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Delito de Opinião

Uma cataplana de peixe

jpt, 22.06.19

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Aumento da, e aumentos na, função pública, regionalização quiçá, e - por enquanto por último, mas nada menos importante - a folgazita para o pessoal do Estado levar os petizes à escola (uma folga para levar os filhos à escola? uma folga para levar os filhos à escola?).

E ainda vamos em Junho, vai ser um ditoso Verão. Entretanto Sousa, o Jerónimo, estertora, Cristas aparenta-se, Silva Pereira vice-presidenta-se (é inacreditável!), Sousa, o outro, emaranha-se no que julga tecer, e Martins faz o número. Sobram os adversários das beatas e o vazio.

Eleições no Outono, Cataplana no Verão.

As Raparigas do Bloco Começam a Maçar

Francisca Prieto, 26.09.16

Tenho muito pouca paciência para discussões políticas estéreis e ainda menos para gente aos berros de mão na anca. Prefiro, de caras, meter a mão na massa.

Aconteceu, no país onde vivo, que um partido fosse eleito, mas que o primeiro ministro viesse a ser o candidato da oposição. Nem sabia que isto era constitucionalmente possível, mas foi. Para possibilitar tal excentricidade, teve de se dar voz a duas favas do bolo rei, que não há meio de pararem de se esganiçar e que já começam a dar cabo dos nervos a quem quer trabalhar tranquilamente.

O primeiro assunto fracturante sobre o qual se debruçaram foi a questão do cartão de cidadã. Num país onde não se sabe por que ponta se há-de pegar, parece-me que o tema da queima dos soutiãs pode perfeitamente passar para o fim da lista na agenda parlamentar. Digo eu, que por acaso até sou mulher.

Depois, tivemos de gramar com a declaração bombástica de que o voluntariado era uma treta. Não existem dúvidas de que qualquer cidadão deve ter direito ao trabalho. Faz parte da dignidade humana e é essencial para a estabilidade das famílias. Mas misturar o direito ao trabalho com aquilo que as pessoas escolhem fazer nas horas vagas, é misturar alhos com bugalhos. Ser voluntário não é treta nenhuma. É usar tempo livre em benefício da comunidade. Há quem escolha ir ao Benfica, há quem prefira alimentar os sem abrigo. Não me macem.

Agora andam para aí a berrar aos sete ventos que “é preciso perder a vergonha de ir buscar dinheiro aos ricos”. Ora ir buscar dinheiro seja a quem for é, na sua essência mais elementar, roubar. Seja a ricos, seja a pobres, seja a remediados.

Claro que há para aí muita gente que enriqueceu a praticar a bandidagem. Mas há, em igual número, quem tenha corrido riscos, dado emprego a muita família e se tenha matado a trabalhar para ter uma conta bancária confortável. Gente que já pagou os impostos duas vezes: primeiro através dos lucros da empresa, depois com base no seu rendimento individual. Gente que abdicou da sua segurança para arriscar em negócios que não ofereciam nenhuma garantia à partida. Gente que perdeu dinheiro pessoal de um lado mas que conseguiu vir a ganhar noutro. Gente que, através do seu talento e do seu esforço, contribuiu para o crescimento económico do país. A essa gente, gostava que o estado oferecesse incentivos em vez de ameaças. Parecer-me-ia uma atitude bastante mais produtiva.

Não macem as pessoas, caramba, que isto é muito cansativo.

Ortopedix tinha razão

João Campos, 10.10.15

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As épocas de eleições fazem-me sempre regressar às páginas de Astérix e o Presente de César, quando o vetusto Abraracourcix (continuo a usar os nomes que conheci nas traduções da Meribérica) e o recém-chegado Ortopedix se enfrentam em campanha eleitoral pela liderança dos irredutíveis gauleses. E esse regresso chega sempre a estas três vinhetas, e ao cinismo tão certeiro de Ortopedix: os números dizem o que quisermos. Como, aliás, a esquerda cá da paróquia tanto se tem esforçado por demonstrar desde Domingo último, quando se confirmaram os resultados eleitorais que as sondagens vinham anunciando.

