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Delito de Opinião

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (6)

Cristina Torrão, 07.02.25

Continuamos pelo planalto do Norte de Espanha, Comunidade Autónoma "Castela e Leão", rota: Burgos, Valhadolid, Salamanca (parcialmente ao longo do Duero/Douro) - uma região inóspita, esparsamente povoada, mas cheia de gente capaz de reconhecer e recompensar a coragem de uma jovem.

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A 1 de Novembro, 55.º dia de viagem, Jette montava a tenda, quando um homem veio ter com ela, perguntando se precisava de ração para a égua. Ela aceitou logo, Pinou necessitava de mais do que apenas relva. Foram a casa dele. O homem tinha dois cavalos e Pinou acabou por ser levada para junto deles. O espanhol acabou por dizer a Jette que ela podia dormir no seu quarto de hóspedes. Ao pensar no frio da tenda, ela aceitou, apesar de ele viver sozinho (ou, pelo menos, estar sozinho, naquela altura). Ele encomendou pizza para o jantar. E tudo correu bem, sem surpresas desagradáveis. No dia seguinte, à partida, a moça recebeu ainda um saco de comida.

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Quatro dias mais tarde, Jette recebeu uma mensagem desse mesmo espanhol, perguntando-lhe onde estava e se a podia ajudar a encontrar um local para dormir. A moça deu-lhe as informações e, dez minutos depois, ele enviou-lhe um endereço de uma família que se prontificava a alojá-la, com lugar para a Pinou.

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Numa manhã, um homem veio ter com ela ao caminho, de tractor, dizendo-lhe que gostaria de lhe mostrar os seus cavalos. Além de admirar os belos animais, Jette já não seguiu viagem, acabou por ficar a dormir nessa quinta.

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A próxima cena é tipicamente ibérica, poderia ter acontecido também em Portugal: Jette chegou à praça principal de uma aldeia e, de repente, tinha cerca de quinze pessoas à sua volta. Falavam todas ao mesmo tempo, fazendo-lhe perguntas, mas a moça não as entendia. Uma mulher acabou por surgir com alguém que sabia inglês. E convidou Jette para ficar na sua quinta, que, além da família, albergava um rebanho de trezentas ovelhas.

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A 7 de Novembro, 60.º dia de viagem, Jette chegou a Moríñigo, perto de Salamanca. Pernoitou, mais uma vez,  em casa de uma família e, no dia seguinte, “um homem muito simpático, sobre um belo cavalo espanhol”, acompanhou-a, mostrando-lhe o caminho para Arapiles, onde lhe tinha arranjado estadia.

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Depois do jantar, em Arapiles, Jette foi levada à bela Salamanca.

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Na manhã seguinte, ela tornou a ser acompanhada, durante alguns quilómetros, por um cavaleiro, amigo da família onde pernoitara. O mesmo aconteceu dois dias mais tarde. Os espanhóis revelavam-se, não só bons cavaleiros, como também cavalheiros.

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Nas últimas etapas, antes da fronteira portuguesa, Jette dava, constantemente, com portões. Deixavam-se aliás abrir facilmente e ela não hesitava em passar por esses terrenos, era-lhe difícil encontrar alternativas. Felizmente, não foi admoestada.

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Passava por manadas de bovinos e a Pinou surpreendia-a, mantendo-se calma, contrariando o comportamento  apresentado, antes da viagem: sempre se mostrara nervosa na presença de vacas, ou mesmo de ovelhas e cabras.

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Atrás de mais um portão, porém, Jette deparou com uma quinta de touros! A avaliar pelo vídeo (Tag 64), eu diria que eram de vinte a trinta animais. A moça ainda hesitou, mas acabou por entrar. Coragem, ou inconsciência, irresponsabilidade?

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O certo é que o insólito aconteceu: os touros comportaram-se como cordeirinhos! Ficaram calmos, enquanto a moça passava por eles, sobre a égua. Nem sequer reagiram, quando Pinou não resistiu e começou a comer de um dos montes de palha espalhados pelo terreno.

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Que conclusão tirar? Que os touros não são tão agressivos como se pensa? Que estes estavam habituados a ver cavaleiros e seus cavalos? Que sentiam a descontracção de Jette e de Pinou, respeitando-as e/ou não as vendo como ameaça? Os animais têm de facto sensibilidade especial para ler estados de espírito, digamos assim, uma espécie de sexto sentido. Aprendi isso com os cães. E todas as amizades entre humanos e animais, mesmo tratando-se de animais selvagens, como leões, por exemplo, são baseadas numa confiança incondicional, estabelecendo um compromisso que nunca lhes passa pela cabeça quebrar.

Muitos dirão ter sido apenas sorte, no caso de Jette. Não excluo essa hipótese. Mas é fascinante ver as fotografias e os vídeos postados pela moça.

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Estava-se a 10 de Novembro. Nesse dia, Jette chegou a Sancti-Spíritus e tinha apenas mais três etapas, até à fronteira portuguesa: Ciudad Rodrigo, Gallegos de Argañán e La Alamedilla. O planalto ia dando lugar à região montanhosa, que plenamente se desenvolve no lado português. A paisagem já era mais verde. Jette acabou por apanhar alguma chuva, o que aliás, tem as suas vantagens.

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Dez dias atrás, a moça lamentava, no seu diário, ainda lhe faltarem mais de 300 km até Castelo Branco. Nesse serão, escreveu que, apesar de se alegrar com a aproximação a Portugal, também se sentia um pouco triste, perante o fim da aventura. O fim desta viagem da sua vida.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette:

https://www.instagram.com/jette.horse.journey/

@jette.horse.journey

Todos chumbados e era pouco

Sérgio de Almeida Correia, 06.02.25

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Há dias deixei aqui uma reflexão sobre as razões para uma recente sondagem colocar um, por agora, putativo candidato à Presidência da República em posição de vencer as eleições presidenciais de Janeiro próximo.

Ontem, uma outra sondagem para o barómetro DN/Aximage e o debate parlamentar, com a presença do primeiro-ministro Luís Montenegro, confirmaram essa ideia que tenho e reforçou-me a convicção de que o almirante Gouveia e Melo, salvo qualquer surpresa de última hora e para mal dos meus pecados, levará a palma aos candidatos que já se apresentaram.

A sondagem do DN/Aximage, revelada num artigo de Bernardo Ralha com um título porventura enganador – “Governo continua a ter nota menos má do que uma Oposição que tem dois líderes" – preocupa-se em destacar aspectos laterais do resultado obtido, deixando na sombra aquele que é o resultado que verdadeiramente importa sublinhar.

Importante, ao contrário do que refere o articulista ao escolher o título em questão, não é saber se a nota do Governo é “menos má” do que a da Oposição, ou se esta tem dois líderes, porque na verdade chegámos a um ponto em que nenhum português com um mínimo de senso, sentido da realidade e preocupação com o futuro da democracia e do país dá uma esmola para esse peditório. De certo modo, isso também é revelador do desfasamento da agenda mediática em relação à realidade.

O que aquela sondagem nos diz, ignorando os que nada dizem ou não respondem, é que em relação à actuação do Governo actual são mais os que consideram mau e muito mau (34% + 13% = 47%) o seu desempenho do que os que o consideram bom e muito bom (41% + 4% = 45%).

E em relação à Oposição esses mesmos portugueses consideraram que a sua prestação é, digo eu, um verdadeiro desastre, visto que somente 34% a consideraram muito boa (3%) e boa (31%), sendo 55% os que a consideram má (44%) e muito má (11%).

Estes números deveriam fazer reflectir os partidos políticos e as pessoas que têm responsabilidades em Portugal. Qualquer candidato à Presidência da República não poderá deixar de olhar para isto.

Sondagem após sondagem os portugueses entendem que tanto o Governo como a Oposição são maus ou muito maus, que é como quem diz, absolutamente ineptos para as funções que desempenham, reafirmando aquilo que Medina Carreira já dizia e eu não me cansarei de reafirmar: esta gente não presta.

E ou os portugueses arranjam outros ou o destino deste país e da sua democracia estarão traçados e à mercê de qualquer surripiador de malas ou gangue autárquico com capacidade de organização.

Se juntarmos a esta sondagem da manhã o pornográfico debate parlamentar da tarde, a que muitos terão assistido sem saber o que pensar daquele nível de discussão, do estilo e tom que lhe foram emprestados e, em particular, da linguagem de carroceiro a que muitos recorrem e de que as sumidades do Chega e o deputado Ventura são os indiscutíveis campeões, perceber-se-á a razão para as sondagens apresentarem tais resultados.

