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Delito de Opinião

Pornografia de salão

José Navarro de Andrade, 23.06.12

Nas casernas de Esparta era de muito bom-tom os recrutas serem enrabados com proficiência pelos veteranos, no mesmo modo que em nada beliscava a virtude das jovens púberes oferecerem os seus préstimos anais aos rapazes que nelas quisesse ensaiar a virilidade. Isto não contestava, bem pelo contrário, que Esparta fosse uma sociedade de costumes ferozes e severos, onde a honra e a virtude estavam acima de tudo, castigando com a proscrição ou a morte o mais leve sintoma de mariquice. Por exemplo, uma das razões do asco nutrido pelos espartanos contra os persas detinha-se no facto de estes exibirem uma feminilidade repugnante, envergando calças em vez de túnicas.

Que os deuses destes pagãos eram uns javardos sempre o fomos recalcando porque nunca se cansaram de o exclamar as religiões do Livro, perpetuamente ofendidas com as suas tropelias. O contraste com a devassidão do panteão olímpico mais sublinhava o puritanismo dos prosélitos do deus-uno e fornecia legitimidade para a omissão e o repúdio dos prazeres do sexo – on n’est pas ici pour s’amuser, como disse certa rainha, ademais francesa, na noite de núpcias.

De tal modo eram frescos certos mitos da antiguidade clássica que mal o Renascimento os reabilitou como referência cultural, logo a pintura se dispôs a ilustrá-los com o menor rebuço possível. Eles proporcionavam uma soltura lúbrica que sem essa patine elegante e ancestral bem poderia trazer aos pintores e seus mecenas o aconchego flamejante das inquisições.

Oiçam, por exemplo, o mito de Leda. Quem o contaria melhor seria a Ivone, mas cá vai, na medida do possível. Zeus, o lúbrico, apaixonou-se por Leda, dulcíssima e prudente esposa do rei de Esparta. Para dela se aproximar sem alarde, Zeus, o lascivo, transmutou-se em cisne e fingindo-se espantado por uma águia, nela se aconchegou fremente, na mesma noite em que Leda se havia submetido aos deveres de real consorte. Os normais meses depois, Leda debitou de seu ventre dois ovos, de um saíram Castor e Helena, doutro Clitemnestra e Polux. Quais eram filhos de Tíndaro, o rei, quais de Zeus, foi confusão nunca esclarecida.

Um petisco destes a ele se atiraram pintores dos mais diversos períodos a instâncias dos seus patronos que desejavam tão sugestiva decoração para as suas garçonniéres. Se muitos tiveram o pudor das meias tintas, outros, como abaixo se exemplifica, sustiveram a metáfora e mostraram o que viram. Alguns bem de frente, outros muito de trás: ínclitos artistas, grande arte, enorme pouca vergonha.

Gostamos de imaginar os clássicos hirtos e laureados, esquecendo que por vezes do que eles gostavam era de laurear a pevide.

 Michelangelo, (gravura), 1530

Esta gravura de M., que não se atreveu à tela, embora encomendada pelo Duque de Ferrara acabou nas mãos do rei de França.

 

Paolo Veronese, 1585

Como se não bastasse o coito explícito ainda acrescenta bico e boca juntos num beijo ou noutra alusão, quem sabe...

 

Boucher, 1740

Ainda está para se ver pintor mais evidente e natural do que este.

 Gustav Klimt, 1917

Para desfazer o mito do erotismo de Klimt.