O sr. Ramires tem a melhor fruta de Sintra. É impossível passar-lhe à porta e não entrar por ali dentro em absoluto êxtase olfactivo, logo seguido de uma degustação compulsiva, patrocinada pelo sorridente proprietário das grades que exibem aquelas incontáveis e luzidias maravilhas. Mas os talentos do sr. Ramires vão muito para além de saber escolher boa fruta: como qualquer português que se preze, percebe de tudo um pouco e debita, solenemente, sábios conselhos aos fregueses sobre qualquer assunto que os atormente, desde a insolvência financeira às dores nas cruzes. Espicaça-o a concorrência do barbeiro, mesmo defronte, também ele um homem da Renascença, qual Leonardo. Um, domina o público masculino. O outro, o feminino.
Quando entrei ontem, hipnotizada por uns figos cheirosos e de um tamanho que só no Entroncamento, discutia-se a magna questão da dívida soberana. Ou melhor, o sr. Ramires perorava com toda a segurança, perante uma plateia de três pensionistas, sobre ráting (não tem nada a ver com ratos, dona Ilda, não fique já pr'aí toda arrepiada...), o FMI (agora entregaram aquilo a uma mulher, vamos a ver no que dá...), os mercados (já viu, dona Adelina? e a gente a achar que nos mercados só se vendia peixe, fruta e hortaliças, e vai-se a ver vendem países...), a Europa (eu sempre disse que isto de juntar anões com gigantes ia dar bota...), enfim, os grandes temas da actualidade. Mal me apanhou a jeito, fragilizada pela malabarística tarefa de abrir um figo em cruz sem faca e sem me sujar, disparou, do alto da sua longa experiência de analista de macro-economia: "Atão, menina, já viu isto da Mudes? (a fonética era esta, mais coisa menos coisa). Afinal era aquela gente do diabo que nos estava a comer as papas na cabeça!". E, de rajada, antes que eu tivesse tempo de pensar numa resposta à altura de tão grande responsabilidade, acrescentou, a coçar a orelha: "Olhe, mas ainda bem, que isto assim resolve-se em duas penadas. Já disse ao meu Renato, que está por lá a bulir há dezoito anos, que se venha embora e não deixe lá nem mais um tostão. Ele e os outros todos. Se os emigrantes sairem todos da América, eu sempre quero ver quem vai trabalhar para os camones. A Mudes fecha a porta enquanto o diabo esfrega um olho, e a gente fica por cá outra vez sossegados na nossa vidinha!".
Saí consolada. A solução da crise internacional está encontrada, finalmente. Falta só avisar a Mudes.