E essa má impressão de quem governa e de quem interpela reflecte-se depois no processo Tutti Fruit, com dezenas de envolvidos e afins, cuja simples existência – não porque não devam existir – só por si constitui vergonha para as instituições e os portugueses. Igualmente nas acções de justicialismo mediático de uma certa magistratura que também gostava de poder governar, nos gangues que por aí proliferam nas mais variadas áreas de “empreendedorismo” e a que nem os desgraçados dos imigrantes escapam quando se trata de obter testados em juntas de freguesia, no que parecem ser procedimentos corriqueiros em autarquias de norte a sul, num saque permanente e de dimensões descomunais, de tal forma que há quem ache normal que um ex-secretário de Estado, em tempo integral e trabalhando em exclusividade, para além do tempo que demorou a demitir-se – quando se impunha que tivesse sido imediatamente demitido por quem tinham autoridade sobre ele –, poucos meses volvidos sobre a data da sua tomada de posse, tenha cabeça e tempo para pensar e constituir sociedades comerciais, independentemente do respectivo escopo e das áreas em que pretende actuar, num momento em que se devia dedicar de corpo e alma à acção governativa, a pensar e a resolver os problemas da área que lhe coube em sorte, e deixar as suas aventuras empresariais para quando saísse do Governo e da política activa.

Como se o problema do mau funcionamento do Estado e dos partidos políticos e o miserável recrutamento das “elites”, aliás amplamente espelhado nas múltiplas escutas telefónicas que clinicamente chegam às páginas dos jornais, às televisões, carregadas de cortes devido ao rico palavreado dos senhores deputados e ministros, e à Internet se resumisse a meros problemas de legalidade. Ou aos milhares de horas que os motoristas da Assembleia da República "faziam" aos sábados sem que ninguém desse por nada. Antes fosse.

Não sei quantos mais candidatos irão aparecer para as presidenciais. Os que aí estão não oferecem a mínima confiança. Facto agravado pela crise de credibilidade dos partidos e respectivas lideranças, cujo patrocínio a qualquer candidatura presidencial não é garantia de seriedade. Ainda recentemente se viu com as acusações que recaíram sobre um antigo dirigente e ex-candidato presidencial dos impolutos liberais, que acabou expulso do partido que o queria para nosso Presidente da República, enredado na justiça por falsificação de documentos numa autarquia. Grotesco.

É por isso que em momentos destes, e eu nunca pensei ter de vir a dizê-lo meio século dobrado sobre o 25 de Abril, é preciso olhar para o exemplo de homens como Ramalho Eanes – o PRD foi outra coisa – que com mais de 90 anos continua a dar-nos lições de cidadania, empenhamento cívico, lealdade a Portugal e aos portugueses e, acima de tudo, independentemente das respectivas convicções e erros de julgamento que como qualquer um terá cometido, de seriedade, boa-fé, elevação, nobreza de carácter, dignidade, desprendimento material na hora de servir e capacidade de resistir à errância, à frivolidade, à miséria moral, ao espectáculo mediático.

E não foi por ser um militar. Militares há muitos. E alguns que conheci uns farsantes e uns estafermos sem vergonha nem amor à farda.

Foi por ser um homem sério, que quando se está no Governo ou na Presidência não se está lá para “tratar da vida”, não se anda a constituir sociedades, a comprar e a vender acções, a investir em projectos imobiliários com os amigos, a constituir fundações com dinheiro público, a recorrer a fundos e subvenções por interpostas pessoas ou a ajudar a família, os conterrâneos, os colegas de escola, os amigos de infância e os amigalhaços de ocasião a singrar na vida.

E foi também por ter percebido que a política é uma actividade demasiado importante para ser confiada a arrivistas, a gente destituída de ética, moral ou carácter, a vigaristas diplomados, excursionistas da política, agilizadores de negócios, feirantes misericordiosos ou a videirinhos com os bolsos carregados de cromos dos três pastorinhos à procura do melhor ângulo para a foto e os saltinhos que os portugueses lhe ficarão sempre a dever.

Podemos ter muitos magos na bola, em muitas áreas da ciência e do conhecimento, da cultura, mas do que precisávamos mesmo neste hora era de um Eanes. De um Eanes na política. De um Eanes em Belém.

Se possível de muitos, com estaleca. Dentro dos partidos, metendo a canalha na ordem, correndo com o lúmpen das empresas, das autarquias, das escolas, dos campos, das universidades, das indústrias.

Precisávamos de gente como Eanes, com apego à democracia e às instituições, com ética de trabalho, serviço e respeito para com os outros. De gente séria, de gente que prestasse para alguma coisa e ajudasse a criar algo de útil e com futuro. De gente que, como ele, pudesse servir de exemplo e estímulo. Ou deixasse na sombra os miseráveis.

Lamento hoje, mais do que nunca, que tenhamos perdido duas gerações, estourando milhões a construir estádios e a produzir Cristinas, para as televisões e os partidos, desprezando o sangue, o suor e as lágrimas de tantos que nos precederam sem que tivéssemos sido capazes de produzir, não digo muitos, pelo menos uma meia-dúzia de pessoas capazes para a política com a estatura cívica e moral de um Ramalho Eanes. Um que fosse, militar ou civil, para sair da mediocridade e do anonimato e se apresentar às presidenciais de 2026.

Creio que até nisso os deuses nos estão a obrigar a pagar o preço do infortúnio. Da romaria, da Maria que foi com as outras. Pela medida grande. Crucificados diariamente numa espécie de Portugal dos pequeninos. Com os anões que temos a zelarem por nós. Mas sempre prontos para irem aos figos, às cavalitas uns dos outros, e fazerem justiça na hora dos dividendos.

Só me apetece dizer um palavrão. Dos grandes. Para ser ouvido no Além. E indignar os deuses. Espero que os leitores me desculpem.

Os burocratas

Paulo Sousa, 05.02.25

Não importa explicar todos os detalhes, mas imaginemos que numa obra em curso os respectivos pagamentos estão previstos numa sequência que acompanha o decurso dos trabalhos. Terminada cada uma das fases pré-estabelecidas no caderno de encargos, o construtor emite um auto de medição que deve ser assinado por si e pelo dono da obra. A facturação e pagamento ocorrerá apenas após a verificação e medição por uma terceira entidade.

Acontece que esta terceira entidade é também um habitat de sonho dos burocratas que nos emperram a vida e chegamos ao ponto em que, num dos autos de medição dos trabalhos efectuados, uma das rubricas tem a indicação de estar realizada em 50% (cinquenta por cento). Até aqui tudo bem.

Após vários telefonemas e emails trocados, fui alertado que a evolução do respectivo trabalho tem de estar representada em decimal e não em percentagem.

Dizem-me: O auto não está correto porque mantém os 50% nos primeiros artigos e não pode ser tem de ser 0.50, porque o auto é quantificado à unidade e não em percentagem.”

E é nesta fase que entendemos como é difícil ser português. Não por causa da administação Trump, dos russos, dos espanhóis ou dos chineses, mas por causa dos portugueses.

O primeiro impulso levar-me-ia a tentar trocar a falta de vírgula no texto pela vírgula exigida no auto de medição; a exigir-lhe a instrução de serviço em que se sustenta tamanha aberração; a uma explicação de Matemática ministrada por um aluno do primeiro ciclo; a explicar o clássico princípio contabilistico da Substância sobre a Forma; a telefonar ao chefe para interceder a favor da racionalidade, ou, após algumas horas de meditação, chá de hortelã e pés dentro de um alguidar com gelo, a ordeiramente telefonar ao construtor, lembrar-lhe que estamos em Portugal, com vergonha alheia pedir-lhe desculpa e solicitar a “correcção” do tal “erro”. Ao fim e ao cabo, não podemos hostilizar os burocratas, pois estes, sentido-se despeitados e ofendidos pela injúria, poderiam abrir toda a imensidão de pragas sem fim que emperrariam o "normal" decorrer dos trabalhos.

Assim, depois de me aliviar com este postal, irei cordialmente dar seguimento ao solicitado para que esta seja apenas uma normal quarta-feira na República Portuguesa.

 

PS: Mas, com alguma sorte, o link deste texto chegará ao alcance do burocrata em causa.

A Cultura Portuguesa

jpt, 01.02.25

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Fruto do surto de imigrantes e da desestruturação do serviços estatais de controlo fronteiriço - os anos de governação de Costa foram de pungente incompetência, e não só nesta matéria - mas também eco dessa problemática na Europa, grassa por cá uma atrapalhada discussão sobre a imigração. Os repugnantes fascistas alardeam, sem pudor e assertivos, a sua boçalidade. Os esquerdalhos bolçam, convictos, alimentando-os. Ali ao "Bloco Central" o secretário-geral do PS inflectiu agora um pouco o seu discurso, no rumo do bom senso, o que chocou muitos dos seus cúmplices. Mas logo os do PSD, em vez de acolherem essa via acusam-no de "eleitoralismo", mostrando-se epígonos da infecunda tralha que fez do PSD o PSD, restringidos não aos respectivos umbigos mas sim aos seus imundos prepúcios. É o estertor do regime, prisioneiro de gente capim.
 