 

A interpretação é lógica - retorcida, mas lógica. Como a coligação PSD-CDS perdeu a maioria absoluta e o Parlamento tem agora uma maioria de esquerda (de várias esquerdas, mas tais diferenças foram reduzidas à condição de pormenores, pelos vistos), deve ser essa maioria de esquerda a formar Governo - apesar de nenhum desses partidos, por si (já que não se apresentaram a eleições coligados - outro pormenor), ter ganho as eleições. Ainda que a Constituição possa dar legitimidade ao caldo, dificilmente os portugueses o dariam (mais um pormenor). Já o argumento, esse, é hilariante: 61,4% dos eleitores rejeitou um Governo da coligação, pelo que deve ser a Esquerda unida - derrotada em separado - que deve governar.

 

É uma lógica interessante, e que permite algumas interpretações não menos interessantes. Como, por exemplo:

 

  • 67,6% dos eleitores portugueses não quis que o PS fosse Governo;
  • 89,8% dos eleitores portugueses não quis o Bloco de Esquerda no Governo;
  • 91.7% dos eleitores portugueses não quis a CDU no Governo
  • 81.5% dos eleitores portugueses não quis o Bloco de Esquerda e a CDU no Governo.

 

Dito de outra forma: a mesma lógica que os partidos da esquerda utilizam para dar a coligação de direita como derrotada nas eleições pode muito bem servir para rejeitar a solução por eles proposta. É caso para regressarmos a Ortopedix: os números dizem mesmo o que quisermos. 

Sordidez

Sérgio de Almeida Correia, 26.06.15

Quando se lê o que é dito em 'off' por esta gente que se senta nos lugares do Estado, e se percebe que tudo pode ser resolvido com um lugar nas listas de deputados, compreende-se melhor a matéria de que são feitos. E ao que vêm.

Como eu compreendo José Ribeiro e Castro. Por maior que seja o esforço que um homem faça em nome da cidadania, há um dia em que as pessoas sérias se fartam, deixam de aturá-los e mandam tudo às urtigas. O lumpen dos partidos vai tomando conta de tudo.

Temos de parar com isto

Rui Rocha, 19.02.14

Meu Deus, como eram jovens. A vida desafiava-os. Inteirinha à sua frente. O corpo são e saudável a mente. Tinham sonhos e claridade. O azul puríssimo pintado por Andrade. E almejavam. Com aquela alma enorme, transparente, extensa, que parecia jamais  poder ser tão pesada e densa como sabemos que mais cedo do que tarde a todos se nos tornará. E almejavam. A frescura das fontes. O requebro ondulado de campos e montes. Ventanias, chilreios, pássaros em fuga, cores, vertigem e velocidade. Tudo era ainda possível. Promessas, opções, possibilidades. Este, por exemplo, se o tivéssemos deixado seguir o caminho glorioso que o destino lhe preparava, poderia ter sido um transitário com razoável sucesso. Um profissional experiente no manuseamento de papelada e processos de desalfandegamento. Ou um técnico de higiene e segurança de competência mediana na Lisnave. Mas não. Permitimos que se inscrevesse numa Jota e foi o que temos visto. Num dia, diz que quer uma saída limpa do programa de ajustamento. No mês seguinte, clama contra a hipótese de saída limpa do programa de ajustamento. Antes, tinha sonhado com um tribunal para investidores estrangeiros. De uma maneira ou de outra, já sabemos, acabam sempre a ver coisas. Ontem afirmou, perante uma plateia de gente séria e insuspeita que teve de torturar os dedos mindinhos para não rebolar a rir, que quem olha do Canal do Panamá vê Sines. Temos de acabar com isto. Temos de impedi-los de passarem ao largo de todo o futuro que lhes cabe. E quem diz António, diz Pedro. Que poderia ter sido um especialista na problemática do esvaziamento de lagares de azeite. Ou em programas de formação em pára-quedismo para pombos. Não podemos levar o nosso egoísmo ao ponto de permitir que se desviem do seu caminho só para nos divertirem com as suas peripécias rocambolescas, os seus números de pobres palhaços pobres, as frases cheias do ar e do vento que lhes preenche o espaço que medeia entre as orelhas. É imperioso que mais nenhum jovem deste calibre veja o seu destino frondoso perder-se só porque lhe é permitido ingressar numa Jota. É urgente estabelecer proibições. A bem de todos, e dos próprios antes de mais, é preciso protegê-los dos efeitos de uma carreira política. Da mesma forma que se interdita, por nociva, a venda de tabaco a menores de certa idade.

