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Delito de Opinião

Nuno Júdice

Patrícia Reis, 08.02.15

 

De um e outro lado do que sou,
da luz e da obscuridade,
do ouro e do pó,
ouço pedirem-me que escolha;
e deixe para trás a inquietação,
a dor,
um peso de não sei que ansiedade.
Mas levo comigo tudo
o que recuso. Sinto
colar-se-me às costas
um resto de noite;
e não sei voltar-me
para a frente, onde
amanhece.

in MEDITAÇÃO SOBRE RUÍNAS (Quetzal, 1999)

Assis Pacheco

Patrícia Reis, 04.02.15

"ACONSELHO-VOS O AMOR

Aconselho-vos o amor:
o equilíbrio dos contrários.

Aconselho-vos o amor
cheio de força; os moinhos
girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
— vão dizer-vos que não —
para os gestos diários).

ACONSELHO-VOS A LUTA."

De "Cuidar dos Vivos" (1963), incluído em "A Musa Irregular" (1991), de Fernando Assis Pacheco.

Manuel António Pina

Patrícia Reis, 23.03.14

É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo “eu” entre nós e nós?

in "Como se desenha uma casa" (2011)

poema de Margarida Ferra

Patrícia Reis, 13.03.14

Todos os que não sou
escolhem a camisa singular
de olhos fechados.
Trago no bolso dois poemas
e o desejo de toda a gente,
sou um discreto herdeiro
das relíquias que recolho de mesas de café
e em degraus de rua meio desfeitos.

Depois de me descalçar,
arranquei o arame tenso que vos ligava.
Do vértice tento avistar as caras,
queria ser eu e outro,
mas sei que não tenho valor de troca.
Se pensas vestir-me
debaixo do teu casaco
desapareces comigo.