-avante.jpg

Anteontem jantei no promontório que olha o Sado e avista o Tejo, num pequeno sítio que desconhecia, pois segunda-feira em vilória, mau dia para demandar casas de pasto. Ali uma espécie de absurdo a Sul do Tejo, pois alguém aprontou uma casa de "pastas", uma italianice. Coisa que nunca tem sentido, quanto mais naquele universo rico em saberes de açordas. Refeição partilhada com alguém que mal conheço, estávamos na terceira pessoa e assim ficámos. Fomos frugais: uma entrada de moelas fornecidas de molho com sabor enfarinhado, uma salada de tomate sensaborão com queijo branco, dito fresco. E depois um esparguete partilhado, que o cardápio apresenta em nome estrangeiro. Beberam-se umas imperiais, tudo isso o suficiente para se matar a fome do fim da jorna.
 
Mas o pior de tudo foi o empregado, um rapazola nas cercanias dos trinta anos, com os ademanes concentrados no vozear. Diante de mim e do parceiro de mesa, um quarentão, calva a despontar, passou aquelas duas ou três horas a tratar-nos por "meninos". À segunda imperial estava eu com vontade de lhe dar um par de tabefes, e não estava sozinho nisso. Sou liberal, que cada um faça com os genitais e os anais o que lhe apetece. Mas que vá ele trinar de "meninos" quem o sodomiza, "a falta que a tropa faz a estas gerações" escuto-me, nisso do desagrado com gente pateta que já não aprende a escala etária, aquilo da antiguidade. A mais-velha atrás do balcão estava simpática, como deve ser, presumi que ali algemada ao verme loquaz. Decerto que percebera o desadequado, pela forma como se veio despedir, apaziguadora.
 
Dois dias passaram. Hoje de novo tive a sorte de ser convidado a jantar. Com um amigo, não íntimo mas que se vem tornando próximo, ele recente sexagenário por direito próprio. Agora na capital, no velho CCA, diante do Santo António, uma esplanada de triste nome "Mula" mas com bom serviço e aprazíveis petiscos. Um jovem empregado muitíssimo eficiente e simpático - angolano, por cá há um ano... Perto do final, e depois do meu parceiro ter feito elegante alusão àquilo do meu cinzeiro já estar repleto, eu lançado no "pode-me trazer mais gelo, por favor", surge-nos a chefe de sala, uma simpática e muito bem apessoada brasileira, perguntando-nos "o que desejam os meninos?". Expludo! Para vera surpresa dela... "Não chame "meninos" aos homens", convoco-lhe... E enquanto o mariola do meu parceiro lhe vai dizendo "eu não me importo", defende-se ela argumentando "que aqui todos usam assim". Resmungo-lhe, ainda que procurando ser simpático (ela é, de facto, e repito-me, bem apessoada e estava gentil), que esta é uma moda recente, estúpida, até de desrespeito, isto de chamar "meninos" aos homens. Ri-se, riposta que ao chamar-lhe eu "senhora" a estou a fazer mais velha do que é. Rendo-me, concedo-lhe que "quando cá voltar a Senhora pode chamar-me menino" (ela é, não sei se já o disse, bastante bem apessoada), "mas diga lá aos seus colegas para evitarem isso".
 
Mas de onde virá esta moda, absolutamente patética, de chamar "meninos" aos clientes? Esta gente anda a brincar com quem?

Pensamento da semana

Pedro Correia, 24.07.22

N'Os Lusíadas, Camões utilizou 9160 palavras diferentes. Há pouco mais de um século, um compatriota culto poderia conhecer cerca de dez mil palavras. O vocabulário-padrão dos escritores actuais está reduzido a metade disso enquanto um português médio não domina mais de um milhar de vocábulos. 

A contínua compressão lexical empobrece não apenas a capacidade de expressão, mas o próprio pensamento. No limite, torna-nos menos livres.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

A gramática e o género

Sérgio de Almeida Correia, 18.02.22

(créditos: Gonçalo Lobo Pinheiro)

"Dizem ser possível que, pela segunda vez, uma mulher venha a presidir à Assembleia da República. Se isso acontecer, não vai faltar quem queira chamar-lhe “Presidenta”. Será assim? Presidente ou Presidenta?"

O texto é relativamente curto, claro e bastante esclarecedor, mas acima de tudo oportuno. E até porque a estupidez também tem afectado o combate pela igualdade de género, e deve ter limites, vale a pena ler o que escreveu hoje o Prof. Carlos André.