Pausa à mesa do póquer

Pedro Correia, 16.07.13

 

Imaginem uma mesa onde se joga póquer. À volta da mesa, quatro cadeiras. Nessas cadeiras estão sentados quatro homens: Aníbal, António, Paulo e Pedro. Cada qual fazendo bluff, temendo as cartas que os restantes possam lançar.

A política portuguesa, por estes dias, transformou-se nisto. Há um país inseguro, que sustém a respiração, suspenso destas cartadas. Um país sob intervenção externa, que há mais de dois anos perdeu a soberania financeira, aguarda que naquela mesa termine o jogo. Sem a mais remota esperança que daqui resulte uma solução mais sólida e mais estável.

 

Passaram apenas duas semanas desde que foi tornada pública a demissão de Vítor Gaspar, acompanhada de uma carta que constitui um notável contributo para a antologia do humor negro na política portuguesa. "Os riscos e desafios do próximo tempo são enormes. Exigem a coesão do Governo. É minha firme convicção que a minha saída contribuirá para reforçar a sua liderança e a coesão da equipa governativa", dizia o ex-titular das finanças nessa missiva supostamente dirigida ao primeiro-ministro mas tendo afinal por destinatários dez milhões de portugueses, inaugurando o estilo "carta aberta" no exercício da governação.

Quinze dias depois, tudo parece ter regressado aos penosos dias do pântano - num teste quase desesperado à liderança e à coesão, palavras habitualmente invocadas na razão inversa da sua existência, como Gaspar bem sabia quando as colocou na sua carta que abriu oficialmente a saison de crises políticas.

Não admira, por isso, que um dos quatro opte por uma pausa no mais remoto e desabitado recanto do território português. Perfeita antítese da atribulada política portuguesa por estes dias, o plácido arquipélago das Selvagens. Com apenas quatro habitantes e banhado pelas águas mais limpas do mundo, como as classificou o oceanógrafo Jacques-Yves Cousteau.

 

A Bolse treme, levando Lisboa ao terceiro pior desempenho do mundo? Os juros disparam? Há novos pedidos de demissão na equipa das finanças? Chovem acusações de que se pretende "institucionalizar o caos"? Nada que o som das cagarras não dissipe enquanto se contempla o vasto Atlântico que inspirou os navegadores das naus de Quinhentos.

Talvez elas nos tragam notícias do eclipsado Gaspar, o ex-ministro em quem o chefe do Governo costumava "confiar plenamente" em dias que parecem já muito distantes. Talvez elas contribuam para atenuar o choque das contínuas surpresas em que se transformou a montanha russa da política nacional. Talvez elas ajudem a revigorar o supremo árbitro do sistema, mais eloquente nos longos períodos de silêncio do que no esporádico uso da palavra.

Ou talvez não.