Santos terá dito que aos imigrantes cumpre adaptarem-se à "cultura portuguesa". Logo à "esquerda" se insurgiram. Por exemplo, a socratista Ana Catarina Mendes - que foi deputada por Setúbal (pobre concelho), ministra e agora vai como eurodeputada - terá posto a mão na anca e dito que não sabia o que isso era. Uma jovem autarca bloquista, Escaja, foi a um desses programas ao laréu clamar que "a cultura portuguesa é uma merda". É notório que a nenhuma destes - e de vários outros - socratistas ou esquerdistas passa pela cabeça a simplérrima distinção entre "adaptar" e "adoptar". E isto nem lhes é demagogia, são mesmo apenas esta miséria! E entretanto, presumo que lá para outras bandas, os mithás ribeiros deste rincão preparem romarias à espada de Afonso Henriques, entoando "São Jorge", para comprovarem a existência da tal "cultura" daquela que dizem "Nação", para sublinharem o seu imbecil apreço pelo Estado Novo. Sem rebuço, estamos entregues aos bípedes...
 
O que é estranho é que há não muito tempo no país esse assunto era muito abordado. Eduardo Lourenço disse qualquer coisa como "temos um excesso de identidade" (escrevo de cor, não consultando livros), e ele próprio - no seu elíptico ensaísmo - discorreu sobre isso, a equação cultura/identidade, Alfredo Margarido deu curta mas decisiva canelada nas asneiras do senso comum, João Leal mostrou-nos os rumos intelectuais dos seus construtores, Carlos Leone também, as pessoas entusiasmaram-se e compraram milhares (e louvaram) de exemplares do vácuo "Portugal, o medo de existir" de José Gil, alguns sociólogos e antropólogos escreveram sobre as mundividências rurais e suas transições para o urbano. Talvez XXI não tenha trazido muito de novo sobre isso, não sei, não é o meu ofício nem meu interesse crucial, não leio nem procuro mais sobre o assunto.
 
Mas quando o espaço público se enche de atoardas sobre uma putativamente inexistente "cultura nacional" muito lamento a inexistência de "intelectuais públicos" antropólogos - se não falam agora falarão quando? - que apartem os sentidos de "cultura", e ensinem (é o termo) a operacionalizá-los e, mais do que tudo, a entender o que é uma fluidez estruturante. Até porque nos arriscamos não só ao predomínio desta incúria intelectual como ao alardear da superficialidade convencida - há algum tempo caí do sofá quando vi o ar erudito de Paulo Portas a recomendar na tv o "O Crisântemo e a Espada" (1946) de Ruth Benedict, como se fosse a porta para entender o Japão actual, a sua "cultura nacional", uma coisa pungente independentemente da magnitude da autora, mulher do seu tempo, intelectual do seu tempo, livro do seu tempo... Pois não há mesmo antropólogos "intelectuais públicos" portugueses - o único que o poderia ser, dotado da densidade e gravitas para isso, legitimamente isentou-se do rumo, calcorreia a sua via. Estamos assim, e repito-me, entregues aos bípedes...
 
É fim do mês, estico os restos do rancho. Almocei massa com atum, este refogado com malaguetas. Ao tabuleiro, diante da televisão. Liguei para o Filmin, recomendável canal-cinemateca e de barata subscrição. Comecei o Lawrence da Arábia, que não vejo há mais de uma década. "Só o começo", prometi-me, no afã de regressar às minhas gratuitas inutilidades. Mas o filme é grandioso, e maravilhosa a subtil explicitude de O'Toole, fui-me deixando ficar, (re)descobrindo tudo aquilo, encantado. Dei comigo a dizer-me "que pobres, coitados, são os admiradores do Tarantino"...
 
E depois, um bom bocado depois, exultei. Parei e tirei esta fotografia, pois ali está a súmula de tudo isto. O'Toole e Omar Sharif atravessam uma terrível rota do deserto, um dos soldados de Sharif caiu do camelo durante a noite, o seu chefe recusa-se a recuar para o salvar, no fatalismo do que aquele era seu destino ("estava escrito"). O'Toole (Lawrence) insurge-se, vai sozinho salvar o "naufragado". Quando regressa, após inclemente travessia, Sharif, aliviado, passa-lhe o seu (precioso) cantil. E Lawrence (O'Toole) - essa peculiar figura do Império, do "Ocidente", retratado num filme típico mas passível de múltiplas leituras - responde-lhe "Nada está escrito", clamando, ainda ali trôpego, o primado da indeterminação, essa construção histórica e conflitual de uma civilização específica. Cultura.
 
E se eu tivesse a dimensão de um "intelectual público" faria deste fotograma a demonstração da mediocridade destes ignorantes demagogos. Mas sei que não o sou, sigo sapateiro sem rabecão. Por isso, acabrunhado, apago a televisão. Saio e vou beber uma cerveja com uma belíssima amiga, minha "mana". Depois tartamudeio comezinho com vizinhos. E sigo para tasquinhar um bom queijo com outra bela amiga. E com eles, mas muito mais com elas, afasto a tristeza de viver neste país de... bípedes. E de com estes, apesar deles, partilhar a "cultura portuguesa".
 
*****
 
Adenda: Quando lamento a mudez da antropologia (disciplina onde abundam esganiçados "activistas" e um ou outro degenerado socratista) tenho razão. Vejo agora de manhã que o historiador Rui Ramos disse ontem no Observador o necessário (estou grato a quem me ofereceu o acesso ao artigo) - "ai, o Rui Ramos é de direita", guincharão em falsete vários daqueles a quem o Estado, pouco mas certo, paga para ensinar as novas gerações de intelectuais!... Ramos, que é um intelectual público, nisso criticável e legível, deixou o artigo aqui
 
Como é importante e o texto não é de acesso livre roubo extracto, longo: "Pedro Nuno Santos a reconhecer que a política de portas escancaradas à imigração do governo de António Costa estava errada. (...) Para os últimos abencerragens de uma esquerda woke que ontem se julgava o futuro e hoje descobre que é o passado, tudo isto é uma rendição à “extrema-direita”. Se é rendição, temos de reconhecer que os partidos de governo dos regimes ocidentais não cederam sem luta. Durante anos, fizeram da imigração descontrolada um tabu. Mencioná-la já era “racismo”. No fim, nenhuma censura bastou para calar sociedades desequilibradas pelo afluxo súbito, caótico e ilegal de milhões de estrangeiros.
 
As sociedades ocidentais foram sujeitas à mais extraordinária de todas as experiências. As necessidades de mão-de-obra barata são reais. Mas tentou-se satisfazê-las abolindo as fronteiras. Nações antigas viram-se sob a ameaça de serem reduzidas a uma espécie de aeroportos internacionais, por onde as pessoas passassem sem nada mais terem em comum do que o acatamento de certas regras. Mas o fundamento das democracias liberais ou do Estado social não é simplesmente a obediência à lei, mas a comunhão de valores a que chamamos “nação”. As nações não são dados naturais: são o resultado da história, de séculos de conflito e compromisso. Na sua origem, não está qualquer homogeneidade, mas uma pluralidade que, sem desaparecer, chegou a um sentimento de solidariedade e destino comum que faz pessoas muito diferentes identificarem-se entre si. É a nação que explica que possamos ser diversos sem cairmos sempre em guerras civis. É um património que subjaz a quase tudo o que é precioso no Ocidente: a liberdade, a igualdade, a coesão social, o pluralismo. É a isso que chamamos “segurança”, que não é apenas a contenção da criminalidade, mas o sentimento de estarmos em casa.
 
Nada disto tem a ver com a cor da pele, dos olhos ou dos cabelos ou com origens geográficas, nem com todas as religiões ou ideologias. É uma questão de valores comuns. O problema das migrações descontroladas não é só a chegada de pessoas que não partilham tais valores, mas a proposta woke, que pareceu dominar os regimes ocidentais, de que não deveríamos pedir nem esperar adesão ou sequer respeito por esses valores. Foi o projecto woke, inspirado pelo ódio da extrema-esquerda ao Ocidente, que acima de tudo criou insegurança. O resto são tremendas dificuldades logísticas, que agravaram a falta de habitação e o colapso dos serviços públicos. O caos migratório não é compatível com qualquer integração. Através da imigração nestas condições, aquilo que a oligarquia fez foi reconstituir a massa de trabalhadores pobres e pouco qualificados (...)".

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (5)

Cristina Torrão, 31.01.25

Depois de ver o pai ir-se embora, deixando-a no meio daquela região seca e solitária, na região de Burgos, Jette não conseguiu evitar a tristeza. Preocupava-se igualmente com a Pinou, já um pouco emagrecida. Conseguiria encontrar relva fresca, por aqueles caminhos de cascalho, que tinham ainda a desvantagem de acelerar o desgaste dos  “sapatos” da égua?

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Jette fixou a sua atenção nos aspectos positivos. O sol brilhava e a temperatura era amena (17ºC). E encontrava fontes pelo caminho, como aliás já lhe haviam dito ser usual em Espanha, onde a Pinou podia matar a sede.

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Para a primeira noite, Jette encontrou, inclusive, um relvado com uma fonte, à saída de uma aldeia. Teve algumas reservas em montar a tenda em terreno público, sem permissão, mas ninguém reclamou. Pelo contrário. Várias pessoas passeavam por ali, com os seus cães, e cumprimentavam-na. Muitas tentavam conversar com ela, mas Jette quase nada entendia. Mesmo servindo-se do tradutor do Google, a comunicação era difícil. E ela estava cansada. Não obstante a simpatia das pessoas, a situação mostrava-lhe as dificuldades que teria de enfrentar, naquele país. Quando se recolheu na tenda, a moça sentiu-se muito sozinha.