As palavras do ano

Pedro Correia, 02.01.18

Informa a Porto Editora que os vocábulos em competição até 4 de Janeiro, para conquistarem o título de  Palavra do Ano são incêndios (assim mesmo, no plural), afecto, vencedor, crescimento, cativação, desertificação, gentrificação, peregrino e independentista.

Noutros anos as palavras eleitas foram esmiuçar (2009), vuvuzela (2010), austeridade (2011), entroikado (2012), bombeiro (2013), corrupção (2014), refugiado (2015) e geringonça (2016). De acordo com quase todas, excepto bombeiro, que podia ser palavra de qualquer ano, e entroikado, termo fugaz, que nunca vingou. Vuvuzela - artefacto sonoro popularizado universalmente no campeonato mundial disputado na África do Sul - demonstrou como o futebol pode influenciar o vocabulário comum.

Até devido a tal precedente, aproveito para apresentar uma reclamação à Porto Editora: faltam desta vez aquelas que são para mim, inquestionavelmente, as Palavras de 2017: video-árbitro e cartilha. Raras foram tão usadas nos órgãos de informação e nas redes sociais ao longo do ano.

Vídeo-árbitro, tecnologia inaugurada para reforçar a transparência e o rigor nos campos de futebol, tem a ver com verdade desportiva. Cartilha, espécie de manual de maus costumes para efeitos comunicacionais, está relacionada com a inaceitável perversão do desporto-rei.

Eu votaria na primeira. Para acabar de vez com a segunda.

Ó glória de mandar, ó vã cobiça

Pedro Correia, 10.06.14

Ao tomar posse como primeiro-ministro do XVIII Governo Constitucional, em Outubro de 2009, José Sócrates retomou uma antiga tradição da política portuguesa citando um verso de Camões que andava um pouco esquecido: “Esta é a ditosa pátria minha amada.” 

Vem n’ Os Lusíadas, um clássico que ainda seduz políticos contemporâneos da mesma forma que seduziu o Rei D. Sebastião quando, segundo se julga, Luís de Camões lho leu pela primeira vez, no início da década de 1570, no paço real. "Esta é a ditosa pátria minha amada, / À qual se o Céu me dá que eu sem perigo / Torne com esta empresa já acabada, / Acabe-se esta luz ali comigo”, escreveu Camões no canto III, 21ª oitava, d’ Os Lusíadas. É uma das mais belas quadras desta obra matricial da língua portuguesa cujo grau de popularidade se afere bem pela presença de muitos dos seus versos na nossa linguagem de todos os dias.

Com efeito, é vulgar aludirmos à "ocidental praia lusitana” (canto I-1), àqueles que foram "dilatando a fé e o império” (I-2), aos que "se vão da lei da Morte libertando” (I-2), ao "engenho e arte(I-2) ou ao "peito ilustre lusitano (I-3). São igualmente familiares, até a quem não leu uma só linha do vasto poema, versos como estes: "Cesse tudo o que a Musa antiga canta, / Que outro valor mais alto se alevanta!” (I-3); "Vós, poderoso Rei, cujo alto Império / O Sol, logo em nascendo, vê primeiro” (I-8); "(...) julgareis qual é mais excelente, / Se ser do mundo rei, se de tal gente” (I-10); "Duma austera, apagada e vil tristeza” (canto X-145).

 

Os Lusíadas é uma obra marcante também pelas figuras que cria ou recria.

As Tágides ("E vós, ó Tágides minhas, pois criado / Tendes em mim um novo engenho ardente”, I-4); Vasco da Gama, o "forte capitão” (I-44); a deusa Vénus, defensora dos portugueses, que "novos mundos ao mundo irão mostrando” (canto II-45), pois "se mais mundo houvera, lá chegara” (canto VII-79); Inês de Castro, aquela "que depois de ser morta foi rainha” (III-118); o Velho do Restelo com as suas imprecações ("Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Dessa vaidade a que chamamos fama”, canto IV-95); ou o sinistro Adamastor ("Cheios de terra e crespos os cabelos, / A boca negra, os dentes amarelos”, canto V-39).

Já para não falar das incursões autobiográficas do autor no seu poema, como aquela em que se retrata como alguém que tem "numa mão sempre a espada e noutra a pena” (VII-79).

