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Delito de Opinião

Chavões

José António Abreu, 07.04.16

E, de súbito, a calma antes da tempestade. Tudo parece adormecido, numa paz que muitos, por ingenuidade ou interesse, classificarão de positiva. Ocupado na reversão das tímidas reformas dos últimos anos e ainda sem ter de enfrentar números que exponham de forma clara (indícios não bastarão) o falhanço das suas políticas, o governo limita-se a chavões. Um documento que seria recebido com desdém se proviesse do governo anterior, a abarrotar de verbos no infinitivo («melhorar», «simplificar», «garantir», «lançar», «modernizar», «promover», «reforçar», «incentivar») mas confrangedoramente parco em detalhes (quando? como? com que dinheiro?), passa por base séria para discutir reformas. A ânsia de afastar Passos Coelho da liderança do PSD faz socialistas e comentadores encartados dispararem críticas a Passos por manter a pose de primeiro-ministro mas também por não mostrar sentido de Estado suficiente para aceitar as posições do governo (um «sentido de Estado» que o PS nunca teve enquanto oposição).

No fundo, PS, Bloco e PCP, ajudados por grande parte da intelligentsia, seguem entretidos na reescrita da História recente – ao ponto de o representante dos comunistas no congresso dos sociais-democratas ter declarado por várias vezes, com a convicção inabalável dos dogmas (são afinal tão religiosos), que o PSD ainda não se refez da derrota nas eleições legislativas. Mas presos ao passado estão os partidos da «geringonça». Tudo o que fazem é em função dele, tudo o que propõem conduz a ele. O futuro apenas lhes merece chavões.

Jogo do Galo

Laura Ramos, 13.03.11

 

Estamos todos assim: parados e expectantes, no limiar do que aí vem.

Seria terrível que Cavaco estreasse o seu 2º mandato com um despedimento sumário e implacável do Governo.

E no entanto...
Seria merecido.

Seria coerente.

Seria misericordioso para com todos nós.

Até para com Sócrates. E esse é o único efeito colateral que me faz pensar duas vezes.

Primeiro, porque o engenheiro relativo não ganhou o direito a ser amnistiado.

Segundo, porque, conhecendo a plasticidade mental do eleitorado português, temo pelas 'premières' revisteiras, de pendor trágico, que o PS não tardaria a armar por esses palcos e esplanadas fora.

Sim, não faltarão sítios a jeito, em todos os  persistentes café república, café central e café 25 de abril deste país, com clientela engrossada pelos milhares de reformados antecipados e outra classe de encostados inactivos que contraíram o vício de apanhar sol e sombra, sem lhe merecer o trato.

 

Mas também, porque é que exigimos tudo de um só homem?

Porque prega ele sozinho?

A coragem política só lhe é assacável a ele?

 

- O que é que está a faltar aqui?

 

Isto está muito longe de ser uma charada.

Mas aqui fica, à notre bonne conscience.

O afinador de pianos

Laura Ramos, 20.01.11

Esteve em Coimbra na terça feira.

Dispensei-me do silício programático anterior ao jantar.

E eu sou de causas, mesmo - e sobretudo ? - das mais incómodas.

Mas, para além de não ser uma seguidora de tipo Opus Dei Cavacii, jamais abandonaria o meu posto de 'enteada da nação' para correr atrás dele.

Afinal, raríssimos homens merecem tal consciente subserviência tonta, quanto mais um candidato a PR.

 

Um jantar penoso (e não são todos?...) com cerca de 1300 pessoas, num sítio mítico para quem foi activista, nos idos de 80, como eu.
Não se furava.

 

João Paulo Barbosa de Melo (Presidente da Câmara): um óptimo discurso. Curto, incisivo, acolhedor e em torno do Essencial. Coisas de economista culto.


Manuel Antunes: um discurso mais longo, mas verdadeiramente carismático. Não cesso de me espantar com a generosidade de quem não vive da política e contudo, parece que nasceu para ela, tamanho é o sentido do interesse público e a capacidade de visão estrutural, realmente desinteressada, porque apoiada no exemplo profissional de quem acabou com listas de espera na cirurgia cardiotorácica e 'abre corações' em exclusividade, num hospital modelar do Estado (em vias de destruição acelerada pela longa manus do Governo José Sócrates).

 

Cavaco Silva: um discurso enorme, como competia. Com passagens sobre a 'mulher portuguesa' cujo intuito alegórico de pendor popular se percebia bem, mas que me fizeram perder a paciência e alhear-me estrategicamente da hora e do momento. Preferi contemplar aquele palco, aquelas galerias, e inspirar-me nas minhas memórias de tempos subversivos, quando não éramos educadas para ser poupadas e ajudar os maridos, mas sim para pensar, agir e simplesmente, Ser.

Foram tempo singulares: lutávamos todos pelo direito simples, que nos era negado, de pensar à direita do PS e à esquerda dos conservadores. E fomos de repente tantos, tantos, que demos a volta ao status num instante.
Foi só querer e estar farto.

 

Sem dúvida, o menos motivante dos oradores.

Mas eu não preciso de o ouvir para saber que voto nele no dia 23.

Não... Não vou lá pelo discurso, nem pelo BPN, nem pelo bolo-rei, nem pela Maria, nem pela casa de praia (que horror, que escândalo).

Vou lá pelas mesmas razões a que as minhas memórias me levaram.

Primeiro, porque estou farta (um pouco dele também, é verdade... mas sobretudo farta da gente e das miragens que não interessam, e de que temos de nos livrar, por  imperativo geracional).

E depois porque esse caminho - à direita do PS e à esquerda dos conservadores - está ainda muito longe de ser cumprido no Portugal de hoje.