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Um cidadão português chega ao Hospital de Loures com uma anca fracturada e morre estendido numa maca de bombeiros num corredor das urgências, onde aguardou durante seis horas transferência para o Hospital de Santa Maria por alegada falta de ambulâncias disponíveis.
Às portas de Lisboa, neste século XXI. Sob a maravilhosa "gestão pública" que agora promete, com a habitual língua de pau dos burocratas, a «abertura de um processo de inquérito com carácter de urgência para cabal apuramento dos factos».
Quando o diagnóstico está feito pelo próprio Ricardo Leão, autarca socialista do concelho de Loures: o hospital deve regressar sem demora à gestão privada.
Leitura complementar: «Nem deixaram tratar o meu pai, morreu no corredor.»
Terreiro do Evangelistas, no Bom Jesus do Monte (Braga)
Vivi longe de Portugal em dois períodos e destinos diferentes. Totalizando 12 anos e meio.
À distância temporal, não tenho a menor dúvida em considerar que o balanço é largamente positivo. Falo por mim, mas creio falar por quase todos. Abrimos horizontes, conhecemos diferentes línguas e culturas, fazemos novas amizades, ganhamos arcaboiço para enfrentar o inesperado.
E sobretudo - gostaria de sublinhar isto - saímos de uma atmosfera social que demasiadas vezes nos empurra para baixo. Refiro-me ao desânimo, ao desalento, à mentalidade do não-vale-a-pena, à convicção de que tudo só muda para pior, às certezas de que todos os esforços são inúteis. À atmosfera de crise permanente, do queixume como senha de identidade, da insistência em ver o copo meio vazio mesmo quando está cheio porque o resto da tribo também o vê assim.
Enquanto estive fora, na maior época de "vacas gordas" em Portugal, quando cá vinha de férias só ouvia falar em crise. Crise do jornalismo, da televisão, do teatro, do cinema, do comércio, da cultura, da indústria, da economia, das finanças, da política. Como sucedia dez anos antes, como continuou a ser dez anos depois (já com as vacas bem magras, quase esqueléticas).
Encontrei as mesmas pessoas nos mesmos bares, sentadas nas mesmas cadeiras, com as mesmas conversas, dizendo mal de tudo e de todos. Uma década depois.
Disso não tive saudades. Nem voltaria a ter se emigrasse de novo.
Falta-nos mentalidade mais positiva, algo que muitas vezes só adquirimos quando saímos, quando vivemos em países de brumas e regressamos com saudades do sol.
No passado dia 6, apresentei aqui as últimas sondagens alemãs, indicando o AfD como segunda força política do país. O AfD é um partido conotado com a extrema-direita, o que, vindo da Alemanha, tem sempre um peso especial.
Tem? Ou tinha?
Na verdade, no que a este blogue diz respeito, os comentadores, em geral, contemporizaram, filosofando sobre o valor das sondagens, os fracassos dos actuais governos europeus e o verdadeiro significado da expressão “extrema-direita”. Fiquei surpreendida. Há uns anos (não muitos), uma sondagem alemã que apontasse um partido destes como segunda força do país provocaria uma torrente de indignações. Falar-se-ia das tendências racistas alemãs, de Hitler, do nazismo e haveria decerto quem se apressasse a distanciar o líder do Chega de tais correntes.
Hoje já não é possível. O referido líder português esteve, há pouco tempo, num congresso do AfD, em Magdeburgo. O que não deixa de ser estranho, tendo em conta a aversão que os nossos “cheguistas”, na afirmação da sua lusitanidade, têm em relação aos europeus loiros e de olhos azuis. A verdade é que o nosso “chefe” debitou (em inglês) uns lugares-comuns sobre a construção de mesquitas em solo europeu e foi muito aplaudido. Ou, pelo menos, assim parece, num vídeo publicado no canal do seu partido no YouTube.
Para quem torne a duvidar do carácter extremista do AfD, não é segredo nenhum, na Alemanha, que o partido conta, nas suas fileiras, com elementos do antigo NPD, esse, sim, assumidamente nazi. E, de vez em quando, surgem exemplos, indicando as suas verdadeiras tendências. O seu líder revelou, recentemente, os planos que tem no caso de chegar ao poder na região de Turíngia e, para a educação, deu a entender que irá determinar que as crianças com deficiência seriam proibidas de frequentar as escolas do ensino regular. Gerou uma onda de protestos dos outros partidos. Este é um tema muito sensível, na Alemanha, pois, como se sabe, o regime nazi era muito discriminatório, nesta questão, chegando a aplicar a eutanásia em pessoas com deficiência.
O chefe do AfD em Hamburgo causou igualmente perplexidade, numa entrevista de Verão, ao defender a construção de uma qualquer barreira à volta de um centro de apoio a viciados em droga, a fim de os esconder dos turistas. Esse centro situa-se perto da Estação Central de Hamburgo e, na sua opinião, os visitantes da cidade têm o direito de não serem incomodados com a visão da “miséria” (já agora, digo eu, escondam-se igualmente os pobres e os pedintes). Estas declarações chocaram ainda mais, pois havia a ilusão de que os representantes do partido, em Hamburgo, teriam princípios mais democráticos do que os seus colegas do Leste.
Também o aumento do anti-semitismo, neste país, é motivo de preocupação. A extrema-direita, incluindo a alemã, é cada vez mais aceite e ganha adeptos. Os partidos dos vários países unem-se. Mesmo o nosso representante, como vimos, já é “tu cá, tu lá” com a versão branqueada dos nazis. E, se os partidos crescem, nada mais nos resta do que aceitar a escolha popular.
Que seja! Pergunto-me, sobretudo, se esse camaradismo a nível europeu continuaria, caso os partidos chegassem ao poder. Não me custa imaginar uma guerra entre a Alemanha e a França, pela liderança da “nova Europa” (sim, que a Le Pen tem pêlo na venta e não se deixava ficar). E, se o VOX chegasse a um qualquer acordo com o vencedor da disputa, Portugal seria, finalmente, uma província espanhola. O nosso “chefe” com muito gosto se subjugaria, em nome de uma qualquer segurança, ou de uma sociedade limpa de misérias e de teorias inclusivistas.
Que por esse Portugal fora, e há dezenas de anos, as autarquias têm sido pasto fértil para a produção das nossas elites políticas, não constitui facto novo.