Ou quando, projectado em interposto navegador no célebre episódio da Ilha dos Amores, nos ensina que "Melhor é experimentá-lo que julgá-lo / Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo” (canto IX-83).

 

Camões foi um mestre na arte do aforismo em forma de verso, como Os Lusíadas bem testemunham.

Eis alguns desses aforismos: "É fraqueza entre ovelhas ser leão” (I-68)"Sempre por via irá direita / Quem do oportuno tempo se aproveita” (I-76); "Quanto mais pode a fé que a força humana” (III-111); "Um baixo amor os fortes enfraquece” (III-139); "É grande dos amantes a cegueira” (V-54); "Contra o Céu não valem mãos” (V-58); "Quem não sabe a arte, não na estima” (V-97); "Fraqueza é dar ajuda ao mais potente” (IX-80).

Não admira que o nosso maior poeta continue a seduzir políticos: foi ele quem ensinou que "toda a terra é pátria para o forte” (canto VIII-63). Foi ele que tão bem soube cantar essa "ínclita geração” (IV-50) que se aventurou no ponto exacto "onde a terra se acaba e o mar começa” (VIII-78)".

Foi no entanto também Camões quem ensinou – aludindo a D. Fernando – que "um fraco rei faz fraca a forte gente” (III-138).

Este é um verso que não imaginamos em nenhum discurso de posse. O que não quer dizer que não seja igualmente digno de reflexão.

As palavras também têm história

Pedro Correia, 19.04.14

Palácio Quintela, em Lisboa, onde Junot instalou o seu quartel-general em 1807

 

Muitas vezes não fazemos a menor ideia da origem de algumas das expressões coloquiais que usamos. Mas vale a pena investigar de onde vêm e como se foram generalizando.

Várias remontam ao tempo das invasões francesas, na primeira década do século XIX. Uma das mais frequentes relaciona-se com a chegada do general Jean-Andoche Junot a Lisboa, à frente do exército napoleónico, quando ainda se avistavam no horizonte as velas da frota que conduzia a família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 30 Novembro de 1807. Ficou, portanto, a ver navios.

Portugal acabou por ser devastado pelas tropas gaulesas, que aqui praticaram as maiores atrocidades. Mas Junot, indiferente às situações de penúria e de miséria provocadas pelos invasores também em Lisboa, instalou-se no Palácio Quintela, na Rua do Alecrim, com despudorada ostentação, vivendo à grande e à francesa.

Um dos generais que o acompanharam na invasão, Louis Henri Loison, tornou-se tristemente célebre pela ferocidade com que tratava os portugueses que tinham o azar de lhe surgir ao caminho. Por ter perdido o braço esquerdo numa batalha, logo recebeu a alcunha de Maneta. A partir daí, quando alguém se envolvia numa situação complicada ou perigosa, passou-se a dizer que iria pr'ò Maneta.

Derrotados na batalha do Vimeiro em Agosto de 1808, após o desembarque de forças britânicas em Portugal, Junot e as suas tropas retiraram-se para França após encherem navios de tudo quanto puderam na sequência de incontáveis actos de pilhagem em igrejas, palácios e bibliotecas - num dos maiores atentados desde sempre cometidos ao património nacional. Zarparam assim, de armas e bagagens.

 

Duzentos anos depois, os ecos das invasões francesas perduram no nosso vocabulário corrente. Porque também as palavras têm história.

Ou???

João Carvalho, 12.07.12

«Cadeiras produzidas em Paredes para personalidades como Cristiano Ronaldo, José Mourinho, Mariza, Maria Bethânia, Manoel de Oliveira, Souto Moura ou (ou?) Mia Couto». Ou? Se fosse para todos eles, seria notícia. Mas se a produção é só para um deles, para este ou para aquele, não tem qualquer interesse. Ainda por cima, o jornalista nem sequer conseguiu saber para qual deles eram as tais cadeiras.

Cheira-me que é um problema de bom português ou de bom jornalismo. O que vos parece?

Haja mais critério e respeito

João Carvalho, 11.07.12

Começa a ser cansativo. Eu sei (sabemos todos por cá) que a expressão oral (e escrita, consequentemente) anda pelas ruas da amargura, mas não entendo que seja necessário bater sempre na mesma tecla. No Parlamento, por exemplo, fartei-me de ouvir hoje (como sempre): «Senhoras e senhores deputados.» É uma gritante falta de critério e até falta de respeito pelas senhoras, comum a todos os quadrantes representados no hemiciclo.