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Nos dias seguintes, Jette tinha dificuldades em encontrar onde dormir. Sucediam-se as aldeias e quintas abandonadas.

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Num certo serão, era já bem tarde, quando encontrou uma localidade habitada. Sem vontade de procurar um lugar adequado, montou a tenda num parque infantil relvado. Ainda ali brincavam algumas crianças, preocupando Jette, pois os pais poderiam não ficar satisfeitos.

Mas niguém reclamou. Na verdade, os petizes ficaram muito entusiasmados com aquelas viajantes exóticas e até arranjaram maneira de carregar o powerbank de Jette.

Numa outra aldeia, parcialmente abandonada, Jette sentia os olhares curiosos pousados sobre si, quando lá entrou. Acabou por encontrar os obrigatórios fonte e relvado. Montou a tenda e encontrava-se a planear a rota para o dia seguinte, quando um carro parou à sua frente. Um espanhol começou a falar com ela. Sem o entender, Jette acabou por responder apenas “Sí”. O homem abalou. Passado um quarto de hora, surgiu-lhe com um saco de comida. E a surpreendida Jette acabou por jantar bem melhor do que pensava.

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Depois de mais uma noite passada na tenda, uma mulher veio ter com ela, convidando-a para tomar o pequeno-almoço e autorizando-a a tomar duche em sua casa. Lá chegada, Jette constatou que o marido sabia falar inglês, tornando a comunicação bem mais fácil.

Surpreendeu-se com o pequeno-almoço, onde abundavam os croissants e as bolachas. À despedida, ainda lhe deram um saco de comida.

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Numa outra aldeia, quando estava a montar a tenda, foi abordada por uma idosa, que tinha vivido oito anos na Alemanha e sabia falar alemão. Os outros habitantes aperceberam-se da conversa animada entre as duas e, inteirando-se da jornada de Jette, trouxeram-lhe o jantar. A idosa, apesar de não ter um quarto para a moça, quis mostrar-lhe a sua casa, onde vivia sozinha e onde as duas passaram o serão a ver fotografias da sua família.

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Apesar destes bons momentos, Jette passava dias inteiros sem encontrar ninguém, pelo caminho, enquanto percorria o planalto seco. Além disso, os dias ficavam cada vez mais curtos e, à noite, a temperatura chegava a descer aos 8ºC, com vento. Condições difíceis para dormir na tenda.

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A 31 de Outubro, o 54.º dia da viagem, Jette atravessou o Douro (Duero), a caminho de Traspinedo, perto de Valhadolid.

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Ao serão, escreveu no diário (tradução minha): “Neste momento, apenas desejo chegar ao destino. Segundo o Maps, são ainda 330 km até Castelo Branco, embora eu saiba que acabarão por ser mais. Sinto-me esgotada e noto que também a Pinou está cansada. Talvez a bonita paisagem nos consiga ainda animar, mas, por agora, estamos as duas cheias desta jornada."

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Logo a seguir, porém, tentou animar-se (admiro esta sua capacidade de olhar, sempre, para os aspectos positivos): “Por outro lado, fascina-me a confiança total que a Pinou deposita em mim. Ela seguir-me-ia incondicionalmente para todo o lado. E constato que, em Espanha, as pessoas são generosas, muitas vezes, melhores do que se pensa. Tenho de ter sempre presente este tipo de experiências, nos meus pensamentos – uma oportunidade enorme, um presente inacreditável."

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Compensou acreditar na generosidade das pessoas. A hospitalidade de nuestros hermanos não deixou de surpreender Jette. Talvez eu própria, ao ler o seu diário, tenha ficado ainda mais surpreendida do que ela.

Num serão, depois de encontrar um relvado, a moça preparava-se para tirar a sela a Pinou, quando uma mulher veio ter com ela. Sabia falar inglês, morava ali mesmo ao lado e convidou-a para jantar e pernoitar em sua casa. Veio mesmo a calhar, sendo as noites já tão frias.

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Numa outra aldeia, foi abordada por várias pessoas e, quando ela disse não falar espanhol, foram logo buscar quem soubesse inglês. Este “tradutor” convidou-a para jantar e pernoitar na casa da sua família, podendo a Pinou ficar no terreno relvado do vizinho. Além disso, entrou em contacto com conhecidos na aldeia onde Jette programara passar a próxima noite, logo lhe arranjando alojamento.

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Talvez não fosse assim tão difícil continuar até à fronteira portuguesa, em pleno Novembro...

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette:

https://www.instagram.com/jette.horse.journey/

@jette.horse.journey

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (4)

Cristina Torrão, 24.01.25

Além da alegria pelo reencontro com o pai, Jette passou um serão muito agradável, com a senhora que os hospedou, o seu neto e o cão da família.

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Estavam apenas a 10 km da fronteira francesa e, num acto simbólico, Jette atravessou-a a cavalo, enquanto o pai esperou por ela do lado francês.

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Depois de acomodarem a Pinou no atrelado, fizeram-se ao caminho, em direcção a Espanha.

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Jette queria, porém, realizar um sonho: cavalgar ao longo do Atlântico. Fizeram, então, uma paragem em Capbreton, pequena localidade costeira perto de Bayonne. Aí, Jette e Pinou viveram momentos inesquecíveis.

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A moça cavalgou durante cerca de uma hora, na praia. Jette escreveu (tradução minha): “Penso que nunca tinha galopado a tamanha velocidade. Depois de tanto tempo no atrelado, a Pinou estava cheia de energia, fazendo a areia voar à nossa volta. Um grande sonho meu tornou-se realidade e não consigo expressar em palavras os sentimentos que me abalroam. Tenho uma sorte incrível em poder viver tudo isto."

Há um vídeo, feito pela própria Jette, a galopar. Quem tiver Instagram, pode vê-lo, no 43º dia de viagem (Tag 43). Ponho aqui um frame desse vídeo, onde se vê a crina da Pinou a voar.

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Realizado este sonho, Jette e o pai retomaram a viagem. Atravessaram a fronteira e alojaram-se numa bonita quinta, nos Pirenéus, onde ficaram três dias.

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Aproveitaram para visitar Bilbao, a cerca de hora e meia de distância.

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Em princípio, Jette retomaria a sua viagem a partir do alojamento, mas, tanto ela, como o pai, pensaram ser melhor deixar os Pirenéus para trás. Uma boa ideia, sobretudo, tendo em conta que já se encontravam em fins de Outubro. Avançar sozinha com a Pinou, por zona tão montanhosa, onde não se exclui a caída de neve, podia tornar-se perigoso. Seguem-se algumas imagens minhas, igualmente frames, de um troço da auto-estrada entre Vitoria (Gasteiz) e Burgos. O vídeo foi feito durante a nossa viagem, em Abril do ano passado.

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2024-04-22 20 A caminho de Burgos - frame at 0m21s

2024-04-22 20 A caminho de Burgos - frame at 0m32s

A 24 de Outubro, o pai de Jette deixou-a na zona de Burgos. Confesso que esta era a fase da jornada que mais curiosidade me despertava: o longo planalto espanhol, entre Burgos e a fronteira portuguesa.

O Horst e eu já fizemos este caminho inúmeras vezes, nos últimos trinta e dois anos. Mesmo da auto-estrada, dá para perceber como a região é seca e solitária, quase um deserto de rochas e pó. Na Primavera, ainda se vê algum verde a cobrir as colinas, salpicado com o vermelho das papoilas. No Verão, há culturas de girassóis e, nos últimos anos, cada vez mais, de colza. No Outono, porém, já se colheu tudo, restando uma paisagem queimada, onde proliferam as aldeias abandonadas.

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Como iria Jette dar-se nesta inóspita região, tendo ainda (evitando estradas principais) cerca de 500 km até à fronteira portuguesa, com apenas uma égua por companhia e sem saber falar espanhol? Conseguiria alimentação suficiente e lugares de pernoita? Seriam nuestros hermanos (os poucos que ela encontraria) hospitaleiros? Temos sempre a impressão de que os espanhóis são arrogantes, pouco amigos de ajudar…

Depois de ver o pai partir, Jette sentiu-se muito sozinha. Já não estava na Alemanha, onde podia comunicar na sua língua. E, já nem os pais, nem o namorado, podiam vir ter com ela, no espaço de meia dúzia de horas.

À despedida do pai, um sorriso para a fotografia.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas (à excepção dos frames na auto-estrada, como explicado) foram retiradas do diário de viagem de Jette:

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Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (3)

Cristina Torrão, 17.01.25

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Chegada a Krefeld, depois de vinte e um dias de viagem e quase 570 km percorridos, Jette deixou a Pinou bem entregue e descansou três dias, alojada em casa de um tio. O namorado foi ter com ela. Na bagagem, trazia uma ração especial para a Pinou, própria para cavalos sujeitos a maiores esforços.