Que, muitas vezes, os respectivos titulares têm estado envolvidos em múltiplos casos judiciais, de má gestão de dinheiros públicos, de clientelismo, nepotismo, compadrio, favorecimento de familiares e amigos, e em milhares de investigações e processos de natureza criminal, que vão do abuso de poder ao peculato, à falsificação de documentos, ao branqueamento de capitais e à corrupção pura e dura, também não é nada, infelizmente, que seja novo para os portugueses. Tudo isso tem feito parte dos quase cinquenta anos de democracia que levamos.
Também é verdade que alguns autarcas, e muitos deles praticamente desconhecidos, têm feito trabalho exemplar nas autarquias, não raro sem alarido e de modo mais ou menos discreto, junto das comunidades que servem, beneficiando o país e as populações, resolvendo problemas, fazendo o que o Estado centralista e despesista não consegue fazer.
E depois há os outros. E dos outros, de quando em vez, lá se vai sabendo qualquer coisa.
Uma notícia e uma reportagem publicadas hoje na revista Sábado vieram lembrar-nos que para lá do país real, dos que não têm dinheiro para pagar as contas em casa ou suportarem os encargos com a saúde e as escolas dos filhos, há um outro país que vive, literalmente, à pala das autarquias, do "tacho". Há uns que só por serem do partido A ou B têm trabalho e salário garantido, mesmo depois de perderem eleições, e outros que fazem vidas de rico com "salários de miséria".
No primeiro caso, em Sesimbra, temos o ex-deputado comunista Miguel Tiago, a quem a Câmara continua a oferecer anualmente um contrato de trabalho para prestação de serviços de "assessoria técnica na área do ambiente e desenvolvimento sustentável", à razão de cerca de 3.000 euros brutos por mês. Relata a Sábado que o Miguel foi contratado após "consulta" a três entidades, mas ninguém foi capaz de dizer quem mais foi consultado para prestar esse serviço (p. 20).
A outra situação é bem mais escabrosa e reveladora da falta de vergonha, do desplante, da dimensão do abuso e dos gostos de novo-rico de alguns servidores da causa pública.
Repare-se que não tenho nada contra o conforto, o luxo ou o gosto por coisas boas e caras, desde que se tenha dinheiro para elas sem andar a roubar, a esfolar o erário público, a enganar o próximo, ou a abusar da posição que transitoriamente se ocupa, embora considere que a ostentação é exemplo de muito mau gosto, coisa para labregos e laparotos.
Mas mais grave do que os almoços de trabalho – é o que está em causa na reportagem – de Isaltino Morais e seus muchachos (páginas 43 a 46), porque também os há em qualquer latitude, e muitas vezes são imprescindíveis, é verificar que essas refeições ocorrem com uma regularidade impressionante, nos melhores restaurantes de Oeiras e Lisboa, e incluem, pelas facturas a que a revista teve acesso, invariavelmente, quantidades generosas de frutos do mar e da terra, de lagostas a gambas, ostras e refinados presuntos, santola, lavagante, leitão, robalos, peixes-galo, queijos de Azeitão, sushi, sapateiras, caranguejos, camarão-tigre de Moçambique, sem esquecer os muitos gelados para a sobremesa, que ali é tudo gente de alimento, gulosa e lambona.
É natural que quem assim tem necessidade de almoçar para poder trabalhar e resolver os problemas dos outros, por vezes tenha de estar a comer até depois das 20 horas, altura em que pede a conta, e seja obrigado a consumir "saké afrodisíaco", os melhores vinhos, e bebidas espirituosas em quantidade suficiente para que ninguém se esqueça da agenda de trabalho nem do motivo do repasto.
O resultado, está claro, são refeições de centenas de euros pagas com o dinheiro da autarquia noutros tantos milhares de refeições ao longo de cinco ou seis anos. Um "almoço de trabalho" a mais de 140 euros por cabeça não é um almoço de trabalho. É um "banquete de trabalho". Daí que se veja como normal que uma vereadora se tenha alapado com 450 refeições, o presidente, o chefe de gabinete, o vice-presidente e uma adjunta com cerca de 300 refeições cada um, e até o antigo secretário de Estado da Cultura do poupado Passos Coelho, Barreto Xavier, se alambazou com 77 refeições de 2019 para cá.
Evidentemente que a inclusão de tabaco na conta (charutos?) foram "lapsos", a corrigir oportunamente, mas fico com dificuldade em perceber como é possível arranjar apetite para se chegarem a fazer quatro, três e até dois almoços no mesmo dia! As facturas não devem mentir.
Onde é que aquela gente "enfiará" tanta comida? Ou será que aproveitam para levar alguma para casa para depois convidarem os amigos e distribuírem à família e aos vizinhos?
Confesso, todavia, que o que me faz mesmo mais confusão é a lata desta malta, pois que a maioria se não estivesse nos lugares em que está não seria com os seus ordenados de "políticos" e de funcionários públicos remediados que ao longo de anos encheriam as suas vistosas protuberâncias com tais iguarias.
Porque não seria, certamente, com os "salários de miséria" que se poderiam dar ao luxo de terem tantos almoços de trabalho, a ponto de haver necessidade de em três facturas de outras tantas refeições, a cerca de 300 euros cada, se ser obrigado a rabiscar no verso "Saladas Sr. Presidente", sinal de que nesses dias Sua Excelência estaria de dieta, ou, quem sabe, ainda a recuperar do almoço de trabalho do dia anterior.
Sempre ouvi dizer que quem não tem dinheiro não tem vícios. E que a discrição é uma virtude, até para não se ofender ninguém. Mais a mais quando se ocupa um cargo público. E que há que respeitar os sentimentos dos outros, por vezes, também, a desgraça alheia, pois que nem todos têm a mesma sorte na vida. Mas pelos exemplos que diariamente nos chegam das nossas elites políticas e empresariais não terá sido essa a cartilha de muitos.