Em bom português, o masculino serve os dois géneros, quando é preciso. Por isso, o (dispensável e escusado) preciosismo obriga a dizer: "Senhoras deputadas e senhores deputados." Quando não for assim, fica bem dizer apenas: "Senhores deputados." Espero que aprendam de vez, mas cheira-me que estou a gastar o meu latim em vão.

Declaração de Amor à Língua Portuguesa

Ana Vidal, 12.06.12

Vale a pena ler esta "redacção" da escritora Teolinda Gersão sobre o actual ensino de português nas escolas. E sobre os atropelos assassinos que, ao abrigo de um acordo idiota e sem sentido, as novas gerações se preparam para fazer à sua língua.

Tempo de exames no secundário, os meus netos pedem-me ajuda para estudar português. Divertimo-nos imenso, confesso. E eu acabei por escrever a redacção que eles gostariam de escrever. As palavras são minhas, mas as ideias são todas deles.

Redacção – Declaração de Amor à Língua Portuguesa

 

Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete” : “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.
No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum, o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento, e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados, almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.
No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço? 
A professora também anda aflita. Pelo vistos no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português, que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer. Dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)
Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou: a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe, acabei a redacção - agora parece que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impor a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros. 
E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete, e quando a setôra me perguntar: Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito.
João Abelhudo, 8º ano, turma C (c de c…r…o, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática).

 

Teolinda Gersão, Junho, 2012

Adenda: A pedido da autora, aqui fica o artigo completo.

Uma aula de português

Helena Sacadura Cabral, 25.05.12

A jornalista Pilar del Rio costuma explicar, com um ar de quem sabe do assunto, que dantes não havia mulheres presidentes e por isso é que não existia a palavra presidenta! Daí que diga insistentemente que é Presidenta da Fundação José Saramago e se refira a Assunção Esteves como Presidenta da Assembleia da República.

O mesmo, aliás, faria Helena Roseta quando usou Presidenta, ao retorquir a um  comentário de um jornalista da SICNotícias, muito segura da sua afirmação...

 

O texto que se segue foi elaborado para acabar de uma vez por todas com  qualquer dúvida sobre se devemos usar presidente ou presidenta.

"A presidenta foi estudanta? Existe a palavra: PRESIDENTA?

Que tal colocarmos um "BASTA" no assunto?

No português existem os particípios activos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio activo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante...

Qual é o particípio activo do verbo ser? O particípio activo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade..

Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte.

Portanto, a pessoa que preside é PRESIDENTE, e não "presidenta", independentemente do sexo que tenha. Se diz capela ardente, e não capela "ardenta"; se diz estudante, e não "estudanta"; se diz adolescente, e não "adolescenta"; se diz paciente, e não "pacienta".

Um bom exemplo do erro grosseiro seria: "A candidata a presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta.

Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta".


Não sou especialista de linguística e muito menos sei o que quer que seja após o malfadado/adorado Acordo Ortográfico. Por isso, embora me pareça lógico o texto acima, nada garante que o seu conteúdo corresponda ao que "deve ser". 

Se entre os meus leitores houver quem o confirme, por favor manifeste-se. E no caso contrário também, claro!

Pontos nos is (12)

João Carvalho, 29.02.12

DESACORDO

I

O secretário de Estado da Cultura disse ontem que o Governo se prepara para alterar o chamado Acordo Ortográfico (AO) até 2015 e que cada português é livre para escrever como entender.

Ontem à noite, na TVI-24, Francisco José Viegas manifestou o seu desacordo face a algumas normas do AO e lembrou que, «do ponto de vista teórico, a ortografia é uma coisa artificial» que pode ser mudada: «Até 2015, podemos corrigi-la, temos essa possibilidade e vamos usá-la. Nós temos de aperfeiçoar o que há para aperfeiçoar. Temos três anos para o fazer.»

Sobre a polémica em torno da decisão de Vasco Graça Moura, que chegou ao Centro Cultural de Belém (CCB) e cancelou a aplicação do AO que foi encontrar já em vigor, o secretário de Estado da Cultura fez notar que o actual presidente do CCB «é uma das pessoas que mais reflectiu e se empenhou no combate contra» o AO. Mais: notou também que foram aqueles que «não têm qualquer intimidade, nem com a escrita, nem com a ortografia», que correram a «criticar e pedir sanções» perante a "ousadia" de Vasco Graça Moura. «Para mim, é um não-problema. Os materiais impressos e oficiais do CCB obedecem a uma norma geral que vigora desde 1 de Janeiro em todos os organismos sob tutela do Estado. O Vasco Graça Moura, um dos grandes autores da  nossa língua, escreve como lhe apetecer.»