Jette e Pinou bem precisaram de todos os confortos proporcionados por esta estadia. Ao retomarem a viagem, a 1 de Outubro, tinham a Eifel pela frente, uma cordilheira montanhosa, na Renânia-Palatinado, que se estende por 5300 km², entrando na Bélgica e no Luxemburgo e atingindo, no seu ponto mais alto, à volta de 750 m.

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Não eram apenas os montes a tornarem custosas as etapas. Os dias eram já curtos e o tempo mudou, tornando-se frio e chuvoso. Por vezes, chovia um dia inteiro. Nas pausas, para comer a merenda, Jette abrigava-se debaixo de uma árvore. E nem sempre encontrava quem lhe cedesse um quarto para dormir.

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Pernoitando na tenda, com temperaturas entre os 0ºC e os 4ºC, Jette tinha frio, apesar de se deitar vestida com calças de ski e de cobrir o saco-cama com uma manta da Pinou, feita de pêlo de ovelha. Por vezes, tinha de montar a tenda em relvados totalmente alagados. Deste modo se apresentavam igualmente muitos caminhos, obrigando-as a fazer grandes desvios.

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Havia dias em que só avançavam 18 ou 20 km. Cheia de andar à chuva, Jette começava a procurar alojamento pelas duas e meia da tarde. E, caso só lhe restasse dormir na tenda, a preparação da viagem, no dia seguinte, era penosa, debaixo da chuva. Jette sentia pouca motivação para continuar e demorava uma eternidade até ter tudo pronto, só arrancando pelas 11 horas.

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A jovem começou a duvidar se devia prosseguir. Sempre soube que ia deparar com dificuldades, mas seriam estes desafios extremos boas lições de vida, ou contribuíam apenas para a deprimir? Sentia muita falta do namorado, da família e de uma rotina caseira. Não saber, dia após dia, onde e como ia passar a noite, era psicologicamente exaustivo. E parecia-lhe que as mudanças constantes esgotavam também a Pinou. A todo o momento, poderia solicitar ao pai que a fosse buscar de carro, trazendo um atrelado para a égua. Acabaria por o fazer?

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Depois de dez dias de canseiras e extremo desconforto, encontrou uma pequena quinta com gente muito simpática. A Pinou teve direito a um estábulo coberto e, apesar de a família não ter um quarto disponível para a Jette, ela pôde dormir numa divisão aquecida, deitada no seu colchão de ar.

No dia seguinte, talvez notando que ela estava realmente esgotada, sugeriram-lhe que ficasse mais uma noite. Num primeiro momento, ela recusou, queria avançar. Mas mudou de ideias. Era Domingo e, se ela e a Pinou estavam tão bem instaladas, porque não aproveitar aquele dia para descansar?

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A primeira coisa que fez, depois do pequeno-almoço, foi tornar-se a deitar. Aquela possibilidade de poder descansar, a qualquer momento, sem preocupações, fez-lhe sentir a familiaridade típica de um Domingo. Convidaram-na para almoçar e, em seguida, como não chovia, resolveu ir dar um passeio com a Pinou. Poder cavalgar, sem sujeitar a égua ao peso da bagagem, trouxe-lhe uma sensação de verdadeira felicidade.

Na segunda-feira, fizeram-se novamente à estrada. Os montes continuaram a cansá-las, mas o tempo melhorara e Jette notava que a Pinou, entretanto treinada, vencia melhor as subidas. Passado uns dias, numa outra aldeia, a jovem teve de escolher entre a tenda, ou levar o saco-cama para um antigo curral de vitelos, o abrigo da Pinou, guarnecido com feno fresco.

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Escolheu ficar com a égua, o que se revelou a melhor solução. Durante a noite, Pinou deitou-se duas vezes ao lado dela, algo que, naquela situação, lhe deu conforto e felicidade imensos. Estabelecia-se uma verdadeira cumplicidade entre as duas, baseada, como sempre acontece numa relação entre um humano e um animal, numa total confiança mútua.

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O saco-cama de Jette, no curral onde ela dormiu ao lado da Pinou

A jornada prosseguiu, novamente com alguma chuva. Por vezes, tinham sorte e encontravam um lugar agradável para dormir, com gente que a convidava para jantar. Outras vezes, tinham de se contentar com mais um terreno alagado, onde a moça montava a tenda, enquanto a noite se aproximava fria.

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Jette ia resistindo, deixando a Eifel e as suas montanhas para trás, à medida que se aproximava do Saarland, onde o pai surgiria, a fim de as transportar até Espanha. Isso dava-lhe naturalmente motivação extra.

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O pai e ela encontraram-se a 20 de Outubro, perto da fronteira francesa. A moça e a égua tinham percorrido quase 1000 km, em quarenta dias.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette:

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Facto nacional de 2024

Pedro Correia, 15.01.25

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CRISE NO SNS

Podia ter sido noutro ano, pois já vem de longe. A crise no Serviço Nacional de Saúde foi destacada, pelos autores do DELITO DE OPINIÃO, como Acontecimento Nacional de 2024 pelo impacto que teve junto de um número crescente de portugueses - e até de cidadãos estrangeiros residentes no nosso país. Num ano em que o Instituto Nacional de Emergência Médica teve três presidentes sucessivos.

Houve demissões em cascata de conselhos de administração de unidades locais de saúde. O Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta foi exonerado em Setembro. No mês seguinte, demitiram-se o director de cirurgia e outros dez cirurgiões do Hospital Amadora-Sintra. Em Dezembro, o director do serviço de urgência do Hospital São Francisco Xavier saiu a seu pedido. Já em Abril, havia saído o próprio director-executivo do SNS, Fernando Araújo.

«Se não foi fácil erguer o SNS, mantê-lo e geri-lo condignamente está a pôr à prova não apenas os governos, mas diferentes níveis de administração, grupos profissionais e  autarquias.» Observação certeira de alguém que assumiu esta opção de voto.

Outro membro do DELITO foi mais longe: aludiu a crise endémica dos serviços estatais. Especificando: «Não é só o SNS que recebemos minado: são também os muitos meses de espera por uma junta médica; os meses de espera para quem se pretende reformar; os serviços do Ministério da Educação que são incapazes de fornecer números fiáveis; os transportes públicos que continuam pouco dignos de confiança (o jornalismo não parece interessado em investigar seriamente o estado actual do Metro e da Transtejo, tendo mesmo de ser um presidente da Câmara a reportar aos jornais a bandalheira dos barcos eléctricos); as forças policiais em conflito entre si; etc.»

 

Com sete votos, apenas menos um do que o acontecimento mais destacado, foi mencionado o novo ciclo político ocorrido com as eleições legislativas de 10 de Março e a formação do executivo minoritário da AD liderado por Luís Montenegro.

«Pela primeira vez em muitos anos a esquerda é minoritária na Assembleia da República, o que coincidiu com o fim do ciclo de mais de oito anos de governação PS», observou alguém.

 

Outros factos ou percepções, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem lavrados em acta como sempre sucede, ano após ano, no nosso blogue:

- Aprovação do Orçamento do Estado, em 29 de Novembro, contrariando muitas previsões que davam como garantido o chumbo parlamentar deste instrumento essencial à governação do País.

- A contínua emigração de jovens, que vai adquirindo «contornos de calamidade».

- Os distúrbios nas imediações de Lisboa, na sequência da morte do caboverdiano Odair Moniz, a 21 de Outubro, por revelarem «tensões sociais e de inspiração racista que devem merecer toda a atenção».

- A queda de Pinto da Costa, «com as consequências desportivas e penais que isso implica», após 42 anos de poder absoluto no comando do FC Porto.

- A confirmação da mediocridade da elite política, «o que só agrava a resolução dos problemas nacionais».

 

Participaram na votação 18 membros do DELITO. Como sempre acontece, cada um pode votar em mais de um tema ou em nenhum, se assim o entender.

 

Facto nacional de 2010: crise financeira

Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal

Facto nacional de 2013: crise política de Julho

Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo

Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda

Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol

Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro

Facto nacional de 2018: incúria do Estado

Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento

Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida

Facto nacional de 2021: vacinação em massa

Facto nacional de 2022: o regresso da inflação

Facto nacional de 2023: queda do governo de maioria absoluta

Um exemplo que não seguimos *

Paulo Sousa, 15.01.25

Quando nos comparamos com os EUA ou os países desenvolvidos da Europa Central, encontramos vários aspectos que explicam o nosso, já antigo, atraso económico e social. Desde a Revolução Industrial que quem liderou a criação de riqueza foram os países onde existiam minas de carvão e outros recursos naturais a partir dos quais isso aconteceu. Ali, havia também uma relação diferente com o trabalho, pois as sociedades protestantes sempre colocaram mais energia na prevenção dos azares, do que as católicas que se focam mais na explicação do que não nos é favorável. O “se trabalharmos arduamente as coisas correrão bem” dessas paragens, contrasta com o nosso “se as coisas não correrem bem, é porque fizemos por o merecer”. Perante um ponto de partida tão diferente teríamos mesmo de aceitar o nosso atraso. Lá está. As coisas são como são, e por isso teríamos de as aceitar.