O juiz Carlos Alexandre, exemplo que também me pareceu extremo e de muito mau gosto para o ter confessado a um jornalista, atenta a sua posição no universo dos profissionais pagos pelo Estado, ainda que com estatuto especial, pode não ter dinheiro para mudar a fechadura da porta de casa depois de ter sido visitado por desconhecidos mais do que uma vez. E muitos mais haverá como o tal juiz, por Portugal fora, que não só não têm para a fechadura como para comer decentemente e alimentarem os seus filhos. O que constitui uma tragédia que a todos nos envergonha. Porém, para alguns autarcas, pese embora esse universo desigual e a necessidade dos outros portugueses terem de partilhar com eles o mesmo país, não há-de faltar o Pêra Manca e o lavagante à custa das autarquias, isto é, dos outros e dos impostos que estes pagam. Não era preciso serem como o miserável do Botas ou como o Cunhal, mas fossem muitos deles a pagar do seu bolso e continuariam nos croquetes, nos bitoques e nas febras.
E não interessa se trabalham muito ou pouco; não é isso que está em causa.
Podem ter bom gosto, e ultimamente mais caro e refinado, que serão sempre uns pacóvios e umas deslumbradas que dão mau nome às autarquias, à classe política em geral, sempre à espera de uma oportunidade para se armarem em finórios. E que são, por muito que nos custe, o espelho das nossas miseráveis e ignorantes elites.
Uma democracia consolidada, sim, é verdade; não deixando de ser um país de isaltinos, de venturas e de "só-cretinos".
E a saga continua.
Já lá vão quatro anos (6 de Julho de 2019), desde que falei, pela primeira vez, dos "Portugal-Krimis".
E está quase a fazer um ano (9 de Setembro de 2022) que escrevi sobre a criação de uma série televisiva, baseada num desses policiais em língua alemã, mas tendo Portugal como cenário.
Recordando: o investigador alemão Leander Lost, com o síndrome de Asperger, é colocado na Fuseta. Nesse postal de 2022, dei a minha opinião sobre os dois episódios, passados no ARD, o primeiro canal alemão. Agora, soube pela comentadora Manuela Regueiras que a RTP 2 os transmitiu no passado fim-de-semana. E, como o Pedro Correia me informou, muita gente, à procura de informações sobre a série, aterrou aqui no Delito.
Gostei de saber.
Para quem viu a série: espero que tenham apreciado.
Ramalho Eanes empossa Mário Soares como chefe do I Governo Constitucional (1976)
Recordo que em 47 anos de Estado de Direito, na vigência da actual Constituição, já houve:
- Governos minoritários PS
- Governo PS-CDS
- Governos de iniciativa presidencial
- Governos AD (PSD-CDS-PPM)
- Governo PS-PSD
- Governo minoritário PSD
- Governos maioritários PSD
- Governos PSD-CDS
- Governos maioritários PS
- Governo minoritário PS com apoio parlamentar PCP+BE
Ementa variada.
Em democracia, felizmente, há sempre alternativas. Por mais que isso possa baralhar algumas boas almas.
Tenho-o criticado algumas vezes, não tanto pelo que diz ou faz em relação à política nacional, mas pelas desgraçadas declarações que proferiu em matéria de direitos humanos, em relação à RPC e a Macau, nomeadamente na(s) comissão(ões) parlamentar(es) a que pertenceu na Assembleia da República, num seminário e numa visita que fez àquele país. Admito que, embora seja pouco crível, que tivesse sido mal aconselhado, que fossem momentos de muita infelicidade, que estivesse rodeado pelas pessoas erradas – o que seguramente aconteceu em Macau com alguns com quem confraternizou –, ou que se tivessem servido dele sem que de tal se apercebesse.
Mas isso não o impede, nem a qualquer outra pessoa decente e com bom senso, de se aperfeiçoar, de se informar, de melhorar, de afinar a mira e corrigir o tiro. E também não retira mérito a algumas das intervenções que tem feito sobre outras matérias, talvez até menos consensuais na sociedade portuguesa.
A intervenção que Sérgio Sousa Pinto, o deputado socialista, aqui sim com toda a propriedade, fez há dias na Associação Comercial do Porto merece ser ouvida, mesmo por quem em regra possa não concordar com ele, relativamente ao que diz em relação à nossa democracia, à acção do Estado, aos partidos políticos, ao nível do parlamento que integra, ao recrutamento das elites, ao exercício de cargos políticos, enfim, sobre toda uma série de coisas sobre as quais há muito se escreve e todos falam sem que nada de relevante aconteça, sem que seja dado um forte abanão – não me refiro ao que o Presidente Marcelo fez ontem ao Papa Francisco, sem que este lhe fizesse mal algum, no Aeroporto de Figo Maduro – nas estruturas necrosadas do regime democrático.
Não se admirem com a extensão do vídeo. Vale a pena ouvir e reflectir sobre o que ele diz.
Nação, palavra proibida de Janeiro a Dezembro. E que só ressuscita três dias por ano, a propósito do chamado debate do Estado da Nação (adaptação lusitana do original norte-americano State of the Union).
Caída a cortina parlamentar, voltamos ao proibicionismo militante. Nação, termo interdito. Remetido para o segundo verso do Hino, só entoado em três ou quatro estádios de futebol.
Fala-se de país (pequeno), de Estado (grande), de lugar, de rectângulo. De sítio, de coisa. Até de choldra. Como se fossem sinónimos. Como se fossem termos mais apresentáveis para nos designar.
Mas não são.
A jornalista Teresa de Sousa escreve ao Domingo no Público. Partilho aqui alguns excertos do seu último artigo.
“Em 2008, antes da crise financeira, o PIB da zona euro (que inclui 20 países, entre os quais as maiores economias) a preços correntes era ligeiramente inferior ao dos EUA. Hoje o PIB americano está a aproximar-se do dobro do conjunto desses países europeus.
(…)
Hoje, o rendimento per capita dos países da EU é inferior aos de todos os 50 estados norte-americanos, incluindo o Idaho ou o Mississipi.
(…)
O modelo social europeu é caro. O crescimento é um factor determinante para a sua sustentação, sobretudo quando somos confrontados com o envelhecimento das populações.
(…)
E, no entanto, o discurso económico europeu está estranhamente distante da ambição de regressar às taxas de crescimento mais altas.
(…)
Isso exige outras políticas e outras atitudes. A primeira das quais é deixar de lado o discurso de auto-satisfação.
(…)
Das 30 melhores universidades do mundo, segundo o ranking de Xangai e do THE (Times Higher Education), só há uma europeia continental e três britânicas.”