 

A política é um jogo em que Passos e Portas fazem tudo errado e no fim quem perde é o Tó Zé

Rui Rocha, 07.07.13

Assistimos, na passada semana, a um triste espectáculo político em que Passos e Portas fizeram tudo errado. Do primeiro-ministro fica a ideia de uma total falta de capacidade de liderança. Essa é a conclusão que se pode tirar da carta de demissão de Gaspar. Isso é o que resulta de toda a trapalhada que veio a público a propósito da demissão de Portas. Que tipo de líder permitiria que uma situação desta natureza derrapasse para a opinião pública como sucedeu nesta crise? Já no que diz respeito a Portas, o que fica são as ruínas de toda a credibilidade que pudesse ter. A partir daqui, é praticamente impossível construir qualquer proposta política sobre uma reputação tão arruinada. Todavia, o jogo político tem particularidades verdadeiramente surpreendentes. Numa espécie de tacada às três tabelas, a verdade é que António José Seguro acaba por ser um dos mais prejudicados pela tempestade. Vejamos. Se  há coisa que ficou clara para os portugueses, é que a instabilidade política pode trazer consequências desastrosas. Bolsa a afundar, juros da dívida a dispararem e ameaça de descida dos respectivos ratings pelas agências de notação. Durante a crise, Seguro apostou na irreversibilidade da queda do governo e cavalgou estes sinais. Sabe-se agora que foi um tremendo tiro no pé. Se, como tudo indica, a situação política estabilizar nos próximos tempos, os mercados recuperarão, num claro sinal de que é preferível o mau conhecido do que o bom por conhecer. Neste contexto, com que cara continuará Seguro a forçar o cenário de eleições antecipadas, situação que trará evidentemente uma ameaça de instabilidade, até porque não é claro que do acto eleitoral resulte um cenário de clarificação? É óbvio que Passos Coelho e Portas serão duramente punidos em próximas eleições. Mas é também certo que a percepção generalizada é agora a de que é preferível que prolonguem tanto quanto possível o governo que detém o mandato para a actual legislatura. É neste contexto que Passos se assemelha cada vez mais a um Forrest Gump da política portuguesa. Sem qualidades que permitissem prever qualquer tipo de sucesso, lá vai andando. Quanto a Seguro, fica cada vez mais claro que é alguém a quem os portugueses só recorrerão por absoluta falta de alternativa e como solução de último recurso. Para quem esteve tão perto de chegar ao poder durante a passada semana, a lição política que fica pode ser resumida numa célebre frase do próprio Forrest Gump: a vida é uma caixa de bombons e nunca se sabe o que está lá dentro.

O caminho mais curto entre um tacho passado e um tacho futuro pode também ser uma parábola

Rui Rocha, 05.05.13

Ontem, 25 de Abril

jpt, 26.04.13

 

Já é noite, avançada até, oito e tal, subo os corredores da faculdade para a última aula do dia. Vou como vou, a gripe voltou, a telha mantém-se, longa, ríspida, como sempre o é, neste amarfanhar do trapo. Pior, serão pormenores mas tanto moem, reparo agora que tenho uma enorme mancha na camisa, café decerto, mas não tenho tempo para me mudar, vou assim aparecer diante dos alunos, qual ogre abatido. Cruzo uma colega, saúda-me, arranjo alento - esse que falta quando só - para umas palavras sorridentes. Simpática, felicita-me pelo dia, "25 de Abril", lamenta-me, companheira, por não gozar o meu feriado, mas para logo mudar, como se até arrependida, "bem, mas para ti o 25 de Abril não é nada! tu não és disso!", qualquer coisa assim .... Fico gelado, transido, balbucio qualquer coisa como "então ...?", ou nem mesmo isso, e sigo trôpego para a sala, maçar quem me espera com qualquer coisa tão distante, umas quaisquer ideias de XIX, e antes de lá chegar ainda penso "que terei eu dito?, algum dia?, para ouvir isto?".
Depois regresso a casa, o jantar tardio das quintas-feiras d'agora. Enquanto os tachos reaquecem espreito o fb no portátil, muito 25 de Abril nos meus "amigos" dali. Entre o imenso "memeísmo" que dominou tudo aquilo, lá surge uma foto real das comemorações na minha Lisboa, impante lá está o bombista e assaltante, anos preso pelas malevolências e assassinato cometidos, para depois ser "amnistiado" por via de uma "absolvição", esta brotada daquele necessário irenismo reconciliatório dos anos 80s. Todo ele, gordo, encanecido, está ali qual também símbolo do 25 de Abril, e quem o ladeia enche blogs de democráticas aspirações. A este assassino os colegas não lhe questionam a democracia, que o folclore se globalizou, resmungo para mim.