E é então que nos deparamos com um caso que abala esta visão que só serve para nos anestesiar na nossa resignação. A Irlanda, tal como nós, um país de matriz católica, periférico e sem recursos naturais, tem conseguido resultados económicos que, pelo menos, nos devem fazer pensar sobre as nossas decisões das últimas décadas. Em 1986, quando entramos na CEE, a riqueza criada per capita na Irlanda era cerca de 4.000 dólares superior à nossa, mas desde então, essa diferença aumentou para os 75.000 dólares. E digo, 75.000 dólares a mais, por pessoa, em cada ano.

Então, não é a Irlanda um país igualmente católico? Não é a Irlanda um país igualmente periférico? Não é a Irlanda um país igualmente sem recursos naturais? Em que é que ficamos nas comparações tradicionais? O que é que os irlandeses fizeram de maneira diferente dos portugueses? Sem mergulhar em grandes detalhes técnicos, podemos simplificar a explicação dizendo que eles foram muito melhores que nós, mesmo muito melhores, a atrair empresas e negócios. Quando o bolo é maior, há mais para distribuir e perante um bolo pequeno, é normal que se lute por migalhas. A riqueza criada numa economia funciona da mesma forma.

Por falta de espaço neste texto não irei aqui elaborar sobre a comparação das taxas de imposto cobrado a particulares e a empresas nestes dois países, mas a diferença é realmente enorme. Quem quer atrair negócios e riqueza, não deve complicar a vida às empresas, tal e qual como não é com vinagre que se atraem moscas. E a diferença na riqueza produzida permitiu que o salário mínimo irlandês seja de 2.146 euros, o que contrasta com os nossos 956 euros. No salário médio a diferença ainda nos é mais desfavorável.

As consequências destas diferenças de rendimento na qualidade de vida dos dois povos são óbvias. O nosso melhor clima, gastronomia e exposição solar não são suficientes para nos dar a liberdade de escolha que os irlandeses têm, pois no fim das contas é óbvio que os pobres são menos livres. Alcançar uma vida melhor teria sido possível, e ainda será, mas nestes anos consumimos mais uma geração a preferir almoçar e jantar ideologia. Tudo isto é muito irritante e há uma outra consequência com que, ao contrário dos irlandeses, hoje temos de lidar. Refiro-me ao peso eleitoral de um partido que na sua essência se pode descrever como um partido que atrai pessoas irritadas. O Chega irlandês nunca singrou, pois os irlandeses não querem mudar a Irlanda. Desejam apenas manter a trajectória que os trouxe até aqui.

 

* Texto publicado no jornal O Portomosense

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (2)

Cristina Torrão, 10.01.25

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A viagem de Jette (Iéta), que se propôs ir da Alemanha até Portugal a cavalo, começou da melhor maneira, a 8 de Setembro do ano passado. Teve sorte com o tempo. Houve mais sol do que o costume e as temperaturas mantiveram-se amenas durante todo esse mês. Além disso, o Norte da Alemanha é plano, facilitando o avanço, e o alojamento estava planeado para a primeira semana.

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A fim de não cansar demasiado a Pinou, que carregava com a bagagem, Jette não passava os dias num galope desenfreado, como gostamos de imaginar. Na maior parte das vezes, limitava-se a uma marcha lenta e descontraída. E, não raro, desmontava e caminhava ao lado do animal, guiando-o pela rédea. Fazia também muitas pausas, a fim de que as duas pudessem descansar e alimentar-se.

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Passado uma semana, Jette tinha vencido cerca de 160 km por terrenos aprazíveis, cheios de erva fresca para a Pinou. Encontrava-se na pequena localidade de Wunstorf, no dia 15 de Setembro, e os pais e o namorado foram passar o fim-de-semana com ela.

Jette encetou a viagem na segunda-feira, mas, apesar do tempo continuar bom, caiu numa onda de tristeza, depois de ter estado com os entes queridos. Sentia, todos os dias, faltar-lhe a motivação para continuar.

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O facto de já não ter alojamentos reservados, tornou-se, porém, vantajoso. Livrara-se da obrigação de vencer determinada distância, a fim de alcançar um destino marcado. E encontrar um local para dormir revelou-se mais fácil do que o esperado. As pessoas que Jette ia encontrando pelo caminho faziam-lhe perguntas e, inteirando-se da sua história, gostavam, geralmente, de a ajudar. Logo lhe indicavam um local, em determinada aldeia, onde ela poderia pernoitar, com estábulo para a Pinou. Essas casas de lavradores nem sempre tinham um quarto à disposição para ela, mas autorizavam-na a montar a sua tenda nalgum relvado, ou a dormir numa roulotte, caso a tivessem. Por vezes, convidavam-na para jantar.

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Havia outras surpresas agradáveis. Num dia, estavam ela e a Pinou a fazer uma pausa, quando um carro parou à sua frente. Depois das perguntas habituais, Jette foi convidada a deslocar-se à quinta dessas pessoas, onde lhe ofereceram maçãs e água para a continuação da viagem. Num outro dia, passando por uma pequena localidade, viu uma gelataria e resolveu comer um gelado. Um homem abordou-a, ao vê-la acompanhada de um cavalo, e, ao saber dos seus planos, fez questão de lhe pagar o gelado, surdo às tentativas de recusa da moça.

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Ir às compras, de vez em quando, era inevitável e, à boa maneira western, Jette amarrava a Pinou à entrada dos estabelecimentos, suscitando olhares estupefactos. Normalmente, porém, as pessoas eram simpáticas. Pediam-lhe autorização para as fotografar e algumas até se atreviam a fazer festas à égua. Nestes, como noutros casos, não lhe era possível evitar passar pelo meio das localidades. A sua presença suscitava sempre grande surpresa e interesse. Nem toda a gente a encarava satisfeita, mas não a molestavam.

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Depois de duas semanas de jornada, e ainda na sequência da ressaca provocada pelo encontro com os pais e o namorado, Jette confessou, no seu diário de viagem (Tag 14), estar a ser extremamente cansativo. Todos os dias se tinha de adaptar a novos locais e responder às mesmas perguntas, além de se lhe depararem constantes desafios. Depois de encontrado alojamento, tinha de cumprir muitas tarefas, até poder descansar: livrar a Pinou de toda a bagagem, tratar da alimentação da égua e, por vezes, limpá-la, antes de se tratar a ela própria.

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Por vezes, tinha ainda de montar a tenda. De manhã, em sentido inverso: desmontar a tenda, tratar da Pinou e dela, reunir toda a bagagem, selar a Pinou e carregá-la. Por outro lado, escreveu ela, era igualmente interessante conhecer locais e pessoas diferentes todos os dias. E aprendia algo a cada desafio. No fundo, era esse o sentido da viagem: amadurecer a cada nova experiência.

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Deparava constantemente com obstáculos, obrigando-a a grandes desvios, por vezes, significando voltar vários quilómetros atrás, apenas para os recuperar em seguida. Certa vez, preparava-se para atravessar uma auto-estrada e encontrou a ponte fechada por motivo de obras. Lá lhe indicaram uma alternativa, mas também isso lhe custou vários quilómetros.

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Numa zona de ribeiros, deu com várias pontes barradas com um pequeno poste. Tratava-se de um percurso pedonal e de ciclistas e os postes evitavam que as pontes fossem usadas por motorizadas ou outro tipo de veículo a motor. Mas impediam igualmente a sua passagem com a Pinou. E Jette pensou que uma família em passeio com um carrinho de bebé veria o seu avanço igualmente barrado.

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Em dias de muita chuva, dava com caminhos impossíveis de serem passados devido à grande quantidade de lama. Jette receava que a égua escorregasse e partisse uma perna. Via-se constantemente obrigada a procurar alternativas à rota planeada, daí esta sua viagem ser bem mais longa do que feita pela auto-estrada, ou mesmo por uma estrada nacional.

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Apesar de todas as canseiras e desânimos, Jette prosseguia. E, ao 21º dia de viagem, a 28 de Setembro, chegou a Krefeld, cidade de 240.000 habitantes, na Renânia do Norte-Vestfália. Jette fez quase 570 km para lá chegar. De Hamburgo a Krefeld, pela auto-estrada, são cerca de 400 km.

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A atravessar o rio Reno numa barcaça (ferry)

 

Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas se podem encontrar no diário de viagem de Jette:

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Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (1)

Cristina Torrão, 03.01.25

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Jette é uma alemã de vinte anos, moradora nos arredores de Hamburgo e cuidadora da égua Pinou.

Muitas meninas alemãs são fascinadas por cavalos, uma fascinação que começa pelos cinco ou seis anos de idade. As escolas de equitação proliferam e o sexo feminino está em clara maioria, tanto a nível de alunos, como de professores. As crianças mais pequenas iniciam a sua aprendizagem com póneis.

Muitas vezes, essa fascinação acaba por desaparecer na adolescência. Caso se mantenha, os pais com mais posses compram cavalos para as filhas e alugam lugares nos estábulos das escolas ou de quintas. As moças pertencentes a famílias, cuja situação financeira não permite tal aquisição, prontificam-se a cuidar dos animais e a limpar os estábulos em troca da prática gratuita de equitação.