Há dias, o ranking das universidades e a forma como se pode lidar com os seus resultados, foi referido aqui no blog. As reacções da maioria são idênticas às dos que acham que o crescimento económico resulta das boas intenções dos governantes e da imensidão de leis que conseguem produzir. A auto-satisfação, referida no texto, é uma forma de negação e encaixa como uma luva na narrativa que sustenta uma certa forma de estar na política, em Portugal e não só. Não existem impossíveis que um mentiroso não consiga garantir.
Se os resultados não são agradáveis, ajuste-se a fórmula do cálculo de ranking e se, ainda assim, o sucesso insistir em mostar o seu mau-feitio, acabem-se então com os exames.
À nossa capacidade e consistência em manter Portugal na cauda dos rankings positivos europeus (não importa quais os adversários, acabaremos sempre por ficar no pódio de baixo), deve ser acrescentado o detalhe de que é também a própria União Europeia a afundar-se nas comparações entre blocos económicos.
(Hieronymus Bosch, c. 1500)
Naquele estilo escorreito de quem acompanha as coisas, as investiga e tira conclusões sabendo do que fala, Sebastião Bugalho há muito chamara a atenção para a mal disfarçada nudez de alguma tropa‑fandanga na caserna, a conspurcar as instituições e, em especial, as Forças Armadas.
A passagem de João Gomes Cravinho pela Avenida Ilha da Madeira transmitira inúmeros sinais de alarme que diziam não ser aconselhável a sua continuação em funções governativas. Ao contrário de um outro que, entretanto, foi despachado, embora ainda muito esteja por esclarecer sobre os negócios do lítio, de Sines e afins, António Costa optou pela continuidade daquele, uma vez mais assumindo os riscos da sua teimosia. Esse e o da nomeação de uma espécie de candidata a ministra para a anterior pasta do diplomata.
O resultado, à semelhança do que se verificou noutras ocasiões, voltou a ser sofrível, sem que houvesse claridade sobre as razões de tão magníficas escolhas e para a continuidade de gente cuja actuação passada não se recomendaria a ninguém, nem sob o efeito de um moscatel ordinário, muito menos para continuar a tomar conta dos negócios públicos.
Aliás, ainda um dia haveremos de perceber as razões do afastamento de gente como Alexandra Leitão ou Jorge Seguro Sanches para depois o primeiro-ministro se rodear de um exército de chicos‑espertos do garimpo e de laparotos vindos das concelhias e das catacumbas do Largo do Rato.
Uma vez mais imperou o mau gosto, a fuga em frente, a teimosia e a desvalorização dos sinais em manifesto prejuízo de todos e para protecção da casta e suas clientelas. Vícios herdados de um socratismo que impregnou todos os alicerces do partido e do qual nunca quiseram libertar‑se para não ferirem as susceptibilidades das primas‑donas partidárias.
Passada a interminável fase dos tiros nos pés, parece que com o tal relatório da CPI à TAP e a saída do Capitão espertalhão entramos numa espécie de Nave dos Loucos, com a agravante de que agora os bípedes que lá estão dentro, para além de se banquetearem, correm de um lado para o outro aflitos, deixando cair umas quantas granadas que lhes pediram para guardar enquanto alargam o cinto, e as majoretes saltam e guincham nos seus uniformes sem saberem para onde hão‑de fugir.
Cenas de gritos que prometem ter continuidade até que o fala-barato Moedas cumpra a promessa de tirar os carros de Lisboa ou o paiol vá pelos ares.
Estátua de Vasco da Gama em Sines
Os Lusíadas, obra maior da nossa literatura, tem duas personagens principais: Vasco da Gama e o Velho do Restelo.
Lendo as alegadas redes sociais, por estes dias, diria que somos todos netos ou bisnetos do Velho do Restelo, não descendentes do heróico navegador que ligou Lisboa à Índia. Faz toda a diferença.
Eis uma reflexão para este 10 de Junho.
Eis-me chegado de uma suculenta refeição, que me foi ofertada por gente amada. Mas, e porque não há bela sem senão, tratou-se de um confronto entre a ponderada ideologia e o pecaminoso paladar.
Pois foi servido peru, o qual, ainda que apresentado em modo delicioso, não fez esquecer tratar-se o assado de uma vil Apropriação Cultural, resultante das malevolências dos pérfidos actos dos malvados Pizarro, Cortez, bandeirantes e quejandos agentes da colonialidade. Para cúmulo o evento foi culminado com um aquilatado arroz-doce, generosamente polvilhado de canela, outra rapina, também ela vergonhosa Apropriação Cultural, proveniente dos desvairados Duarte Barbosa, Mendes Pinto, Albuquerque e tantos outros - tudo isto diante do silêncio actual dos críticos e amadores gastronómicos, pois estou certo que nem os jornalistas do "Público" e os pensadores abissais refutam os Arrozes-doces avoengos...
Mas o pior de tudo ainda foi esta reclamação identitária, coisa de extrema-direita, exclusivista. Pois tudo foi encetado com uma dose de verdadeiros jaquinzinhos, desta extraordinária diminuta dimensão. Assim uma verdadeira afirmação nacionalista, eivada deste sempiterno imperial "pescar é preciso, viver não é preciso".
Imagem daqui
Durante a infância e a primeira parte da juventude, era grande fã do Festival da Eurovisão. Mas aí por meados de 80 deixei de ligar. O tipo de música deixou de me cativar, muito por culpa do Johnny Logan, essa lenda do Euro-Festival, à qual nunca achei piada. Enfim, entre os vinte e os trinta e cinco anos, eu andava numa onda bem diferente.
A partir de 2000, mais ou menos, tornei a interessar-me. Não sei dizer quem, ou o que, mudou mais: eu, ou o show propriamente dito. Certo, este tornou-se muito excêntrico, algumas actuações são quase insuportáveis, outras continuam muito ao nível pimba. Mas é precisamente isso que me atrai. Se não observarmos tendências, modas, excentricidades, comportamentos e opções de outros países, acabamos por perder o contacto com o mundo real. Além disso, há sempre prestações de qualidade. E seguir este certame não significa desligar-se de manifestações culturais de qualidade indiscutível.