Vou-me ao peixe, trago-o no tabuleiro e vejo um pouco as notícias portuguesas. Mais comemorações. Os jornalistas questionam os "populares" sobre o significado da data, e também algumas criancinhas, aperaltadas, vestidas a rigor, cheias de símbolos (a data é simpática, mas ninguém percebe o tétrico que é adornar as crianças para este tipo de situações, quais "anjinhos da democracia"?). Todos eles respondem da mesma forma, até os bem industriados petizes, o 25 de Abril representou a liberdade.

Sorrio. Nem um desses "donos" (e filhos de "donos") da data, da democracia, se lembra de falar na paz. Que a data significa a paz. A história pátria foi bem limpa ... Apetece-me enviar um sms à minha colega, mas ela não compreenderia. Nem o teor, nem a minha irritação. Que nem é com ela.

Depois surge um "não-popular", o cantor Carlos Mendes. Opina. Que  "o que se está a passar no país é indecente". E como tal é necessário um novo 25 de Abril! Isso mesmo: temos seis colónias, cheias de barreiras raciais (mesmo que os luso-tropicais afiancem que não, e nunca desistam de o lembrar); três guerras e dezenas de milhares de tipos a fazê-las, na esmagadora maioria sem perceberem para quê. Nelas, e também na metrópole (onde Carlos Mendes continua a cantar e vai opinando, sabe Deus com que coragem) temos as prisões cheias por delitos de opinião, mais a merda da censura. Temos o povo analfabetizado, pobre como o caraças, e mais no campo ainda, onde quase metade de nós se vai arrastando entre machambeiros, malteses e ratinhos, e nem falar da liberdade de associação, seja ela qual for, e mesmo a de culto, enfim esta com muito cuidadinho - nem de dessassociação, já agora, que nada de divórcio legal, não vá a gente meter-se com ideias. Eleições está visto, vota quem está nas listas, e depois no fim ainda vai tudo à "contagem". O Presidente, não o do Conselho, falo do da República, é fascista e da pide, dizem-me ainda no fb, e vários o fazem também com grande coragem. Tem razão o Carlos Mendes, e espero que o cante. A tropa tem que se revoltar, e o povo deve segui-la, a acabarem com este estado de coisas.

Passo de canal, para o Fenerbahce-Benfica, o Magdeburgo-Sporting de hoje.

Deve ter razão a minha colega. O meu feriado não é o mesmo deste cantor. Nem o do chefe das Brigate Rosse lusas. Fico mais sossegado e, imagine-se, desirrito-me. Pois a cada um o seu folclore.

É essa a democracia. O meu feriado. Ou, melhor, o meu folclore. 

 

(também colocado no ma-schamba)

Pensar duas vezes

Laura Ramos, 28.09.12

Absolutamente de acordo.

Eu diria que essa é a grande necessidade nacional, sem prejuízo da rua.

Parar para pensar. Ler as fontes. E não as notícias das notícias das notícias.

Exigir qualidade à nossa indignação.

Avaliar com a própria cabeça.

Lembrar Pavlov.

Recusar a facilidade do logro que é usar o nosso descontentamento como catalisador de outras ordens de valores. Ou então perder as peneiras. É consoante os casos.

Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades!

Laura Ramos, 12.08.11

 

Metamorphosis of Narcissus


A frase de Almada Negreiros (in Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do séc. XX) é um bom ponto de partida.

(Sei lá porquê... ou talvez não... deu-me para republicar isto).