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Jette (pronuncia-se Iéta) trata da Pinou desde 2023. No ano passado, porém, a dona da égua resolveu mudar-se para Portugal, para os lados da Bemposta, alguns quilómetros a norte de Castelo Branco. Penso que essa senhora terá mais animais e não sei pormenores da mudança. Sei que ela não levou logo a Pinou, deixando-a num estábulo conhecido e aos cuidados de Jette, até organizar o seu transporte.

Depois de completar o liceu, Jette ainda não decidiu como continuar a sua vida. Muitos jovens alemães tiram um ano para viver no estrangeiro, ou exercer alguma actividade relacionada com serviço social, no seu país, antes de prosseguirem os estudos. Jette passou quase três meses na Nova Zelândia, no ano passado, a cuidar de cavalos e a dar aulas de equitação. E tenciona tornar a ir. Entretanto, regressada à Alemanha, no Verão, a mãe sugeriu-lhe, em tom de brincadeira: “porque não levas tu a Pinou, fazendo uma viagem a cavalo até Portugal?”

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A ideia não mais saiu da cabeça de Jette. E contactou a dona da Pinou que, depois de reflectir uns dias, lhe respondeu: “Faz isso, então, se é o que queres”.

Decidida a provar a si própria e aos outros de que seria capaz, Jette começou a treinar mais intensamente com a égua e a preparar a viagem. Os pais e o namorado colaboraram, discutindo os planos com ela. Iniciando-se a jornada em Setembro, e como seria irrealista atravessar os Pirenéus no Inverno, o pai prontificou-se a levá-la de carro através da França, até Bilbao, caso ela realmente conseguisse atravessar a Alemanha, de Hamburgo até à fronteira francesa, no Saarland (quase 1000 Km, na rota escolhida por ela; a viagem na auto-estrada é 300 km mais curta).

Reservaram dormidas para a primeira semana, em locais de turismo rural, com distâncias de 30 a 40 km entre eles. Depois, Jette teria de se desenvencilhar sozinha, munida de uma tenda, deixando o destino decidir. Os pais e o namorado comprometeram-se igualmente a ir buscá-la, fosse onde fosse, caso ela se achasse incapaz de prosseguir, ou algo lhes acontecesse (a ela e/ou a Pinou).

A 8 de Setembro de 2024, Jette iniciou a viagem da sua vida.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas são retiradas do diário de viagem de Jette:

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Setúbal, pós-Natal 2024

Pedro Correia, 29.12.24

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«Aparentes senhores de um barco abandonado, / nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem... / Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado, / se justifica, enflora, a secreta viagem!»

(David Mourão-Ferreira)

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«Lá vão os cercos plo Sado abaixo, / Ao mar vizinho, à sua lida. / "Voltem pesados, co’a borda em baixo!" / Gritam gaivotas em despedida

(Luís Cabral Adão)

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«O rio abre um largo e irregular estuário, as águas entram profundamente pela terra dentro.»

(José Saramago)

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«Ah seja como for, seja por onde for, partir! / Largar por aí fora, pelas ondas, pelo perigo,  pelo mar.»

(Álvaro de Campos)

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«Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado, / Mansa corrente deleitos, amena, / Em cuja praia o nome de Filena / Mil vezes tenho escrito e mil beijado.»

(Bocage)

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«Todo eu me alevanto e todo eu ardo. / Chego a julgar a Arrábida por Mãe, / quando não serei mais que seu bastardo.»

(Sebastião da Gama)

Fotos minhas

Moçambique pós-Natal

jpt, 26.12.24

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Antes do Natal aqui deixei o meu repúdio pelo seguidismo - típico de "deficientes intelectuais" - do governo e do presidente da República às posições do poder de Maputo. É um assunto que pouco interessa aos portugueses. Tal como pouco lhes interessará que nenhum dos nossos países congéneres ou das multilaterais a que pertencemos se aprestaram a fazer comunicados com o mesmo teor acrítico. Bem pelo contrário, todos se vêm distanciando do rumo daquele poder instituído.

Logo então referi que o candidato oposicionista Venâncio Mondlane - actualmente no exílio em parte incerta - fez declarações muito explícitas, criticando a posição portuguesa, sem abordar outras posições internacionais. Mas também alertou os seus seguidores no sentido de salvaguardar os "nossos irmãos portugueses" que no país habitam, irresponsáveis da irresponsabilidade dos seus governantes. (Mas quem acompanha a situação moçambicana também sabe que Mondlane não tem controlo total sobre a contestação. Entenda-se bem: não tem um partido organizado, não tem "milícias" - como especulavam os parcos apoiantes do poder -, tem "apenas" uma enorme influência "moral" / política mas a qual não é espartilho total das massas contestatárias). 

Ou seja, as posições de Montenegro e do nosso Presidente da República - esse Dâmaso Salcede da política nacional -, pressurosos em caucionar o poder Frelimo, não só descuram o processo democrático moçambicano, não só destoam das posições dos nossos aliados. Mas também perigam o bem-estar dos nossos compatriotas no país. E a estes nossos dois próceres some-se o MNE Rangel, cujas actuais contradições sobre Moçambique o recobrem da peçonha da indignidade pessoal.

Nesta alvorada deixava eu no meu blog uma plácida memória, até íntima, sobre este meu Natal. Quanto atentei, via Whatsapp, no massacre ontem acontecido em Maputo - e que talvez hoje continue. Dado o desnorte estatal houve fugas massivas das prisões de Maputo, para as quais as autoridades, já incapazes de susterem as fugas, apontam contraditórias causas: a ministra da Justiça refere que tiveram origem interna às cadeias, o comandante da polícia afirma terem sido promovidas por manifestantes oposicionistas - o que parece desmentido pelas imagens das saídas em barda, portões afora, dos prisioneiros. E figuras oposicionistas clamam que foram organizadas pelo poder, para criar uma situação de insegurança que legitime o recurso à força, para reestabelecer uma "ordem" pública, uma pax frelimica...

Entretanto, a polícia - que nos últimos meses tem vindo a reprimir "sem fé nem lei" os contestatários do poder instaurado - conseguiu recuperar algumas dezenas de fugitivos. Filmes de telemóvel realizados por agentes policiais mostram-no. Congregaram esses fugitivos, transportaram-nos, interrogaram-nos, abateram-nos. Com júbilo! Filmam os cadáveres, para registo e "relatório". "Estes julgavam que as armas não disparam", clamam, apoucando aqueles restos mortais. Deixo acima a imagem de um desses assassinados - em vários filmes aparece detido, entrevistado, transportado: diz-se um "brigadista" (entenda-se, um criminoso de baixo risco, perto de ter cumprido metade da pena e passível de liberdade condicional, já com autorização para saídas diurnas laborais nas imediações da prisão). Passadas horas está cadáver, amontoado entre dezenas de corpos, e dito pelos polícias como "nigeriano" e "agitador"...

Trata-se de um massacre em curso em Maputo. Levado a cabo pelos agentes dos poderes lestamente caucionados por este trio: Rebelo de Sousa, Montenegro, Rangel. Malditos sejam estes. E malvistos, pois execráveis.

Para quem se interesse por este assunto, mas julgue ser imperscrutável em Portugal o actual processo moçambicano, aconselho a que na SIC Notícias recue até ontem, dia 25 de Dezembro, às 21.25 h., quando decorre um desses programas de comentário político - que agora me recomendaram ver... O comentador Miguel Morgado (militante do PSD) tem uma análise informada e totalmente pertinente do que se passa em Moçambique, e uma visão radicalmente crítica das posições havidas sobre o governo e o presidente (que são do seu partido). Ou seja, é possível estar aqui e perceber não só a situação moçambicana como entender o profundo despautério que grassa em Belém, em São Bento e nas Necessidades.

E ouça-se também o que diz sobre o assunto o militante do PS e antigo governante Prata Roque, o outro comentador. Pois é amplamente denotativo do que como o poder português impensa e, em particular! Defende o homem as posições pró-regime de Maputo - cabal defensor das solidariedades internas à Internacional Socialista e, porventura, das ligações privadas entre respectivas elites políticas. Mas atente-se mais ainda na abjecta, obtusa, cavernícola mediocridade dos seus argumentos: o que lhe importa é lamentar que em Moçambique "se fale cada vez menos português" (uma imbecilidade factual), e que a população seja cada vez menos sensível à "lusofonia" e - ainda por cima - à "portugalidade"... Não é apenas uma patetice, trata-se mesmo de um escarro intelectual, para além da imoralidade ululante.

E é isto, esta nulidade, esta esterqueira, que ascende a governos do PS. É  isto que é docente na actual Faculdade de Direito de Lisboa (!). E é isto, já agora, a que as televisões pagam para "informar" e "fazer opinião" as gentes de cá. Enfim, é a tralha imunda que vem grassando, há décadas, no "Bloco Central".

Entenda-se, conhecendo e sentindo Moçambique, vendo na alvorada pós-Natal o que estou a ver a acontecer em Maputo, vomito impropérios, jorram-se-me. Nenhum dos quais tão ordinários, javardos, como dizer "Prata Roque". Sem com isso salvaguardar de desprezo similar os actuais incumbentes.