Em 2017, a Europa achou piada ao Salvador Sobral. E nós, sentindo renascer o Vasco da Gama existente em cada um de nós, começámos logo a exagerar: o Festival da Eurovisão ia mudar! Salvador Sobral era o ponto de viragem para mais música de qualidade e menos pirotecnia.
Os portugueses, sempre sonhadores… Lá por já termos tido os nossos “quinze minutos de fama”, no contexto da História da Humanidade (a Era dos Descobrimentos), não quer dizer que o mundo inteiro esteja à espera das nossas lições.
Nunca acreditei nessa tese. Quando, porém, tentava explanar o meu ponto de vista, na única rede social que frequento (Facebook) era quase "fuzilada". Influenciada pelos ares germânicos, diziam, tinha-me tornado numa traidora da pátria! Além disso, não fazia ideia do que era música de qualidade.
O Salvador Sobral passou. Os europeus já não se lembram dele, nem nunca se interessaram em saber mais sobre a sua música. E o Euro-Festival continua, claro, fiel a si próprio.
Considero a nossa prestação deste ano uma das melhores de sempre. Não me coíbo de o dizer. A canção enquadra-se no espírito do certame. O título Ai Coração não podia ser mais português. Há uma leve mistura de tons fadistas (herança moura) com ritmos hispano-ciganos, no fundo, a dualidade que nos caracteriza. A Mimicat pode não ser uma grande artista, mas não lhe faltam garra, força de vontade e autenticidade. A sua actuação, baseada na dança, dispensa grandes pirotecnias. E, apesar de eu ser sportinguista, adoro aquele look vermelhão.
Vou ver a final e torcer pela Mimicat. Espero que ela vença o nervosismo (pareceu-me um pouco nervosa na semi-final) e nos presenteie com uma actuação conseguida. E vou seguir todas as outras prestações, rindo-me, criticando, rolando os olhos e, aqui e ali, surpreendendo-me pela positiva.
Haverá outro continente que reúna tantos países, tão diferentes, num ambiente de festa? Pensemos nisso! Gosto de acreditar que pode fazer bem à Europa reunir-se, uma vez por ano, para celebrar um tal fogo de artifício. Apesar de a música ser o que menos interessa, ela é o pretexto para a reunião. E o virar de costas da Rússia e da Bielorrússia a tanta decadência é quanto basta para me pôr a dar vivas.
Lisboa, Rua de São Bento:
Vicentinas e Bloco de Esquerda lado a lado
(Salgueiro Maia, na lente de Alfredo Cunha)
Abaixo os fascistas e os filhos da ... acomodados que se colaram ao 25 de Abril!
Viva Portugal!
Nem durante a tróica se cortou tanto na alimentação em Portugal
Linha de Sintra: passageiros retirados de comboio
Desemprego a subir, com inactivos e inflação
Onze chefes do serviço de urgência do hospital de Loures demitem-se
Greve nos tribunais adiou mais de quatro mil julgamentos em 12 dias
Notícias como estas são o reflexo do quotidiano de largos milhares de portugueses. Gente que confiou nas promessas que António Costa lhes fez há oito anos de melhorar tudo - dos médicos de família que nunca apareceram até ao estímulo do arrendamento para habitação que jamais saiu das folhas da propaganda.
Com a marca desta governação: poucochinha. Por isso a maioria absoluta adquirida há um ano já está em queda livre.
Tem tudo para acabar mal. Mais cedo do que muitos previam.
A geografia de Portugal é tão variada quanto o somos nós, portugueses, e a nossa cultura. Este pequeno rectângulo da Europa, com fronteiras delimitadas pelo mar e pelo seu povoamento, a que se juntam dois punhados de ilhas e ilhéus no Atlântico, tem uma diversidade paisagística tão imensa que surpreende até mesmo quem já lhe conhece mais ou menos bem os “cantos à casa”.
“Conjunto de antigo e moderno, numerosas praias de macias areias e extensas campinas verdejantes, testemunho de uma história herdada dos seus antepassados fenícios, gregos, romanos e árabes: assim é Portugal, terra acolhedora, perfumada pelas flores.” – e é assim que o jornalista e escritor André Visson (1899-1971) começa o artigo que escreveu em 1954 sobre Portugal, com o título A Garden by the Sea (traduzido como Jardim da Europa à beira-mar plantado n’O Grande Livro das Viagens publicado pelas Seleccções do Reader’s Digest, e sobre o qual já falei no meu post O culpado). Quando Visson escreveu isto Portugal era apenas mais um país minúsculo e pobre num continente que ainda lambia as feridas da mais recente guerra, e este retrato permaneceu inalterado durante décadas. Milhares de rotações terrestres e terabytes de avanços tecnológicos depois, o nosso país passou de ilustre desconhecido a coqueluche do turismo mundial, e basta uma ligação à Internet para perceber que a oferta paisagística de Portugal vai muito além das praias de areias macias e campinas verdejantes. Milhões de fotografias, divulgadas em tudo o que é website ou rede social, testemunham a variedade e riqueza do nosso património geográfico e provam que uma viagem no nosso tão pequeno país é como olhar para dentro de um caleidoscópio – a cada curva do caminho, a paisagem muda, surpreende, e nunca nos aborrece.
E no entanto, grande parte de toda a publicidade que é feita a Portugal parece focar-se essencialmente nos mesmos lugares, que são replicados fotografia atrás de fotografia com ligeiras variações, mais ou menos Photoshop, mais ou menos saturação de cor, luz matinal ou do entardecer, ângulo mais ou menos aberto… Não discuto aqui o merecimento destas escolhas, e de muitos deles também já falei noutros posts. Mas hoje apetece-me falar de outras paisagens portuguesas, igualmente inspiradoras, igualmente importantes, igualmente dignas de serem vistas mais uma vez, em fotografia e depois ao vivo, e que estão muito menos divulgadas. Cada uma delas tem características próprias, por vezes únicas, e contribui para enriquecer a diversidade deste país a que chamamos nosso. Estas são algumas delas, entre as muitas mais que Portugal oferece a quem faz questão de o conhecer.