Francisco José Viegas contou ainda que, «às vezes, quando escrevo como escritor, tenho dúvidas e vou  fazer uso dessa possibilidade, como todos os portugueses podem fazer uso dessa  possibilidade, isto é, da competência que têm para escolher a sua ortografia». E acrescentou: «Não  há uma polícia da língua. Há um acordo que não implica sanções graves para  nenhum de nós.»

II

De uma coisa tão simples e que tão escusamente tem feito correr tanta tinta, três conclusões imediatas se tiram.

Uma delas é a de que, se a teimosia bacoca de ex-responsáveis não tivesse impedido a falta de visão que levou a que políticos se substituíssem aos linguistas, não se teria perdido o tempo que se perdeu. Curiosamente, nunca como no passado recente de tais ex-responsáveis se falou tão mal português na vida pública.

Outra conclusão possível pode tirar-se do inexplicável paradoxo da notícia que serviu de base a este post (cujo link está no início), na qual se percebe o ridículo da divulgação desta posição acertada de Francisco José Viegas num texto noticioso escrito (repare-se) segundo o AO. Fica a lição para os apressadinhos-da-silva, aqueles que não aprenderam a reflectir e que, habitualmente, "não têm qualquer intimidade, nem com a escrita, nem com a ortografia", porque ridídulo mais ridículo não há.

A terceira conclusão é a que arrasa definitivamente os arautos da desgraça, que tanto espernearam por causa do cancelamento do Ministério da Cultura. Fica mais do que provado que um governo aberto à Cultura e ao que nos caracteriza como povo com História não se mede por ter no topo um ministro ou um secretário de Estado na pasta: parece-me bastante saber que Francisco José Viegas é um homem de Cultura (como já aqui referi).

Finalmente, a talhe de foice, o papel do DELITO DE OPINIÃO enche-nos de satisfação e continuará a contribuir para travar o famigerado AO. Por modesta que possa ser a nossa contribuição, este vosso blogue manter-se-á na senda do bom português e na luta contra o indesejável desacordo (no que, por sinal, temos contado com grande parte dos nossos comentadores). Sem embargo de qualquer dos autores do DO ser livre de fazer o uso da língua que mais lhe aprouver, o facto é que nesta casa se verifica que o DELITO representa um acordo e que o AO é que é um delito.

Português Seguro

João Carvalho, 03.02.12

Gostei de ouvir António José Seguro interrogar o primeiro-ministro no Parlamento sobre o cumprimento da aplicação do desacordo ortográfico. Tocou-me e comoveu-me. Mas não deixo de sugerir a Seguro que, antes desta suma preocupação que agita a sua veia política, comece por pôr muitos dos deputados socialistas a falar português correcto, que é uma coisa que anda tão arredada dos hábitos dos dirigentes políticos como dos hábitos dos dirigentes desportivos.

Se uma boa parte dos deputados conseguir passar a falar bom português clássico, é meio caminho andado para que a redacção dos diplomas venha a ser publicada numa versão definitiva à primeira e entendida por toda a gente. Como se vê, Seguro tem muito com que se entreter nesta matéria, se estiver verdadeiramente preocupado.

O teatro e o desacordo ortográfico

João Carvalho, 21.01.12

Não preciso de ser detetive nem ténico para contatar com os novos textos dos espetáculos teatrais e perceber que estamos no fim exato da interação entre atores e espetadores. Para os atuais diretores de teatro, ratores dos velhos princípios, as regras passaram a ser exceções e a antiga exceção é a regra atual. Confesso que não sou um adeto disto nem vou adotar este sistema de fraco impato.

· • o • ·

Felizmente, nesta casa, continuamos a dar lições diárias de bom português. Por sinal, ao contrário do que faz o serviço público da RTP todas as manhãs, dessa RTP paga por nós para se dar ao luxo de conseguir achar tantas vezes, entre uma chusma de disparates de bradar aos céus, dois modos diferentes de dizer a mesma coisa e considerar pacífica e alegremente que ambos são "bom português".