Há uma estranha disfunção entre os portugueses, naquilo que toca à sua auto-imagem.
Quando se trata de medir as suas próprias capacidades individuais - e se lhes pediria portanto que fossem redobradamente objectivos, justos e razoáveis -, cada um é o maior.
A avaliar pelas críticas fáceis e demolidoras com que invariavelmente brindam o seu próximo (sobretudo se este estiver na berlinda, e  especialmente na berlinda política), o auto-conceito de cada português é benemérito e generoso, pois nunca há desempenho alheio que o satisfaça.

Contudo, quando a avaliação incide sobre as capacidades colectivas, enquanto povo, o português é surpreendentemente exigente e do mais masoquista e auto-destruidor que pode imaginar-se.
Não há alma colectiva, não há orgulho. Não há força, nem fé, nem uma arriba! que nos sustente o salto.


Portanto, quanto à capacidade de auto-crítica (: as qualidades), estamos falados.

O erro de perspectiva é revelador.

Quando esta relação de forças se inverter talvez nós, portugueses, cheguemos a algum lado.

Ficaremos então auto-exigentes. E compreenderemos (só assim é possível) as limitações do próximo.

Claro, o que chateia nesta distorção toda, para além do ridículo, é que até lá é Portugal quem paga, e todos nós atrás.

 

Comícios e bebícios

Ana Vidal, 25.05.11

 

Este grupo de cidadãos, portugueses dos quatro costados e fervorosos militantes do PS, está já a caminho de Penafiel para o comício. Trazem canas, minhocas e anzóis na bagagem, e alguns baldes de plástico para levar para casa os restos da pescaria. Dispensaram o passeio a Rio de Moinhos e apressaram-se a apanhar o TGV Poceirão-Caia para chegarem antes dos autocarros, porque o almoço não está incluído e não querem correr o risco de perder os melhores  linguados e garoupas. Não vá o diabo tecê-las e já só restarem carapaus.

A sorte e o desnorte

João Carvalho, 31.05.10

«Falando aos jornalistas antes de um almoço no Palácio de São Bento com várias associações defensoras dos direitos homossexuais e LGBT», José Sócrates disse que «a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo torna a sociedade "melhor"».

Como não consta que tenha alterado essa posição depois do almoço, pode concluir-se que os homossexuais estão duplamente com sorte. É que saber governar, resolver e ultrapassar os problemas em que o País está metido até ao pescoço também torna a sociedade melhor e, no entanto, a vida continua a piorar para a maioria dos portugueses e nem por isso estes são convidados pelo primeiro-ministro para almoçar.

A crise, porém, foi abordada. Sócrates disse também isto: "Eu sei que o País tem outros problemas e estamos empenhados neles, mas não vejo razão nenhuma para que, no meio de tudo isso, não encontremos espaço para não fazer aquilo que devemos, que é promover uma sociedade mais justa e sem discriminação."

Atentem bem no desnorte: "não vejo razão nenhuma para que não encontremos espaço para não fazer". Foi antes de almoço, sim, só que falou em 'teixeira-santês' técnico.

O caso do verniz desaparecido

Pedro Correia, 18.08.09

Aqui confunde-se debate político com o insulto mais rasteiro. Curiosamente, houve outras alturas em que o termo que chega a ser considerado "carinhoso" na tolerantíssima caixa de comentários deste post não era tão bem acolhido na doce tribo dos admiradores do primeiro-ministro. Por ter supostamente proferido tal expressão, à conversa com um falso amigo vocacionado para delator, Fernando Charrua tramou-se - e chegou mesmo a levar umas vergastadas aqui e aqui.

A diferença que duas letrinhas fazem: bastaria o João chamar-se José para tudo ser diferente: os indulgentes de agora voltariam à indignação de anteontem. O respeitinho (às vezes) é muito bonito. Mas uma grosseria será sempre feia. E mancha aquele que a profere, não aquele a quem se destina.