Barragem de Santa Luzia
Escondida entre as serranias ondulantes da serra do Açor, a albufeira da Barragem de Santa Luzia é quase uma miragem: um deslumbrante lençol de água azul-eléctrico que surge de repente quando fazemos uma curva na estrada que vem da Pampilhosa da Serra. O contraste da paisagem cria no cérebro uma sensação de incongruência, parece impossível a coabitação entre a crista quartzítica maciça que se ergue do lado esquerdo, onde o muro de betão da barragem fecha o círculo e trava o passo ao rio Unhais, e o lago tranquilo rodeado de colinas arborizadas, que se transformam em picos acastanhados mais ao longe, com a serra da Estrela a espreitar entre eles, acinzentada pela distância.
Esta é uma parte do nosso interior beirão que se mantém relativamente tranquila e é pouco explorada turisticamente, ofuscada por outras áreas em volta que são mais publicitadas. Tem no entanto uma oferta hoteleira razoável, sobretudo ao nível do alojamento local, excelentes praias fluviais – uma delas na própria albufeira da barragem, rodeada por uma bonita mata – e, como não podia deixar de ser, uma gastronomia excelente. Foi sobre esta região que escrevi o post Nas curvas da Pampilhosa.
Buracas do Casmilo
Perto da aldeia de Casmilo, no Maciço de Sicó, o Vale das Buracas é um conjunto de formações geológicas resultantes do abatimento da parte central de uma colina, que deixou a descoberto as grutas que existiam no seu interior, escavadas pela água nas zonas calcárias mais porosas durante o período jurássico médio. Apesar de pouco profundas, algumas destas grutas têm uma dimensão considerável e o aspecto de todo o conjunto é magnífico e original, diferente de todas as outras formações geológicas que encontramos no nosso país.
As grutas estão rodeadas de vegetação rasteira e oliveiras, e surgem como manchas cinzentas e negras entre o verde dominante. Na sua maioria são de fácil acesso, bastando subir um pouco pelos carreiros marcados pelos passos de muitos outros visitantes. Nota-se que algumas servirão regularmente de abrigo e local de reunião de grupos, a julgar pelos vestígios que ali são deixados, por vezes algo estranhos.
Carrascal do Juízo
Junto à aldeia do Juízo, num planalto meio desértico (e quase deserto) da Beira Alta, há um bosque de aspecto misterioso que poderia ser palco para o enredo de uma novela gótica. É o Carrascal do Juízo, um bosque de azinheiras onde os troncos das árvores fazem lembrar esqueletos retorcidos e estão cobertos de líquenes tão antigos que já foram objecto de estudo científico. É atravessado pela ribeira do Porquinho, que tanto pode estar quase seca como ser necessário cruzá-la sobre as poldras ali colocadas para facilitar a passagem. Quando saímos do bosque e chegamos ao ponto mais alto das redondezas, os olhos perdem-se nos muitos quilómetros da paisagem serrana que vai de Marialva a Trancoso.
Sobre a aldeia do Juízo e o projecto de alojamento local que nela se desenvolve podem ler mais pormenores no post Juízo, uma aldeia que tem histórias.
Estuário do Sado
É uma das nossas Reservas Naturais e estende-se por vários quilómetros e municípios, alimentando pessoas e animais desde que há memória. As margens do Sado no seu estuário são essencialmente planícies aluviais, embora também haja algumas zonas dunares e de praia. A riqueza florestal e agrícola do estuário e a sua diversidade faunística fazem dele um local privilegiado tanto para trabalhar como para passear. Há inúmeros e variados pontos de interesse ao longo dos muitos quilómetros que rodeiam a extensão onde o Sado se encontra com o mar. Um dos meus favoritos é a zona de Alcácer do Sal a que chamam Amieira, mais noticiada por ser todos os anos invadida por flamingos em migração para outras paragens, mas que é permanentemente habitada por uma enorme quantidade de aves diferentes, desde cegonhas a garças, pernilongos, alfaiates e outras pernaltas, além das omnipresentes gaivotas, que gostam de perseguir em grande algazarra os tractores que preparam o solo para a semeadura do arroz.
O meu local mais preferido no estuário do Sado é o cais palafítico da Carrasqueira, uma obra-prima da arquitectura popular com características únicas que o tornam verdadeiramente fora de série. Embora cada vez menos pescadores façam uso dele, tem-se mantido quase inalterado ao longo das décadas e tornou-se parte importante da paisagem cultural desta região, com o seu aspecto colorido, tosco, meio decrépito e absurdamente cheio de poesia.
Podem conhecer mais um pouco sobre estes (e outros) locais no post 11 lugares a não perder em Portugal continental.
Estuário do Tejo
É uma das zonas húmidas mais importantes da Europa e ramifica-se em esteiros e mouchões de aluvião, sendo as suas margens em grande parte constituídas por campos de vasa e sapais, onde a vegetação é rasteira e predominam as gramíneas e os caniços. A importância do estuário do Tejo deve-se sobretudo ao facto de ser ambiente de permanência regular de inúmeras espécies de aves aquáticas (que chegam a atingir o impressionante número de 120 000 indivíduos), e um dos lugares onde podemos observar mais de perto muitas destas aves é o Parque Linear Ribeirinho do Estuário do Tejo, entre a Póvoa de Santa Iria e Alverca. Há inúmeros patos, as sempre presentes gaivotas, e uma enorme população de guinchos, pilritos, alfaiates e maçaricos-das-rochas, só para citar os que são mais facilmente visíveis. Nas ribeiras que desaguam no Tejo há felosas e galinhas-d’água, e no meio do verde da erva emerge de vez em quando o pescoço branco e comprido de uma garça-boieira, movendo-se com aquele balanço quase hipnótico tão típico delas.
Esta zona do estuário é em grande parte ocupada pelo vasto Mouchão da Póvoa, onde apenas vemos desenhadas as silhuetas de algumas árvores, e o Tejo que avistamos parece só um rio estreito e tranquilo, muito diferente das perspectivas mais reconhecíveis que dele temos em vários outros troços do seu percurso.