Santarém, Natal 2024

Pedro Correia, 25.12.24

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«Scabelicastro, cujo campo ameno / Tu, claro Tejo, regas tão sereno...»

(Camões)

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«O Ribatejo deve ser visto das Portas do Sol de Santarém, num dia de cheia.»

(Miguel Torga)

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«Mira-te no Tejo Santarém, princesa que foste e rainha que és…»

(Alexandre Herculano)

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«Um comboio que partisse / Sem sair da estação / No lado esquerdo da linha / Transporte dum coração.»

(José do Carmo Francisco)

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«Santarém, nobre Santarém, a Liberdade não é inimiga da religião do céu nem da religião da terra. Sem ambas não vive, degenera, corrompe-se, e em seus próprios desvarios se suicida.»

(Almeida Garrett) 

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«Na minha juventude antes de ter saído / da casa de meus pais disposto a viajar /eu conhecia já o rebentar do mar / das páginas dos livros que já tinha lido.»

(Ruy Belo) 

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«Livre, liberta em pedra. / Até onde couber / tudo o que é dor maior, / por dentro da harmonia jacente, / aguda, fria, atroz, / de cada dia

(Natércia Freire)

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«Tenho um pátio andaluz no meio de mim. / Todo água, espelhos e pedras preciosas.»

(Rita Tormenta)

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«Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.»

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

 

Fotos minhas

O governo português e Moçambique

jpt, 24.12.24

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Em 2024 houve mundo afora um imenso, inusitado, número de eleições nacionais. A reduzir a atenção internacional sobre cada uma delas. Some-se a isso a relevância mundial das eleições americanas, até monopolizadora de interesses alheios,  a continuidade das duas guerras que mais convocam os cuidados da opinião pública e, agora, a queda do velho regime sírio. Tudo isso se congregou para a pouca relevância externa das eleições presidenciais, provinciais e legislativas moçambicanas do último Outubro. Também por cá isso aconteceu.

Nossa desatenção nacional que se reforça pelas características do nosso arco parlamentar politicamente significante. Entre o qual há em relação ao poder daquele país uma atávica solidariedade do PCP. E um desinteresse real do BE - note-se que a única intervenção significante desse partido sobre o assunto foi uma declaração da deputada Matias, a qual, de facto, apenas utilizou o caso moçambicano para criticar a posição portuguesa e europeia face à ditadura venezuelana. Quanto ao PS há uma solidariedade explícita, advinda da comunhão na Internacional Socialista, bem como - e até será mais relevante - existem liames já de décadas entre algumas figuras gradas socialistas e a oligarquia moçambicana, a vera causa do de outro modo inacreditável silêncio do PS sobre este assunto. Quanto ao PSD poder-se-á explicar o silêncio por um trio de influências: o peso de lóbi interno de algumas figuras desse partido, o rumo titubeante neste caso do seu actual Ministro dos Negócios Estrangeiros - o qual, decerto, brandirá um paupérrimo, de mítico, "sentido de Estado" para agora se justificar. E, decerto, a opinião do incompetente e ininteligente presidente da República que desse partido emanou, suas características sempre exponenciadas quando sobre Moçambique se trata. Ficarão os olhares críticos parlamentares sobre a situação moçambicana a cargo da IL, que tem tido posições pertinentes, e do ignaro bolçar revanchista colonialista desse CHEGA que para aqui anda...

Ontem, ao fim de dois meses e meio (muito mais do que ocorreu em vários processos eleitorais deste ano em África), o Conselho Constitucional moçambicano aprovou os resultados finais - como seria de esperar. Fez algumas alterações aos números inicialmente anunciados pela CNE. Grosso modo, atribui mais 4% dos votos ao segundo candidato mais votado - que tem protestado os resultados -, e mais 1% a um outro. Entretanto, ao longo destes dois meses de contestação popular dos resultados anunciados foram vários os relevantes militantes do partido do poder que confirmaram publicamente a longa tradição do seu (do seu, sublinho) partido na manipulação dos processos eleitorais. Corolário dessas más práticas no ano passado decorreram umas eleições autárquicas sob uma enorme, escandalosa, fraude. 

Neste 2024 aconteceu mais uma enorme manipulação eleitoral. Aos protestos generalizados seguiu-se uma brutal repressão policial: o assassinato de figuras do oposicionistas Podemos, mais de uma centena de mortos, pelo menos centenas de feridos. 

Não contesto que o partido Frelimo tenha ganho as eleições, julgo até ser normal que isso tenha acontecido: aconteceu uma grande abstenção, na desmobilização do voto oposicionista devido a uma longa tradição de manipulação eleitoral, na desagregação real do histórico oposicionista Renamo (de facto cooptado pelo poder, e assim compreendido pela população), na tripartição da oposição eleitoralmente significante, para além do peso histórico do partido do poder e de este ter um efectivo aparelho partidário na totalidade do país. Não contesto a sua vitória nem a afianço, pois de facto os processos eleitorais não são credíveis - como deixou explícito a declaração da missão de observação eleitoral da UE, raríssima de tão crítica. 

A toda essa tradição de prática política eleitoral some-se a atroz repressão em curso, da qual houve nos últimos dois meses incontáveis testemunhos fílmicos e fotográficos.

Mas ontem, ao fim dos tais dois meses e meio, o Conselho Constitucional validou o processo eleitoral. Duas horas depois, meras duas horas depois, o nosso governo divulga a sua concordância apoiante ao velho poder de Maputo. Articulando algumas recomendações gerais sobre "boas práticas" com a adopção, explícita, da linguagem que o Frelimo usa para agora se legitimar, como está escarrapachado na utilização de "o novo ciclo" no documento oriundo das "Necessidades", tópico na actualidade sempre propalado pelo partido incumbente. Nesta deriva, decerto que emanada por concordância entre Belém e São Bento (e as Necessidades, decerto), não houve sequer uma pausa, uma ligeira demora - tão típica da linguagem diplomática -, que significasse um desconforto - com o passado recente, com o presente, com o molde de autocracia eleitoral, com o constante viés repressivo.

Resta apenas um frenesim, conivente, de Sousa, Montenegro & Rangel. Precaução, dirão os sacerdotes da "realpolitik". Incompetência e desatenção, direi eu, defensor da "realpolitik".

E se há dias para ter vergonha de ser português este é um deles. A causar um Natal acabrunhado.

Adenda

Ao meu postal criticam-no, por via privada, por "aceitar" a vitória do Frelimo. As pessoas querem - sobre aquilo que "torcem" - proclamações, como se adesões. Não as farei a propósito de partidos estrangeiros. O que digo é que não recuso a hipótese da vitória do Frelimo (e adianto razões plausíveis). Mas adianto que, seja qual for o resultado apurado, nada daquilo é credível. E que a reacção do governo português é execrável. Digamos assim, se por cá volta e meia se pede a demissão (até a cabeça) de um qualquer ministro (da Educação, da Administração Interna, da Justiça, etc) por causa de um qualquer episódio, por maioria de razão se deveria pedir o abate deste ministro Rangel. 

Quanto ao resto dizem-me que hoje - nas suas comunicações audiovisuais - o oposicionista Mondlane zurziu no nosso presidente e no nosso governo, com total pertinência. Tendo também a clarividência de salvaguardar os nossos compatriotas residentes no país. De facto inocentes da incompetência do nosso presidente e deste ministro dos negócios estrangeiros (entenda-se bem, o seu comunicado é inadmissível...).

Mas como é Natal e Rangel é Rangel tudo passará e ninguém por cá ligará.

Óbidos, pré-Natal 2024

Pedro Correia, 19.12.24

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«Em qualquer aventura, / O que importa é partir, não é chegar.»

(Miguel Torga)

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«E contudo perdendo-te encontraste. / E nem deuses nem monstros nem tiranos / te puderam deter. A mim os oceanos. / E foste. E aproximaste.»

(Manuel Alegre)

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«Imagem dos gestos que tracei, / irrompe puro e completo. / Por isso, rio foi o nome que lhe dei. / E nele o céu fica mais perto.»

(Eugénio de Andrade)

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«Há um nascer do sol no sítio exacto, / À hora que mais conta duma vida, / Um acordar dos olhos e do tacto, / Um ansiar de sede inextinguida.»

(José Saramago)

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«Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu, / eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia. / No céu podia tecer uma nuvem toda negra. / E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas, / e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.»

(Herberto Helder)

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«Este céu passará e então / teu riso descerá dos montes pelos rios / até desaguar no nosso coração.»

(Ruy Belo)

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«Como nuvens pelo céu / Passam os sonhos por mim. / Nenhum dos sonhos é meu / Embora eu os sonhe assim.»

(Fernando Pessoa)

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«Sinto a terra na força dos meus pulsos: / O mais é mar, que o remo indica, / E o bombeado do céu cheio de astros avulsos.»

(Vitorino Nemésio)

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«Cada manhã o alvoroço da lua / Me acorda: a luz atravessa a paisagem e a casa! / - A dormir tinha esquecido não as coisas / Mas a sua meticulosa beleza / Múltipla.»

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Fotos minhas