Fanal
O Fanal é um caso à parte na Madeira, uma paisagem distinta de todas as outras que encontramos nesta ilha, sobretudo pelo seu bosque de tis centenários (o til é uma árvore endémica da Madeira e das Canárias), que aqui vivem desde antes dos Descobrimentos. Neste bosque encantado, os troncos rugosos e retorcidos das árvores velhíssimas parecem ir ganhar vida a qualquer momento, e imaginamos com facilidade que de repente vão começar a falar connosco numa voz roufenha e mal-humorada, perguntando-nos porque estamos a incomodá-las no seu sono. Uma pequena lagoa, entre a orla do bosque e uma escarpa, ajuda ao encantamento; e se estiver neblina, como tantas vezes acontece, a impressão de estarmos dentro de um filme é ainda maior. Ou então, e porque estamos a altitudes que rondam os 1100 metros, podemos ter a sorte de chegar a um miradouro e ver abaixo de nós um tapete de nuvens extenso e compacto, e sentimo-nos como que a voar. É um outro mundo.
Guadiana
Apesar de ser o terceiro maior rio que corre em território português e fonte do imenso lago artificial criado pela Barragem de Alqueva, o Guadiana continua a ser um ilustre desconhecido para a maioria dos portugueses. Talvez isso se deva ao facto de a maior parte da sua extensão correr em Espanha, e muito do que sobra ser fronteira entre os dois países, ou talvez porque do lado de Portugal o seu curso se faz maioritariamente em zonas pouco povoadas. O certo é que este rio tem muito menos protagonismo do que vários outros do nosso país, e por isso mesmo ainda há muito por “descobrir” nas suas margens.
Pouco depois de passar a ser também nosso, uns quantos quilómetros abaixo da fronteira do Caia, o Guadiana é palco para as ruínas de uma ponte com muita história. A Ponte da Ajuda foi construída no séc. XVI para ligar Elvas à luso-espanhola Olivença, quando a questão da propriedade deste território ainda não suscitava dúvidas. Tinha 385 metros de comprimento, suportados por 19 arcos, e um torreão colocado no centro. Foi destruída e reconstruída várias vezes até 1709, quando o exército castelhano a fez explodir durante a Guerra da Sucessão Espanhola. Está em ruínas desde essa altura, e é bem visível a partir da bem mais recente ponte que faz parte da estrada entre Elvas e Olivença – e que tem uma placa a indicar Espanha na extremidade em que supostamente entramos no país vizinho, mas (compreensivelmente) nenhuma placa a indicar Portugal quando fazemos o trajecto em sentido contrário.
Lagoa de Paramos
A Lagoa de Paramos, também conhecida como Barrinha de Esmoriz, é a maior área lagunar da região norte de Portugal e um local fascinante. Fica muito perto do mar e à sua volta corre um passadiço de madeira com oito quilómetros, um lugar privilegiado para passear ao sol, relaxar e observar aves de várias espécies. Dependendo da altura do ano, além das habituais gaivotas e de patos variados, é possível avistar guinchos, galeirões e galinhas-de-água, pernilongos e pilritos, garças, águias-sapeiras, e também alguns pássaros menos comuns como o bispo-de-coroa-amarela ou o chamariz. Rodeada de dunas e canaviais, em certos troços do passadiço avistamos os aglomerados de casas das povoações vizinhas, mas a maior parte do tempo é passada tendo apenas por companhia a água, a vegetação rasteira e os sons das aves.
Situada numa região que tem muito para ver, incluí-a num roteiro que já aqui sugeri há algum tempo, e que podem encontrar no post Roteiro de fim-de-semana: entre a natureza e a História.
Meandros do Zêzere
Um dos troços mais admiráveis do rio Zêzere é o que serpenteia entre a aldeia de Dornelas e a barragem do Cabril, conhecido como Meandros do Zêzere. Atravessando esta zona extremamente montanhosa, o rio desbrava o seu caminho moldando-se ao relevo irregular e intenso que domina a paisagem, seguindo com calma, imperturbável, pelas curvas e contracurvas que a serrania o obriga a percorrer. Da N344, a estrada que vai para a Pampilhosa da Serra, há vários locais de onde podemos observar esta maravilha da natureza. Outro dos lugares privilegiados para apreciar os Meandros é a aldeia de Álvaro, estrategicamente situada ao longo de uma crista sobranceira ao rio, precisamente no ponto onde ele forma um cotovelo muito pronunciado. Sobre esta região já falei no post Nos meandros do Zêzere, e continuo a considerá-la como um dos melhores segredos do nosso país.
Norte da ilha das Flores
Entre Santa Cruz das Flores e o Farol de Albarnaz, o ponto mais remoto da ilha, os olhos voltam-se para o mar. Aqui não há cascatas nem lagoas, mas sim miradouros sobre ilhéus rochosos com nomes tão díspares como Garajau, Álvaro Rodrigues, Furado ou Abrões. Ao longe, mais ou menos visível consoante o tempo, o Corvo marca presença, e se o dia estiver desanuviado conseguimos distinguir a olho nu a brancura das casas da Vila do Corvo, brilhando ao sol entre o verde-acinzentado que cobre a ilha. A estrada que nos leva por esta parte da costa das Flores é tudo menos linear e demora algum tempo a percorrê-la, principalmente porque não resistimos à tentação de parar de poucos em poucos quilómetros (podem perceber melhor porquê no post Na ilha das Flores - parte VI), mas tirar uma manhã ou tarde para conhecer esta zona menos divulgada da ilha é tempo bem empregue.
Quando chegamos à ventosa Ponta do Albarnaz, a sensação é de que estamos no fim do mundo. Não fossem o farol e as vacas que por ali pastam, poderíamos pensar que a vida se tinha extinguido da face da Terra. Mas mesmo não estando no fim do mundo, estamos praticamente no fim de um continente: o ilhéu de Monchique, que é considerado o ponto mais ocidental da Europa, fica a uns meros quatro quilómetros de distância, em linha recta sobre o mar para sudoeste.
Pateira de Fermentelos
Classificada como Zona Húmida de Importância Internacional, fértil em riqueza biológica, e habitat de muitas espécies de aves, anfíbios e peixes, a Pateira de Fermentelos é além do mais um local com uma variedade de ambientes que mudam radicalmente consoante a hora do dia, as alterações climáticas e a perspectiva de onde a observamos. É um dos lugares mais românticos do nosso país, com os seus mirantes de madeira gémeos que evocam outras latitudes e outros tempos, os canaviais que ondulam ao vento, os barcos de fundo chato resguardados entre a vegetação das margens. Podem ler mais pormenores sobre esta belíssima lagoa, que ainda tanta gente desconhece, no post Pateira de Fermentelos, a lagoa tranquila.
Pôr-do-sol no Alentejo
Os melhores pores-do-sol em Portugal são os da planície alentejana. Há neles uma magia especial que transforma o céu na paleta de um pintor, mesmo quando por vezes ele é atravessado por nuvens. A amplitude da paisagem, frequentemente desprovida de grandes árvores, mostra-nos silhuetas negras sobre campos amarelos à nossa volta, enquanto faixas cor-de-rosa e laranja se destacam num fundo azul brilhante por cima de nós. Outras vezes o céu fica vermelho berrante, incendiando a planície, as casas e as estradas, ou adquire a suavidade das cores pastel, como se filtradas por um vidro fosco – mas nunca, nunca se repete.
Portal do Inferno
A estrada M567 percorre de forma irregular, como se estivesse embriagada, uma parte do Maciço da Gralheira, e num dos seus troços segue por uma crista muito estreita entre duas vertentes abruptas: é o Portal do Inferno, um dos miradouros mais fabulosos do nosso país. Estamos mil metros acima do nível do mar e de ambos os lados da estrada, lá muito no fundo, correm ribeiras, cada uma para seu lado (uma delas passa pela aldeia abandonada de Drave). Em volta desdobram-se as serras da Arada, de São Macário e da Freita, e as fundas linhas de água que as cortam verticalmente, vistas daqui, dão-lhes um aspecto característico a que chamam “garra”, por fazer evocar os dedos das patas de uma ave de rapina. É mais uma paisagem única no nosso país.
Serra de São Macário
A altura certa para subir a São Macário é perto da hora do sol-pôr, em dia com poucas ou nenhumas nuvens. Quando as cores quentes do ocaso começam a derramar-se sobre as serranias percebemos porque é que lhes chamam Montanhas Mágicas. Nem a profusão de aerogeradores – esses gigantes esquálidos que desenham no horizonte o contorno das serras – estraga a atmosfera, antes parece chamar (ainda mais) a atenção para as formas caprichosas da paisagem que se avista em redor. Não estranho por isso a lenda do santo que dá o nome à serra, que diz-se terá escolhido este lugar para viver como eremita, penitenciando-se por ter acidentalmente morto o seu pai, pois para viver solitário não podia ter escolhido melhor. A gruta onde supostamente viveu é agora uma capela, mas desconfio que foi a beleza do entorno o verdadeiro motivo por trás da construção de uma outra capela, maior, mesmo no pico da montanha, rodeada de um muro que a protege das ventanias e (mal) acompanhada pelas torres de comunicações ali instaladas. Neste lugar de contemplação, é como se já estivéssemos a meio caminho do céu.
Árvores queimadas
Todos os anos, nas várias viagens de carro que sempre faço em Portugal, deparo-me em algum lugar com uma paisagem de árvores queimadas. Em passeio na desolação de um pinhal ou floresta devastados pelo fogo não se ouve um som – não há pássaros a piar, nem folhas a sussurrarem ao vento, nem rumor de insectos. Apenas há silêncio.
Os incêndios são um flagelo nacional que nos afecta brutalmente todos os Verões e parece aumentar com o passar dos anos, consumindo recursos e vidas. Os seus efeitos demoram anos a desaparecer da paisagem, e permanecem para sempre no coração e na memória de quem neles perdeu os entes queridos, ou a eles sobreviveu miraculosamente.
(Também publicado no blogue Viajar Porque Sim)
Afonso Costa, reencarnado em Vital Moreira, mostra-se horrorizado com a cruz. Foge dela e grita: «Muito grave é a profunda "facada" na Constituição que consiste na edificação de um altar religioso, com cruz e tudo, por uma cole[c]tividade pública.»
É quanto basta, na perspectiva do antigo ministro da Justiça e Cultos(!), para configurar grave atentado à lei das leis desta nação valente, imortal. Uma blasfémia ao Estado laico. Daí, rasga com furor as vestes: «Tal como não não compete ao Estado ou outras coletividades públicas promover ou organizar cerimónias religiosas, muito menos participar nelas, também não lhes compete construir equipamentos de culto, seja com a cruz ou com o crescente.»
Nada surpreende esta posição de Afonso Costa, tratando-se do mesmo vulto que em 1911 profetizou que «em breve a religião católica entre nós se extinguiria» e bradava na Assembleia Nacional contra os «exploradores da Cruz» que se alimentavam da «superstição existente e da ignorância da massa popular».
Surpreende, sim, a tenacidade que continua a aparentar no seu perpétuo rancor contra a Igreja: mesmo reencarnado no preclaro doutor da Anadia, estamos perante alguém prestes a festejar 152 anos.
É tanto o furor que aguardo a qualquer momento uma proclamação igualmente vigorosa contra o escudo da bandeira nacional, onde se divisa a cruz.
Horror: um atentado ao Estado laico inscrito na própria bandeira da pátria! Há que derrubar estes vestígios da negredada e nefasta fé plasmados no supremo símbolo. Contra os canhões, marchar, marchar!
Tiago Pinto Pais, editor do PT-Post, jornal português na Alemanha, na edição nº 341, Novembro 2022:
Na sexta-feira passada calhou conhecer, no âmbito de uma actividade profissional prestada a uma empresa lituana com actividade em Berlim, um jovem português que se mudou recentemente para a capital alemã. A equipa com que participou na actividade em causa conta com 16 elementos, que se dedicam exclusivamente à gestão das obrigações de protecção de dados dos utilizadores de uma aplicação. Em Portugal, o Paulo era o único elemento da empresa em que trabalhava encarregado de garantir o mesmo, com a consequência, bem conhecida no país, de extensas horas de trabalho adicionais sem lugar a qualquer tipo de remuneração. Em Berlim, aufere o triplo do salário líquido face à remuneração que obtinha no Porto. Como tal, refere-se com relativa indiferença às rendas elevadas nas cidades alemãs porque, no final de contas, a remuneração líquida disponível após o pagamento de despesas de habitação continua a ser, em termos comparativos, muito superior àquela que restaria na cidade do Porto.
(…)
Seria bom conhecer um governo português que se preocupasse em promover o investimento e o crescimento, em vez de motivar os seus cidadãos a procurar melhor sorte noutras paragens. No final de contas, o malvado do Passos Coelho já deixou de governar o país há 7 anos…